Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
243/11.1TAGLG.E1
Relator: SÉRGIO CORVACHO
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PROCESSO URGENTE
PRAZOS
FÉRIAS JUDICIAIS
Data do Acordão: 01/20/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Os processos relativos a crimes de violência doméstica assumem, todos eles, natureza urgente, independentemente de haver arguidos à sua ordem sujeitos a medidas de coação privativas de liberdade, e os prazos, que lhes dizem respeito, correm durante as férias judiciais.
Decisão Texto Integral:






ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I. Relatório
No Processo Comum nº 260/10.9GESLV, que correu termos no Tribunal Judicial da Golegã, actual Comarca de Santarém, Entroncamento, por sentença, proferida em 7/6/13, foi decidido:
a) Condenar o arguido JF pela prática, como autor material, de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo 152.º, n.º 1, alíneas b) e n.ºs 2, 4 e 5, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
b) A pena de prisão é suspensa na sua execução pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses, sujeita ao acompanhamento do arguido em regime de prova (cf. artigo 53.º do Código Penal). c) A execução do que ora se determina deverá ser proporcionada e acompanhada pelos Serviços da Direcção-Geral de Reinserção Social (cf. artigo 53.º, n.º 2 do Código Penal).
d) Condenar o arguido JF na pena acessória de proibição de uso e de porte de armas pelo período de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses (cf. artigo 152.º, n.º 4 do Código Penal).
e) Condenar o arguido JF nas custas do processo, fixando-se em 2 (duas) UCs a taxa de justiça (cf. artigos 513.º do Código do Processo Penal, e 8.º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa ao mesmo), e nas demais custas do processo, nos termos do artigo 514.º, n.º 1 do Código do Processo Penal.
f) Julgar o pedido de indemnização civil parcialmente procedente, por parcialmente provado e, em consequência condenar o arguido/demandado civil, JF, no pagamento à Demandante Civil, MJ S D, a quantia de € 5 000,00 (cinco mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais.
g) Condenar o demandando civil, JF, e a demandante civil, MJ S D, nas custas da instância civil, na proporção do respectivo decaimento (cf. artigos 523.º do Código de Processo Penal e 446.º do Código de Processo Civil).
Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados:
1 – O arguido JF manteve com a ofendida MJ S D uma relação afectiva com partilha de tecto, mesa e cama, desde 1997 até 16 de Abril de 2008.
2 – Dessa relação nasceu, em 08 de Março de 2004, uma filha, cujas responsabilidades parentais foram reguladas no âmbito do processo n.º (…..), do Tribunal Judicial da Golegã.
3 – Em 16 de Abril de 2008, a ofendida terminou a relação com o arguido e mudou-se com a filha para a casa da sua mãe, sita na Rua (…), (….), Golegã.
4 – A partir dessa data, o arguido começou a perseguir a ofendida para onde esta se deslocasse.
5 – Acusando-a de ter amantes, em voz alta e na presença de terceiros.
6 – No dia 30 de Setembro de 2011, pelas 20:30 horas, o arguido dirigiu-se à referida residência da ofendida para entregar a filha de ambos.
7 – A ofendida dirigiu-se para a porta da residência e disse ao arguido que esteve deveria entregar a filha até às 19 horas de domingo, e não às 20:30 horas, conforme estipulado no acordo das responsabilidades parentais.
8– Pedindo também ao arguido que a avisasse da próxima vez que se atrasasse, para não ficar preocupada com a filha.
9 – Então, na presença da filha de ambos, o arguido desferiu um murro na boca da ofendida.
10 – Em consequência do murro desferido, a ofendida foi projectada para trás, e embateu com a cabeça na parede da residência.
11 – Acto contínuo, o arguido desferiu vários empurrões no peito da ofendida com ambas nas mãos, procurando forçá-la a entrar em casa.
12 – Nesse momento, a ofendida começou a gritar por ajuda às vizinhas.
13 – Tendo o arguido desferido chaparas na face da ofendida, e pontapés nas pernas desta.
14 – A ofendida recuou para o interior da residência, mas o arguido entrou também.
15 – Já no interior da residência, o arguido voltou a desferir vários pontapés nas pernas da ofendida e, simultaneamente, gritava-lhe:
- “sua puta, vais pagá-las!”;
- “não és minha, não serás de mais ninguém, cabra!”;
- “dou-te um tiro”.
16 – A filha de ambos presenciou o descrito comportamento do arguido e chorou.
17 – O arguido fugiu do local quando se apercebeu que uma vizinha se aproximava.
18 – Como consequência directa e necessária da descrita conduta, a ofendida sofreu dores e sangramento do lábio e nariz, hematoma na parte de trás da cabeça e escoriações nos braços e nas pernas, tendo recebido assistência médica no Hospital de Torres Novas.
19 – Após o descrito comportamento e fuga, o arguido voltou ao local e andou a rondar a residência da ofendida durante cerca de quinze minutos.
20 – O arguido quis atingir o corpo da ofendida e causar-lhe dores e ferimentos.
21 – O arguido quis dirigir à ofendida as referidas expressões e atingi-la na sua honra.
22 – O arguido quis maltratar a ofendida com o descrito comportamento, visando humilhá-la, castigá-la por esta ter cessado a relação e impedi-la de se relacionar com outro companheiro, ameaçando-a de morte.
23 – O arguido sabia que maltratava a ofendida no interior da residência desta, e na presença da filha menor, o que quis.
24 – O arguido agiu motivado por ciúme, sentimento de posse e de vingança.
25 – O arguido sabia que as suas condutas eram proibidas.
Do Pedido de Indemnização Civil:
26 – Os motivos que levaram a queixosa a pôr fim àquela relação prenderam-se com o facto de o Demandando sempre ter evidenciado ciúmes.
27 – Acusando-a constantemente de ter amantes.
28 – A demandante terminou a relação afectiva que vinha mantendo com o demandado.
29 – Mudando-se com a menor para a casa da sua mãe, sita na Rua (…), (….), Golegã, aonde passou a residir a partir de 16 de Abril de 2008.
30 – O demandado não aceitou da melhor forma o fim da relação afectiva que vinha mantendo com a demandante.
31 – Passando a deslocar-se constantemente da (….), localidade onde reside, para a Golegã, com o propósito único e exclusivo de vigiar e controlar os movimentos da demandante.
32 – Perseguindo-a cada vez que a encontra.
33 – Continuando a acusá-la, reiteradamente, de ter amantes e de andar metida com este e com aquele.
34 – O que fez, por diversas ocasiões, em voz alta, na rua e em locais públicos, e na presença de terceiros, que a tudo assistiram, e até na presença da própria filha menor de ambos.
35 – Atingindo, desse modo, a honra e dignidade da demandante, quer como mulher, quer como mãe, o que efectivamente sucedeu.
36 – Na sequência dos factos descritos de 6. a 15., a demandante temeu pela própria vida.
37 – Como consequência directa e necessária do comportamento do arguido, resultaram para a demandante:
- escoriações diversas;
- sangramento no lábio e nariz;
- um hematoma na parte de trás da cabeça.
38 – Para além de dores particularmente intensas nas zonas atingidas.
39 – Tendo a demandante ficado com dificuldades em respirar, devido à violência com que o demandante lhe desferiu empurrões na zona do peito.
40 – Atenta a gravidade das lesões apresentadas e à grande intensidade das dores que sentia, a demandante foi transportada por uma amiga para o hospital.
41 – Uma vez que a gravidade das lesões que apresentava, bem como as dificuldades em respirar a impossibilitavam de conduzir.
42– Tendo recebido assistência médica no Hospital de Torres Novas.
43 – Nomeadamente, dores intensas em ambas as pernas, nos braços, no lábio, no nariz e na parte de trás da cabeça.
44 – Dores essas que se mantiveram ao longo das duas semanas que se seguiram à data da prática dos factos.
45 – O demandado causou-lhe vergonha, vexame e humilhação.
46 – Acresce que as expressões foram proferidas pelo demandante em voz alta, e num tom perceptível, quer pelos vizinhos da demandante, quer pelos transeuntes que, na ocasião, passavam na rua.
47 – O sucedido foi escutado e comentado por terceiros.
48 – O demandado civil, não obstante saber que a filha menor de ambos se encontrava presente, aquando da prática dos factos, não se coibiu de agredir fisicamente a demandante.
49 – Pese embora o demandado se tenha apercebido que a filha menor começou a chorar logo que desferiu o murro na face da demandante, não cessou a sua actuação comportamental.
50 – A demandante vive o seu dia-a-dia sob constante tensão e medo, não vá cruzar-se com o Demandado e este passe das palavras aos actos, cometendo algum acto tresloucado.
51 – A Demandante, a partir da data da prática dos factos, ter passado a evitar sair à rua sozinha, situação que ainda hoje se mantém.
52 – Optando por fazê-lo apenas acompanhada por terceiros.
53 – Causou assim o demandado na demandante mal-estar físico, traduzido em dores particularmente intensas.
54 – Causou ainda na Demandante mal-estar psicológico, mais concretamente tristeza, angústia vexame e humilhação.
55 – Bem como medo e receio que o Demandado concretize os seus intentos por si enunciados, atentando contra a vida da demandante.
56 – Tal receio e medo torna-se particularmente intenso nas ocasiões em que o Demandando Civil tem que se deslocar à residência da Demandada, a fim de proceder à entrega da filha menor de ambos.
Mais se provou, com relevância para os presentes, que:
57 – O arguido aufere, mensalmente, cerca de € 1007,00 (mil e sete euros).
58 – Reside em casa arrendada, pagando mensalmente cerca de € 300,00 (trezentos euros) a título de renda.
59 – Paga cerca de € 200,00 (duzentos euros) a título de pensão de alimentos à sua filha M F.
60 – Tem a 4.ª classe completa.
61 – Não tem antecedentes criminais registados no seu certificado do registo criminal.
A mesma sentença julgou a seguinte matéria de facto não provada:
a. Que nas circunstâncias descritas em 15. o arguido tenha dito ainda que “se te apanho com alguém faço-te a folha, minha ordinária de merda!”; “diz ao teu amante que se vos apanho, mato-os aos dois, espeto-vos um tiro nos cornos!”.
b. Os motivos que levaram a queixosa a pôr fim àquela relação prenderam-se com o facto de o Demandando sempre ter evidenciado um feitio irascível e deveras conflituoso para com a Demandante.
c. Iniciando com ela acesas e violentas discussões.
d. Apelidando, constantemente, a Demandante com todo o tipo de impropérios, a maioria das ocasiões na presença da filha, menor, de ambos.
e. Proibindo a demandante de usar determinado tipo de vestuário, privar com pessoas amigas e frequentar determinados locais.
f. Tratando-a como se fosse um objecto de sua propriedade.
g. A demandante é pessoa pacata, sensata e recatada.
h. É reputada no meio onde reside e por todos quanto a conhecem como uma pessoa trabalhadora, pacata, séria e de hábitos sociais irrepreensíveis.
i. Sendo certo que o demandado ao dirigir-se à demandante, de forma constante e reiterada, dizendo-lhe que esta tem amantes, prejudicou desastrosa e negativamente o seu estado emocional.
j. Com efeito, sempre que o demandado imputava a prática de tal conduta à demandante, esta sentia-se humilhada e ferida na sua honra e dignidade.
l. Ao ser acusada de ter amantes na presença de terceiras pessoas, sentiu-se a demandante profundamente envergonhada e prejudicada na sua honra e consideração.
m. Sendo certo que ainda hoje tem dificuldades em “encarar”com as pessoas que assistiram ao sucedido.
n. Acresce que o demandado não se coibiu de acusar a demandante de ter amantes na presença da filha menor de ambos.
o. Causando na demandante vexame e humilhação, não só perante terceiros, como também perante a própria filha.
p. Na sequência dos factos descritos em 6. a 15., o demandado se encontrava completamente descontrolado e fora de si.
q. A situação descrita de 6. a 15. só cessou quando o demandante se apercebeu que vinha a entrar à porta da residência a filha de uma vizinha, RM, então com catorze anos de idade.
r. Que as escoriações descritas como consequência directa e necessária do comportamento do arguido, se verificaram em ambos os braços e pernas;
s. Durante os dez dias que se seguiram às agressões descritas, a demandante sentiu imensas dificuldades em dormir, devido às dores que sentia, sobretudo na zona da cabeça.
t. Tendo dormido, ao longo do referido espaço temporal, apenas cerca de três ou quatro horas por noite.
u. Acresce que a demandante, durante as duas semanas que se seguiram à prática dos factos, raramente saiu à rua.
v. Porquanto, sempre que o fazia, era interrogada por amigos e conhecidos que encontrava acerca da proveniência dos ferimentos que apresentava no lábio e na cabeça.
x. O que causou na demandante humilhação, revolta e vergonha.
z. Tendo a demandante sido abordada, por diversas vezes na rua, e em estabelecimentos de restauração e bebidas locais, por pessoas amigas e conhecidas que lhe perguntaram se era verdade que o pai da sua filha a tinha espancado.
aa. Sempre que tal sucedia, ficava a demandante vexada e humilhada perante as pessoas que a questionavam.
ab. Vexame e humilhação que ainda hoje se mantém, porquanto a demandante ainda tem dificuldades em “encarar” com as diversas pessoas que a questionam acerca do sucedido.
ac. Para além de tristeza e humilhação, sentiu a Demandante medo, perante as ameaças que lhe foram dirigidas pelo Demandado.
ad. O Demandando, ao dirigir-se à demandante dizendo-lhe que lhe fazia a folha, que lhe dava um tiro e que a matava, fê-lo de um modo credível e sério.
Da sentença proferida o arguido e demandado JF interpôs recurso devidamente motivado, tendo formulado as seguintes conclusões:
1ª - A matéria factual que foi dada como provada nos presentes autos, foi-o ao arrepio da prova produzida e gravada em audiência;
2ª - Efectivamente a convicção do Tribunal “a quo” para condenar o ora recorrente, fundamentou-se no depoimento interessado e pouco credivel da demandante cível, bem como das testemunhas do libelo acusatório e do pedido civel;
3ª – Quanto aos factos imputados ao arguido e ocorridos antes de 30 de Setembro de 2011, todos os depoimentos das testemunhas constituíram depoimento indirecto, pois limitaram-se a relatar o que a demandante cível lhes contava, sendo certo que não obstante a demandante cível imputar ao recorrido atitudes persecutórios, injurias, e difamação publicamente e em frente a terceiros, a verdade é que não obstante as testemunhas serem amigas da demandante cível há mais de 5 anos, nenhuma delas confirmou ao Tribunal ter assistido alguma vez a tal tipo de comportamento por parte do arguido.
4ª - Quanto aos alegados factos ocorridos no dia 30 de Setembro de 2011, arguido e demandante cível apresentam duas versões contraditórias.
5ª – A versão da demandante cível é confirmada por testemunhas que não assistiram aos factos e que hipoteticamente viram a demandante com sangue, há excepção da testemunha RM, que alegadamente viu o arguido, esbofetear e pontapear a demandante cível.
6ª – A versão do arguido é sustentada pelo depoimento da M F, filha do arguido e da demandante cível que de uma forma isenta e credível, afirmou que eles se defenderam um do outro, que ralharam um com o outro e que viu a mãe bater com a cabeça na parede, facto este que o arguido admitiu como possível na sequência da atitude defensiva que teve perante o comportamento agressivo da demandante cível.
7ª – Confirmou ainda a M F que além dela própria, do arguido e da demandante, mais ninguém estava presente naquelas circunstâncias de tempo e de lugar, e que a demandante não tinha sangue em lado nenhum.
8ª – Afirmou ainda a M F que naquele mesmo dia e logo após a ocorrência dos factos, esteve com o arguido na GNR da Golegã, o que mais uma vez atesta a veracidade da versão apresentada pelo arguido.
9ª – Tal depoimento descredibiliza o depoimento da RM, bem como depoimento das demais testemunhas do libelo acusatório e do pedido cível, sendo certo que a própria mãe da demandante cível de nome JS (com quem a demandante cível residia) confirmou ao Tribunal “à quo”, que no dia seguinte viu a sua filha e ela estava branca, mas não possuía qualquer marca.
10ª – O relatório de informação clinica de fls. 104 a fls. 107, confirma que a demandante cível tinha um hematoma e uma discreta escoriação, repete-se, discreta escoriação.
11ª – Tais lesões não compatíveis com lesões de quem é barbara e violentamente agredido com bofetadas, murros e pontapés na cara e no corpo, como alega a demandante cível que foi, bem como as restantes testemunhas do libelo acusatório e do pedido cível.
12ª – As lesões constantes do relatório de informação clinica de fls. 104 a fls. 107 adequam-se ao comportamento defensivo do arguido e à versão dos factos pelo mesmo relatados, conforme nos ensinam as regras de experiencia comum.
13ª – Acresce que quanto ao alegado receio da demandante cível sair de casa, várias testemunhas confirmaram que a mesma continuou e continua a fazer caminhadas a pé, bem como continua a deslocar-se a pé para vários locais na Golegã.
14ª – Por outro lado na douta Sentença recorrida, subsistem contradições entre a matéria de facto considerada provada e a matéria de facto considerada não provada, pois se por um lado o Tribunal “à quo”, considera provados determinados factos, por outro e posteriormente inclui os mesmos factos na matéria considerada não provada.
15ª – Igualmente sempre se dirá que o Relatório de perícia sobre a personalidade do arguido, não poderia ser valorado como foi pelo Tribunal “à quo”, pois se por um lado e quanto à matéria de teor cientifico, o mesmo é rigoroso na analise à personalidade do arguido, por outro lado, o mesmo é especulativo, parcial, tendencioso e baseado em factos considerados pela Técnica responsável pela sua elaboração, como realidades indesmentíveis, quando na verdade o Tribunal “à quo”, ainda nem sequer sobre eles se tinha pronunciado, acrescendo ainda o facto do arguido ser primário.
16ª - Por outro lado o Tribunal “a quo” não valorou o depoimento da testemunha AB, apenas pelo facto da testemunha não se recordar do nome de uma sobrinha da demandante cível, sendo certo que esta testemunha confirmou que após a separação do arguido e da demandante cível foi namorado deste ultima, e que esta não queria ser vista na Golegã em conjunto com ele, tendo ainda confirmado que o arguido sabia deste relacionamento e nunca em tempo algum, este ultimo o ameaçou ou perseguiu, continuando sempre a ser amigos
17ª - Ora, face à prova produzida e à ausência da mesma, e à manifesta contradição entre as testemunhas do libelo acusatório e do pedido cível, não podia o Tribunal “a quo” pronunciar-se como se pronunciou, subsistindo dessa forma um erro notório na apreciação e na valoração da prova.
18ª - Face a todos os depoimentos transcritos, à prova documental e à matéria de facto apurada e que não foi valorada pelo Tribunal “a quo”, deveria esse mesmo Tribunal pronunciar-se pela absolvição do ora recorrente, pois no mínimo, dúvidas sérias subsistem se os factos que lhe são imputados na realidade ocorreram.
19ª - Ao julgar como julgou, o Tribunal “a quo”, fez errada apreciação da prova produzida
20ª - A douta sentença recorrida violou, por erro de interpretação, aplicação e omissão, entre outros:
- o artº 152, n.º 1 alínea b) e n.ºs 2, 4, 5º e 6 do Código Penal;
- os artºs 97º, nº 4 e 410º, nº 2, ambos do Cód. Proc. Penal.
TERMOS EM QUE E NOS MELHORES DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER ADMITIDO E JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA:
A) SER O ARGUIDO ABSOLVIDO DA PRÁTICA DO CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, COM TODAS AS LEGAIS CONSEQUÊNCIAS;
B) SER O ARGUIDO ABSOLVIDO DA PENA ACESSÓRIA DE PROIBIÇÃO DO USO E PORTE DE ARMAS;
C) SER O ARGUIDO ABSOLVIDO DO PAGAMENTO DA QUANTIA DE CINCO MIL EUROS QUE FOI CONDENADO A TITULO DE INDEMNIZAÇÃO CIVEL
O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e com efeito suspensivo.
O MP respondeu à motivação do recorrente.
Pela Digna Procuradora-Geral Adjunta junto desta Relação foi emitido parecer sobre o mérito do recurso, pugnando pela respectiva improcedência.
O parecer emitido foi notificado aos sujeitos processuais, para sobre ele se pronunciarem, nada tendo respondido.
Seguidamente, pelo Desembargador Relator foi proferida a seguinte:
«Decisão Sumária
Nos presentes autos, o arguido JF interpôs recurso de sentença proferida em 7/6/13, que o condenou, em matéria criminal, pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º nºs 1 al. b), 2, 4 e 5 do CP, numa pena de 2 anos e 6 meses de prisão, cuja execução se suspendeu por igual período, com sujeição do arguido a regime de prova, e na pena acessória de proibição de uso e porte de armas pelo período de 2 anos e 6 meses.
O recurso em presença foi inicialmente objecto de um despacho da Exmª Juiz titular dos autos, datado de 6/9/13, que o rejeitou por intempestividade (fls.572).
Desse despacho o recorrente reclamou nos termos do art. 405º do CPP, tendo recaído sobre a reclamação douta decisão proferida em 9/5/14, pelo Exmº Desembargador Vice-Presidente, que a deferiu e determinou a admissão do recurso, sem prejuízo do disposto no nº 4 do art. 405º do CPP.
Estabelece esta última disposição legal que o deferimento da reclamação do despacho, que tenha rejeitado ou retido o recurso, não vincula o Tribunal «ad quem», pelo que é lícito a esta Relação reapreciar a questão da tempestividade do mesmo.
Em matéria de prazos de interposição de recurso, rege o nº 1 do art. 411º do CPP:
O prazo para interposição de recurso é de 30 dias e conta -se:
a) A partir da notificação da decisão;
b) Tratando-se de sentença, do respectivo depósito na secretaria;
c) Tratando-se de decisão oral reproduzida em acta, a partir da data em que tiver sido proferida, se o interessado estiver ou dever considerar-se presente.
Com interesse para a questão em apreço, importa reter os seguintes factos, atestados pelo processado dos autos:
a) A sentença recorrida foi lida em audiência, na presença do arguido e do seu ilustre mandatário, em 7/6/13 e depositada no mesmo dia (fls. 437 a 439);
b) Em 18/6/13, foram entregues ao ilustre mandatário do arguido, os suportes da gravação da prova pessoal produzida em audiência (fls. 441);
c) O instrumento de interposição do recurso e a respectiva motivação, com fundamento na impugnação de prova gravada, foram remetidos a juízo em 2/9/13, por via postal registada (fls. 444 a 571).
O despacho de rejeição do recurso, proferido pela Exmª Juiz «a quo», partiu do princípio que o prazo de interposição se iniciou com o depósito da sentença e correu contínuo até 8/7/13, com a possibilidade de o acto ser praticado até 11/7/13, mediante pagamento de multa.
Pelo contrário, a douta decisão proferida em sede de reclamação considerou dois períodos de suspensão do prazo de interposição do recurso: o primeiro, entre 10/6/13 a 18/6/13, devido ao atraso, para além de 48 horas, na disponibilização à defesa do arguido dos suportes do registo da prova pessoal; o segundo, entre 16/7/13 e 31/8/13, por efeito das férias judiciais de verão.
No presente processo, o arguido foi acusado e condenado pela prática de um crime de violência doméstica p. e p. pelo art. 152º do CP, sendo essa condenação que ele pretende reverter, por meio do recurso em causa.
Relativamente a processos que tenham por objecto crimes de violência doméstica, o art. 28º da Lei nº 112/09 de 16/9 estatui:
1 - Os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos.
2 - A natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica implica a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal.
Quanto ao tempo em que devem ser praticados os actos processuais, dispõem os nºs 1 e 2 do art. 103º do CPP:
1 - Os actos processuais praticam-se nos dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais.
2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior:
a) Os actos processuais relativos a arguidos detidos ou presos, ou indispensáveis à garantia da liberdade das pessoas;
b) Os actos de inquérito e de instrução, bem como os debates instrutórios e audiências relativamente aos quais for reconhecida, por despacho de quem a elas presidir, vantagem em que o seu início, prosseguimento ou conclusão ocorra sem aquelas limitações;
c) Os actos relativos a processos sumários e abreviados, até à sentença em primeira instância;
d) Os actos processuais relativos aos conflitos de competência, requerimentos de recusa e pedidos de escusa;
e) Os actos relativos à concessão da liberdade condicional, quando se encontrar cumprida a parte da pena necessária à sua aplicação;
f) Os actos de mero expediente, bem como as decisões das autoridades judiciárias, sempre que necessário.
g) Os atos considerados urgentes em legislação especial.
Por seu turno, o nº 2 do art. 104º do CPP é do seguinte teor:
Correm em férias os prazos relativos a processos nos quais devam praticar-se os actos referidos nas alíneas a) a e) do n.º 2 do artigo anterior.
Da conjugação das disposições legais acabadas de transcrever, é possível inferir que os processos relativos a crimes de violência doméstica assumem natureza urgente, independentemente de haver arguidos à sua ordem sujeitos a medidas de coacção privativas de liberdade, e os prazos, que lhes dizem respeito, correm durante as férias judiciais.
Tanto quanto sabemos, tal entendimento vem sendo pacificamente aceite pela jurisprudência das Relações, podendo apontar-se nesse sentido os Acórdãos da Relação do Porto de 19/1/11, relatado pela Exmª Desembargadora Dra. Eduarda Lobo, proferido no processo nº 779/09.4PIVNG.P1, e de 16/3/11, relatado pelo Exmº Desembargador Dr. Artur Oliveira, proferido no processo nº 607/09.0PPPRT.P1, a decisão de 7/6/10, proferida em reclamação pela Exmª Desembargadora Vice-Presidente da Relação do Porto, Dr. Élia São Pedro, no processo nº 75/08.4GHVNG-A.P1, os Acórdãos da Relação de Coimbra de 1/6/11 e de 26/9/12, proferidos nos processos nºs 278/08.1GBLSA.C1 e 144/11.GBPBL.C1, respectivamente, amos relatados pelo Exmº Desembargador Dr. Abílio Ramalho e a decisão sumária da Relação de Coimbra de 18/4/12, proferida pelo Exmº Desembargador Dr. Paulo Guerra, no processo nº 5/10.3GCCVL.C1 (tudo disponível na base de dados do ITIJ).
Nesse sentido, teremos de concluir, salvo o devido respeito, que o presente processo, atento o seu objecto fáctico-jurídico, tem natureza urgente e que os prazos a ele relativos correm em férias judiciais.
Por conseguinte, ainda que se aceite que o prazo para a interposição do recurso em apreço esteve suspenso entre 10 e 18/6/13, por causa da demora na entrega dos suportes da gravação dos meios de prova, o mesmo recomeçou a correr a partir de 19/6/13, não se suspendeu com as férias judiciais e correu contínuo até ao seu termo, ocorrido em 16/7/13.
Nos termos das disposições conjugadas dos arts. 107º nº 5 e 107º-A do CPP e 139º nº 5 do novo CPC, o acto podia ter sido praticado nos primeiros três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, mediante o pagamento de multa, o que tão pouco foi feito.
Como tal, tendo sido o respectivo instrumento remetido a juízo em 2/9/13, a interposição do presente recurso ocorreu quando se encontrava de todo esgotado o período temporal em que podia ter tido lugar, de acordo com as normas da lei processual penal.
O nº 6 do art. 417º do CPP dispõe:
Após exame preliminar, o relator profere decisão sumária sempre que:
a) …,
b) O recurso dever ser rejeitado;
c) …;
d) .
Por seu turno, estatui o nº 1 do art. 420º do CPP:
O recurso é rejeitado sempre que:
a) …;
b) Se verifique causa que deveria ter determinado a sua não admissão nos termos do nº 2 do artigo 414º; ou
c) …
O nº 2 do art. 414º do CPP reza:
O recurso não é admitido quando a decisão for irrecorrível, quando for interposto fora de tempo, quando o recorrente não tiver as condições necessárias para recorrer ou quando faltar a motivação.
Consequentemente, decide-se não admitir o recurso interposto da sentença pelo arguido, por intempestivo.
Nos termos do nº 3 do art. 420º do CPP, vai o recorrente condenado, pela rejeição do recurso, no pagamento de 3 UC.
Notifique aos sujeitos processuais, aguardando-se, quanto ao recorrente, o prazo da reclamação para conferência prevista no nº 8 do art. 417º do CPP».
Uma vez notificado da decisão sumária transcrita, o recorrente reclamou dela para a conferência, nos seguintes termos (transcrição):
«JF, recorrido nos autos à margem epigrafados, notificado da Decisão Sumária e por não se conformar com a mesma, vem ao abrigo do disposto nº 8 do art. 417º do Código de Processo Penal, requerer que sobre mesma seja proferido o competente Acórdão».
Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.
II. Fundamentação
O nº 8 do art. 417º do CPP estatui:
Cabe reclamação para conferência dos despachos proferidos pelo relator nos termos dos nºs 6 e 7.
A decisão sumária de rejeição do recurso, de que o arguido recorrente veio reclamar para a conferência, apoiou-se nas disposições conjugadas dos arts. 417º nº 6 al. a), 420º nº1 al. b) e 414º nº 2 do CPP, transcritas no texto da decisão e que aqui nos permitimos dar por reproduzidas.
Concretamente, julgou a decisão reclamada que o recurso foi interposto depois de findo o prazo previsto para o efeito no nº 1 do art. 411º do CPP, acrescido do período de três dias úteis em que o acto pode ser praticado mediante pagamento de multa, tendo considerado um período de suspensão do prazo por nove dias, em razão do atraso na disponibilização à defesa do arguido da gravação dos meios de prova pessoal, e a não suspensão do mesmo durante as férias judiciais de verão devido à natureza urgente do processo, decorrente das disposições conjugadas dos arts. 28º da Lei nº 112/09 de 16/9 e dos arts. 103º nº 2 e 104º nº 2 do CPP.
No instrumento da reclamação para a conferência, cujo teor deixámos transcrito no relatório do presente acórdão, o reclamante não adiantou qualquer argumento do sentido de invalidar os fundamentos da decisão sumária proferida e de demonstrar a este Tribunal que o recurso em presença foi atempadamente interposto.
Consequentemente, mantêm-se procedentes os fundamentos da decisão reclamada.
Nesta conformidade, e sem necessidade de ulteriores considerações, terá de improceder a reclamação em apreço.
III. Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento à reclamação e manter a reclamada decisão de rejeição do recurso.
Custas pelo reclamante, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça.
Notifique.
Évora 20/01/15 (processado e revisto pelo relator)

Sérgio Bruno Povoas Corvacho

João Manuel Monteiro Amaro