Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
37/21.6T8ABF.E1
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: LEGITIMIDADE PASSIVA DO ADMINISTRADOR DO CONDÓMINO
REPRESENTAÇÃO EM JUÍZO
Data do Acordão: 07/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Se ao administrador compete executar as deliberações da assembleia de condóminos, nos termos do artigo 1436.º, alínea h), do Código Civil, por igualdade de razão cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio.
Decisão Texto Integral: Processo n.º 37/21.6T8ABF.E1

O Autor (…) intentou ação declarativa de condenação contra o Réu Condomínio do Edifício (…), nos termos da qual peticionou pela anulação de deliberações do condomínio.

Notificadas as partes para se pronunciarem quanto à verificação de eventual exceção dilatória de ilegitimidade passiva, veio a Autora reiterar a legitimidade do Réu e o Réu referir entender ser parte ilegítima para figurar como Réu na presente ação.

Foi proferida decisão que julgou procedente a excepção de ilegitimidade passiva do Réu, absolvendo-o da instância.

Inconformada, recorreu a A. tendo concluído nos seguintes termos:

1. No dia 13 de janeiro de 2021, o Apelante, na qualidade de condómino, intentou ação declarativa de anulação de deliberação de assembleia de condomínio, contra o Réu Condomínio, ora Apelado.

2. Nessa sequência, o Apelante requereu:

a) a anulação da Assembleia Geral de Condomínio realizada no dia 14 de novembro de 2020; ou, caso assim não se entendesse,

b) a anulação da deliberação dos pontos 1, 2 e 8 da ata número 58, referente à Assembleia de Condomínio de dia 14 de novembro de 2020, por ilegais; ou, caso assim não se entendesse,

c) a ineficácia das referidas deliberações, por falta de notificação aos Condóminos ausentes.

3. No dia 10 de março de 2021, o Tribunal a quo proferiu despacho sobre a verificação de eventual exceção dilatória de ilegitimidade passiva, notificando as partes para se pronunciarem sobre a mesma.

4. O Apelante, no cumprimento do mesmo, apresentou a sua resposta, em 24 de março de 2021, pugnando pela não verificação da exceção de ilegitimidade passiva do Réu.

5. O ora Apelado apresentou a sua resposta a 20 de abril de 2021, no sentido de mostrar concordância com a verificação da exceção invocada.

6. A 27 de abril de 2021, o Tribunal a quo proferiu sentença de que se recorre, na qual, por considerar verificada a exceção dilatória de ilegitimidade passiva, determinou a absolvição do Réu da Instância.

7. O Apelante não concorda com o entendimento sufragado pelo Tribunal a quo.

8. O entendimento do Tribunal a quo, de que a presente ação deveria ter sido interposta contra todos os condóminos presentes que votaram a favor das deliberações é injusto e desproporcional ao caso concreto.

9. Não se pode considerar verificada a exceção de ilegitimidade passiva, porquanto nas ações de impugnação das deliberações de Assembleia de Condóminos é o Condomínio que tem legitimidade para ser demandado.

10. O Condomínio pode ser demandado, mas uma vez que não pode estar, por si, em juízo, tem que aí ser representado pela sua Administração, o que aconteceu nos presentes autos.

11. Encontramo-nos no plano da capacidade judiciária, ou seja, “na suscetibilidade de estar, por si, em juízo”, conceito que não deve ser confundido com o de legitimidade passiva.

12. A legitimidade prende-se com a suscetibilidade de ser parte numa determinada ação, em função da relação da referida parte com o objeto da ação.

13. Aferindo-se essa suscetibilidade de ser parte em determinada ação, constata-se que essa mesma parte é dotada de personalidade judiciária.

14. É inquestionável que o Condomínio é provido de personalidade judiciária, basta para tal atentar-se no disposto na alínea e) do artigo 12.º do CPC, “relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”.

15. É da competência do administrador do Condomínio representá-lo nas ações de anulação de deliberações da Assembleia Geral de Condóminos, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 1433.º do Código Civil.16. Assim, outra não poderá ser a conclusão senão a de que o Condomínio, tendo personalidade judiciária, tem necessariamente legitimidade passiva, no caso dos presentes autos.

17. O Tribunal a quo limitou-se a fazer uma interpretação literal do n.º 6 do artigo 1433.º do Código Civil, contudo, o mesmo carece de uma interpretação atualista e sistemática.

18. Conforme referido em vasta jurisprudência sobre esta temática, é necessário, nesse preceito legal, trocar a expressão “condóminos” pela palavra “condomínio”.

19. Isto porque à data da redação deste normativo o condomínio não gozava de personalidade judiciária, o que só foi alcançado com a Reforma do CPC de 1995/1996.

20. Acresce ainda que, da ata da Assembleia Geral que importa para os presentes autos não é clara quanto ao sentido de voto de cada condómino.

21. Pelo que é impossível ao Apelante identificar quais os condóminos presentes ou representados que votaram a favor das deliberações aqui postas em causa, tornando-se uma “identificação diabólica”.

22. Com a decisão de que ora se recorre, o Tribunal a quo está a conduzir o Apelante a um impedimento da tutela jurisdicional efetiva, constitucionalmente consagrada.

O R. apresentou contra-alegações pugnando pela improcedência do recurso.

Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.

Factualidade relevante para a apreciação do objecto do litígio:

Em sede de Petição Inicial, o Apelante requereu:

a) a anulação da Assembleia Geral de Condomínio realizada no dia 14 de novembro de 2020; ou, caso assim não se entendesse,

b) a anulação da deliberação dos pontos 1, 2 e 8 da ata número 58, referente à Assembleia de Condomínio de dia 14 de novembro de 2020, por ilegais; ou, caso assim não se entendesse,

c) a ineficácia das referidas deliberações, por falta de notificação aos Condóminos ausentes.

É pelas conclusões do recurso que se delimita o se âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso (artigo 639.º do CPC).

Discute-se a questão de saber se nas ações de impugnação das deliberações de Assembleia de Condóminos é o Condomínio que tem legitimidade para ser demandado ou se o Autor deveria de ter intentado a acção contra todos os condóminos (com excepção dos que votaram desfavoravelmente a deliberação impugnada).

Foi julgada procedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva do réu com o fundamento de que as acções de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos devem ser propostas contra os condóminos, individualmente considerados, que aprovaram a deliberação impugnanda e não contra o condomínio representado pelo respectivo administrador .

É hoje bem conhecida a profunda divergência jurisprudencial que existe, em especial nos Tribunais Superiores e até na doutrina sobre a questão aqui em apreço.

Em síntese, enquanto uma orientação se perfila no sentido de que as ações de impugnação das deliberações da assembleia de condóminos devem ser propostas contra o próprio condomínio representado pelo respetivo administrador, tendo em conta o preceituado no artigo 12.º, alínea e), do CPC, conjugado com o disposto nos artigos 1437.º, n.ºs 1 a 3, e 1436.º, alínea h), apelando aos critérios interpretativos do artigo 9.º, n.º 3, todos do CC; outra orientação vai no sentido de que o artigo 1433.º, n.º 6, do CC, embora o não refira expressamente, oferece um vetor decisivo no sentido de afastar a legitimidade do próprio condomínio e de afirmar a legitimidade dos condóminos, tornando inquestionável que a ação terá necessariamente de ser proposta contra todos aqueles que votaram a favor da aprovação da deliberação cuja anulação se pretende, ainda que representados pelo administrador ou porventura por pessoa que a assembleia designe para o efeito.

Como refere o Ac. do STJ, de 4-5-2021, proc. n.º 3107/19.7GRG-G1, disponível em www.dgsi.pt «O artigo 12.º, alínea e), do actual CPC, reproduzindo o artigo 6.º do CPC de 1961, na versão proveniente da revisão de 1995/96, atribui personalidade judiciária ao “condomínio resultante da propriedade horizontal, relativamente às ações que se inserem no âmbito dos poderes do administrador”.

Esta disposição legal remete para o artigo 1437.º do Código Civil, que prevê especificamente a “legitimidade do administrador” para agir em juízo activa e passivamente, nalguns casos, e também para o artigo 1436.º do mesmo Código que discrimina as diversas funções que competem ao administrador, nas quais se inclui a execução das deliberações da assembleia [alínea h)].

Por sua vez, o artigo 1433.º, n.º 6, do Código Civil prevê que “a representação judiciária dos condóminos contra quem são propostas as ações compete ao administrador ou à pessoa que a assembleia designar para o efeito”.

A deliberação de condóminos é a forma por que se exprime a vontade da assembleia de condóminos (artigos 1431.º e 1432.º, ambos do Código Civil), órgão deliberativo a quem compete a administração das partes comuns do edifício constituído em propriedade horizontal (artigo 1430.º, n.º 1, do Código Civil), sendo o administrador o órgão executivo da administração (artigos 1435.º a 1438.º, todos do Código Civil).

Como bem se refere no acórdão da Relação do Porto, de 13/2/2017, proferido no processo n.º 232/16.0T8MTS.P1, parcialmente transcrito no acórdão deste Supremo, de 24/11/2020, já citado:

“Se a deliberação exprime a vontade da assembleia de condóminos, estruturalmente percebe-se que seja essa entidade, porque vinculada pela deliberação, a demandada em ação em que se questione a existência, a validade ou a eficácia de uma sua qualquer deliberação.

Por outro lado, mal se percebe que os condóminos, pessoas singulares ou coletivas, dotados de personalidade jurídica, careçam de ser representados judiciariamente pelo administrador do condomínio. De facto, a representação judiciária apenas se justifica relativamente a pessoas singulares desprovidas total ou parcialmente de capacidade judiciária ou relativamente a entidades coletivas, nos termos que a lei ou respetivos estatutos dispuserem, ou ainda relativamente aos casos em que as pessoas coletivas ou singulares se venham a achar numa situação de privação dos poderes de administração e disposição dos seus bens por efeito da declaração de insolvência”.

Por isso, entende-se que, quando no n.º 6 do artigo 1433.º do Código Civil se faz referência aos condóminos, o legislador incorreu nalguma incorreção de expressão, dizendo menos do que queria, pois parece ter tido em mira uma entidade colectiva – a assembleia de condóminos –, o condomínio vinculado pelas deliberações impugnadas e cuja execução compete ao administrador, como já se viu.

Se ao administrador compete executar as deliberações da assembleia de condóminos, nos termos do artigo 1436.º, alínea h), do Código Civil), por igualdade de razão cumpre-lhe sustentar a existência, a validade e a eficácia dessas mesmas deliberações, em representação do condomínio.

Concluímos, assim, com o devido respeito por outros entendimentos, que a legitimidade passiva na ação de impugnação de deliberação da assembleia de condóminos, compete ao condomínio, representado pelo administrador.

Esta solução, como refere Miguel Mesquita, é a que permite um exercício mais ágil do direito de ação, pois que os “pressupostos processuais não devem servir para complicar, desnecessariamente, o conhecimento do pedido e a resolução dos litígios, finalidades precípuas do processo civil”.

Com ela afastam-se problemas que resultariam da obrigatoriedade de demandar, em litisconsórcio necessário, os condóminos que votaram a favor da deliberação inválida, seja pelo elevado número de condóminos de certos edifícios, seja pela impossibilidade prática, na esmagadora maioria das vezes, de proceder à sua identificação, como sucede no caso dos autos, na versão apresentada pela recorrente.

A citação do administrador não evitaria esse problema, porquanto se trata de apurar a legitimidade passiva para a acção, ou seja, quem devia ser demandado e não quem os representa, sendo que, na tese que sustentamos, também o administrador representa o condomínio. Trata-se de saber quem deve figurar como parte, do lado passivo, e não o seu representante, questões distintas, como é evidente.

Atento o pedido formulado – de anulação da deliberação da assembleia de condóminos - de acordo com a tese que sustentamos, cremos não haver dúvidas de que a legitimidade passiva é do condomínio, ainda que representado pelo seu administrador».

Sufragamos na íntegra a fundamentação constante do acórdão supra mencionado (no mesmo sentido cfr. Ac. RP, proc. n.º 232/16.0T8MTS.P1, Ac. RC, proc. n.º 146/19.1T8NZR.C1, Ac. RL, proc. n.º 9441/17.3T8SBL.L1.2 todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida, substituindo-a por outra que declara a legitimidade passiva do R. Condomínio do Edifício (…).

Custas a cargo do recorrido.

Évora, 14 de Julho de 2021

Jaime de Castro Pestana

Paulo de Brito Amaral

Maria Rosa Barroso