Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
565/18.0GAOLH.E1
Relator: MARIA FERNANDA PALMA
Descritores: RECURSO EXTEMPORÂNEO
RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
Data do Acordão: 06/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
A arguida, em sessão de julgamento ocorrida em 21-12-2018 arguiu diversas nulidades, arguição esta que improcedeu, decisão de que foi notificada a arguida e o respetivo mandatário, sem que a arguida, então, reagisse a esse desatendimento, por qualquer forma, mormente através de qualquer declaração de intenção de interposição de recurso, a final. É extemporâneo o recurso da decisão final, apresentado em 08-02-2019, a versar unicamente sobre a matéria que integra as nulidades invocadas na dita sessão da audiência de julgamento.
Decisão Texto Integral: No Processo Sumário nº 565/18.0GAOLH, do Juízo de Competência Genérica de Olhão, J1, da Comarca de Faro, o Ministério Público deduziu acusação contra CVD, solteira, nascida em 26-08-1960, natural de Holanda, filha de CVD e de PVVD, com domicílio em …………….., Holanda, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.
Realizada a audiência de julgamento, foi decidido, condenar a arguida CVD, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o montante global de €600,00 (seiscentos euros); e, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por 4 (quatro) meses.

Inconformada com o decidido, recorreu a arguida, nos termos da sua motivação constante de fls. 79 a 85, concluindo nos seguintes termos:

a) A arguida não foi notificada do despacho do Ministério Público com a referência citius 111612142 em que o MP formula a acusação, completando o auto de notícia, imputando à arguida a ilicitude e a culpa dos factos;

b) Tal despacho ou outra menção que a substitua não foi lida nem registada em ata, na audiência;

c) Ocorre a nulidade insanável de falta de promoção do processo pelo titular da acção penal, nos termos dos arts. 48.° e 119.°, al. b)„ com violação do disposto no art. 389.°, n.°s 1. 2 e 4. todos do CPP;

d) Ocorre igualmente a nulidade de falta de tradução da acusação, cominada no art. 120, n° 1, alínea c) do CPP, que foi suscitada no início da audiência de julgamento;

e) O depoimento da testemunha APP, agente autuante, que consistiu em declarar o que ouviu o seu colega dizer à arguida, em inglês, língua que a testemunha não compreende suficientemente, ao ponto de não conseguir reproduzir nenhum pormenor dessa conversação, é um depoimento indireto, em violação do disposto no art. 129 do CPP, que não pode ser tomado em consideração e não produz efeitos;

f) Não constando dos autos nenhum documento que comprove que o intérprete de língua inglesa comunicou com a arguida e lhe transmitiu os termos do auto de notícia, não pode declarar-se provado tal facto pelo simples depoimento daquela testemunha - com violação do citado normativo;

g) Não tendo sido comunicado à arguida o direito de exigir a contraprova do teste de alcoolemia, violou-se o disposto no auto de notícia e o resultado do teste efetuado não pode conduzir à condenação.

Termos em que, como o douto suprimento deste Venerando Tribunal, deve ser revogada a douta sentença condenatória e a arguida absolvida

O Ministério Público respondeu, nos termos que constam de fls. 90 a 95, entendendo que o recurso deve ser liminarmente recusado por intempestividade, e caso assim não se entenda, julgado improcedente, concluindo nos seguintes termos:

1. Salvo o devido respeito por opinião contrária, o recurso interposto em 08/02/2019 é manifestamente extemporâneo, uma vez que o despacho alvo de recurso foi proferido pela Mm. Juiz do tribunal a quo em 21/12/2018 e notificado à arguida e ao II. Mandatário na mesma data (art. 411.°, n.° 1, al. c) do Código de Processo Penal).

Não obstante,

2. Tendo sido a arguida, ora recorrente, julgada em processo especial sumário a lei processual penal não impõe a notificação da acusação, nem mesmo a sua tradução por escrito.

3. Basta a tradução oral da acusação em língua que o arguido entenda, através de intérprete, para assegurar o princípio do processo equitativo.

4. Por lhe ser legalmente permitido, o Ministério Público substituiu a apresentação da acusação pela leitura do auto de notícia, o qual foi devidamente traduzido em língua inglesa à arguida, ainda nas instalações do Posto da GNR de ….., por intérprete nomeado para o efeito.

5. Já o despacho proferido pelo Ministério Público em complemento da factualidade constante do auto de notícia também foi traduzido à arguida, oralmente, em sede de audiência de discussão e julgamento pelo intérprete nomeado.

6. Como o teor do auto de notícia foi transmitido em língua inglesa à arguida esta também teve conhecimento do seu direito de requer contraprova, nos termos do art. 153.°, n.°s 2 e 3 do Código da Estrada.

7. Deste modo, deverão as nulidades invocadas pela recorrente ser declaradas improcedentes, mantendo-se nos seus exatos termos o despacho proferido pela Mm. Juiz do tribunal a quo em 21/12/2018.

Nesta conformidade, deve o recurso interposto ser julgado totalmente improcedente, no caso de não ser liminarmente recusado por intempestividade.

Neste Tribunal da Relação de Évora, o Exmº Procurador-Geral adjunto emitiu o seu desenvolvido parecer, no qual entende ser extemporâneo o recurso interposto pela arguida, e, caso assim não seja entendido, o mesmo deverá improceder.

Por decisão sumária de 03-12-2019, foi considerado extemporâneo o recurso, a daí, rejeitado, atento o disposto nos artigos 411º, nº 1, al. c), 414º, nº 2, 417º, nº 6, b) e 420º, nº 1, b), todos do Código de Processo Penal.

A arguida veio reclamar para a conferência, nos termos do disposto no artigo 417º, nº 8 do Código de Processo Penal

Como o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelos recorrentes nas respetivas motivações de recurso, nos termos preceituados nos artigos 403º, nº 1 e 412º, nº 1, ambos do Código de Processo Penal, podendo o Tribunal de recurso conhecer de quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida, cumprindo cingir-se, no entanto, ao objeto do recurso, e, ainda, dos vícios referidos no artigo 410º do referido Código de Processo Penal, - v. Ac. do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça nº 7/95 de 19 de Outubro - vejamos, pois, se assiste razão à arguida, ora recorrente, no que respeita às questões que suscitou nas conclusões do presente recurso, as quais se prendem com as nulidades arguidas nas conclusões da sua motivação de recurso.

Antes de mais, nos autos foi proferida a seguinte sentença:

“I – Relatório

O Ministério Público deduziu acusação, para julgamento em Processo Sumário, contra:

CVD, solteira, nascida em 26-08-1960, natural de Holanda, filha de CVD e de PVVD, com domicílio em …………………, Holanda, imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

A arguida apresentou contestação e arrolou testemunhas.

Procedeu-se à realização de audiência de discussão e julgamento, com a observância do formalismo legal.

Mantêm-se os pressupostos de validade e regularidade da instância verificados no despacho que recebeu a acusação e designou data para a realização da audiência de discussão e julgamento, não sobrevindo quaisquer nulidades, exceções ou questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer.

II ¯ Fundamentação de Facto

2.1. Factos Provados:

Produzida a prova e discutida a causa, resultou provada, com interesse para a decisão da mesma, a seguinte factualidade:

1. No dia 13 de Dezembro de 2018, pelas 18h00, no Sítio …………….., em ………………, …….., a arguida conduzia, na via pública, o veículo ligeiro de passageiros de matrícula ……….

2. Seguidamente, a arguida foi submetida ao teste de álcool ao ar expirado em aparelho quantitativo, tendo apresentado uma T.A.S. de 1,592 g/l, já deduzido o valor de erro máximo admissível.

3. A arguida agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo as condições da via em que conduzia e que a quantidade de álcool que havia ingerido lhe determinaria, necessariamente, uma T.A.S. superior a 1,2 g/l, bem como sabia que essa quantidade lhe reduzia consideravelmente as faculdades necessárias à condução automóvel, o que quis e conseguiu.

4. Bem sabia a arguida que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Mais se provou que:

5. A arguida reside habitualmente na Holanda, passando alguns períodos de tempo em Portugal, quando vem visitar o namorado.

6. A arguida reside em casa arrendada, pela qual paga uma renda mensal de €500,00.

7. A arguida é empresária no ramo de catering, actividade da qual retira um rendimento mensal de cerca de €1.000,00.

8. A arguida suporta ainda a quantia mensal de €150,00 a título de renda pela utilização de um armazém, na sua actividade profissional.

9. Do certificado de registo criminal da arguida nada consta.

2.2. Factos não provados:

Com relevo para a decisão da causa, não se provaram os seguintes factos:

A. A arguida não foi informada da possibilidade de requerer a realização de contraprova.

2.3. Motivação

Para formar a sua convicção sobre os factos elencados no ponto 1 dos factos provados atendeu o tribunal ao teor do auto de notícia de fls. 3 e 4 dos autos, em conjugação com as declarações prestadas pela arguida, a qual admitiu ter conduzido o veículo em apreço nas circunstâncias de tempo e lugar em questão.

No que concerne à factualidade descrita no ponto 2 dos factos provados, o tribunal valorou o teor do documento de fls. 5, que consiste no talão referente ao resultado do teste ao ar expirado em aparelho quantitativo, bem como ao certificado de verificação de fls. 6, em conjugação com o disposto na Portaria n.º 1556/2007, de 10 de Dezembro, e no quadro anexo à mesma.

Acresce que a testemunha AP, militar da GNR que acompanhou a acção de fiscalização, bem como a realização do teste em apreço, já no posto da GNR, foi esclarecida, de forma clara, séria e isenta, a forma como se procedeu à acção de fiscalização, tendo confirmado a realização do teste quantitativo e o resultado do mesmo.

Ora, tendo a arguida admitido, como se referiu supra, a condução do veículo em questão nas circunstâncias de tempo e lugar em apreço, bem como a realização da fiscalização pela GNR, pretendeu a mesma convencer o tribunal que não havia ingerido qualquer bebida alcoólica em momento anterior à condução do referido veículo e que não percebeu o resultado do teste que lhe foi feito, tendo ficado estupefacta.

Pela testemunha AAVA, arrolada pela arguida e seu namorado, foi afirmado também não ter visto a arguida beber bebidas alcoólicas antes da condução, o que não significa, de modo algum, que a mesma não tenha efectivamente ingerido tais bebidas, mas apenas que a testemunha não o tenha visto.

Certo é que, pela já referida testemunha AP, também de forma clara, séria, espontânea e coerente, bem como isenta, foi afirmado que toda a conversa a que assistiu teve lugar entre o seu colega e a arguida, em língua inglesa, uma vez que a arguida não falava muito bem português e o colega da testemunha falava inglês. Mais afirmou que logo a arguida, questionada pelos militares da GNR, admitiu que tinha ingerido bebidas alcoólicas antes ainda da realização do teste qualitativo, logo no local, e que mesmo sem a realização do teste foi claro, para a testemunha, que a mesma se encontrava embriagada, atento o odor a álcool que a mesma exalava.

Assim, atento o resultado do teste ao álcool em ar expirado, conforme resultou provado no ponto 2 dos factos provados, em conjugação com o depoimento da referida testemunha AP, e com as regras da experiência e da normalidade, criou este tribunal convicção segura que a arguida efectivamente, em momento prévio à condução, ingeriu bebidas alcoólicas em quantidade susceptível de lhe provocar a TAS que veio a apresentar, e apesar disso decidiu conduzir aquele veículo automóvel nas circunstâncias de tempo e lugar apuradas.

Apurada a referida actuação da arguida, estamos em condições de inferir o conhecimento, a consciência e vontade postas pela arguida na sua actuação, tal como descrito no pontos 3 e 4 dos factos provados, pois quem, quem actua como a arguida o fez, à luz das regras da experiência e da normalidade, considerando a actuação do homem médio, necessariamente actua de forma livre, consciente e voluntária, com conhecimento das consequências necessárias da sua actuação e conformando-se com a proibição e punição da mesma.

Relativamente à factualidade elencada nos pontos 5 a 8 dos factos provados (condição socioeconómica da arguida), considerou o tribunal as declarações prestadas pela arguida, as quais se mostraram, nesta parte, sérias e credíveis.

E no que respeita à ausência de antecedentes criminais da arguida, valorou-se o teor do certificado de registo criminal junto a fls. 24.

A matéria de facto alegada pela arguida em sede de contestação, relativamente à ausência de explicação quanto à possibilidade de ser requerida a contraprova do resultado do teste qualitativo ao ar expirado, resulta não provada e por isso vai elencada no ponto A dos factos não provados.

Ora, tal versão dos factos é desde logo contrariada pelo teor do auto de notícia de fls. 3 e 4 dos autos, do qual resulta que tal direito foi explicado à arguida, tendo esta manifestado desejo de não requerer a contraprova.

Acresce que, pela testemunha AP foi também afirmado que o direito a requerer a contraprova foi explicado, pelo seu colega militar à arguida, em língua inglesa, tendo sendo explicado, inclusivamente, que tal contraprova poderia ser realizada através de análise sanguínea, a realizar no Hospital, sendo os custos inerentes a suportar pela arguida. A testemunha AP foi ainda peremptório ao afirmar ter ficado convicto que a arguida havia compreendido a explicação, não tendo a mesma mostrado alguma confusão ou dúvida. Mais afirmou, a testemunha, que tendo comparecido depois o intérprete de língua inglesa foi todo e expediente lido, pelo mesmo, à arguida.

Para além de ter resultado cabalmente contrariado pelos referidos meios de prova, o relato dos factos pela arguida não nos mereceu, nesta parte, credibilidade. A arguida limitava-se a dizer que ficou estupefacta com a situação e que não percebia nada do que se passava. Contudo não foi capaz de explicar por que motivo, se não percebia o que se estava a passar, não aproveitou a presença do intérprete para com ele resolver todas as suas dúvidas e obter ajuda para compreender a situação. Limitou-se a arguida, mais uma vez, a dizer que ficou estupefacta…

Ora, uma tal actuação não se compadece com a actuação normal do homem médio colocado na posição da arguida, mesmo considerando tratar-se de um cidadã estrangeira, sendo comum, nas situações de fiscalização policial que envolvem cidadãos estrangeiros, designadamente de países da europa considerados mais desenvolvidos do que Portugal, esses cidadãos questionarem os procedimentos portugueses e não se conformarem com os mesmos, colocando todas as questões e problemas.

Não logrou, pois, a arguida convencer este tribunal da factualidade por si invocada que resulta, por isso, não provada e elencada no ponto A dos factos não provados.

III – Fundamentação de Direito

3.1. Enquadramento jurídico – penal dos factos

À arguida é imputada a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal.

Incorre no crime de condução em estado de embriaguez “Quem, pelo menos por negligência, conduzir veículo, com ou sem motor, em via pública ou equiparada, com uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l…” – artigo 292.º, n.º 1, do Código Penal.

O tipo objectivo do ilícito em análise consiste na condução de um veículo na via pública ou equiparada com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,2 g/l. Relativamente ao elemento subjectivo basta que o agente tenha actuado com negligência.

Ora, perante a factualidade apurada e supra descrita, concluímos que a conduta da arguida preenche todos os elementos, quer objectivos, quer subjectivos previstos na referida norma.

Assim, apurados que estão os elementos objectivos e subjectivos deste delito, e não emergindo qualquer circunstância que afaste a ilicitude dos factos ou exima o agente de culpa, dúvidas não restam de que a arguida praticou, em autoria material e sob a forma consumada, um crime de condução de veículo em estado de embriaguez.

3.2. Da escolha e determinação da medida concreta da pena

Qualificados juridicamente os factos e operada a respectiva subsunção aos preceitos incriminadores, importa, agora, proceder à escolha e determinação da pena a aplicar e da respectiva medida.

O facto ilícito típico praticado pela arguida é punido com pena de prisão de 1 mês até 1 ano ou com pena de multa entre 10 e 120 dias, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 292.º, n.º 1, 41.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1, todos do Código Penal.

Uma vez que o mencionado tipo legal de crime admite, em alternativa, a pena principal de prisão ou de multa, cumpre, em primeiro lugar, proceder à escolha do tipo de pena a aplicar ao arguido.

Preceitua o artigo 70.º do Código Penal, que a escolha da pena deve ser feita dando preferência à pena não privativa da liberdade, sempre que esta realize de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Estas finalidades são, como se determina no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Terá, por isso, na escolha da pena a aplicar, de se atender quer a razões de prevenção geral positiva, quer a razões de prevenção especial positiva, estando excluída qualquer consideração atinente à culpa do agente.

O Tribunal dará preferência à pena não privativa da liberdade, a não ser que razões ligadas à necessidade de ressocialização do arguido ou à defesa da ordem jurídica o desaconselhem.

Revertendo ao caso dos autos, e considerando o tipo legal em análise, dir-se-á, desde logo, que são muito fortes as exigências de prevenção geral, na vertente de defesa do ordenamento jurídico e de tutela das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada. Com efeito, considerando, por um lado a elevada incidência deste tipo de crime e, por outro lado, a circunstância de, subjacente ao mesmo, se encontrar uma preocupação de combate à sinistralidade rodoviária, em que o álcool tem um papel muito relevante, pois, como é sabido, a condução sob o efeito do álcool põe em risco não só a própria vida do condutor como a dos restantes utentes da via, impõe-se, por isso, uma punição que reafirme eficazmente a validade da norma violada.

No entanto, neste contexto, a prevalência deve ser dada a exigências de prevenção especial ou de socialização do arguido.

Relativamente às exigências de prevenção especial é de relevar o facto de a arguida se encontrar inserida social e profissionalmente, e não ter antecedentes criminais, podendo considerar-se esta como uma situação isolada na sua vida, até aqui, conforme ao direito e ao dever-ser.

As referidas circunstâncias permitem concluir que não existe, no presente caso, uma particular necessidade de punição. As exigências de prevenção especial, não se afiguram tão proeminentes que imponham a aplicação, à arguida, de uma pena privativa da liberdade, nem as exigências de prevenção geral saem diminuídas pela aplicação de pena não privativa.

Tudo ponderado, considera-se que a pena de multa é adequada, no presente caso, realizando, de forma suficiente, as finalidades da punição, pelo que se opta pela aplicação, à arguida, de uma pena de multa.

Importa, agora, determinar a medida concreta da pena de multa a aplicar à arguida, a qual será encontrada entre um mínimo de 10 dias e um máximo de 120 dias, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 292.º, n.º 1, e 47.º, n.º 1, todos do Código Penal.

Conforme prescreve o artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, a determinação da medida concreta da pena a aplicar terá como critérios a culpa do agente e as exigências de prevenção.

O limite mínimo será fornecido pelas exigências de prevenção geral, sendo a culpa do agente que fornece o limite inultrapassável da pena (artigo 40.º, n.º 3 do Código Penal). Será dentro destes limites que, atendendo às necessidades de prevenção especial ou de socialização do agente, se determinará a medida concreta da pena.

Dispõe o n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal, que “na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele”, elencando de seguida um conjunto exemplificativo de circunstâncias a atender, entre as quais, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e gravidade das suas consequências, a intensidade do dolo ou da negligência, as condições pessoais do agente e a sua situação económica, a conduta anterior ao facto e posterior a este.

Posto isto, passa-se de seguida à determinação concreta da pena de multa a aplicar à arguida.

Ora, contra a arguida releva a crescente incidência deste tipo de crimes e a importância do bem jurídico que lhe está subjacente, mostrando-se elevadas as exigências de prevenção geral, que demandam uma maior necessidade de sancionamento com vista ao restabelecimento da confiança na norma violada.

Mostra-se, ainda, desfavorável para a arguida, o grau de culpa com que actuou, o qual se situa ao nível do dolo, bem como o grau de ilicitude, atenta a concreta taxa de álcool no sangue apresentada pela arguida – 1,592 g/l –, já bastante superior ao limite a partir do qual os factos em discussão constituem crime.

Em desfavor da arguida deve ainda considerar-se a sua actuação posterior aos factos, designadamente em sede de audiência de julgamento no âmbito da qual pretendeu induzir o tribunal numa errada apreciação dos factos, denotando uma ausência de autocensura e de consciência do mal praticado, que terá de ser valorada contra si.

A favor da arguida releva a circunstância de se encontrar integrada social e profissionalmente e o facto de não ter antecedentes criminais.

Tudo ponderado, julgo adequado aplicar à arguida CVD, uma pena de 80 (oitenta) dias de multa.

Terminadas as operações de concretização da pena de multa a aplicar à arguida, importa fixar a taxa diária.

A cada dia de multa corresponde uma quantia entre €5,00 e €500,00, que o tribunal fixa, nos termos do artigo 47.º, n.º 2, do Código Penal, em função da situação económica e financeira do arguido e dos seus encargos pessoais, sem colocar em causa os mínimos de subsistência.

Assim, deverá atender-se ao facto de a arguida residir habitualmente na Holanda, onde explora um empresa de catering, actividade da qual retira um rendimento médio mensal de €1.000,00. Mais terá de ser considerar a circunstância de a arguida despender a quantia mensal de €500,00 a título de arrendamento para habitação, e a quantia mensal de €150,00 a título de arrendamento de local para o exercício da sua actividade empresarial.

Tudo ponderado, julgo adequado fixar um quantitativo diário de €7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos).

3.3. Da pena acessória.

O crime de condução de veículo em estado de embriaguez é punido, ainda, com a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor.

Nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal “é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime previsto nos artigos 291.º ou 292.º”.

A pena acessória tem, além do mais, um carácter dissuasor, com vista a evitar que os condutores ingiram elevadas quantidades de álcool quando conduzem.

Face à factualidade considerada provada nos autos, encontram-se, no caso vertente, integralmente reunidos os pressupostos de que depende a aplicação à arguida da pena acessória da proibição de conduzir veículos a motor.

Importa, agora, determinar a medida da pena acessória, que será fixada dentro da moldura penal abstracta – com um mínimo de três meses e um máximo de três anos –, de acordo com a culpa e as exigências de prevenção (geral e especial), bem como atendendo a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido (cfr. artigo 71.º do Código Penal), fazendo-se, por isso, o mesmo raciocínio que fizemos para graduar a pena principal.

Assim, ponderadas as circunstâncias atinentes à culpa e às necessidades de prevenção, considera-se justa e proporcional a imposição, à arguida, da proibição de conduzir veículos a motor por um período de 4 (quatro) meses.

IV – Dispositivo

Nos termos e pelos fundamentos expostos:

a) Condeno a arguida CVD, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos artigos 292.º, n.º 1, e 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 80 (oitenta) dias de multa, à taxa diária de €7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz o montante global de €600,00 (seiscentos euros);

b) Condeno a arguida CVD, nos termos do disposto no artigo 69.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor por 4 (quatro) meses;

c) Condeno a arguida CVD no pagamento das custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC - cfr. artigo 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal e artigo 8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Judiciais, com referência à tabela III, anexa àquele.

Notifique e proceda-se ao depósito da sentença (artigo 372.º, n.º 5, do Código de Processo Penal).

Após trânsito:

- Remeta boletim à Direcção dos Serviços de Identificação Criminal (cfr. artigos 6.º, alínea a), e 7.º, n.º 2, da Lei n.º 37/2015, de 05.05);

- Comunique à Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária e ao IMTT, nos termos do disposto no artigo 500.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Fica a arguida expressamente advertido para, no prazo de 10 dias após o trânsito em julgado da presente sentença, entregar a carta de condução e os demais títulos de condução que disponha na secretaria deste Tribunal ou em qualquer posto policial, sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência e de a mesma poder ser-lhe apreendida.”

Vejamos:

Com efeito, a arguida veio arguir diversas nulidades, arguição esta que improcedeu, o que ocorreu na sessão da audiência de julgamento em 21-12-2018, não tendo a arguida, então, reagido a esse desatendimento, por qualquer forma, mormente, através de qualquer declaração de intenção de interposição de recurso, a final, dado que no processo sumário só é admissível recurso da decisão final.

Veio apresentar recurso da decisão final, em 08-02-2019, sendo que esse recurso versa unicamente sobre a matéria que integra as nulidades que invocou na dita audiência de julgamento.

Inclusivamente, o depoimento da testemunha, a que alude a arguida recorrente, relaciona-se com a dita matéria integrante das nulidades.

O aludido despacho, proferido em 21-12-2018, foi notificado à arguida e ao seu mandatário.

Como tal, o prazo para interpor recurso do mesmo iniciou-se em 04-01-2019, já que as férias judiciais decorreram entre 22-12-2018 e 03-01-2019; sendo este prazo de trinta dias, o mesmo terminou em 07-02-2019, já contando os três dias em que aquele recurso ainda poderia ser interposto com o pagamento de multa.

Ora, o recurso apresentado só o foi em 08-02-2019, sendo extemporâneo, como tal.

Daí que exista uma causa que deveria ter levado ao não recebimento do recurso.

Assim sendo, e nos termos das disposições combinadas dos artigos 411º, nº 1, al. c), 414º, nº 2, 417º, nº 6, b) e 420º, nº 1, b), todos do Código de Processo Penal, delibera-se rejeitar o presente recurso, ficando prejudicado, assim, o seu conhecimento.

Vai a recorrente condenada em 3 UC – cfr. artigo 420º, nº 3 do Código de Processo Penal.

Vai condenada, igualmente, nas custas do recurso, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s, com os legais acréscimos.