Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
6554/18.8T8STB.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: ACTUALIZAÇÃO DE RENDA
COMUNICAÇÃO
Data do Acordão: 07/11/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando, designadamente, o valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana, juntando cópia da caderneta predial urbana.
Considera-se ineficaz, por preterição do requisito material previsto no art. 50.º al. b) da Lei n.º 6/2006, a comunicação efetuada com vista à atualização da renda se o valor indicado como valor patrimonial do locado, avaliado nos termos do CIMI, corresponder ao valor do prédio composto por dois armazéns, no seu todo, quando o arrendado respeita a um só armazém, consubstanciando prédio distinto daquele que figura na matriz.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora


I – As Partes e o Litígio

Recorrentes / Autores: (…) e (…)

Recorridos / Réus: (…) e (…)

Trata-se de uma ação declarativa de condenação através da qual os AA formularam os seguintes pedidos:
a) Sejam os réus condenados na imediata desocupação do locado e na sua entrega aos autores, livre e devoluto de pessoas e bens;
b) Subsidiariamente, seja declarado resolvido o contrato de arrendamento objeto dos autos e, em consequência, serem os réus condenados no despejo imediato do locado e a sua entrega aos autores, livre e devoluto de pessoas e bens;
c) Cumulativamente, sejam os réus condenados no pagamento das rendas vencidas e não pagas, no total de € 2.802,00, acrescidas de juros de mora à taxa legal desde a data de vencimento das rendas até efetivo pagamento;
d) Cumulativamente, sejam os réus condenados no pagamento de € 1.000,00 por mês ou, subsidiariamente, de € 500,00 por mês desde 28/09/2014 até efetiva desocupação do locado, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Alegam que, cifrando-se a renda mensal em € 33,00 e pretendendo atualizar o valor da renda, na qualidade de senhorios enviaram aos réus, para a morada do locado, cartas registadas com aviso de receção, nas quais comunicaram a intenção de fazer transitar o arrendamento para o NRAU e de atualizar a renda para a quantia mensal de € 500,00. Uma vez que as cartas enviadas foram devolvidas pelos CTT, enviaram novas cartas com conteúdo idêntico. Decorridos 30 dias sem que os Réus respondessem às missivas enviadas, os Autores consideraram o contrato transitado para o NRAU e o valor da renda atualizado para € 500,00 a partir de Abril de 2018. Contudo, os Réus continuaram a proceder ao pagamento da renda mensal de € 33,00, o que constitui fundamento para a resolução do contrato de arrendamento por falta de pagamento das rendas, conforme operado por notificação judicial avulsa dirigida aos Réus.

II – O Objeto do Recurso

Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando a ação totalmente improcedente, por não provada, o que decorre da consideração de que a renda mensal relativa ao contrato de arrendamento que vigora entre Autores e Réus não foi atualizada pelas comunicações enviadas, nem em 24 de Novembro nem em 28 de Dezembro de 2017; a renda mantém-se na quantia mensal de € 33, que foi pontualmente paga pelos Réus.

Inconformados, os AA apresentaram-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que julgue procedente o que foi peticionado na p.i. Concluem a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«A- Entre recorrentes e RR. vigora um contrato de arrendamento verbal, definido pela lei como “o contrato pelo qual uma das partes se obriga a proporcionar à outra o gozo temporário de uma coisa, mediante retribuição' (cfr. artigo 1022°, em conjugação com o artigo 1023.°, ambos do Código Civil).
B- No caso dos presentes autos, dúvidas não restaram à Sra. Juíza a quo, que o arrendamento é urbano para fins não habitacionais, uma vez que os RR utilizam o locado como armazém.
C- Foi corretamente caracterizado pela Sra. Juíza a quo, o contrato de arrendamento que vincula recorrentes e RR.
D- Cabia nos presentes autos determinar se as comunicações enviadas pelos AA aos RR, com vista a proceder à atualização do valor das rendas, respeitaram o disposto no referido diploma legal sendo, nessa medida, válidas e suscetíveis de terem efetivamente procedido à atualização da renda em questão de 33,00 € mensais para 500,00 € por mês.
E- As comunicações enviadas pelos recorrentes aos RR foram remetidas por carta registada com aviso de receção para a morada do locado, pelo que, as comunicações respeitaram o disposto no normativo legal, em apreço o NRAU.
F- Os recorrentes comunicaram todos os elementos aos RR que constam do referido artigo 50.° e bem, no entanto, discordando-se da interpretação da Sra. Juiz a quo, quanto ao valor do locado nos termos dos artigos 38° e seguintes do CIMI, já que os recorrentes comunicaram que o valor do locado era de € 17.140,00, em que os próprios recorrentes reconheceram que o valor do locado era apenas metade deste valor, em sede de PI, valor que os RR, igualmente reconheceram e que sabiam ser o valor, pois tinham conhecimento dos valores patrimoniais, pela caderneta predial, ou, pelo menos, deveriam ter tido esse conhecimento, se diligentemente, tivessem recebido a correspondência, como era sua obrigação.
G- Embora aquele valor corresponda a ambas as entradas (n.º 13 e n.º 15) do prédio urbano propriedade dos AA, e não apenas à entrada do locado arrendado aos RR, tal valor é de fácil cálculo, sem recurso a grandes regras de aritmética, já que se tratam de dois locados de áreas idênticas, e cujo valor sempre seria de pelo menos € 8.570,00, cada uma das frações suscetíveis de utilização independente chegando a Sra. Juíza à incorreta conclusão que a comunicação enviada pelos recorrentes aos RR, na qual os primeiros pretendiam atualizar a renda, não respeitou a disposto no artigo 50.º da Lei n.° 6/2006.
H- Conclui a Sra. Juíza a quo, erradamente, salvo melhor e veneranda opinião, que a consequência legal da errada indicação do valor do locado, ainda que acompanhada da caderneta predial, ser a ineficaz a comunicação suprarreferida.
I- O aresto que serve de motivação à decisão da Sra. Juíza a quo, para se decidir pela ineficácia, pela discrepância entre o valor real e o formal, da fração, em propriedade vertical, por isso suscetível de ser locada é um aresto que dizia respeito, efetivamente, a um estabelecimento comercial aberto ao público, onde existiu, previamente, uma discussão, entre senhorio e inquilino, com efetiva troca de correspondências, não o caso, em apreço, que nem sequer foram levantadas quaisquer correspondências, por culpa dos inquilinos.
J- Se os RR tivessem respondido às comunicações, com a justificação de ser uma microempresa, como tentaram demonstrar, nos presentes autos, tendo ficado patente que os mesmos, ou pelo menos um deles, sequer se poderia considerar como tal, facto dado como não provado, /Facto A) Matéria Não Provada), contra os RR, e de acordo, com o art.º 51, n.º 4, do NRAU, quanto aos seus requisitos, tampouco estaria em causa a discussão de 1/15 avos do valor da matriz, como valor de renda anual, o que levaria a que sempre teria que aceitar o valor proposto pelos recorrentes ou resolver o contrato, com as competentes compensações a que tivesse que haver lugar.
K- Repudia-se a justificação pela Sra. Juíza a quo com o douto acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27/06/2017, processo 2058/16.1YLPRT.L1-7, como se de jurisprudência fixada se tratasse, quando no seu conteúdo, se percebe, que só em parte, se poderia adequar ao presente processo.
L- Parte, essa, da qual os recorrentes podem lançar mão, no ponto III do sumário, para justificar a pretensão, quanto ao facultar ao arrendatário, as informações que lhe permitiriam avaliar a correção e razoabilidade do aumento comunicado, a fim de que pudesse formar uma vontade esclarecida sobre a manutenção do arrendamento, já que não se podia prevalecer do ponto IV, V, e VI com as devidas adaptações, que diz respeito, em concreto, ao caso de poder invocar uma da alíneas do art.º 51.º, n.º 4, do NRAU, a saber, aqui a situação de microempresa, que não logrou provar, juntos dos autos, como alegado, por estes em sede de contestação.
M- Concretizado, exemplifica-se, com recurso ao mesmo acórdão, já identificado: “III - Não obstante o senhorio seja, em princípio, livre na determinação do aumento de renda ao abrigo do art. 50º do NRAU, os elementos que a respetiva comunicação deve conter destinam-se a facultar ao arrendatário as informações que lhe permitirão avaliar a correção e a razoabilidade do aumento comunicado, a fim de que possa formar uma vontade esclarecida sobre a manutenção do arrendamento.
(sublinhado e bold nosso)
N- O valor calculado para a renda, informada aos RR, correspondia a um valor de mercado, calculado, com base nas rendas naquela zona, para um armazém daquelas dimensões, valor esse que ultrapassava em muito o valor de 1/15 do valor da matriz, para aquele locado, que recorrentes e RR, acordaram ser de € 8.570,00, ou até para o valor total dos dois armazéns.
O- A conclusão necessária é a de que a renda mensal relativa ao contrato de arrendamento que vigorava entre AA e RR foi atualizada pelas comunicações enviadas, em 24 de Novembro e em 28 de Dezembro de 2017, pelo que, a renda se alterou para a quantia mensal de € 500,00 a partir de 1 de abril de 2018.
P- Mas que tal não fosse o caso, supra alegado, e tivéssemos RR logrado provar tinham uma microempresa a funcionar no local, que nunca tiveram, por estar este fechado ao publico, sem qualquer pessoa a prestar qualquer função comercial, naquele locado, se tivessem sido levantadas as cartas, nos CTT, o valor referido na carta, facilmente, por simples cálculo aritmético, como foi o efetuado e aceite pelos RR, que se situou pela metade, já que a caderneta predial refere os dois armazéns, com um valor matricial único, para os dois, muito baixo, podia ter sido encontrado, sem qualquer dificuldade.
Q- Não se pode ser reducionista ao pé da letra, já que sendo um dos requisitos o valor do CIMI para a fração, também é requisito a junção da caderneta predial, respetiva.
R- Se é assim, é porque o valor tem que ser sempre aferido com a caderneta.
S- Só a caderneta predial poderia fazer a diferença, contudo não pode o senhorio ficar refém dum inquilino, que não é diligente, no tratamento da sua correspondência.
O legislador não terá tido como escopo para esta lei, beneficiar, mais que o razoável, o inquilino, no que às comunicações e eficácia das mesmas diz respeito, senão estaria a violar o art.º 13.º da CRP.
T- Porque se entende que as comunicações seriam sempre eficazes, na premissa da comunicação ser inteligível, apesar de um lapsus calami, mas perfeitamente identificável, e porque o valor da renda nunca esteve relacionado com o valor da matriz, parcialmente ou no seu todo, entendemos que os RR, comerciantes que são, e motivados pela sua mandatária, como alegaram na douta contestação, estarem interessados em receber as comunicações, sempre teriam resolvido, sem esforço, o cálculo simples, fixando, em pelo menos metade, o valor do locado, pela divisão do valor total, por 2.
U- Tendo em consideração que a comunicação de atualização da renda se deverá afigurar eficaz, como já se referiu, anteriormente, dever-se-á concluir, que tal comunicação foi realizada de molde a efetivar a atualização da renda do arrendamento para o valor mensal de 500,00 €.
V- Foram cumpridos todos os prazos e existiam todos os elementos, para os RR terem podido responder aos recorrentes.
W- A renda mensal relativa ao contrato de arrendamento que vigorava entre AA e RR foi atualizada pelas comunicações enviadas, em 24 de Novembro e em 28 de Dezembro de 2017, pelo que, a renda se alterou para a quantia mensal de € 500,00 a partir de 1 de Abril de 2018.
X- Os RR colocaram-se numa situação de incumprimento das obrigações, como arrendatários, o que, forçosamente, determinou a resolução.
Y- Por força do contrato de arrendamento supra descrito os RR estão obrigados a pagar aos AA o valor mensal de € 500,00 mensais, no âmbito de um contrato de arrendamento urbano para fins não habitacionais, desde 1 de Abril de 2018.
Z- Os RR não procederam, por sua única a e exclusiva culpa, ao pagamento pontual da renda de € 500,00, a partir de 1 de Abril de 2018.
AA- Os RR estavam obrigados ao pagamento mensal da renda de € 500,00, desde 1 de Abril de 2018 [cfr. artigo 1038º, alínea a), do Código Civil], obrigação que deixaram de cumprir, pontualmente, pelo que, é deverão V. Exas concluir que existe incumprimento daquela obrigação, por parte daqueles.
BB- Nesta senda, os recorrentes têm direito a receber dos RR o valor peticionado de € 2.802,00 a título de rendas vencidas e não pagas, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a data do vencimento das rendas até ao efetivo pagamento.
CC- No caso dos presentes autos os RR não procederam ao pagamento pontual da renda de € 500,00 por mês, a partir de 1 de Abril de 2018, já que atualização da renda para o montante de 500,00 € operou, existindo incumprimento por parte dos RR do pagamento da renda mensal de 500,00 €, dando causa à resolução do contrato, o que se deve julgar procedente, desde 9 Agosto de 2018, encontrando-se preenchido o fundamento legal previsto no n.º 3 do artigo 1083º do Código Civil, pelo que, os recorrentes, enquanto senhorios, têm o direito de resolver o contrato, com o fundamento por eles alegado.
DD- Resultou provado, no ponto 23, da matéria provada, que os RR se afastam do território português, para ir a França, mas não resultou provado, pelos pontos B, C e D, da matéria não provada, que tal afastamento do território português constituísse justo impedimento, invocado pelos RR, para receber as comunicações, enviadas pelos recorrentes, em 24 de Novembro e 28 de Dezembro de 2017 e pela consequente atualização do valor da renda.
EE- A Sra. Juíza a quo não se dispôs a julgar os factos que foram levados até si, nos termos do art.º 16, n.ºs 1 e 2 e 3, do NRAU, mas que tendo havido algum impedimento dos RR, para receber as comunicações, este não se reputou por justo.
FF- Cabia aos RR terem provado que preenchiam o art.º 16.º, n.ºs 1 e 2, para que o tribunal se pronunciasse a seu favor, o que não tendo sido feito, pelas regras da repartição do ónus da prova, a questão sempre se resolveria a favor dos recorrentes.
GG- Os factos teriam que ser julgados como não tendo existido justo impedimento, sendo por isso, todas as comunicações e seus efeitos eficazes, contra os RR.»

Em sede de contra-alegações, os Recorridos pugnam pela manutenção da decisão recorrida, invocando que, por não ter sido indicado o valor patrimonial correto do locado, não obstante junção da cópia da caderneta predial, as comunicações são ineficazes.

Cumpre conhecer das seguintes questões, salvo prejudicialidade decorrente do anteriormente apreciado:
- da atualização da renda;
- da resolução do contrato e respetivos efeitos.


III – Fundamentos

A – Os factos provados em 1.ª Instância

1. Encontra-se inscrita a aquisição, a favor dos autores, do prédio urbano sito na Rua (…), n.ºs 13 e 15, da freguesia da Anunciada, concelho de Setúbal, descrito na 1.ª Conservatória do Registo Predial de Setúbal, sob o n.º (…)/20090320 e inscrito na matriz predial urbana sob o número (…).
2. Em 09.03.1981, foi celebrada no 2.º Cartório Notarial de Setúbal, Dra. Maria Helena Montalvão da Cunha, uma escritura de trespasse entre (…) e (…) e os aqui réus, através da qual os dois primeiros declararam trespassar o referido estabelecimento do prédio urbano descrito no ponto 1 – n.º 15, pelo preço de $ 100.000,00 que receberam e dão quitação.
3. Em 06.05.2009, foi celebrada no Cartório Notarial de Setúbal, Dr. João Farinha Alves, uma escritura pública de compra e venda entre (…), Lda., representada por (…) e (…), através da qual a primeira declarou vender ao segundo o referido prédio urbano descrito no ponto 1, pelo preço de € 40.000,00 que recebeu e deu quitação.
4. Com o trespasse, foi transmitido aos réus o direito ao gozo temporário do prédio urbano (n.º 15), mediante o pagamento de uma renda mensal.
5. Em 13.05.2009, foi enviada ao primeiro réu, (…), uma carta registada com aviso de receção, com o seguinte conteúdo: “Vimos por este meio informar que o armazém sito na Rua de (…), n.º 15, em Setúbal, do qual o senhor é arrendatário, foi vendido em 05.05.2009 ao Sr. (…). Em consequência, deverá o senhor pagar a respetiva renda no escritório do mesmo, sito na Praça do (…), n.º 12, em Setúbal (Albergaria …) ou optar por pagamento por transferência bancária para o seguinte IBAN: (…)”.
6. Aquando da aquisição do prédio urbano mencionado em 1, a renda mensal paga pelos réus era de € 33,00.
7. Até à data da entrada da ação, os réus sempre procederam ao pagamento da renda mencionada em 6.
8. Em 2017, o valor matricial do prédio, em propriedade vertical, foi atualizado para € 17.140,00.
9. O valor do locado (composto por um armazém) é de metade do valor referido em 8, uma vez que o prédio é na sua totalidade composto por dois armazéns.
10. Em 24 de Novembro de 2017, os Autores, através do respetivo mandatário, enviaram aos Réus, duas cartas registadas com aviso de receção:
“ (…) É intenção dos meus constituintes, senhorios do locado de V. Exa que o referido contrato transite para o regime do NRAU; Propõe o senhorio de V. Exa que a duração do identificado contrato seja de prazo certo de 5 anos; Propõe, ainda, o senhorio de V. Exa que o valor da renda mensal que, atualmente é de 33,00 € (trinta e três euros), seja atualizado para 500,00 € (quinhentos euros); Em respeito pelo demais prescrito quanto ao regime legal a que o senhorio se encontra adstrito, anexo cópia da caderneta predial urbana [art.º 50º, al. c), NRAU]; Informo que o valor patrimonial do locado é de € 17.140,00 (dezassete mil, cento e quarenta euros), com o valor determinado em 2017, de acordo com o disposto nos artigos 38º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis.
2. Assim, V. Exa deverá responder à presente comunicação no prazo de 30 dias, a contar da receção desta carta, indicando o seguinte: (a) aceitação do novo valor da renda proposto; oposição ao novo valor da renda, propondo outro valor; pronunciar-se quanto ao tipo e duração do contrato, pelo senhorio de V. Exa., propostos; denunciar o contrato de arrendamento existente entre o senhorio e V. Exa.
(...)
Devo advertir V. Exa que a falta de resposta por parte de V. Exa vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato, pelo senhorio, propostos, ficando o contrato submetido ao NRAU, a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte, ao termo do prazo de resposta (...)”.
11. As cartas mencionadas em 10 foram enviadas para a morada do locado, constante do ponto 1.
12. As cartas foram devolvidas pelos CTT, com a menção “não atendeu”.
13. Os Réus não responderam às missivas referidas no ponto 10.
14. Em 28.12.2017, os autores, através do seu mandatário, enviaram uma segunda comunicação aos réus, por cartas registadas com aviso de receção, com o mesmo teor das comunicações referidas no ponto 10.
15. Os réus não procederam ao levantamento das cartas referidas em 14, que foram devolvidas pelos CTT, com a menção “destinatário ausente” e “não atendeu”.
16. Os réus não responderam às cartas referidas em 14.
17. Em 01.04.2018 e nos meses que se seguiram até à entrada da presente ação, os réus continuaram a proceder ao pagamento da renda mencionada no ponto 6.
18. Em 13.06.2018, os autores, através do seu mandatário, requereram a notificação judicial avulsa dos réus do seguinte conteúdo: “(...) 14.º Porque a renda em vigor é de € 500,00 (quinhentos euros), desde Abril de 2018 até à presente data, os Requeridos devem a quantia total de € 1.401,00 (mil, quatrocentos e um euro), correspondente ao remanescente do valor, de cada renda mensal, respeitantes aos meses de abril, maio e junho, todos de 2018. 15.º Os Requeridos estão obrigados, por força do contrato de arrendamento, a pagamento da renda, no prazo legal, nos termos do art.º 1038.º, al. a), do Código Civil. 16.º Tendo já decorrido mais de dois meses sobre a data de início da mora na realização do primeiro pagamento, tornou-se inexigível aos requerentes a manutenção do contrato de arrendamento acima mencionado, pelo que lhes assiste o direito à sua resolução, ao abrigo do n.º 3 do art.º 1083.º do Código Civil. 17.º Por força do n.º 2 do artigo 1084.º do Código Civil a resolução do contrato de arrendamento, com base neste fundamento, opera por comunicação à contraparte. 18.º Podendo ser feita valer por um dos meios previstos no n.º 7, do artigo 9.º da Lei n.º 6/2006, de 27/02, NRAU, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 31/2012, de 14 de Agosto, de entre os quais se encontra a notificação judicial avulsa, objeto do presente requerimento. 19.º Os Requerentes declaram assim resolvido o contrato de arrendamento identificado na presente notificação. 20.º Com a resolução e existindo mora na entrega do locado, os Requerentes terão ainda direito a receber dos Requeridos o dobro do valor das rendas convencionadas, em relação ao período entre a constituição da mora e a efetiva entrega do locado, tudo nos termos do artigo 1045.º, n.º 2, do Código Civil. (...)
19. Em 27.06.2018, através de agente de execução, foi efetuada a notificação judicial avulsa, tendo o mesmo lavrado certidão negativa de citação, uma vez que os réus não se encontravam no locado.
20. Em 30.07.2018, os autores, através do seu mandatário, voltaram a remeter comunicações aos Réus, através de cartas registadas com aviso de receção, com o seguinte conteúdo: “Efetivamente, não veio V. Exa a oferecer qualquer resposta, pelo que nos termos do art.º 31.º, n.º 10, ex vi do art.º 51º, n.º 7, todos do NRAU, essa falta de resposta, da parte de V. Exa, valeu como aceitação da renda, bem como o tipo e a duração do contrato, propostos pelos senhorios, tendo em consequência a submissão deste contrato de arrendamento, existente, entre senhorios e V. Exa., submetido ao NRAU a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte ao termo do prazo de 30 dias. O dia em que entraram em vigor as alterações foi o dia 1 de Abril de 2018 (...) Os senhorios declaram, assim, resolvido o contrato de arrendamento identificado na presente comunicação. Assim, conforme resulta do art.º 1087.º do Código Civil, V. Exa. deverá proceder à desocupação imediata do locado, entregando-o livre de pessoas e bens, no prazo de um mês a contar da receção da presente comunicação, ou, se esta for recusada ou não levantada, por V. Exa. no serviço postal no prazo regulamentar, no 10.º dia posterior ao envio desta comunicação, nos termos do art.º 10.º, n.º 5, al. b), do NRAU"”.
21. As comunicações referidas no ponto 20 foram devolvidas pelos CTT ao remetente, uma vez que não foram reclamadas pelos destinatários.
22. Os rés ainda não procederam à desocupação do locado.
23. Por períodos de tempo cuja frequência não foi possível apurar, os réus deslocam-se a França.
24. O locado encontra-se em mau estado de conservação, encontrando-se o telhado deteriorado.
25. Em 07.06.2018, foi realizada uma vistoria pela CMS, tendo o Autor (…) estado presente – cfr. art. 16.º da contestação e doc. fls. 207.
26. Na referida vistoria, os técnicos camarários verificaram que o locado apresenta infiltrações provenientes da cobertura, falta de condições de salubridade, não funcionalidade das redes de água e eletricidade, porta exterior corroída.
27. Através da informação técnica de 04.01.2018 os autores tiveram conhecimento do estado do prédio tal como descrito no ponto 26.
28. Os réus utilizam o prédio descrito em 1 (n.º 15) como armazém.
29. A presente ação foi intentada pelos autores em 18/09/2018.

B – O Direito

Da atualização da renda
Os Recorrentes consideram que as comunicações de atualização de renda que dirigiram aos Recorridos são válidas e eficazes. Não obstante terem indicado o valor patrimonial do locado como correspondendo ao valor de € 17.140,00, valor constante da caderneta predial para todo o prédio (que comporta duas divisões com área idêntica, sendo o locado uma só destas divisões), sustentam que bem sabiam os Recorridos que o valor seria pelo menos metade do indicado, o que é confirmado pelo teor da caderneta predial que instruía as comunicações devidamente expedidas.
Ora vejamos.
É ponto assente que o contrato versado nos autos consiste num contrato de arrendamento urbano para fim não habitacional, contrato este sujeito à disciplina do NRAU, aprovado pela Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.
No que respeita às comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas à atualização da renda, estabelece o art. 9.º da citada Lei que são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de receção, cartas essas dirigidas ao arrendatário, sendo que, na falta de indicação por escrito deste em contrário, devem ser remetidas para o local arrendado.
E nos termos do art. 10.º n.ºs 1 a 4, a comunicação considera-se realizada ainda que seja devolvida por não ter sido levantada no prazo previsto no regulamento dos serviços postais se tiver sido enviada nova carta registada com aviso de receção, decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta, e esta voltar a ser devolvida, tendo-se por recebida no 10.º dia posterior ao do seu envio.
Relativamente ao arrendamento para fim não habitacional, o art. 50.º da Lei n.º 6/2006 estabelece o seguinte:
«A transição para o NRAU e a atualização da renda dependem de iniciativa do senhorio, que deve comunicar a sua intenção ao arrendatário, indicando:
a) O valor da renda, o tipo e a duração do contrato propostos;
b) O valor do locado, avaliado nos termos dos artigos 38.º e seguintes do CIMI, constante da caderneta predial urbana;
c) Cópia da caderneta predial urbana;
d) Que o prazo de resposta é de 30 dias;
e) O conteúdo que pode apresentar a resposta, nos termos do n.º 3 do artigo seguinte;
f) As circunstâncias que o arrendatário pode invocar, isolada ou conjuntamente com a resposta prevista na alínea anterior, e no mesmo prazo, conforme previsto no n.º 4 do artigo seguinte, e a necessidade de serem apresentados os respetivos documentos comprovativos, nos termos do disposto no n.º 6 do mesmo artigo;
g) As consequências da falta de resposta, bem como da não invocação de qualquer das circunstâncias previstas no n.º 4 do artigo seguinte.»
Relativamente ao valor do locado, a jurisprudência do STJ salienta que «o valor do locado que o senhorio deve comunicar ao arrendatário é o valor patrimonial tributário que lhe foi atribuído pelos Serviços de Finanças competentes, com base em declaração do sujeito passivo e após avaliação realizada de acordo com os critérios previstos no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), para efeitos de incidência do imposto municipal sobre imóveis (IMI).»[1]
No caso em apreço, os Recorrentes enviaram comunicação aos Recorridos com vista à atualização da renda de € 33 para € 500, comunicação essa remetida para a morada do locado. Tendo sido devolvida pelos serviços postais por não ter sido recolhida, foi enviada nova carta no prazo legal, a qual foi nos mesmos termos devolvida. No entanto, a comunicação considera-se recebida – cfr. o citado art. 10.º da Lei n.º 6/2006.
A comunicação enviada e recebida tem o seguinte teor:
«(…) É intenção dos meus constituintes, senhorios do locado de V. Exa que o referido contrato transite para o regime do NRAU; Propõe o senhorio de V. Exa que a duração do identificado contrato seja de prazo certo de 5 anos; Propõe, ainda, o senhorio de V. Exa que o valor da renda mensal que, atualmente é de 33,00 € (trinta e três euros), seja atualizado para 500,00 € (quinhentos euros); Em respeito pelo demais prescrito quanto ao regime legal a que o senhorio se encontra adstrito, anexo cópia da caderneta predial urbana [art.º 50º, al. c), NRAU]; Informo que o valor patrimonial do locado é de € 17.140,00 (dezassete mil, cento e quarenta euros), com o valor determinado em 2017, de acordo com o disposto nos artigos 38º e seguintes do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis
2. Assim, V. Exa deverá responder à presente comunicação no prazo de 30 dias, a contar da receção desta carta, indicando o seguinte: (a) aceitação do novo valor da renda proposto; oposição ao novo valor da renda, propondo outro valor; pronunciar-se quanto ao tipo e duração do contrato, pelo senhorio de V. Exa., propostos; denunciar o contrato de arrendamento existente entre o senhorio e V. Exa.
(...)
Devo advertir V. Exa que a falta de resposta por parte de V. Exa vale como aceitação da renda, bem como do tipo e da duração do contrato, pelo senhorio, propostos, ficando o contrato submetido ao NRAU, a partir do 1.º dia do 2.º mês seguinte, ao termo do prazo de resposta (...)”.»
Apurou-se, no entanto, que em 2017, o valor matricial do prédio, em propriedade vertical, se cifrava em € 17.140,00, sendo que o valor do locado (composto por um armazém) é de metade desse valor, uma vez que o prédio é na sua totalidade composto por dois armazéns – cfr. n.ºs 8 e 9 dos factos provados.
Assim sendo, é manifesto que a comunicação dirigida aos Recorridos não contemplou a indicação do valor do locado nem esse valor se alcança da caderneta predial que instrui essa comunicação. Para efeitos de atualização de renda, e tomando como ponto de partida o teor da caderneta predial, impunha-se fosse indicado o valor patrimonial que corresponde tão só ao armazém objeto do contrato de arrendamento.[2]
Veja-se a apreciação exarada no já citado Ac. do STJ: «Respeitando o valor patrimonial indicado a todo o andar e tendo o locado por objeto apenas o que designaram ser o seu o lado direito, a própria natureza das coisas nos diz que estão em causa realidades distintas. Se o valor comunicado respeita a um prédio ou andar que não coincide integralmente com o locado não pode considerar-se cumprida a exigência de comunicação do valor do locado, imposto pelo artigo 50.º, n.º 1, al. b).» Jurisprudência que secunda a já plasmada no Ac. daquele Tribunal de 20/12/2017[3], afirmando que, estando «em causa o contrato de arrendamento que tem por objeto o 2.º andar esquerdo do prédio (…) diremos, desde logo, ser irrelevante, para efeitos de atualização da respetiva renda, a comunicação feita pela autora à ré (…), porquanto a mesma reporta-se a todo o 2.º andar do referido prédio», sendo manifesta «a falta de identidade entre o imóvel objeto do contrato de arrendamento (2.º andar esquerdo do prédio), cuja resolução se pretende obter através da presente ação, e o prédio que surge indicado na caderneta predial que instruiu o procedimento de atualização (todo o 2.º andar do prédio).»
E como vem sendo apontado na citada jurisprudência, é ao proprietário do prédio que cabe a tarefa de requerer, na Repartição de Finanças, o valor patrimonial individualizado do locado que deve figurar na caderneta predial, destinada a instruir o procedimento de atualização da renda relativa ao locado, já que constitui elemento essencial para exercer o direito de requerer a atualização do valor da renda.
Termos em que se conclui ser de considerar ineficaz, por preterição do requisito material previsto no referido art. 50.º, al. b), da Lei n.º 6/2006, a comunicação efetuada pelos Recorrentes com vista à atualização da renda em virtude de o valor indicado como valor patrimonial do locado, avaliado nos termos do CIMI, corresponder ao prédio composto por dois armazéns, no seu todo, quando o arrendado respeita a um só armazém, consubstanciando prédio distinto daquele que figura na matriz.
Donde decorre inexistir fundamento para declarar resolvido o contrato de arrendamento por falta de pagamento da renda mensal de € 500,00.

Improcedem as conclusões da alegação do presente recurso, inexistindo fundamento para revogação da decisão recorrida.

As custas recaem sobre os Recorrentes – art. 527.º, n.º 1, do CPC.

Concluindo:
(…)

IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida.
Custas pelos Recorrentes.
Évora, 11 de Julho de 2019
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Simões
Vítor Sequinho dos Santos

_________________________________________________
[1] Ac. STJ de 24/05/2018, proc. n.º 1848/16.0YLPRT.L1.S2, (Fernanda Isabel Pereira).
[2] Cfr. caso similar apreciado no Ac. TRP de 15/02/2016 (Ana Paula Amorim), onde se considera que o valor indicado e a caderneta predial apresentada, por respeitar à totalidade do prédio e não só à parte locada, respeita a prédio distinto do objeto do contrato.
[3] Relatado por Rosa Tching.