Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1278/16.3T8TMR.E2
Relator: PAULA DO PAÇO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÕES LABORAIS
REGULAMENTO COMUNITÁRIO
TACÓGRAFO
RESPONSABILIDADE DO EMPREGADOR
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I – Por força do disposto no artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2010, a empresa é responsável por qualquer infração cometida pelo condutor, excepto se demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) nº 3821/85 e no capítulo II do Regulamento (CE) nº 561/2006:
II – Por isso, à empresa compete alegar e demonstrar, com rigor e precisão, que planeou a organização do concreto trabalho do condutor por forma a que o mesmo cumprisse as normas do Regulamento.
III – Tal não se verifica se não obstante se provar que a empresa dá formação periódica aos seus motoristas sobre a forma de funcionamento do tacógrafo e sobre os tempos de descanso, transmitindo instruções para que as regras sejam respeitadas, instaurando processos disciplinares aos motoristas que não cumpram os tempos de condução e descanso, não se prova, contudo, que no dia-a-dia da gestão do serviço de cada motorista garante o garante o planeamento da organização e realização do trabalho de harmonia com o Regulamento.
Decisão Texto Integral: P.1278/16.3T8TMR.E2

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]

I. Relatório
BB, S.A. impugnou judicialmente a decisão da Autoridade para as Condições de Trabalho (doravante designada ACT) que lhe aplicou a coima no valor de € 2.720,00, pela prática de uma infração contraordenacional, resultante da violação da alínea a) do n.º 7 do artigo 15.º do Regulamento (CEE) n.º 3821/85, de 20/12, do Conselho, alterado pelo Regulamento (CEE) n.º 561/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 15/03.
A impugnação judicial foi rejeitada com fundamento na sua extemporaneidade, mas, interposto recurso desta decisão, por decisão sumária proferida nos termos do artigo 417.º, n.º 6, alínea d) do Código de Processo Penal, foi julgado procedente o recurso e ordenada a substituição do despacho recorrido por outro que admitisse a impugnação deduzida, caso não se verificasse qualquer outro fundamento para a sua rejeição.
Tendo os autos descido ao tribunal de 1.ª instância, o processo seguiu a sua normal tramitação. Após a realização da audiência de discussão e julgamento foi proferida decisão que manteve decisão administrativa.
Inconformada com esta decisão, veio a impugnante interpor recurso da mesma, sintetizando as suas alegações com as conclusões que seguidamente se transcrevem:
«1ª – Vem a arguida, ora recorrente, recorrer da douta sentença que antecede, proferida pelo Tribunal a quo, a qual decidiu condená-la no pagamento de uma coima de 2.720,00€, pela prática de uma contraordenação ao disposto no art.º 25º, n.º 1, da Lei n.º 27/2010, de 30/08, assim como a pagar 3 U. C.’s de taxa de justiça, pelo seu decaimento.
2ª – Sucede que, no modesto entendimento da recorrente, o Tribunal a quo tomou uma errada decisão, motivo pelo qual impugna a mesma para todos os devidos e legais efeitos, fazendo uma errada aplicação e interpretação do Direito, designadamente, no que respeita ao disposto nos n.ºs 2 e 3, do art.º 47º, da Lei n.º 107/2009, de 14/09 e n.º 2, do art.º 13, da Lei n.º 27/2010, de 30/08, bem como porque violou o disposto no n.º 10, do art.º 32º da CRP, o que dá origem, salvo melhor opinião, à nulidade da sentença que antecede.
3ª – Desde logo, porque é incoerente afirmar na sentença ora recorrida, no seu ponto 2. “Factos Provados”, de que “As questões a decidir são apenas de direito, ”, quando, no ponto 3. “Fundamentação de Direito.”, se conclui exatamente pelo seu contrário, designadamente, na fundamentação constante nos seus últimos dois parágrafos, nos quais considerou que “ para aceitar a exclusão da responsabilidade prevista na citada norma seria necessário comprovar, de forma razoável, porque razão concreta é que o funcionário não apresentou a documentação em causa,… O que não sucedeu no caso dos autos.”, ou seja, estaria uma questão de facto por apreciar nos presentes autos, dado que a mesma foi, aliás, alegada pela recorrente na impugnação judicial sub judice, no que concerne à sua não responsabilização, nos termos do n.º 2, do art.º 13º da Lei n.º 27/2010, de 30/08.
4ª – Ora, salvo o devido respeito, o Tribunal a quo, não só tinha que decidir de direito, como igualmente teria de decidir sobre a matéria de facto, designadamente, alegada pela recorrente na sua impugnação judicial.
5ª – Desde logo, porque alegou, em suma nas suas conclusões, que:
“(…) 4ª - Uma vez que a arguida dá formação aos seus funcionários, organiza os seus trabalhos de forma coerente e legal, bem como instrui todos os seus funcionários no sentido do cumprimento de todas as suas obrigações legais, bem como fiscaliza com assiduidade pelo cumprimento do que é legalmente exigível, dando ainda oportunidade dos seus funcionários de frequentarem ações de formação, no sentido daqueles estarem aptos às mais diversas tarefas por sua conta, designadamente, de condução de veículos sujeitos a tacógrafo, o que se verificou no presente caso, factos que são, nos termos supra referidos, de levarem à exclusão de responsabilidade da arguida.

8ª – Sendo certo de que, para aqueles dias, o condutor se fazia munir de declarações de atividade, supra juntos sob os doc.s n.º 3 a 5, as quais foram devidamente assinadas pela arguida e por aquele, e entregues àquele, bem como sendo ordem da arguida que aquele se fizesse acompanhar das mesmas sempre que conduzisse veículos sujeitos a tacógrafo. (…)”.
6ª – Ou seja, o Tribunal a quo, decidindo somente sobre questões de direito, desconsiderou por completo a factologia alegada, em sua defesa, pela recorrente, pelo que, violou, desde logo, o disposto n.º 10, do art.º 32º da CRP, uma vez que somente decidiu somente sobre questões de direito.
7ª – Sendo certo de que, não estava a recorrente vinculada ao procedimento administrativo que decidiu imputar-lhe uma contraordenação, mas sim, podendo condignamente defender-se judicialmente, quer por questões de Direito, quer por questões de facto, como o fez na sua impugnação judicial sub judice e tal como previsto pelo n.º 10, do aludido art.º 32º.
8ª – Veja-se que, ainda assim, o Tribunal a quo deu por provado, sem qualquer fundamentação quanto à formação da sua respetiva convicção, os factos referidos no ponto 2. da sentença que antecede, sem qualquer produção de prova, designadamente, a indicada pela recorrente, somente considerando, na sentença recorrida, o procedimento administrativo que antecedeu à impugnação judicial, o que abalou, efetivamente, o direito ao contraditório da recorrente.
9ª – Por outro lado, na sentença que antecede, o Tribunal a quo fez, igualmente e salvo melhor opinião, uma errada interpretação ao disposto no supra aludido e transcrito n.º 2, do art.º 13º da Lei n.º 27/2010, dado que, contrariamente ao que consta da sua fundamentação, no modesto entendimento da recorrente, seria suficiente alegar e demonstrar que pôs a disposição do condutor, seu funcionário, todos os documentos necessários para que as entidades de fiscalização pudessem aferir da observância ou não das normas dos regulamentos em causa, assim como lhe deu formação suficiente para saber das suas obrigações.
10ª – Neste sentido, veja-se, por exemplo, veja-se o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 01/10/2015, proc. n.º 77/15.4T8STC.E1, relator João Luís Nunes, in www.dgsi.pt.
11ª – O que, como supra se demonstrou, fez a recorrente nos presentes autos – vide 5ª conclusão que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos – entendendo, igualmente, a recorrente que o facto referido na al. c), do ponto 2 da sentença ora recorrida, não resultou de qualquer produção de prova dos presentes autos, antes pelo contrário, entenda a recorrente que o Tribunal a quo dispunha de elementos probatórios suficientes para dar como provado a factologia alegada pela recorrente, no sentido da sua não responsabilização, dada a prova documental junta pela recorrente, as declarações prestadas pelo legal representante desta, que foram coerentes, esclarecedoras e credíveis, no sentido de ter demonstrado que a recorrente disponibilizou toda a documentação necessária para que o condutor autuado apresentasse à entidade fiscalizadora, assim como do conhecimento do facto notório, que o Tribunal a quo tinha, alegado na impugnação judicial referente ao facto
“… do condutor autuado ser habilitado para a condução do veículo em causa, sabendo, por isso, das obrigações inerentes à sua condução…”, não tendo feito mais prova, como infra se irá demonstrar, por responsabilidade do Tribunal a quo, ao ter decidido não haver inquirição das testemunhas arroladas pela recorrente, no despacho proferido em 05/06/2017 e constante nos presentes autos.
12ª – Situação que demonstra ter sido violado, na sentença que antecede, o direito de defesa da recorrente, constitucionalmente consagrado pelo n.º 10, do art.º 32º da CRP, na medida em que, por maioria de razão, face ao fundamentado nos últimos dois parágrafos do ponto 3. da sentença que antecede, a prova testemunhal indicada pela recorrente seria pertinente e essencial para o apuramento da sua não responsabilidade dos factos a si imputados nos presentes autos – note-se que a recorrente indicou como sua testemunha o condutor da viatura autuada, o qual poderia, e pode, explicar (tal como
o fez junto da recorrente), porque motivo não apresentou a documentação aqui em falta e que deu origem à presente contraordenação.
13ª – E a este propósito, é curioso que o Tribunal a quo tenha considerado que “ para aceitar a exclusão da responsabilidade prevista na citada norma seria necessário comprovar, de forma razoável, porque razão concreta é que o funcionário não apresentou a documentação em causa… O que não sucedeu no caso dos autos.”, quando na verdade, impossibilitou à recorrente de comprovar “porque razão concreta é que o funcionário não apresentou a documentação em causa”, uma vez que decidiu não inquirir o referido funcionário, devidamente arrolado, nos termos do n.º 3, do art.º 47º da Lei n.º 107/2009.
14ª – Isto porque, o Tribunal a quo, por despacho proferido 05/06/2017, que aqui igualmente se recorre, no qual designou a marcação da audiência de discussão e julgamento, decidiu não haver lugar à inquirição de testemunhas, invocando o disposto no n.º 2, do art.º 47º da Lei n.º 107/2009, de 14/09, igualmente desconsiderando o disposto no n.º 3, do art.º 47, supra referido, a qual prevê a possibilidade da recorrente apresentar prova testemunhal, fazendo, por isso, salvo o devido respeito e sempre melhor opinião, uma errada interpretação e aplicação do Direito, por entender que estava em causa somente questões de direito e não de facto, o que, como supra já se demonstrou, não corresponde à realidade dos presentes autos, designadamente, face ao alegado pela recorrente na sua impugnação judicial.
15ª – Pelo que, como deflui do que vem de ser exposto, entende a recorrente de que o Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, erradamente interpretou e aplicou o disposto no n.º 2, do art.º 13º da Lei n.º 27/2010, de 30/08 e n.ºs 2 e 3, do art.º 47º da Lei n.º 107/2009, de 14/09, o qual não só devia ter decidido de questões de direito, mas igualmente de facto, bem como, violou, como já aqui se referiu, o disposto no n.º 10, do art.º 32º da CRP ao ter desconsiderado a matéria de facto alegada pela recorrente e à prova por si indicada, bem como ao ter decidido não inquirir as testemunhas por si arroladas o que, consequentemente, tomou deu origem a uma errada decisão na sentença que antecede, motivo pelo qual se requer, muito respeitosamente a V.s Ex.ªs, que procedam à apreciação dos presentes autos, designadamente, à impugnação judicial apresentada pela recorrente, quanto à factologia supra referida e à prova nela indicada, ao despacho de 05/06/2017 e à sentença que antecede e a final, por douto Acórdão, seja esta revogada e, em consequência, seja a recorrente absolvida dos factos que aqui lhe são imputados, face à nulidade insanável resultante da violação do disposto no n.º 10, do art.º 32º da CRP.
16ª – Ou, caso não seja este o douto entendimento, subsidiariamente se requer que seja ordenado ao Tribunal a quo a repetição do julgamento, no qual seja produzida a prova indicada pela recorrente, nomeadamente, inquirindo as testemunhas por si arroladas, as quais são admissíveis, nos termos do n.º 3, do art.º 47º da Lei n.º 107/2009, de 14/09, bem como decidindo sobre matéria de facto.
Termos em que e nos demais de direito aplicáveis e doutamente supridos, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele, revogando-se, por douto Acórdão, sentença que antecede, absolvendo, em consequência, a recorrente dos factos que lhe foram aqui imputados.
Sendo que, caso não seja este o douto entendimento, subsidiariamente, sempre deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se, igualmente, a sentença que antecede, bem como o despacho proferido em 05/06/2017, ordenando-se ao Tribunal a quo a repetição do julgamento, com a inquirição das testemunhas arroladas pela recorrente e que profira, consequentemente, decisão sobre a matéria de facto.»
Admitido o recurso pelo tribunal de 1.ª Instância, o Ministério Público veio apresentar a sua resposta, tendo concluído no final:
«1. O motorista de um veículo terá de fazer-se acompanhar das folhas de registo de tacógrafo referentes aos últimos 28 dias de trabalho ou de quaisquer outros registos que comprovem que os não tem ou porque não trabalhou nos dias antecedentes ou porque tais registos não eram devidos.
2. Ao não os apresentar comete a da contraordenação prevista e punida pelos artigos 15.º alíneas a) e i) do Regulamento CE n.º 3821/85 na redação dada pelo Regulamento CE. 561/2006 de 15.03 e art.º 25.º da Lei 27/2010 de 30 de Agosto.
3. Nos termos do art.º 13.º da Lei 27/2010 de 30.08 o empregador é responsável pela contraordenação, salvo se demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir a obrigação supra referida, pelo que não basta a alegação genérica de o ter feito.
4. A sentença recorrida fez correta apreciação dos factos e do direito, pelo que deve ser mantida.»
Tendo os autos subido ao Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, propugnando pela improcedência do recurso.
A recorrente respondeu reiterando a posição assumida no recurso.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objeto do recurso
É consabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões que a recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso – artigos 403.º e 412.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Penal, ex vi do artigo 41.º, do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de outubro (RGCO) e artigos 50.º, n.º 4 e 60.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro.
Em função destas premissas, importa apreciar e decidir:
1.ª Se a decisão recorrida é nula por omissão de pronúncia ou falta de fundamentação;
2.ª Se inexistia fundamento para imputar subjetivamente o ilícito contraordenacional à recorrente e se há justificação para proceder à repetição do julgamento com a produção da prova testemunhal arrolada pela recorrente.
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III. Matéria de Facto
Em matéria contraordenacional, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito – artigo 51.º n.º 1 da Lei n.º 107/2009, de 14/09 - pelo que a matéria de facto a considerar é a que foi fixada pela 1ª instância que, no caso, é a seguinte:
a) No dia 15/10/2015, CC conduzia o veículo pesado de mercadorias, com a matrícula … pertencente à arguida BB, S.A., por instruções e no interesse desta, na Estrada de Minde.
b) Tal condutor e veículo não se fazia acompanhar da totalidade das folhas de registo, discos diagrama, do tacógrafo referentes aos últimos 28 dias de trabalho ou de documento justificativo da sua ausência, nomeadamente quanto aos dias 22 e 24 de Setembro e ao dia 5 de Outubro desse ano.
c) A arguida não organizou o trabalho do seu condutor de modo a que este pudesse cumprir com a obrigação legal de exibir as folhas de registo, discos diagrama, do tacógrafo referentes aos últimos 28 dias de trabalho ou de documento justificativo da sua ausência. Sabia que a lei obriga a apresentação desses documentos e que sanciona a falta de apresentação.
d) A arguida foi condenada a 26/4/2016, por uma contraordenação ao disposto no art.º 25.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2010, de 30/8, praticada a 14/10/2014, no âmbito do processo n.º 021401060.
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IV. Fundamentação
1. Nulidade da sentença
Do arrazoado das alegações e conclusões do recurso, infere-se que a recorrente argui a nulidade da sentença.
Para tanto, começa por referir que o tribunal de 1.ª instância tinha de decidir sobre a matéria de facto alegada na impugnação judicial, o que não fez, limitando-se a conhecer sobre a “questão de direito”.
A omissão de pronúncia constitui uma causa de nulidade da sentença contraordenacional, por aplicação subsidiária do preceituado no artigo 379.º, n.º 1, alínea c) do Código de Processo Penal.
Atento o consagrado neste normativo, é nula a sentença quando o tribunal não se pronuncie sobre questões que estavam em discussão nos autos.
As razões ou argumentos invocados pelas partes ou pelo sujeito processual em defesa do seu ponto de vista, não têm que ser obrigatoriamente conhecidas pelo tribunal. Já o Professor Alberto dos Reis ensinava, a propósito da nulidade de sentença por omissão de pronúncia, que: «São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão - Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pag.143.
No caso concreto, a ora recorrente, na impugnação judicial que deduziu, não pôs em causa os factos imputados na decisão administrativa. Aliás, admitiu expressamente que o condutor identificado nos autos, seu trabalhador, não exibiu aos agentes de fiscalização as folhas de registo utilizadas no tacógrafo respeitantes aos dias 22 e 24 de setembro e 5 de outubro de 2015, assim como não exibiu as quaisquer declarações emitidas pela recorrente que justificassem que o mesmo não tinha conduzido naqueles dias.
O tribunal de 1.ª instância, considerando que em causa estava apenas uma questão de direito, determinou a audição das partes para se pronunciarem sobre a possibilidade de ser proferida decisão por mero despacho, nos termos previstos pelo artigo 39.º, n.ºs. 1 e 2 da Lei n.º 107/2009.
A agora recorrente opôs-se, o que levou à designação e realização da audiência de discussão e julgamento.
Nesta diligência não foi produzida prova testemunhal, por não ter sido admitida, ao abrigo do artigo 47.º n.º 2 da Lei n.º 107/2009[2].
Tal despacho não foi tempestivamente impugnado e qualquer eventual[3] intenção de interposição do recurso do mesmo em simultâneo com o recurso da sentença, mostra-se intempestiva, e, como tal, é rejeitada.
Deste modo, a única matéria de facto sobre o qual o tribunal tinha que se pronunciar era a que constava da decisão administrativa, o que fez, tendo procedido à sua subsunção jurídica.
Logo, inexiste a invocada omissão de pronúncia sobre a matéria de facto, improcedendo a arguida nulidade quanto a este fundamento.
Em sede de arguição da nulidade da sentença, alega igualmente a recorrente que o tribunal não motivou a sua convicção quanto aos factos que considerou provados.
Ora, analisada a sentença recorrida, constata-se que em introdução aos factos provados consta a seguinte declaração:
«As questões a decidir são apenas de direito, mas afigura-se pertinente reter de forma sintética os principais factos que ditaram a decisão administrativa que condenou a arguida (…)», seguindo-se a enumeração dos factos provados.
Com meridiana clareza extrai-se do declarado que não tendo sido produzida prova não haveria que realizar qualquer exame crítico de algo inexistente e que os factos provados são os que já constavam da decisão administrativa, por estar em causa apenas uma questão de direito.
Tal fundamentação mostra-se suficiente para garantir a verificação dos requisitos da sentença exigidos pelo n.º 2 do artigo 374.º do Código de Processo Penal, claudicando, deste modo e igualmente, a arguida nulidade da sentença por falta de fundamentação.
Acresce que os direitos de audiência e defesa consagrados no n.º 10 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa, foram assegurados, pois foi dada à recorrente a oportunidade de alegar o que tivesse por pertinente e conveniente face aos factos de que era acusada pela entidade administrativa e de arrolar a prova que entendesse. O exercício do direito do contraditório foi facultado e concretizado. Todavia, compete ao juiz determinar o âmbito da prova a produzir, de harmonia com o disposto no n.º 2 do artigo 47.º da Lei n.º 107/2009, tendo em consideração, naturalmente, a utilidade da prova.
Garantidos, pois, os direitos de audição e de defesa, não se mostra violado a norma constitucional invocada.
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2. Não cometimento do ilícito
Pretende a recorrente que este tribunal a absolva do ilícito contraordenacional que lhe foi imputado.
Se bem compreendemos, impugna a interpretação e aplicação do n.º 2 do artigo 13.º da Lei n.º 27/2010, de 30/8, realizada pelo tribunal a quo.
Para melhor compreensão da questão em causa, transcrevemos seguidamente o excerto da decisão recorrida relativo à verificação do elemento subjetivo do ilícito que é, no fundo, o que se impugna:
«A arguida invoca que não podia apresentar os discos de registo de tacógrafo relativos a todos os antecedentes 28 dias, nomeadamente porque o motorista não tinha conduzido para si nos 3 dias em causa. Quanto a esta argumentação da arguida dir-se-á apenas o seguinte:
Em primeiro lugar, atualmente é impossível averiguar e comprovar razoavelmente se o motorista tinha ou não conduzido nesses dias. De acordo com as citadas disposições legais, essa justificação apenas podia ser feita documentalmente e no ato de fiscalização. Por alguma razão a lei exige a imediata exibição de toda a documentação quando solicitada por agente encarregado da fiscalização, sob pena de se frustrar o mecanismo de verificação e de todo este sistema se transformar numa autêntica farsa.
Em segundo lugar, seria absurdo que o legislador tivesse criado um sistema de verificação e controle baseado em instrumentos precisos e dispensasse a imediata comprovação da regularidade da operação. Sabendo nós que a esmagadora maioria dos veículos pesados não circulam 365 dias por ano, é evidente que quando são fiscalizados quase nunca dispõem de todos os discos de tacógrafos relativos aos últimos 28 dias. Não é de admitir uma solução alternativa que passaria por uma “explicação verbal” ou a inquirição de testemunhas. Praticamente todos os condutores de veículos pesados teriam que explicar verbalmente aos agentes de fiscalização que não tinham conduzido os veículos continuamente nos últimos 28 dias. E depois acabaria tudo em tribunal a testemunhar que efetivamente os veículos tinham estado parados nalguns desses dias.
Ora, a Lei não consagrou tal mecanismo absurdo e propenso a todo o tipo de fraudes. Pelo contrário, impôs a obrigação de apresentação de toda a documentação no ato de fiscalização. A arguida, na pessoa do seu funcionário, não observou esta imposição legal e não pode agora vir colmatar essa omissão.
Por conseguinte, é evidente que se verificam todos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de infração (a arguida sabia e podia ter apresentado todos os elementos, caso tivesse usado do grau de diligência que a lei lhe impõe).
Assim conclui-se que a arguida podia e devia ter prevenido a necessidade do condutor exibir prontamente às autoridades os registos e demais documentação exigível.
Também não colhe a argumentação em como a arguida não é responsável pela omissão do seu motorista, por supostamente lhe ter facultado toda a documentação. Na verdade, em geral, todas as pessoas coletivas são responsáveis pelos atos e omissões dos seus representantes, funcionários, agentes e comissários, salvo perante as situações legalmente excecionadas (vg. art.º 11.º, n.º 6, do Código Penal, e art.º 13.º, n.º 2, da Lei n.º 27/2010, de 30/8). Esta última norma exclui a responsabilidade da empresa se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto nos pertinentes Regulamentos Comunitários. No entanto, esta exclusão há-de assentar em muito mais do que a simples alegação genérica em como deu formação ao seu motorista ou lhe facultou toda a documentação necessária. Isso seria a aceitação de uma desculpa genérica que serviria para todos os casos. Naturalmente, caso tal argumentação genérica fosse aceite, inevitavelmente toda a documentação iria desaparecer dos veículos, a culpa seria sempre atribuída aos “irresponsáveis e relapsos” motoristas, apesar de se saber que são as firmas que dominam e supervisionam toda a atividade e que colhem todas as vantagens decorrentes da falta de apresentação da documentação no ato de fiscalização.
Por conseguinte, para aceitar a exclusão da responsabilidade prevista na citada norma seria necessário comprovar, de forma razoável, porque razão concreta é que o funcionário não apresentou a documentação em causa (para mais no pressuposto de que a arguida seria criteriosa e cautelosa na seleção do seu pessoal, na formação, na organização e na supervisão do trabalho). O que não sucedeu no caso dos autos.»
Analisemos.
O artigo 13.º, n.º 1, da Lei n.º 27/2010, veio dispor que “1. A empresa é responsável por qualquer infração cometida pelo condutor”, sem prejuízo da possibilidade da exclusão dessa responsabilidade no caso do n.º 2 desse preceito, de harmonia com o qual “2. A responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) nº 3821/85, (…), e no capítulo II do Regulamento (CE) nº 561/2006 (…)”, caso este em que essa responsabilidade é do trabalhador, como se diz no seu nº 3, nos termos do qual “3. O condutor é responsável pela infração na situação a que se refere o número anterior ou quando esteja em causa a violação do disposto no artigo 22º.”.
Este preceito veio dar execução ao disposto nos artigos 10.º, n.º 3, e 19.º, n.º 1, do Regulamento (CE) 561/2006, dele resultando a imputação da contraordenação ao empregador, salvo se este fizer a prova prevista no nº 2 do mesmo.
Sobre a temática da responsabilidade da empresa, escreveu-se com interesse no Acórdão desta Secção Social, datado de 01/10/2015, P. 77/15.4T8STC.E1:
«Como já se deixou analisado, nos termos do Regulamento (CE) 561/2006, mais concretamente do seu artigo 10.º, n.º 2, as empresas de transportes são responsáveis por qualquer infração cometida pelos condutores da empresa.
E compreende-se que assim seja: por um lado, como bem se assinala na sentença recorrida, «amiúde a razão do trabalhador violar regras de direito estradal e laboral e de correr riscos – e pôr o restante tráfego em perigo – radica no volume desproporcionado de trabalho que lhe é cometido e na respetiva organização.
Note-se que são as empresas, de ordinário, que tem interesse no resultado daquela conduta do trabalhador e não este»; por outro lado, cometendo-se às empresas de transportes a obrigação de estas cumprirem a disposto no regulamento e de darem instruções adequadas aos condutores e efetuarem controlos regulares (n.º 2 do artigo 10.º do Regulamento 516/2006), essas instruções e controlo não podem deixar de abranger o que se refere à necessidade dos condutores se fazerem acompanhar dos documentos necessários com vista às entidades de fiscalização aferirem da observância ou não das normas do regulamento.
E é nesta mesma linha que se deverá interpretar o disposto no artigo 13.º, n.º 2, da Lei n.º 27/10, de 30-08, ao prescrever que a responsabilidade da empresa é excluída se esta demonstrar que organizou o trabalho de modo a que o condutor possa cumprir o disposto no Regulamento (CEE) n.º 3821/85 e no capítulo II do Regulamento (CE) n.º 561/2006: sublinhe-se, está em causa a necessidade do cumprimento pela empresa não só do disposto no capítulo II do Regulamento 561/2006, como também do Regulamento 3821/85.»
Deflui do exposto que à empresa compete alegar e demonstrar com rigor e precisão que planeou a organização do concreto trabalho do condutor por forma a que o mesmo cumprisse as normas do Regulamento.
Reportando-nos agora à situação vertente, mesmo que o tribunal de 1.ª instância tivesse admitido a produção da prova testemunhal arrolada pela recorrente e, na sequência, esta tivesse logrado provar, como alegou em sede de impugnação judicial que o condutor identificado tinha no veículo as três declarações que justificariam que o mesmo não conduziu nos dias 22 e 24 de setembro e 5 de outubro de 2015, tal factualidade não permitiria inferir que esses documentos foram disponibilizados ou entregues pela empresa, no âmbito do planeamento da organização do trabalho do motorista, para serem apresentados em eventual ação de fiscalização, às entidades competentes para aferirem do cumprimento das obrigações legais.
E mesmo a restante alegação (genérica) de que organizava o trabalho de modo a que os seus funcionários pudessem cumprir as exigências legais, que lhes dava formação, instruções e ordens para cumprimento das normas dos Regulamentos Comunitários é algo que não é apto a casuisticamente considerar ilidida a presunção de culpa.
Conforme se escreveu no acórdão desta Secção de 22/11/2017, P. 3098/16.6T8STR.E1:
« (…) não obstante a recorrente tenha logrado provar nos autos que dá formação periódica aos seus motoristas sobre a forma de funcionamento do tacógrafo e sobre os tempos de descanso, transmitindo instruções para que as regras sejam respeitadas, instaurando processos disciplinares aos motoristas que não cumpram os tempos de condução e descanso, o que constitui, sem dúvida, procedimentos importantes, na verdade tal modo de proceder não é adequado para garantir o planeamento da organização e realização do trabalho de harmonia com o regulamento. Este tem de ser feito no dia-a-dia da gestão do serviço de cada motorista, por forma a compatibilizar a sua atividade com o cumprimento das regras impostas pelo Regulamento.
(…)
E a obrigação de tal organização do trabalho e respetiva fiscalização, competia à empresa, na qualidade de empregadora e como beneficiária da atividade.»
Em suma, tendo ficado demonstrado que a recorrente não organizou o trabalho do seu condutor de modo a que este pudesse fazer-se acompanhar da justificação para a ausência dos discos referentes à totalidade dos 28 dias, tanto basta para se concluir que, no caso concreto, a recorrente preencheu o elemento subjetivo do ilícito, sob a forma de negligência por não ter agido com o dever de cuidado a que estava obrigada e de que era capaz.
O tribunal a quo interpretou e aplicou corretamente o artigo 13.º, n.º 2 da Lei n.º 27/2010.
E como já analisámos anteriormente os direitos de audiência e de defesa consagrados no n.º 10 do artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa não foram violados.
Acresce que, pelas razões supra referidas, não vislumbramos qualquer razão válida ou qualquer utilidade em ordenar a repetição do julgamento, com a inquirição das testemunhas arroladas pela recorrente, questão que havia sido subsidiariamente colocada no recurso.
Destarte, mostrando-se preenchidos os elementos objetivo (que não foi impugnado) e subjetivo do ilícito contraordenacional imputado e não tendo sido colocado em causa no recurso, o montante da coima aplicada, há que confirmar a decisão recorrida.
Concluindo, o recurso mostra-se improcedente.
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V. Decisão
Nestes termos, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente, e consequentemente, confirmam a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.

Évora, 8 de março de 2018
Paula do Paço (relatora)
Moisés Silva
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[1] Relatora: Paula do Paço; Adjunto: Moisés Silva
[2] Apenas foi ouvido o legal representante da recorrente.
[3] No requerimento de interposição dirigido ao tribunal de 1.ª instância apenas é declarada a intenção de recorrer da sentença proferida.