Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
265/18.1TXLSB-L.E1
Relator: CARLOS DE CAMPOS LOBO
Descritores: LIBERDADE CONDICIONAL
REINSERÇÃO SOCIAL
PREVENÇÃO GERAL
PREVENÇÃO ESPECIAL
PROGNÓSTICO FAVORÁVEL
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: I – O mecanismo da liberdade condicional, ao que se vem entendendo, apresenta-se como uma providência que visa essencialmente promover a ressocialização de condenados a penas de prisão de média ou de longa duração e, nesse seguimento, proporciona uma libertação antecipada, permitindo ao recluso a sua gradual preparação para o reingresso na vida livre.
II - A liberdade condicional, no ordenamento jurídico português, pode ser facultativa ou obrigatória, sendo que no primeiro caso é necessário que se verifiquem determinadas condições – artigo 61º, nº 2, alíneas a) e b) do CPenal – e, no segundo, basta o tempo de prisão cumprida.
III - Como pressupostos substantivos / materiais, os quais exuberam em quadros de liberdade condicional facultativa, a qual consiste num poder-dever do tribunal, apela-se a finalidades de prevenção geral de ressocialização e de integração, devendo olhar-se numa perspetiva de ressocialização revelados pelo condenado, de forma a que as expetativas de reinserção sejam marcadamente superiores aos riscos que a comunidade tenha que suportar com a antecipação da sua restituição à liberdade.
IV - Em caso de liberdade condicional facultativa na modalidade do cumprimento de 2/3 da pena o tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional desde que for seguramente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
V - Por isso, para lá da vontade subjetiva do condenado, míster é que se denote / patenteie capacidade objetiva de readaptação, de modo que as expectativas de reinserção sejam manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da sua restituição à liberdade, sendo que este mote ponderativo só será possível mediante um prognóstico individualizado e favorável à reinserção social do condenado, assente, essencialmente, na probabilidade séria / segura / sólida de que o mesmo em liberdade vai seguir um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal.
VI – Na presença de traços lacunares em termos de futuro, em matéria laboral e de centro de vida, a par de notas de pouca humildade e de vitimização, contextualizando os crimes cometidos em dificuldades económicas, emerge quadro pouco ilustrativo de espírito crítico e, nessa medida, revelador de alguma ausência de capacidade de autocensura e de agir, perante eventuais dificuldades que possam surgir na vida em liberdade, de acordo com o quadro normativo vigente.
Decisão Texto Integral:
Acordam em Conferência na Secção Criminal (2ª subsecção)
I – Relatório

1.No processo n.º 265/18.1TXLSB-L da Comarca de Évora – Juízo de Execução de Penas de Évora – Juiz ..., por decisão proferida em 3 de outubro de 2022 não foi concedida a Liberdade Condicional a AA, melhor identificado nos autos, tendo-se entendido não estarem reunidos os necessários pressupostos.

2.Inconformado com o decidido, recorreu o recluso questionando o entendimento tido pelo tribunal ad quo, concluindo: (transcrição)

A) A Douta Sentença sub judice decidiu não conceder a liberdade condicional a AA, por entender que, apesar de estarem preenchidos os pressupostos formais de que depende a concessão da liberdade condicional, o mesmo não se pode concluir quanto aos requisitos substanciais, no entendimento daquele Tribunal.
B) Para a formação da convicção do Tribunal, foram considerados os seguintes documentos, a saber, certidão da decisão condenatória e liquidação da pena, Certificado do registo Criminal, Relatório dos serviços de educação e ficha bibliográfica do recluso, Relatório dos Serviços de Reinserção Social e Declarações do Recluso, ouvido a 15/09/2022.
C) Os pareceres do Conselho Técnico e do Ministério Público foram desfavoráveis.
D) Com o devido respeito, que é muito, não pode o Recluso concordar com tal decisão. Porquanto,
E) O Recluso cumpre a pena de prisão de 7 anos de prisão aplicada no Proc. n.º 554/11.... da Secção Criminal (Juiz ...) da Instância Central ..., pela prática dos crimes de furto qualificado, furto e falsificação.
F) O Recluso regista ainda a condenação pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, em pena de multa, convertida em prisão subsidiária, que, entretanto, já cumpriu.
G) O Recluso iniciou o cumprimento da sua pena de prisão em 02/01/2018, tendo cumprido metade da sua pena em 19/08/2021, “prevendo-se os 2/3 em 20/10/2022, os 5/6 em 12/12/2023, e o termo em 19/02/2025”.
H) Desde então, e conforme resulta da sua ficha biográfica, tem tido bom comportamento, tendo registado apenas uma sanção disciplinar de repreensão escrita, a qual ocorreu há mais de dois anos, sublinhe-se.
I) Conforme resulta também dos autos, “o Recluso beneficia de licenças de saída jurisdicional desde Junho de 2020, e foi colocado em regime aberto para o interior em 21/7/2020, tendo estado em licença de saída administrativa extraordinária de 25/10/2020 a 4/5/2021 (medida que findou por cessação do apoio por parte do casal que o acolhia ante o pouco empenho do recluso na realização das tarefas que lhe estavam incumbidas, como contrapartida pela sua permanência na quinta daqueles). Passa a regime aberto para o exterior em 27/1/2022”.(sublinhado nosso)
J) Mas mais, em termos profissionais, e decorridos cinco meses do início do cumprimento da sua pena, diga-se, em Maio de 2020, o Recluso iniciou actividade laboral e, “após a sua transferência para o Estabelecimento Prisional ... (que sucedeu em 15/2/2022), passa a integrar brigada não custodiada em serviço na Câmara Municipal ..., fazendo os diversos tipos de serviços de limpeza e manutenção que lhe são solicitados”.
K) No âmbito da formação profissional, o Recluso realizou o curso de instalações elétricas,quelhedeuacertificaçãodo9ºanodeescolaridade, bem como, realizou também outros cursos, nomeadamente, o curso de operador de empilhadoras e motosserras, com respectiva certificação, para além de, actualmente, estar a tirar a carta de condução.
L) Aliás, o próprio Relatório dos serviços de reinserção social refere que “O percurso prisional do condenado tem-se pautado pelo investimento pessoal e laboral. No EP ... frequentou o curso de “Instalações Elétricas” com equivalência ao 9.º ano de escolaridade, tendo estado colocado na cantina, colaborando com os funcionários na gestão daquele espaço, tarefa que apenas é atribuída a reclusos que evidenciem responsabilidade.” (sublinhado nosso)
M) No mesmo sentido, o Relatório dos Serviços de Educação menciona que, “em meio contido o recluso manifestou vontade em ter uma ocupação laboral, no EP ... de onde veio transferido trabalhava como faxina da cantina, colaborando com os funcionários nos trabalhos realizados, demonstrando sempre sentido de responsabilidade pelas tarefas que desenvolvia. Com a sua passagem ao regime aberto a 21/07/2020 integrou a brigada agrícola.”
N) Mais referindo aquele relatório no ponto 3.4 Trabalho que “No Estabelecimento Prisional ... onde se encontra, e no presente desenvolve a sua actividade laboral nas brigadas de trabalho exteriores da autarquia da ... (...). O seu desempenho é considerado normativo, cumprindo com todos os indicadores de medição traçados no seu PIR, como a assiduidade, responsabilidade, respeito e comportamento adequado.” (sublinhado nosso)
O) Decorre ainda daquele Relatório, e com importância para os presentes autos, no que concerne ao Comportamento Prisional, que o Recluso “tem mantido um comportamento ajustado, com ausência de indicadores de desajuste, revelando adaptação quanto aos padrões da dinâmica institucional e adequada recetividade quanto ao cumprimento das regras da mesma”, conforme ponto 5.1 do Relatório.
P) No que tange ao seu comportamento financeiro, o Relatório em questão pronunciou-se positivamente, mais concretamente, referindo que “o recluso encontra-se a trabalhar auferindo um rendimento proveniente do seu salário mensal, o qual utiliza de forma adequada não contraindo dívidas. No fundo de apoio à reinserção social dispõe de uma pequena quantia”, conforme resultado ponto 5.3 do Relatório, demonstrando assim sentido de responsabilidade.
Q) Por último, e não menos importante, o Relatório dos Serviços de Educação refere a ausência de consumo de haxixe (há mais de 15 anos) e de consumos alcoólicos, bem como, o gosto/vontade do Recluso em praticar desporto, nomeadamente, mediante participação em aulas de desporto a decorrer naquele EP.
R) Em suma, o Recluso apresenta um percurso prisional, tanto ao nível pessoal como laboral, bastante positivo, e disso não existem dúvidas, pelo que, não se compreende que ao Recluso tenha sido recusada a concessão da liberdade condicional.
S) É que, e como bem refere a Douta Sentença, o recluso “já vem flexibilizando a pena desde há quase dois anos a esta parte, (...)”.
T) Todavia, em sentido negativo, considerou a Douta Sentença, a existência de “alguma inconstância dos apoios e projectos que o recluso apresenta para a sua vida futura (...) o recluso refere que irá viver sozinho, na
localidade de ..., onde não detém quaisquer perspectivas de inserção laboral”, para além dos “traços de personalidade que se lhe apontam, também a continuação de um trabalho de reflexão e de interiorização do significado da pena imposta (sobretudo numa abordagem de maior descentração e antes maior foco nos prejuízos causados) nos parece dever ter lugar, importante percurso tendente à redução de factores de risco”.
U) Sucede que, da leitura das declarações prestadas pelo Recluso, o mesmo, de forma consciente, refere que errou ao praticar os crimes supra mencionados, e que “se pudesse emendar e recompensar as pessoas prejudicadas, fá-lo-ia, mas agora tem é que viver sem cometer mais erros”, para além de que, “é errado furtar pois está-se a tirar algo que não pertence a quem o tira, prejudicando-se o seu dono”, demonstrando assim que, tem consciência de que errou e está arrependido pelos seus actos.

V) Por outro lado, e em termos profissionais, mais refere o Recluso nas suas declarações que “em liberdade, pretende agora ficar a viver em ..., procurando trabalho. Viveria sozinho, procurando condições para depois trazer os filhos para junto de si”.
W) Efectivamente, foi em ... que o Recluso encontrou tranquilidade para a sua vida, tanto a nível profissional, como a nível pessoal.
X) Desde logo, a nível profissional, o Recluso tem tido um percurso profissional bastante positivo, não sendo conhecido nenhum comportamento menos correcto, antes pelo contrário, sendo que, quando sair do EP ..., oportunidades de trabalho não irão faltar, com certeza, até porque, como é do conhecimento geral, existe falta de mão de obra para trabalhar nas obras – actividade que o Recluso tem bastante experiência -, para além da existência de outras áreas profissionais, em que tem igualmente conhecimento.
Y) A nível pessoal, sublinhe-se que, aquando das saídas jurisdicionais, o Recluso procurou sempre apoio em locais de conforto e paz interior, e neste sentido, de referir a ..., bem como, apoio da casa paroquial de ..., para além do apoio do seu amigo, melhor identificado nos autos.
Z) De facto, e considerando tudo quanto foi dito, não se verifica nenhum motivo que seja determinante para que o Recluso continue a cumprir pena de prisão por mais 14 meses, ou seja, até aos 5/6 da pena. quanto foi dito, cumpre questionar qual a necessidade de o Recluso continuar a cumprir pena de prisão por mais 14 meses, ou seja, até aos 5/6 da pena?
AA) E não se aluda à justificação de que é para evitar reincidências, porquanto o Recluso passa os dias a trabalhar no exterior, ou seja, em comunidade com os demais cidadãos, sem que seja conhecido qualquer incidente até à data, demonstrando diariamente a sua capacidade para se readaptar à vida social.
BB) E neste sentido, sublinhe-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 17.03.2021, no âmbito do processo n.º 305/14.3TXCBR-P.L1- 3, ao mencionar que “I. O recluso já cumpriu 2/3 das penas que lhe foram sucessivamente impostas, pelo que a questão da sua eventual libertação condicional terá de ser analisada ao abrigo do disposto no artº 61 nº3 e nº2 al. a), do C.Penal. II. Ninguém questiona que o arguido demonstra ainda fragilidades, relacionadas quer com a sua permeabilidade a terceiros quer, eventualmente com insuficiente reflexão autocrítica quanto ao seu percurso de vida. Sucede, todavia, que essas fragilidades, atenta a apreciação global do percurso feito nestes anos de reclusão, se tem de considerar como algo que faz parte da trajectória de vida do arguido, que a si apenas competirá ultrapassar, como sucede a qualquer outro adulto. III. Mais importante do que a verbalização de um arrependimento ou de vontade de mudança de vida, são os actos concretos praticados que o revelam ou não. No caso, pese embora os tropeções pelo caminho (essencialmente problemas ocorridos em sede de reclusão, que determinaram a imposição de sanções disciplinares), a verdade é que o recluso demonstrou, por actos concretos, uma vontade efectiva de mudança de paradigma de vida, através da procura de ferramentas de futura efectiva reinserção (após prisão) e, nas saídas de que gozou, abstendo-se de comportamentos desadequados ou delituosos. IV. A análise global do seu percurso de vida nestes 7 anos que já leva de reclusão (e lembremo-nos que o arguido tinha 20 anos quando foi preso) demonstra um pensamento virado para o futuro, para uma vida em liberdade, em que o recluso se procurou antecipadamente preparar para a poder viver de acordo com as regras que regem a vida em sociedade. Há aqui um projecto, um esforço e um investimento. Se ele se concretizará ou não, está nas mãos do recluso, pois de si depende agir de acordo com o direito, como depende da vontade de cada um de nós. Mas, se apenas uma seguríssima confiança nas capacidades normativas de cada um determinasse a possibilidade de se poder viver a vida em liberdade, mostrar-se-ia praticamente impossível a formulação de qualquer juízo de prognose favorável. Efectivamente, este juízo basta-se com uma expectativa favorável, não com uma certeza futurológica que, obviamente, não é humanamente alcançável.”
CC) Efectivamente, o Recluso pode não saber “falar bonito” ou dizer as palavras mais apropriadas com vista ao merecimento da sua credibilidade e do seu trabalho de reflexão e de interiorização, mas no que concerne aos seus atos, o Recluso tem sido exímio, sendo de aplaudir o seu percurso prisional, tanto a nível pessoal, como laboral.
DD) Aliás, conforme refere aquele Acórdão “mais importante do que a verbalização de um arrependimento ou de vontade de mudança de vida, são os actos concretos praticados que o revelam ou não. No caso, pese embora os tropeções pelo caminho (essencialmente problemas ocorridos em sede de reclusão, que determinaram a imposição de sanções disciplinares),a verdade é que o recluso demonstrou, por actos concretos, uma vontade efectiva de mudança e paradigma de vida, através da procura de ferramentas de futura efectiva reinserção (após prisão) e, nas saídas de que gozou, abstendo-se de comportamentos desadequados ou delituosos. (...) Há aqui um projecto, um esforço e um investimento. Se ele se concretizará ou não, está nas mãos do recluso, pois de si depende agir de acordo com o direito, como depende da vontade de cada um de nós. Mas, se apenas uma seguríssima confiança nas capacidades normativas de cada um determinasse a possibilidade de se poder viver a vida em liberdade, mostrar-se-ia praticamente impossível a formulação de qualquer juízo de prognose favorável. Efectivamente, este juízo basta-se com uma expectativa favorável, não com uma certeza futurológica que, obviamente, não é humanamente alcançável”.
EE) E neste sentido, considerando o supra exposto, impera concluir que a apreciação global realizada nos permite concluir que se mostram preenchidos os requisitos previstos no artº 61 nº2 al. a) e nº3 do C. Penal, isto é, que se mostra fundadamente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes, pelo que a decisão que negou/recusou ao recluso a liberdade condicional se mostra incorrecta e, por tal razão, deverá ser revogada, e por conseguinte, proferida decisão que conceda a liberdade ao Recluso.

Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas., Meritíssimo Juiz e Venerandos Desembargadores, doutamente suprirão, deve ser concedido integral provimento ao recurso interposto pela ora Recorrente, julgando-se o mesmo totalmente procedente, de facto e de Direito, para os efeitos legais como é de Direito e Justiça!

3.O Digno Ministério Público, em resposta ao recurso, apresentou as seguintes conclusões: (transcrição)

1 – Por sentença proferida no âmbito dos autos à margem referenciados, não foi concedida a liberdade condicional a AA, tendo este ultrapassado o cumprimento de 2/3 da pena de sete anos de prisão em execução no âmbito do processo n º 554/11.... da Instância Central Criminal ... (J...), pela prática de cinco crimes de furto qualificado, um crime de furto simples e um crime de falsificação de documentos.
2 – Atentos os elementos constantes dos autos, designadamente os referenciados nos relatórios da Direcção Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (serviço de educação/tratamento penitenciário e serviço de reinserção social), as declarações do condenado, o seu registo criminal e respectiva ficha biográfica, conclui-se que não é possível nem razoável efectuar um juízo de prognose positivo de que este uma vez em liberdade adopte um comportamento conforme à Lei Penal e afastado da prática de novos crimes.
3 – Na verdade, a falta de uma adequada interiorização crítica das suas condutas criminosas e suas consequências e da necessidade de cumprimento da pena, adequadamente conjugada com um percurso de ressocialização/reaproximação ao meio livre a carecer de maior consolidação, a existência de antecedentes criminais, o historial aditivo, a falta de apoio familiar no exterior com carácter contentor, e bem assim de um projecto laboral consistente de vida futura, constituem-se como factores de risco de recidiva criminal, risco esse que não é socialmente sustentável e impede a liberdade condicional.
4– Por estas razões, quer o CT (por unanimidade dos seus membros) quer o MP emitiram pareceres desfavoráveis à concessão da liberdade condicional.
5 – Tendo, pois, em conta que não se mostram verificados os pressupostos materiais/ substanciais previstos no artigo 61 º n ºs 1, 2 al. a) e 3 do CP, não é legalmente admissível a concessão da liberdade condicional.


6 – Consequentemente, bem andou o Tribunal “a quo” ao não conceder a liberdade condicional ao recorrente, tendo sido efectuada uma correcta e adequada ponderação dos factos e aplicação do direito, sendo certo que a decisão “sub judice” encontra-se devidamente fundamentada, não merecendo qualquer censura.

Nesta conformidade, deverão V.as Ex.as negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Assim, será feita justiça.

4. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, a Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta, na intervenção a que alude o artigo 416.º do Código de Processo Penal (diploma que se passa a designar de CPPenal), emitiu parecer pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso, sufragando integralmente a posição do Ministério Público na instância recorrida, para cuja argumentação se remete, por dela resultar com precisão e clareza os fundamentos pelos quais é de manter a douta decisão recorrida, nada mais de relevante havendo a acrescentar, devendo o recurso interposto improceder[1].
Não houve resposta ao parecer.

5. Efetuado exame preliminar e colhidos que foram os vistos legais, cumpre agora, em conferência, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

1.Questões a decidir

Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no artigo 410°, n°2 do CPPenal, o âmbito do recurso é dado, nos termos do artigo 412º, nº1 do citado complexo legal, pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação, nas quais sintetiza as razões do pedido - jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.
Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelo arguido e os poderes de cognição deste tribunal, surge como tema de apreciação, abarcando todos os pontos referidos nas conclusões apresentadas, saber se estão preenchidos os pressupostos de concessão da liberdade condicional atingidos já os 2/3 da pena imposta ao recluso recorrente.

2. Apreciação

2.1. O Tribunal recorrido, com relevância, considerou o seguinte: (transcrição)

A – OS FACTOS
Julgo provados os seguintes factos com relevância para a causa:
1 – O recluso cumpre a pena de 7 anos de prisão aplicada no Proc. n.º 554/11.... da Secção Criminal (Juiz ...) da Instância Central ..., pela prática dos crimes de furto qualificado (5), furto e falsificação;
2 – Cumpriu metade da pena em 19/8/2021, prevendo-se os seus 2/3 em 20/10/2022, os 5/6 em 12/12/2023, e o termo em 19/2/2025;
3 – O recluso regista ainda condenação pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, em pena de multa, convertida em prisão subsidiária, que, entretanto, já cumpriu;
4 – Declarou aceitar a liberdade condicional;
5 - O Conselho Técnico emitiu parecer desfavorável à concessão da liberdade condicional (por unanimidade dos seus elementos);
6 – Também o MºPº foi desfavorável a tal;

***
7 – O recluso beneficia de licenças de saída jurisdicional desde Junho de 2020, e foi colocado em regime aberto para o interior em 21/7/2020, tendo estado em licença de saída administrativa extraordinária de 25/10/2020 a 4/5/2021 (medida que findou por cessação do apoio por parte do casal que o acolhia ante o pouco empenho do recluso na realização das tarefas que lhe estavam incumbidas, como contrapartida pela sua permanência na quinta daqueles). Passa a regime aberto para o exterior em 27/1/2022;
8 – Regista uma medida disciplinar (repreensão), por factos de Setembro de 2019;
9 – Em meio prisional realizou curso de instalações eléctricas, que lhe deu certificação do 9º ano de escolaridade. Em meio prisional iniciou actividade laboral em Junho de 2020 e, após a sua transferência para o Estabelecimento Prisional ... (que sucedeu em 15/2/2022), passa a integrar brigada não custodiada em serviço na Câmara Municipal ..., fazendo os diversos tipos de serviços de limpeza e manutenção que lhe são solicitados. Paralelamente realizou os cursos de operador de empilhadoras e de motosserras, com respectiva certificação. Encontra-se ainda a tirar a carta de condução;
10 – Sem apoio familiar, e afastado dos filhos, em liberdade inicialmente indicava a instituição ..., sita em ..., como ponto de partida para a sua reintegração na sociedade. Nas últimas saídas de que beneficiou, no entanto, permaneceu em casa de um amigo, que se mostrou disponível para o receber nos primeiros tempos de liberdade, ajudando-o ainda a nível laboral com integração do recluso na padaria onde trabalha. Ouvido em declarações, o recluso refere, no entanto, que pretende ficar a viver em ..., sozinho, tendo de procurar habitação para viver;
11 – Embora com comportamento globalmente adequado, são-lhe ainda atribuídos traços de pouca humildade e de vitimização;
12 – Com percurso laboral irregular (marcado pela irregularidade e mobilidade), não dispõe de concretas perspectivas de integração laboral;
13 – Assume os crimes cometidos, contextualizando-os em dificuldades económicas. Reconhece ter prejudicado outras pessoas, conseguindo identificar o desvalor do crime de furto.
B – CONVICÇÃO DO TRIBUNAL
Para prova dos factos descritos o tribunal atendeu aos seguintes elementos constantes dos autos: a) Certidão da decisão condenatória e liquidação da pena;
b) Certificado do Registo Criminal;
c) Relatório dos serviços de educação e ficha biográfica do recluso; d) Relatório dos serviços de reinserção social;
e) Declarações do recluso, ouvido a 15/9/2022.
C – O DIREITO
Segundo o n.º 9 do Preâmbulo do D.L. nº 400/82 de 23 de Setembro, a liberdade condicional tem como objectivo “…criar um período de transição entre a prisão e a liberdade, durante o qual o delinquente possa equilibradamente recobrar o sentido de orientação social fatalmente enfraquecido por efeito da reclusão”. Este instituto tem, pois, uma “finalidade específica de prevenção especial positiva ou de socialização”1.
Segundo o art.º 61 do Código Penal, são pressupostos (formais) de concessão da liberdade condicional:
1 - Que o recluso tenha cumprido metade da pena e, no mínimo, 6 meses de prisão, ou dois terços da pena e, no mínimo, 6 meses de prisão, ou ainda 5/6 da pena, para os casos de penas superiores a 6 anos;
2 - Que aceite ser libertado condicionalmente;
São, por outro lado, requisitos (substanciais) indispensáveis:
A) Que fundadamente seja de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável e sem cometer novos crimes;
B) A libertação se revelar compatível com a defesa da ordem jurídica e da paz social (este requisito não se mostra necessário para os casos de liberdade condicional aquando dos 2/3 da Pena, conforme resulta expressamente do disposto no nº 3 do preceito em causa).
Relativamente a estes requisitos, resulta claro que o primeiro se prende com uma finalidade de prevenção especial, visando o segundo satisfazer exigências de prevenção geral 2 .
Assim, e considerando que a condução da vida do libertado condicionalmente de modo socialmente responsável e sem o cometimento de novos crimes constitui o objectivo da liberdade condicional, a possibilidade de, no caso concreto, tal escopo ser efectivamente alcançado há-de revelar-se através dos seguintes aspectos:
1) As circunstâncias do caso (valoração do crime cometido - seja quanto à sua natureza, seja quanto às circunstâncias várias que estivera na base da determinação concreta da pena, nos termos do art.º 71 do Código Penal – e da medida concreta da pena em cumprimento);
2) A vida anterior do agente (relaciona-se com a existência ou não de antecedentes criminais);
3) A sua personalidade (para além de uma valoração fundamentalmente estatística decorrente dos antecedentes criminais [quantos mais, mais se indicia uma personalidade não conforme ao direito e potencialmente não merecedora da liberdade condicional], considera-se a possibilidade de o recluso ter enveredado para um percurso criminoso por a isso ter sido conduzido, ou não, por circunstâncias que não controlou ou não controlou inteiramente);
4) A evolução desta durante a execução da pena de prisão (essa evolução deve ser perceptível através de algo que transcenda a esfera meramente interna psíquica do recluso, ou seja, através de padrões comportamentais temporalmente persistentes que indiciem um adequado processo de preparação para a vida em meio livre).
De referir que esta evolução positiva da personalidade do recluso durante a execução da pena de prisão não se exterioriza, nem se esgota necessariamente através de uma boa conduta prisional, muito embora haja uma evidente identidade parcial. Assim, os referidos padrões poderão revelar-se quer em termos omissivos (através da ausência de punições disciplinares ou de condutas especialmente desvaliosas, como o consumo de estupefacientes, quando não motive as referidas punições), quer activamente (através do empenho no aperfeiçoamento das competências pessoais – laborais, académicas, formativas) ao longo do percurso prisional do recluso.
*
No caso dos autos os pressupostos formais de que depende a concessão da liberdade condicional estão reunidos: o recluso está prestes a alcançar os 2/3 da pena em execução, e continua a aceitar a liberdade condicional.
Mas, a nosso ver, o mesmo ainda não se pode concluir quanto aos requisitos substanciais.
É certo que, face ao tempo de pena já cumprido, devemos já dar por devidamente satisfeitas as exigências de prevenção geral reclamadas no caso.
Também se mantém o que de positivo antes se referiu quanto ao percurso do recluso, em termos de prossecução de um comportamento positivo, com investimento na aquisição de novas competências. O recluso mostra-se participativo e está a aproveitar a reclusão para adquirir mais conhecimentos que poderão constituir mais-valia no seu futuro processo de inserção laboral.
Está também já a cumprir a pena em regime aberto para o exterior, sem registo de incidentes. No entanto, face àquele que foi o seu anterior percurso de vida, e ante a ausência de um apoio estruturante no exterior, consideramos fundamental que o recluso continue a desenvolver hábitos de trabalho e de responsabilidade laboral, ponto importante se tivermos ainda em conta a razão invocada pelo próprio para a prática dos crimes por que cumpre pena (dificuldades económicas).
Se é também certo que já vem flexibilizando a pena desde há quase 2 anos a esta parte, verificamos que tem havido alguma inconstância dos apoios e projectos que o recluso apresenta para a sua vida futura, sendo que, e tendo mais recentemente surgido o apoio de um amigo seu, ainda assim o recluso refere que irá viver sozinho, na localidade de ..., onde não detém quaisquer perspectivas de inserção laboral. Importa, pois, definir de forma responsável objectivos de vida futura que sejam exequíveis, estáveis e estruturantes.
Pelos traços de personalidade que se lhe apontam, também a continuação de um trabalho de reflexão e de interiorização do significado da pena imposta (sobretudo numa abordagem de maior descentração e antes maior foco nos prejuízos causados) nos parece dever ter lugar, importante percurso tendente à redução de factores de risco.
III – DECISÃO
Pelo que, não concedo ainda a liberdade condicional a AA.

2.2. Da questão a decidir

O mecanismo da liberdade condicional, ao que se vem entendendo, apresenta-se como uma providência que visa essencialmente promover a ressocialização de condenados a penas de prisão de média ou de longa duração e, nesse seguimento, proporciona uma libertação antecipada, permitindo ao recluso a sua gradual preparação para o reingresso na vida livre[2].
Bebendo a sua origem histórica em modelo de criação francesa,[3] comportava uma providência tendente a promover a regeneração e a reinserção social dos criminosos e, assim, de sentido eminentemente preventivo-especial, que estaria destinada a integrar, no âmbito de uma pena de prisão executada segundo o chamado sistema “progressivo” ou “por períodos”, a última fase de preparação para a liberdade definitiva[4].
Partindo do regime inserto no sistema penal português, mormente de tudo o que se ensaia no artigo 61º do CPenal, a liberdade condicional apresenta-se como um incidente da execução da pena de prisão e já não como uma medida coativa de socialização pois, depende sempre da anuência do condenado e, por outro lado, nunca ultrapassa o período de tempo de prisão que o condenado tem para cumprir por força da sua condenação[5].
A liberdade condicional surge assim em momento posterior à execução da pena de prisão, assumindo-se como um tempo de transição entre a reclusão e a liberdade, durante o qual o delinquente pode equilibradamente recobrar / sedimentar o seu sentido de orientação / adequação social, fatal e decididamente enfraquecido por efeito do afastamento do viver em comunidade livre decorrente da reclusão.
Por força da concessão da liberdade condicional, emerge como cristalino, há uma alteração do conteúdo da decisão condenatória já que esta deixa de ser de privação da liberdade para envergar uma restituição à liberdade, ainda que possa conter algumas limitações / restrições.
Em último, diga-se que a liberdade condicional, no ordenamento jurídico português, pode ser facultativa ou obrigatória, sendo que no primeiro caso é necessário que se verifiquem determinadas condições – artigo 61º, nº 2, alíneas a) e b) do CPenal – e, no segundo, basta o tempo de prisão cumprida.
Neste âmbito, precisamente por toda a filosofia inerente a tal instituto, pressupostos há, assim, que se reclamam, como verificados, para a sua aplicação.
Desde logo, os de natureza formal que consistem no consentimento do condenado e tempo mínimo de prisão cumprido – metade da pena imposta e no mínimo 6 meses -, tal como decorre do plasmado no artigo 61º, nºs 1 e 2 – corpo – do CPenal, sendo que a aferição da liberdade condicional reporta-se sempre ao tempo de prisão cumprido, ou seja, tempo de cadeia efetivamente sofrido, porque só desse modo o tribunal de execução de penas pode avaliar / ponderar a evolução da personalidade do agente no decurso da execução da pena e sua vivência intramuros[6].
Como pressupostos substantivos / materiais, os quais exuberam em quadros de liberdade condicional facultativa, a qual consiste num poder-dever do tribunal, apela-se a finalidades de prevenção geral de ressocialização e de integração, devendo olhar-se numa perspetiva de ressocialização revelados pelo condenado, de forma a que as expetativas de reinserção sejam marcadamente superiores aos riscos que a comunidade tenha que suportar com a antecipação da sua restituição à liberdade[7].
Nesta senda, a liberdade condicional facultativa, por conseguinte quando referida aos marcos metade[8] e / ou dois terços da pena, exige, em termos materiais, um juízo de prognose favorável sobre o comportamento futuro do condenado e, bem assim, um juízo de prognose sobre o impacto do sujeito em sociedade sobre as exigências de ordem e paz social – conduzir a sua vida de modo responsável, longe do cometimento de crimes[9].
Em caso de liberdade condicional facultativa na modalidade do cumprimento de 2/3 da pena de prisão – quadro que aqui desponta -, segunda modalidade de concessão da liberdade condicional facultativa, estabelece o artigo 61.º, nº 3 do CPenal que (o) tribunal coloca o condenado a prisão em liberdade condicional quando se encontrarem cumpridos dois terços da pena e no mínimo seis meses, desde que se revele preenchido o requisito constante da alínea a) do número anterior.
Da referida alínea a) exubera que só será concedida a liberdade condicional quando for seguramente de esperar, atentas as circunstâncias do caso, a vida anterior do agente, a sua personalidade e a evolução desta durante a execução da pena de prisão, que o condenado, uma vez em liberdade, conduzirá a sua vida de modo socialmente responsável, sem cometer crimes.
Face a tal, é patente que nesta vertente, não se reclamam as mesmas demandas que as decorrentes da relativa ao meio da pena pois, na outorga da liberdade condicional facultativa quando estejam cumpridos 2/3 da pena de prisão passam-se quase exclusivamente a acentuar as razões de prevenção especial, seja negativa, de que o condenado não voltará a delinquir, seja positiva, conducente à sua reinserção social[10].
Na verdade, aquando da avaliação da liberdade condicional, quando o condenado já cumpriu dois terços da pena, deve entender-se que esse cumprimento parcial satisfaz plenamente as razões de prevenção geral, ficando a liberdade condicional, quando facultativa, apenas dependente do cumprimento das exigências de prevenção especial.
Desta feita, deve atender-se às repercussões que o cumprimento da pena estão a ter na personalidade do arguido e podem vir a anunciar-se na sua vida futura.
Por isso, para lá da vontade subjetiva do condenado, míster é que se denote / patenteie capacidade objetiva de readaptação, de modo que as expectativas de reinserção sejam manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da sua restituição à liberdade.
Ora, este mote ponderativo só será possível mediante um prognóstico individualizado e favorável à reinserção social do condenado, assente, essencialmente, na probabilidade séria / segura / sólida de que o mesmo em liberdade vai seguir um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal.
Daí, ao que se pensa, não é tão decisivo e definitivo o que se alega em recurso tem tido bom comportamento, tendo registado apenas uma sanção disciplinar de repreensão escrita, a qual ocorreu há mais de dois anos (…) o Recluso beneficia de licenças de saída jurisdicional desde Junho de 2020, e foi colocado em regime aberto para o interior em 21/7/2020, tendo estado em licença de saída administrativa extraordinária de 25/10/2020 a 4/5/2021 (…) iniciou actividade laboral e, após a sua transferência para o Estabelecimento Prisional ... (que sucedeu em 15/2/2022), passa a integrar brigada não custodiada em serviço na Câmara Municipal ..., fazendo os diversos tipos de serviços de limpeza e manutenção que lhe são solicitado, sendo sim de suma importância apurar dos índices de ressocialização revelados pelo condenado, que devem ser aferidos de acordo com as circunstâncias concretas de cada caso, mormente a sua conduta anterior e posterior à sua condenação, bem como a sua própria personalidade, designadamente a sua evolução ao longo do cumprimento da respetiva pena de prisão.
E neste patamar, há que apelar aos relatórios emitidos pelas entidades competentes[11] que oferecem um relevante contributo informativo sobre aspetos relativos às condições pessoais do recluso, à sua personalidade, à evolução durante o período de reclusão, a projetos futuros de vida, etc., e que, nessa medida habilitam o tribunal a fazer uma avaliação global, o mesmo sucedendo em relação ao parecer do Conselho Técnico, o qual é um órgão auxiliar do tribunal, com funções consultivas deste (142º CEP).
Ora, no caso sub judice, como transparece de todo o decidido (…) face àquele que foi o seu anterior percurso de vida, e ante a ausência de um apoio estruturante no exterior, consideramos fundamental que o recluso continue a desenvolver hábitos de trabalho e de responsabilidade laboral, ponto importante se tivermos ainda em conta a razão invocada pelo próprio para a prática dos crimes por que cumpre pena (dificuldades económicas) (…) verificamos que tem havido alguma inconstância dos apoios e projectos que o recluso apresenta para a sua vida futura, sendo que, e tendo mais recentemente surgido o apoio de um amigo seu, ainda assim o recluso refere que irá viver sozinho, na localidade de ..., onde não detém quaisquer perspectivas de inserção laboral. Importa, pois, definir de forma responsável objectivos de vida futura que sejam exequíveis, estáveis e estruturantes, há ainda traços lacunares em termos de futuro que importa superar.
A par, como se pode ainda discernir, o recluso recorrente (…) Embora com comportamento globalmente adequado, são-lhe ainda atribuídos traços de pouca humildade e de vitimização(…) Assume os crimes cometidos, contextualizando-os em dificuldades económicas, o que parece pouco ilustrativo de espírito crítico quanto aos crimes cometidos e, nessa medida, revelador de alguma ausência de capacidade de auto censura e de se pautar, perante eventuais dificuldades que possam surgir na vida em liberdade, de acordo com o quadro normativo vigente.
Em presença de todo o expendido, conclui-se que não desponta qualquer censura a fazer à decisão tomada.

III - Dispositivo
Nestes termos, acordam os Juízes Secção Criminal – 2ª Subsecção - desta Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto pelo recluso AA e manter a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 4 UC (artigos 513º, nº 1 e 514º, nº 1 CPP e 8º, nº 5 e Tab. III RCP).

Évora, 10 de janeiro de 2023
(o presente acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator, – artigo 94.º, nº 2, do C.P.P.)

Carlos de Campos Lobo (Relator)
Ana Bacelar (1ª Adjunta)
Renato Barroso (2º Adjunto)

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[1] Cfr. fls. 160.
[2] Neste sentido, DIAS, Jorge de Figueiredo, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, p. 528.
[3] Este modelo está ligado ao nome de Bonnevile de Masangy, magistrado francês do final do século XIX, um dos percursores da criminologia e de práticas como o registo criminal (ideia proposta em 1848 e instituída em 1850 ), liberdade condicional, generalização da multa em vez de prisão ou indemnização, vítimas de erros judiciários.
[4] MIGUEZ GARCIA M., CASTELA RIO, J. M., Código Penal, Parte geral e especial – Com notas e comentários, 2015, 2ª Edição, Almedina, p. 358.
[5] Neste sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto – Comentário do Código Penal, à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 4ª edição atualizada, 2021, Universidade Católica Editora, p. 356 e, ainda. SILVA, Germano Marques da, Direito penal português, Parte Geral III, Teoria das penas e medidas de segurança, 2008, 2ª edição, Editorial Verbo, p. 238.
[6] Neste sentido, ALBUQUERQUE, Paulo Pinto, ibidem, p. 356.
[7] Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 04/07/2010, proferido no Processo nº 1751/10.7TXPRT-H.P1, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Não se mostra pacífico o entendimento relativo à concessão da liberdade condicional no marco meio da pena. Questiona-se se o cumprimento de metade da pena é por si só suficiente para acolher razões político-criminais, defendendo-se que estes casos são de cariz excecional e só possível quando o tribunal considerar que uma tal concessão não ponha em causa as exigências de prevenção geral.
A título de mero exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27/01/2022, proferido no Processo nº 2093/15.7TXLSB-K.L1-9, disponível em www.dgsi.pt., onde se pode ler A concessão da liberdade condicional a meio de uma pena de prisão, reveste-se sempre de um carácter excecional e não automático, estando condicionada à evolução da personalidade do condenado e fortemente limitada pelas finalidades de execução das penas, em cada caso concreto.
[9] Neste sentido, MIGUEZ GARCIA M., CASTELA RIO, J. M., ibidem, p. 361.
[10] Neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 08/11/2022, proferido no Processo nº 1243/10.4TXEVR-Z.E1, onde se pode ler A liberdade condicional aos 2/3 do cumprimento da pena depende tão-só de razões de prevenção especial pelo que, para efeitos do disposto no art.º 61.º, n.º 3, deve efetuar-se um prognóstico individualizado e favorável de reinserção social, assente, essencialmente, na probabilidade séria de que o condenado em liberdade adote um comportamento socialmente responsável, sob o ponto de vista criminal”, o Acórdão do Tribunal da Relação d Lisboa, de 11/02/2021, proferido no Processo nº 165/14.4TXLSB-M.L1-9, onde se refere A concessão da liberdade condicional está dependente de um requisito em que se acentuam essencialmente razões de prevenção especial, seja negativa, de que o condenado não cometa novos crimes, seja positiva, de reinserção social. É assim, relevante a capacidade objectiva de readaptação demonstrada pelo recluso, de modo que as expectativas de reinserção sejam manifestamente superiores aos riscos que a comunidade deverá suportar com a antecipação da liberdade, o que só será possível mediante um prognóstico individualizado e favorável à reinserção social do condenado, assente, essencialmente, na probabilidade séria de que o mesmo, em liberdade, vir a adoptar um comportamento socialmente responsável, sem cometer crimes e, ainda, , MIGUEZ GARCIA M., CASTELA RIO, J. M., ibidem, p. 361.
[11] Relatório dos serviços prisionais e de reinserção social (fls. 136 a 139) – somos de entendimento que pelas fragilidades de reinserção social explanadas deverá o recluso em meio prisional fortalecer-se com “ferramentas” adequadas e modo a que não venha de novo a reincidir – e o Relatório de reinserção social (fls. 140 a 142) – entendemos que o condenado não reúne, ainda, as condições para a execução da medida de flexibilização da pena em apreciação, pelo que somos de parecer desfavorável à sua concessão.