Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | JOSÉ MANUEL BARATA | ||
Descritores: | INTERVENÇÃO ACESSÓRIA REQUISITOS | ||
Data do Acordão: | 01/31/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | O interveniente acessório (artº. 321º do C.P.C.) não é condenado na ação declarativa, porque não é parte principal na ação, mas sim parte meramente acessória e auxiliar do chamante, fazendo a decisão caso julgado contra si apenas quanto às questões que vierem a ser discutidas e que digam respeito às relações jurídicas já anteriormente estabelecidas entre o chamante e o chamado. (Sumário do Relator) | ||
Decisão Texto Integral: | Proc.º 844/17.4T8PTG-A.E1 Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora Recorrente/Ré: (…) Recorridos/Autores: (…) e outros. * No Tribunal Judicial da Comarca de Évora, Juízo Central Cível e Criminal – Juiz 1, na ação declarativa de condenação proposta pelos AA contra a R, peticionando-se a sua condenação no pagamento da quantia de € 273.369,89, a título de indemnização pelos danos decorrentes da sua intervenção na qualidade de advogada, em vários processos por não ter impugnado devidamente as ações administrativas especiais de impugnação que intentou na qualidade de advogada dos AA contra o Município de (…), permitindo que as mesmas tivessem transitado em julgado, contrariando a vontade expressa dos mandantes, aqui AA. Devidamente citada, veio a R, por sua vez, apresentar contestação onde, além do mais, suscita a intervenção principal do “(…) – Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, Empresas Públicas, Concessionárias e Afins”, do Município de (…) e da sociedade “(…), Seguros Gerais, SA”, fazendo-o ao abrigo do disposto na al. a), do n.º 3, do artigo 316.º e do n.º 1, do art.º 321.º, ambos do CPC. A fls. 2132, o MMº Juiz conheceu destes pedidos de intervenção formulados pela R, deferindo a intervenção principal provocada da (…), Seguros Gerais, SA e indeferindo os pedidos de intervenção de (…) – Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, Empresas Públicas, Concessionárias e Afins”, do Município de (…), ordenando a citação da interveniente admitida para os termos da ação. * Não se conformando com o decidido, a R. recorreu deste despacho, formulando as seguintes conclusões que delimitam o objeto do seu recurso, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso: A) O presente recurso de apelação vem interposto do douto despacho que indeferiu os requerimentos de intervenção do (…) – Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, Empresas Públicas, Concessionárias e Afins, e do Município de (…) deduzidos pela Ré, aqui recorrente. *** Foram colhidos os vistos por via eletrónica. *** A questão a dirimir é a de saber se deve ser admitida a intervenção provocada, principal ou acessória, do (…) – Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, Empresas Públicas, Concessionárias e Afins”, do Município de (…). Dispõe o art.º 316.º do Código de Processo Civil que – «1 - Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária. 2 - Nos casos de litisconsórcio voluntário, pode o autor provocar a intervenção de algum litisconsorte do réu que não haja demandado inicialmente ou de terceiro contra quem pretenda dirigir o pedido nos termos do artigo 39.º. 3 - O chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este: a) Mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida; b) Pretenda provocar a intervenção de possíveis contitulares do direito invocado pelo autor. O incidente de intervenção provocada principal ou acessória foi expressamente previsto pelo legislador para o contexto da ação declarativa de condenação, sendo que no caso dos autos os AA. peticionam o pagamento pela R da quantia de € 273.369,89. Alegam os AA que a R se encontrava vinculada por um contrato de mandato, devendo na sua execução desenvolver todos atos jurídicos necessários à sua defesa em ações judiciais, não tendo cumprido tais obrigações, o que esteve na origem e foi causa da perda das ações que os AA haviam proposto em tribunal por intermédio da R. Por seu lado, a R defendeu-se alegando que antes da sua vinculação ao contrato de mandato celebrado com o AA, se encontrava sujeita às obrigações de um outro contrato. Com efeito, havia anteriormente celebrado um contrato de avença civil com o … (que sucintamente se pode definir como um contrato de prestação de serviços tendo como objeto prestações sucessivas no exercício de profissão liberal mediante remuneração certa mensal, celebrado entre entidades de natureza ou direito civil), mediante o qual deveria prestar serviços jurídicos aos associados do sindicato. A questão que importa agora dirimir é a de saber se os direitos e obrigações decorrentes da celebração destes contratos são perfeitamente independentes ou se se interpenetram de tal forma que são dependentes um do outro. Estamos perante uma união de contratos. Sobre esta união de contratos com dependência, Inocêncio Galvão Telles, “Manual dos Contratos em Geral, ed 1995, pág. 397, ensina: “Aqui também se celebram dois ou mais contratos completos, unidos exteriormente, mas a associação é mais estreita, porque há entre eles um laço de dependência. As partes querem a pluralidade de contratos como um todo, como um conjunto económico, estabelecendo entre eles uma dependência, que pode aliás ser bilateral ou unilateral: bilateral se os contratos dependem, reciprocamente, uns dos outros, unilateral se só algum ou alguns dependem dos demais. Saber se as partes quiseram ou não o vínculo de dependência, há-de apurar-se segundo as regras de interpretação dos contratos. As partes podem estabelecer claramente a dependência, como quando clausulam expressamente que, deixando de vigorar um contrato, o outro ou outros também desaparecerão. No silêncio dos contraentes, a sua intenção determinar-se-á nos termos gerais, e designadamente em atenção às relações económicas existentes entre as várias prestações. O vínculo de dependência significa que a validade e vigência de um contrato depende da validade e vigência do outro ou outros. Um contrato só será válido se os demais o forem; e, desaparecidos estes, aquele desaparecerá também. Mas, em tudo o mais, aplicam-se a cada contrato as suas regras próprias. O artigo 67º, alínea a), da Lei nº 2030, de 22 de Junho de 1948, ilustra sugestivamente a ideia de união de contratos com dependência. Supõe-se ali uma união de contrato de trabalho e arrendamento, em que pelo menos o arrendamento é dependente. O arrendamento depende do contrato de trabalho, e a inversa será ou não verdadeira conforme as circunstâncias. A, dono de um prédio, contrata com B a prestação, por parte deste, de certos serviços no prédio, por exemplo serviços de porteiro, mediante determinado salário; e, por outro lado, concede-lhe habitação, mediante determinada renda. Ou uma empresa comercial, industrial ou agrícola, concede habitação remunerada aos seus empregados ou assalariados. As duas hipóteses, aliás, reconduzem-se fundamentalmente a uma, que é a de a entidade patronal dar de arrendamento uma casa ao trabalhador, em atenção a esta sua qualidade. O arrendamento está na dependência do contrato de trabalho, visto não haver mera coincidência de sujeitos, mas uma intrínseca relação económico-social entre as duas convenções: o vínculo locativo é estabelecido em consideração do vínculo laboral. Por esta forma, extinto o contrato de trabalho, extingue-se também o contrato de arrendamento. É assim que o citado preceito da Lei nº 2.030 declara que, nas hipóteses assinaladas, o senhorio pode requerer o despejo imediato quando o arrendatário deixe de prestar os serviços.” Embora perfunctoriamente, dada a fase embrionária em que se encontram os autos, poderá configurar-se uma união de contratos com dependência na situação concreta trazida à apreciação do tribunal: veja-se que, se o mandato é exercido no interesse e por conta dos AA., quem paga o serviço é o … (por força do contrato de avença celebrado com a R), uma vez que o contrato de mandato se presume oneroso (artº 1158º/1 do CC). Está já determinado se o (…) deu ordem à R. para que não recorresse nas ações em causa nos autos? Não sabemos, mas podia fazê-lo direta ou indiretamente (bastava não pagar a avença para criar sérias dificuldades de cumprimento do mandato à R; ou não permitir o recurso se os AA tivessem quotas em atraso). É certo que os AA configuraram a ação com fundamento no incumprimento do contrato de mandato, pelo que não trouxeram à lide estas particularidades. Mas parece que outra é a intenção a R, ao afirmar que configura a propositura de uma ação de regresso contra a entidade (…) com quem tinha celebrado o contrato de avença civil, caso seja vencida na presente ação. O que nos remete para o que dispõe o artº 321º/1 do CPC, onde se prevê o chamamento à demanda de terceiro contra ao qual o R tenha ação de regresso para ser indemnizado do prejuízo que lhe cause a perda da demanda, para o auxiliar na defesa. Não sendo parte principal na ação, “A intervenção do chamado circunscreve-se à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento” – nº 2 do mesmo preceito – o que implica nunca podendo vir a ser condenado na ação em que é chamado, uma vez que não serão apreciadas quaisquer relações jurídicas entre o A e o chamado. Neste sentido, Ac. RG de 19-05-2016, Maria Luísa Ramos, Procº 1848/15.7T8GMR-A.G1: “II. A sentença proferida na acção em que ocorre o chamamento constitui caso julgado quanto ao chamado relativamente às questões de que dependa o direito de regresso do autor do chamamento, por este invocável em ulterior acção de indemnização, e nos termos previstos no artº 332º do CPC (art.º 321º-n.º 1 e 2 e art.º 323º-n.º 4 e 332º, todos do Código de Processo Civil). III. Nos termos do nº 2 do citado artº 321º do CPC, ao ser determinado que a intervenção processual do Chamado se circunscreve à discussão das questões que tenham repercussão na acção de regresso invocada como fundamento do chamamento, deverá entender-se a lei processual admite na intervenção processual do Chamado a discussão de todas as questões que tenham, ou possam vir a ter, repercussão em futura acção de regresso contra o mesmo a instaurar, designadamente, as questões que se referem à existência da própria obrigação de indemnização da Ré seguradora ao Autor e/ou seu valor.” Salvador da Costa in “Os Incidentes da Instância”, Almedina. 1999, pág. 123 recortou este incidente: “Prevê o n.º 1 (do atual artº 321º do CC) a situação de o réu ter acção de regresso contra terceiro para ser indemnizado pelo prejuízo que lhe cause a perda da demanda, e estatui, que ele pode chamá-lo a intervir a seu lado, sob condição de ele carecer de legitimidade para intervir como parte principal, com o escopo de o auxiliar na defesa. Trata-se de uma intervenção não obrigatória ou facultativa e sem qualquer desvantagem para o réu pelo facto da omissão de chamamento. O terceiro que não tenha legitimidade para intervir como parte principal, pois se a tivesse poderia e deveria intervir no quadro da intervenção principal, é chamado para auxiliar a defesa do réu que o chamou para intervenção acessória, ou seja, para proporcionar uma defesa conjunta. O conceito de acção de regresso, que é pressuposto do chamamento para intervenção acessória provocada em causa, é diverso do conceito de direito de regresso delineado nos artigos 497.º, n.º 2, 521.º, n.º 1 e 524.º do Código Civil, e o prejuízo do réu em que aquela acção assenta é o derivado da perda da demanda, ou seja, da condenação por virtude da pretensão formulada pelo autor. A acção de regresso envolve o direito de restituição ou de indemnização do réu contra o terceiro chamado a intervir pelo montante em que venha a ser condenado a pagar ao autor na hipótese de procedência da acção principal, a qual é susceptível de emergir da lei, de negócio jurídico, de facto gerador de responsabilidade civil e de enriquecimento sem causa gerador da obrigação de restituir. A conexão exigível entre a relação jurídica da titularidade do autor e do réu e a da titularidade do réu e do terceiro não é absoluta, bastando a relativa dependência consubstanciada no facto de a pretensão de regresso do réu contra o chamado se apoiar no prejuízo decorrente da perda da demanda. A acção de regresso deriva de contrato, por exemplo, no caso de o dono da obra, na hipótese da empreitada, accionar o empreiteiro em virtude de defeitos da obra, por seu turno, acionar o sub-empreiteiro com quem contratou a realização da actividade em causa. (…) Este tipo de chamamento facultativo apenas é justificável quando em virtude da relação jurídica conexa, o chamado deva responder pelo dano resultante da sucumbência para o chamante.” O que o legislador pretendeu com o instituto da intervenção acessória provocada é a proteção do A ou do R para receberem auxílio de um terceiro com quem, no futuro se irão defrontar juridicamente. O interveniente acessório, como se disse, não é nunca condenado na ação declarativa, tudo porque não é parte principal na ação mas sim parte meramente acessória e auxiliar do chamante, fazendo a decisão caso julgado contra si apenas quanto às questões que vierem a ser discutidas e que digam respeito às relações jurídicas já anteriormente estabelecidas entre o chamante e o chamado. Se o chamante prefigura desde já uma ação que irá propor no futuro contra o chamado, tendo como fundamento o pagamento da quantia em que vier a ser condenado a pagar, daqui resulta um interesse direto em ser auxiliado na defesa contra a força dos argumentos dos AA no sentido da condenação. Basta atentarmos na miríade de situação que poderão ser trazidas à lide no caso dos autos – seria o caso da existência de factos do chamado praticados no âmbito do contrato de avença civil que tivessem implicações e determinassem a ação da R. no âmbito do contrato de mandato, como acima descrito como mera hipótese. Estas são questões a dirimir na ação de regresso cujo ónus probatório caberá à aqui R. Não pode é o tribunal proceder de forma a dificultar desde já o exercício deste ónus. Assim sendo, conclui-se que a decisão de não admissibilidade do chamamento do interveniente acessório deve ser revogada e substituída por outra que admita o incidente e a sua subsequente tramitação nos termos dos artigos 321º a 324º do CPC. Procedem as conclusões da recorrente, nesta parte. *** Quanto à intervenção acessória do Município de (…).A recorrente alega que procurou demonstrar que foi a ilegal omissão e conduta do Município que deu causa aos danos que os AA terão sofrido, omissão ou ilegal conduta que o Município está em tempo de suprir, suprimento esse a que, aliás, está vinculado e a que não obsta o sentenciamento nas ações administrativas invocadas pelos AA. Se, em consequência da procedência total ou parcial da presente ação, se desse o caso de ser a R a integrar a esfera patrimonial dos AA – integração essa que, no entanto, deveria ser obtida à custa do Município – ocorreria um manifesto enriquecimento do mesmo Município com o correlativo depauperamento da Ré. Assistiria, por isso, à Ré inclusivamente o direito de regresso em relação ao Município na medida correspondente – direito de regresso esse que também por via do incidente de chamamento se pretende assegurar. Dando por reproduzidos os argumentos acerca da questão de direito acima referidas, configura-se também quanto a este chamado a possibilidade de ser proposta ação de regresso, caso a R. seja condenada no pagamento da indemnização peticionada pelos AA. Assim sendo, devem igualmente proceder as conclusões da recorrente, no que a apelação é totalmente procedente, devendo ser o (…) e o Município de (…) a ser admitidos a intervir nos autos como intervenientes acessórios, no âmbito do que dispõem os artigos 321º a 324º do CPC. *** Sumário: I- O interveniente acessório (artº. 321º do C.P.C.) não é condenado na ação declarativa, porque não é parte principal na ação mas sim parte meramente acessória e auxiliar do chamante, fazendo a decisão caso julgado contra si apenas quanto às questões que vierem a ser discutidas e que digam respeito às relações jurídicas já anteriormente estabelecidas entre o chamante e o chamado. II.- Se o chamante prefigura desde já uma ação que irá propor no futuro contra o chamado, tendo como fundamento o pagamento da quantia em que vier a ser condenado a pagar, daqui resulta um interesse direto em ser auxiliado na defesa contra a força dos argumentos da parte contrária no sentido da sua condenação. *** DECISÃO. Em face do exposto, a 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora julga procedente a apelação e revoga o despacho recorrido, que deve ser substituído por outro que admita a intervenção acessória provocada de (…) – Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Administração Local e Regional, Empresas Públicas, Concessionárias e Afins” e do Município de (…), ao abrigo do disposto nos artigos 321º a 324º do CPC. *** Évora, 31-01-2019 José Manuel Barata (relator) Maria da Conceição Ferreira Rui Manuel Machado e Moura |