Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
77/09.3TBALR-B.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: INCUMPRIMENTO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
ALIMENTOS
MORA DO CREDOR
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
1. Os termos da regulação do exercício das responsabilidades parentais têm de ser cumprido, nos precisos termos acordados e homologado, nomeadamente no que respeita ao pagamento do montante da prestação de alimentos fixada, enquanto não for judicialmente alterada.
2. Se o Requerente ficou obrigado a comunicar à Requerida o número de conta bancária para que esta depositasse mensalmente a prestação de alimentos, não o fez e ausentou-se com o filho, ignorando a Requerida o seu paradeiro e informando o tribunal desse facto, procedeu de boa-fé e diligenciou no sentido de obter os necessários elementos bancários para proceder ao pagamento dos alimentos acordados, não lhe sendo imputável qualquer responsabilidade pelo não cumprimento dessa obrigação, perante a manifesta ausência de colaboração do requerente, incorrendo este em mora (art.º 813.º do C. Civil) e desresponsabilizando a requerida das consequências jurídicas desse incumprimento.
3. Essa circunstância não pode isentar ou desonerar a Requerida desse pagamento, o qual continua a ser devido, ou seja, a mora credendi não acarreta a extinção da obrigação correspondente, desencadeando apenas as consequências previstas nos artigos 814º a 816º do C. Civil, nomeadamente o não vencimento de juros nos termos do n.º2 do art.º 814.º.
4. Assim sendo, no caso dos autos, deveria ter sido declarado que a requerida incumpriu o regime de regulação das responsabilidades parentais no que respeita ao pagamento dos alimentos vencidos, e que a ficou obrigada, cujos valores em dívida deverá liquidar, sob pena de aplicação do regime previsto no art.º 48.º do RGPTC, se for caso disso.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I- Relatório.
Nos presentes autos de incumprimento das responsabilidades parentais, o requerente AA, em 7 de abril de 2016, veio informar que a requerida BB nunca cumpriu o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, relativamente ao filho de ambos, CC …, nascido a 31 de dezembro de 1997, sendo ele que tem assegurado a satisfação de todas as necessidades do filho, o qual está a frequentar um curso de formação profissional equivalente ao 12.º ano, sendo que os valores em dívida dos alimentos permitiriam ao filho a estabilidade necessária a concluir o seu curso.
Notificado para esclarecer quais os valores em dívida, veio informar que a requerida não liquidou qualquer mensalidade.
A requerida foi citada para se pronunciar, respondendo em 7 de março de 2017 (fls. 34 e segas.), alegando que não pagou qualquer mensalidade por desconhecer o paradeiro do requerente e do filho e que o requerente nunca lhe fez chegar o n.º de conta bancária para proceder ao depósito da prestação de alimentos, tal como tinha sido acordado, invocando ainda ter uma situação económica muito precária.
Após foi agendada e realizada uma conferência de pais, em 22 de maio de 2017, nos termos do art.º 41.º/3 do RGPTC.
E, não tendo os progenitores chegado a acordo, apesar da requerida confessar não ter pago os alimentos por desconhecer o n.º de conta bancária, elementos fornecidos pelo requerente nessa diligência, passando a requerida a depositar os alimentos na conta bancária aí mencionada desde essa altura (fls. 39 e 40), foram notificados para em 10 dias apresentar alegações e meios de prova.
Apenas o requerente apresentou alegações e meios de prova, peticionando que sejam ordenadas as diligências necessárias para o cumprimento coercivo das pensões de alimentos devidas pela requerida, sendo que as vencidas ascendem a € 4.841,19, bem como as vincendas.
Foi agendado e realizado o julgamento, após o que foi proferida a competente sentença que julgou inverificado o incumprimento no que toca às prestações alimentares a favor do filho CC pela requerida BB e vencidas nos meses de março de 2009 a maio de 2017, absolvendo a requerida do pedido formulado nos presentes autos.
Inconformado, o Requerente recorreu desta sentença, terminando as suas alegações com extensas e complexas conclusões, razão pela qual não se transcrevem na totalidade, mas apenas de relevante as seguintes:
1ª- A decisão recorrida, ao julgar improcedente, por não provada a ação de incumprimento da regulação das responsabilidades parentais que resultou na absolvição da requerida BB quanto ao pedido de pagamento das pensões de alimentos e despesas escolares em dívida, a favor do seu filho CC, apresentado pelo seu progenitor, ora recorrente, e absolvendo a requerida, ora recorrida, da instância fez incorreta/insuficiente apreciação dos factos alegados, assim como errada aplicação da matéria de direito.
2ª- Resulta dos factos dados como provados que, em 5 de março de 2009, ficou estipulado em sede de regulação das responsabilidades parentais, entre outros aspetos, que o CC ficaria a residir com o pai e que a recorrida, contribuiria, a título de alimentos para o filho, com a quantia de € 50,00 por mês, mediante depósito bancário, até ao dia 8 de cada mês, em conta bancária que o filho fosse titular, devendo o pai informar a mãe do número dessa conta.
3ª- Dando-se também como provada a circunstância de que a recorrida, não pagou qualquer pensão de alimentos ao filho, desde março de 2009 até 22 de maio de 2017.
4ª- Considerou-se não provado o facto de o ali requerente, ora recorrente, ter comunicado à ali requerida, aqui recorrida, o número da conta bancária para pagamento da pensão de alimentos devida ao filho de ambos antes de 22 de maio de 2017.
5ª- De acordo com a decisão recorrida, tendo o progenitor a obrigação de comunicar à progenitora um elemento indispensável ao cumprimento da obrigação de pagamento da pensão de alimentos, “deveria ter diligenciado de forma mais assertiva pelo efetivo recebimento da comunicação do número de conta bancária por parte da requerida – o que não o fez e, em nosso ver, esvazia de ilicitude o não pagamento da pensão”. (sic)
6ª- Tal interpretação não poderá servir de base à decisão da causa!
7ª- A decisão recorrida coloca exatamente no mesmo patamar duas obrigações totalmente distintas entre si: a obrigação de um progenitor dar conhecimento ao outro progenitor do número de uma conta bancária para transferência da pensão e a obrigação de o outro progenitor pagar a dita pensão.
8ª- Acabando aquele tribunal a quo por atribuir uma maior gravidade e importância ao facto de o recorrente alegadamente não ter comunicado o número da conta à recorrida.
9ª- Concluindo que tal facto “esvazia de ilicitude” o incumprimento da progenitora, não obstante o mesmo durar há mais de 8 anos, e nessa sequência a absolver do pagamento da pensão de alimentos em dívida desde março de 2009 a maio de 2017.
10ª- Não estamos perante uma obrigação “qualquer”, mas sim perante uma obrigação geral e legal de alimentos, que pretende assegurar um nível de vida minimamente digno ao alimentando, e que decorre do conteúdo do direito à vida e à sobrevivência consagrado no artigo 24º da CRP.
11ª- A obrigação de alimentos a menor tem a sua génese numa relação familiar (filiação biológica) que, não obstante se possa também fundar na solidariedade familiar, deriva essencialmente do dever dos pais sustentar os filhos menores, conforme disposto no artigo 1874º do CC.
12ª- Uma vez que não ficou estipulado (no acordo da regulação das responsabilidades parentais) o procedimento a adotar pela progenitora mãe, no caso de o progenitor pai não cumprir com a obrigação de dar conhecimento do número da conta, a declaração/atuação da recorrida deveria ser integrada de acordo com os ditames da boa-fé, em harmonia com o superior interesse da criança.
13.ª- Nos termos do disposto no artigo 239º do CC, caberia à mesma buscar uma solução eficaz e definitiva para o efetivo cumprimento da obrigação de prestar alimentos, ao invés de “aguardar” por mais de 8 anos, por um número de conta.
14.ª- Foram, desse modo, violadas pela sentença recorrida, entre outras, as normas legais substantivas constantes dos Arts. 12º, 41º e 48º, nº 1 do RGPTC; dos Arts. 239º, 799º e 1874º do CC; do Art. 24º da CRP e adjetivas insertas nos Art. 3º, nº 3 do NCPC.
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Não foram juntas contra alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos autos e com efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pela recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil -, constata-se que a questão essencial a decidir consiste em saber se houve ou não incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais, por banda da requerida, quanto ao pagamento da prestação alimentar acordada, e quais as consequências jurídicas.
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III – Fundamentação fáctico-jurídica.
1. Factos provados.
Na decisão recorrida foram considerados os seguintes factos:
a) O CC, nascido em 31 de Dezembro de 1997, é filho do requerente e da requerida.
b) Por acordo homologado por decisão proferida nos autos de regulação do exercício das responsabilidades parentais que constituem o processo principal (cfr. fls. 8-10 dos mesmos autos) em 5 de Março de 2009, foi estipulado, além do mais, que o CC ficaria a residir com o pai e que a requerida contribuiria, a título de alimentos para o filho, com a quantia de € 50,00 por mês, mediante depósito bancário, até ao dia 8 de cada mês, em conta bancária em que o filho fosse titular, devendo o pai informar a mãe do número dessa conta. Este valor seria atualizado anualmente de acordo com a taxa de inflação publicada pelo INE.
c) Mais ficou acordado que as despesas escolares, médicas, medicamentosas e hospitalares do filho seriam pagas em partes iguais pelos progenitores, mediante apresentação de recibo.
d) No dia 20 de Agosto de 2009, a requerida apresentou requerimento aos autos principais, datado de 6 de Agosto de 2009, o qual foi autuado como apenso de incumprimento com a letra A (cfr. fls. 1 do mesmo apenso), cujo integral teor se dá por reproduzido e no qual se pode ler, além do mais, o seguinte: “venho por este meio informa a V. Ex. de que não tem sido cumprido o acordo, feito neste Tribunal no dia 05-03-2009 (…), ficando acordado o Sr. AA proceder abertura de uma conta bancária no dia 08-04-2009 onde seria depositado, mensalmente, pela Sra. BB a quantia de 50 Euros de pensão alimentar. Não recebendo qualquer tipo de informação nem outro tipo de contacto sobre o número da suposta conta bancária por parre do pai do menor. Eu esperei 3 meses e 29 dias, desloquei-me à vossa comarca, onde fui informada que teria que declarar por escrito e endereçar a V. Ex. a ocorrência da situação. Fico pois deste modo sem saber que fazer, e não tendo alternativa tive de partilhar com V. Ex. o ponto da situação”.
e) O apenso A foi declarado extinto por deserção da instância, não tendo o requerido sido notificado do requerimento referido em 4.
f) A requerida não entregou qualquer pensão de alimentos para o filho ao requerente desde Março de 2009 e até 22 de Maio de 2017.
g) Antes de 22 de Maio de 2017, a requerida não tinha conhecimento do número da conta bancária para pagamento da pensão de alimentos.
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2. O direito.
Perante a factualidade apurada, vejamos, pois, se a Requerida incumpriu o acordo de regulação do exercício das responsabilidades parentais, no tocante ao pagamento da prestação alimentar fixada a seu cargo em benefício do filho.
E a resposta a esta questão só pode ser positiva.
Antes, porém, não podemos deixar de sublinhar a invulgar tramitação deste simples incidente de incumprimento da regulação do exercício das responsabilidades parentais, apenas no tocante ao não pagamento dos alimentos, cuja decisão deve prescindir de diligências posteriores à conferência de pais, por inúteis, demonstrada que estava, e está, no caso concreto, o não pagamento da obrigação alimentar fixada, protelando-se excessivamente uma decisão, quando se pretende com este incidente adequada celeridade e eficácia, tendo em conta os interesses em presença - na questão dos alimentos está em causa o direito à vida do alimentando, ou como nota L. Moitinho de Almeida (Ordem Advogados, 1968, pág. 94, e Scientia Jurídica, Dos Alimentos, XVI, 84º-85º, pág. 270 a 297), “ o interesse protegido pela lei com a imposição da obrigação de alimentos é o interesse pela vida de quem deles carece, que é um interesse individual tutelado por motivos humanitários” -, e cuja proteção é incompatível com uma decisão não proferida em prazo curto.
Com efeito, o art.º 41.º do RGPTC estabelece a tramitação a seguir em caso de incidente de incumprimento do regime acordado, ou decidido, relativamente a qualquer questão do exercício de regulação das responsabilidades parentais. “Porém, tratando-se apenas de incumprimento quanto à prestação de alimentos, importa considerar o disposto no art.º 48.º, que prevê o modo de cobrança coerciva dos alimentos vencidos e vincendos, através do desconto no vencimento ou outros rendimentos do devedor. Por isso, estando em causa apenas essa questão, é diretamente aplicável esse preceito, não o processamento deste incidente” – cfr. Tomé d’Almeida Ramião ( [1]).
Na realidade, no art.º 48.º do RGPTC mostra-se prescrito um regime que “visa a cobrança coerciva da prestação de alimentos, através de um procedimento específico pré-executivo, ou seja, à margem de uma ação executiva e independente dela, no sentido que a não procede, e aplica-se a qualquer processo tutelar cível em que se tenha fixado uma prestação de alimentos à criança.
Assim, admite-se o pagamento das prestações de alimentos vencidos e vincendos, através do desconto no vencimento, ordenado, salário do devedor, ou de rendas, pensões, subsídios, comissões, percentagens, emolumentos e comparticipações que sejam processadas com regularidade” - cfr. Autor e obra citados, pág. 191.
Tratando-se de um procedimento especial, e desde que seja possível a cobrança dos alimentos através do desconto no vencimento ou dos rendimentos referidos nas suas alíneas, deve utilizar-se este meio, por ser mais célere e garantir de forma mais eficaz os interesses da criança, no caso, garantir e assegurar a satisfação das suas necessidades básicas, em particular os necessários meios de subsistência.
Este mecanismo processual deve ser seguido, por representar a via mais célere e eficaz na satisfação do direito de alimentos da criança, cujas necessidades de sobrevivência não se compadecem com delongas processuais.
Esta tem sido esta, também, a orientação da jurisprudência [2].
Este procedimento coercivo, na ausência de norma expressa em sentido contrário, deve ser suscitado em incidente, por apenso ao processo que fixou a prestação de alimentos, competindo ao tribunal que decretou os alimentos conhecer o incidente, não tendo aplicação a regra geral prevista no art.º 9.º ― art.º 16.º, segunda parte.
E, na impossibilidade de obtenção dos alimentos por esta via, poderá então efetuar-se a cobrança coerciva através da referida ação executiva, podendo, ainda, se for o caso, acionar-se o mecanismo processual que permite a fixação dos alimentos e seu pagamento pelo Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, no âmbito da Lei n.º 75/98, de 19 de novembro.
No caso dos autos, está demonstrado (desde logo por confissão judicial – art.º 356.º/1 do C. Civil), que a requerida não liquidou a prestação alimentar de € 50,00, fixada em 5 de Março de 2009, no âmbito do acordo de regulação do exercício das responsabilidades do filho CC, homologado por sentença, a qual deveria ter sido depositada até ao dia 8 de cada mês, em conta bancária em que o filho fosse titular, devendo o pai informar a mãe do número dessa conta, a atualizar anualmente de acordo com a taxa de inflação publicada pelo INE.
Porém, a requerida não entregou qualquer pensão de alimentos ao requerente desde Março de 2009 até 22 de Maio de 2017, sendo que antes desta data (22 de Maio de 2017), não tinha conhecimento do número da conta bancária para pagamento depositar essa quantia.
E mais se demonstrou que a requerida, em 20 de Agosto de 2009, apresentou requerimento aos autos principais, datado de 6 de Agosto de 2009, no qual informava o tribunal de que não estava cumprir o acordo, pois tinha ficado acordado que o requerente procedia à abertura de uma conta bancária onde seria depositado, mensalmente, a pensão de alimentos, não recebendo qualquer tipo de informação nem outro tipo de contacto sobre o número da suposta conta bancária por parte do pai do menor. E mais refere “Eu esperei 3 meses e 29 dias, desloquei-me à vossa comarca, onde fui informada que teria que declarar por escrito e endereçar a V. Ex. a ocorrência da situação. Fico pois deste modo sem saber que fazer, e não tendo alternativa tive de partilhar com V. Ex. o ponto da situação”.
E não foi possível notificar o requerente desse requerimento, apesar das diligências realizadas no sentido de apurar do seu paradeiro.
Assim, urge concluir que a requerida procedeu de boa-fé e diligenciou no sentido de obter os necessários elementos bancários para proceder ao pagamento dos alimentos acordados, desconhecendo o paradeiro do requerente e do filho, razão pela qual não lhe pode ser imputável qualquer responsabilidade pelo não cumprimento dessa obrigação, isto é, esse incumprimento não é culposo ( art.º 799.º/1 do C. Civil), perante a manifesta ausência de colaboração do requerente, incorrendo este em mora (art.º 813.º do C. Civil), desresponsabilizando a requerida das consequências jurídicas do incumprimento pontual da prestação alimentar.
Como se refirma no acórdão STJ de 14/01/2014, proc. n.º 511/11.2TBPVL.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt, “Para haver mora do credor – art. 813º do Código Civil – não basta qualquer recusa de colaboração deste, quando exigível, para que o devedor execute proficientemente a sua prestação, sendo antes de exigir que essa recusa se relacione com os atos de cooperação essenciais, omitidos ou recusados pelo credor que impeçam a realização da prestação pelo devedor”.
Todavia, essa circunstância não pode isentar ou desonerar a requerida desse pagamento, o qual continua a ser devido, tanto mais que já tem conhecimento dessa conta bancária e efetua o seu pagamento a partir de junho de 2017, ou seja, a mora credendi não acarreta a extinção da obrigação correspondente, desencadeando apenas as consequências previstas nos artigos 814º a 816º do C. Civil, nomeadamente o não vencimento de juros nos termos do n.º2 do art.º 814.º.
Como ensina Almeida Costa, “Direito das Obrigações”12.ª Edição, pág. 1079 e segs., “ a mora creditória libera o devedor da responsabilidade pelo não cumprimento”. “ A exigência de culpa do credor, no quadro da “mora accipiendi”, unicamente se compreende, desde que exista, para ele, obrigatoriedade de receber a prestação e praticar os correspondentes atos indispensáveis ao cumprimento”.
Dito de outra maneira, à requerida não lhe podem ser exigidos juros moratórios das quantias em dívida ou qualquer outra sanção pelo incumprimento, que se exige culposo e grave, nomeadamente multa ou indemnização a favor do filho, do requerente, ou dos dois, nos precisos termos do art.º 41.º/1 do RGPTC, mas continua devedora dos alimentos relativos a esse período, ou seja, dos alimentos devidos desde Março de 2009 e até 22 de Maio de 2017, visto que deveria ter guardado essas quantias para entregar ao requerente, logo que cessada a mora creditória.
Assim sendo, no caso dos autos, deveria ter sido declarado que a requerida incumpriu o regime de regulação das responsabilidades parentais no que respeita ao pagamento dos alimentos vencidos, e a que ficou obrigada, cujos valores em dívida deverá liquidar, sob pena de aplicação do regime previsto no art.º 48.º do RGPTC, se for caso disso, ou devendo os autos prosseguir sua para efeitos de fixação de prestação a cargo do FGADM, no âmbito da Lei n.º 75/98, de 19/11, reunidos os respetivos pressupostos.
Com efeito, prescreve o art.º 48.º, n.º1, alínea b) do RGPTC que “quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não sa­tisfizer as quantias em dívida nos 10 dias seguintes ao vencimento, se for empregado ou assalariado, são-lhe deduzidas no ordenado ou salário, sendo para o efeito notificada a respetiva entidade patronal, que fica na situação de fiel depositário”.
E acrescenta o seu n.º2 : “As quantias deduzidas abrangem também os alimentos que se forem vencendo e são diretamente entregues a quem deva recebê-las”.
Destarte, no caso em apreço, perante o requerimento inicial do requerente, competia à requerida demonstrar o cumprimento da obrigação alimentar estabelecida, sob pena de aplicação do regime previsto no art.º 48.º do RGPTC, proferindo-se decisão em conformidade, sem mais delongas processuais.
Importa ainda acrescentar que a circunstância do filho CC ter atingido a maioridade em 31 de dezembro de 2015, não impede o pagamento dos alimentos fixados durante a sua menoridade e devidos até 22 de maio de 2017 (bem como os posteriores), face ao novo regime introduzido pela Lei n.º 122/2015, de 1 de setembro, que veio dar nova redação ao n.º2 do art.º 1905.º, do Código Civil, passando a prever:
Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência”.
Com esta alteração o legislador veio clarificar que os alimentos fixados durante a menoridade do filho não cessam quando este atingir a idade de 18 anos, antes se mantendo até à idade dos 25 anos, desde que o respetivo processo de educação ou formação profissional não esteja concluído antes desta data, não tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência, nos precisos termos e circunstâncias previstas no n.º2 do art.º 1905.º do C. Civil [3].
E só cessará antes desta data (25 anos) quando: o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes dos 25 anos; o filho tiver livremente interrompido a sua formação profissional antes dessa data; ou quando o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência.
E, em qualquer caso de cessação da prestação alimentar, as circunstâncias mencionadas têm de ser alegadas e demonstradas pelo obrigado à prestação de alimentos, a quem é atribuída a iniciativa processual com vista à sua cessação, sob pena da prestação alimentar ser devida até essa idade do filho.
Decorrentemente, sem outras considerações por desnecessárias, a decisão recorrida não poderá ser mantida, devendo ser revogada e substituída por outra em conformidade.
Procede, pois, a apelação.
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IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
1. Os termos da regulação do exercício das responsabilidades parentais têm de ser cumprido, nos precisos termos acordados e homologado, nomeadamente no que respeita ao pagamento do montante da prestação de alimentos fixada, enquanto não for judicialmente alterada.
2. Se o Requerente ficou obrigado a comunicar à Requerida o número de conta bancária para que esta depositasse mensalmente a prestação de alimentos, não o fez e ausentou-se com o filho, ignorando a Requerida o seu paradeiro e informando o tribunal desse facto, procedeu de boa-fé e diligenciou no sentido de obter os necessários elementos bancários para proceder ao pagamento dos alimentos acordados, não lhe sendo imputável qualquer responsabilidade pelo não cumprimento dessa obrigação, perante a manifesta ausência de colaboração do requerente, incorrendo este em mora (art.º 813.º do C. Civil) e desresponsabilizando a requerida das consequências jurídicas desse incumprimento.
3. Essa circunstância não pode isentar ou desonerar a Requerida desse pagamento, o qual continua a ser devido, ou seja, a mora credendi não acarreta a extinção da obrigação correspondente, desencadeando apenas as consequências previstas nos artigos 814º a 816º do C. Civil, nomeadamente o não vencimento de juros nos termos do n.º2 do art.º 814.º.
4. Assim sendo, no caso dos autos, deveria ter sido declarado que a requerida incumpriu o regime de regulação das responsabilidades parentais no que respeita ao pagamento dos alimentos vencidos, e que a ficou obrigada, cujos valores em dívida deverá liquidar, sob pena de aplicação do regime previsto no art.º 48.º do RGPTC, se for caso disso.
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V. Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e revogar a decisão recorrida, declarando o incumprimento não culposo pela requerida, no que respeita ao pagamento dos alimentos vencidos e correspondentes ao período de Março de 2009 até Maio de 2017, de acordo com a mensalidade fixada em €50,00, a atualizar anualmente de acordo com a taxa de inflação publicada pelo INE, cujo pagamento deverá efetuar ao requerente, no prazo de 10 dias, por depósito na conta bancária identificada na ata de fls. 40.
Sem custas, por não serem devidas.

Évora, 2018/05/10
Tomé Ramião
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro

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[1] ) In “Regime Geral do Processo Tutelar Cível”, Quid Juris, 2.ª Edição, pág. 154.
[2] ) Nomeadamente, Ac. Rel. de Évora de 7/1/1988, Col. de Jur., I, 257 “ Fixados alimentos em processo regulado na O.T.M., o meio adequado para compelir o obrigado ao cumprimento é o do artigo 189.º desse diploma legal”, e Ac. do T. R. Lisboa, de 18/6/2009, in www.dgsi.pt/jtrl, Proc. n.º 8578-B/1993.L1-6: “ O incidente de incumprimento previsto no art.º 189.º da O.T.M. constitui um meio de cobrança coerciva da prestação de alimentos, através de procedimento pré-executivo, cuja utilização é preferível por ser mais célere e garantir mais facilmente os interesses do menor, antes ou independentemente da ação executiva”.
[3] ) Cfr. Tomé d’Almeida Ramião, “Regime Geral do Processo Tutelar Cível”, Anotado, Quid Juris, 2.ª edição, 2017, págs. 193/194.