Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
900/18.1T8STR.E1
Relator: JOSÉ MANUEL BARATA
Descritores: RECURSO DE REVISÃO
DECISÃO LIMINAR
Data do Acordão: 02/23/2021
Votação: DECISÃO SINGULAR
Texto Integral: S
Sumário: I.- O recurso de revisão visa combater um vício ou anomalia processual de especial gravidade, de entre um elenco taxativamente previsto no artigo 696.º do CPC, abrindo-se um processo novo com características de ação autónoma, assim se evitando a propositura de uma nova ação.
II.- Se o recorrente viu ser desentranhado um documento com a contestação, não apresentada tempestivamente, não pode socorrer-se do que dispõe a alínea c) do artigo 696.º do CPC para obter o mesmo efeito jurídico que o documento poderia permitir, uma vez que o direito precludiu, ou seja, não integra já a sua esfera jurídica.
IV.- A confissão a que alude o artigo 574.º/2, do CPC não se refere aos direitos indisponíveis referidos no artigo 354.º/ b), do C.Civil, mas sim ao efeito da revelia operante como consequência do cominatório pleno.
V.- O que significa não poder o recorrente em recurso de revisão fazer apelo ao que dispõe a alínea d) do artigo 697.º do CPC como fundamento da revisão.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Procº 900/18.1T8STR.E1

DECISÃO SINGULAR


Recorrente: (…) – Fundo de Gestão e Património Imobiliário.

Recorrida: (…) Médio Tejo, Lda.
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(…) – Fundo de Gestão de Património Imobiliário, em 23.12.2020 veio interpor recurso de revisão, ao abrigo do disposto no artigo 696.º, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil, para este Tribunal da Relação, como o impõe o disposto no artigo 697º/1 do CPC.
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Importa proferir a decisão liminar a que alude o artigo 699.º do CPC, ou seja, de admissão ou rejeição do recurso.
Compulsados os autos constata-se que a (…) Médio Tejo, Lda. propôs ação declarativa comum contra a ora recorrente(…) – Fundo de Gestão de Património Imobiliário, gerido por (…) – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A.
Em 04.09.2019, foi proferida sentença que julgou a ação procedente e provada.
A Ré interpôs recurso de apelação e esta Relação de Évora, por acórdão de 30.01.2020, julgou improcedente a apelação e confirmou a sentença recorrida.
A Ré interpôs recurso de revista excecional, invocando o disposto nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.
Por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08-10-2020, foi rejeitado o recurso de revista excecional.
O acórdão do Supremo transitou em julgado em 26 de outubro de 2020.
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Assim sendo, a recorrente tem legitimidade, o recurso foi apresentado tempestivamente e mostra-se instruído nos termos preconizados pelos artigos 697.º e 698.º do CPC.
Importa, agora, saber se, perfunctoriamente, há motivo para a revisão, nos termos preconizados pelo artigo 699. do CPC.
A recorrente formulou as seguintes conclusões.

a) Por entender o ora Recorrente que se verificam no caso concreto os fundamentos a que aludem as alíneas c) e d) do artigo 696.º do Código de Processo Civil, designadamente:

i) por força da nulidade da confissão em que se fundou o Acórdão recorrido e

ii) pelo facto de no processo em que foi proferida a decisão a rever, não ter sido possível fazer uso de documento – escritura pública de compra e venda da Herdade de … (em virtude do desentranhamento da Contestação) – que, por si só, é suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida, move o Recorrente o presente recurso de revisão do Acórdão Recorrido proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 30/01/2020, transitado em julgado em 26/10/2020, que confirmou a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância;

b) Os factos 1.º, 2.º, 6.º a 9.º constantes da matéria de facto dada como assente não admitem prova por confissão decorrente do desentranhamento da Contestação, precisamente porque, ao não ser o Recorrente parte naquela relação jurídica material, nem tampouco no contrato de arrendamento celebrado – por não ter tido qualquer intervenção nos supostos negócio jurídicos – o reconhecimento dessa factualidade não se encontrava na disponibilidade do Recorrente, recaindo, assim, tais factos sobre direitos indisponíveis, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 353.º do Código de Processo Civil; c) Da leitura à contrário do disposto no n.º 2 do artigo 574.º do Código de Processo Civil, resulta que não se consideram confessados por acordo os factos que não forem impugnados, quando estejam em causa factos que não admitem confissão;

d) Nos termos do disposto na alínea b) do artigo 354.º do Código Civil, por força da inadmissibilidade da confissão no que respeita aos factos n.º 1.º, 2.º, 3.º, 6.º a 9.º dados por assentes, a revelia do Recorrente decorrente do desentranhamento da Contestação deverá ser considerada como inoperante, em conformidade com o plasmado na alínea c) do artigo 568.º do Código de Processo Civil, declarando-se a nulidade da confissão daí resultante e julgando-se, por conseguinte, como não assentes os factos n.º 1.º, 2.º, 3.º, 6.º a 9.º, revogando-se o Acórdão Recorrido;

e) Ainda que o douto Tribunal de 1ª Instância tivesse julgado válido o negócio em crise com base na prova documental carreada aos autos, em concreto com base no Contrato de Compra e Venda de Cortiça Na Árvore, tal elemento probatório não permite per si sustentar a conclusão de que o negócio em causa é eficaz e oponível ao Réu/Recorrente, precisamente por ser este um terceiro, alheio ao negócio e à factualidade em causa;

f) Não sendo o Recorrente parte no negócio da compra e venda da cortiça e, ainda, tendo tal negócio alegadamente precedido a aquisição do bem imóvel Herdade de (…) pelo Recorrente, impunha-se, ainda, aferir se tal contrato vincula o Réu, aqui Recorrente, sendo, para o efeito, necessário comprovar que:

i) o Réu teve conhecimento do negócio da compra e venda da cortiça em momento anterior ou contemporâneo à aquisição do bem imóvel;

ou ii) que aquando da compra e venda da Herdade de (…) pelo Recorrente ficou expressamente excluída do âmbito contratual a cortiça que iria ser extraída em 2017;

g) O facto 18º dado como assente é manifestamente insuficiente para comprovar o conhecimento do Réu/Recorrente da compra e venda da cortiça no momento da aquisição da Herdade de (…) ou em data anterior, pela seguinte ordem de razões:

a) Não se chega a concretizar a data e a via pela qual foi (alegadamente) transmitida a informação relativa à compra e venda da cortiça, nem tal circunstância se encontra sequer confessada nos emails juntos aos autos supostamente remetidos em 2015;

b) Ainda que tal informação tivesse sido transmitida (o que não se concede), de acordo com o facto dado como assente, a mesma teria sido transmitida ao Banco (…), entidade que não figura como interveniente na lide e não ao aqui Recorrente (…) – Fundo de Gestão de Património Imobiliário ou à sua entidade gestora, relativamente ao qual não se logrou estabelecer nos autos qualquer relação com o Réu, confirme resulta do facto não provado 21º;

h) O Recorrente é um fundo de gestão patrimonial, denominado (…) – Fundo de Gestão de Património Imobiliário, gerido e legalmente representado por (…) – Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA, constituindo, por natureza, um património autónomo, juridicamente distinto de qualquer instituição bancária, seja ela o Banco (…), SA (antes da Medida de Resolução), o (…) Banco, SA ou qualquer outra;

i) O reconhecimento da comunicação da existência do contrato de compra e venda da cortiça ao Banco (…) não se encontrava na disponibilidade do Recorrente, recaindo, de igual modo, tais factos sobre direitos indisponíveis, circunstância que obsta à admissibilidade da prova por confissão por força do desentranhamento da Contestação; j) Os factos 12º, 13º, 14º, 16º, 19º, constantes da matéria de facto dada por assente reportam-se a supostas comunicações eletrónicas, relativas à hipotética compra e venda da cortiça, efetuadas, sensivelmente, dois a três anos após a aquisição da Herdade de (…) pelo Réu/Recorrente, de onde não é possível extrair qualquer o conhecimento do contrato em apreço por parte do Réu/Recorrente à datada aquisição da Herdade de (…), não tendo sequer demonstrando a Recorrida que tais comunicações foram encetadas junto dos efetivos representantes do Recorrente;

k) Os e-mails a que alude o facto provado 12.º e que fundamentaram o julgamento da matéria de facto, não passam de mensagens de correio eletrónico remetidas anos após a referida aquisição da Herdade de (…) pelo Recorrente, para destinatários cuja intervenção em representação do Recorrente não se atesta ou sequer justifica, também por força do próprio domínio “(...)” ou “(...)”, cujo teor não confirma sequer o conhecimento do negócio em apreço à data da aquisição da Herdade de (…), quer por parte dos subscritores das comunicações eletrónicas, quer por parte do Réu/Recorrente;

l) Todas as comunicações eletrónicas juntas pela Recorrida relativas à hipotética compra e venda da cortiça são de data muito posterior à venda da Herdade ao Recorrente e, bem assim, não foi demonstrando que tais comunicações foram encetadas junto dos efetivos representantes do Recorrente, pelo que o conteúdo das mensagens de correio eletrónico não é apto a, por si só, demonstrar o conhecimento da venda da cortiça em momento anterior à aquisição da Herdade de Cadouços pelo Recorrente, até porque das mesmas não decorre qualquer reconhecimento dessa realidade por parte dos subscritores;

m) Para que o contrato de compra e venda da cortiça produzisse os seus efeitos perante o Recorrente restava apurar se a cortiça da Herdade de (…) que iria ser extraída em 2017 ficou expressamente excluída do objeto da compra e venda da Herdade de (…), revelando-se, para o efeito, imprescindível atender ao conteúdo deste último contrato;

n) O contrato de compra e venda da Herdade de (…), porque versa sobre um bem imóvel, obedece, nos termos do disposto no artigo 875.º do Código Civil, a forma escrita, exigindo-se, em concreto, que o contrato seja formalizado por escritura pública ou documento particular autenticado, como efetivamente o foi no caso concreto;

o) O contrato de compra e venda da Herdade de (…) foi celebrado por escritura pública, o que confere a tal documento, de acordo com o plasmado no artigo 371.º do Código Civil, força probatória plena;

p) Exigindo a lei substantiva determinado tipo de documento para a constituição de um negócio – como acontece no caso concreto, com a exigência de formalização do negócio da compra e venda da Herdade de (…) por escritura pública – a prova dos factos subjacentes ao negócio, isto é, a prova da declaração negocial, carece de ser feita com base nesse documento, apenas podendo ser substituída por outro meio de prova de força probatória superior, conforme dispõe o artigo 364.º do Código Civil;

q) Impondo a lei formalidades especiais à concretização do contrato de compra e venda da Herdade dos (…), como são a forma escrita e a celebração através de escritura pública ou documento particular autenticado, certo é que a prova dos factos relativos a este negócio obedecem, igualmente, às mesmas formalidades de redução a escrito através de escritura pública ou documento particular autenticado;

r) As estipulações verbais acessórias anteriores ao documento legalmente exigido para a declaração negocial, ou contemporâneas dele, são, nos termos do disposto no artigo 221.º do Código Civil, nulas;

s) A cortiça em apreço integra os bens imóveis objeto do contrato de compra e venda da Herdade de (…), pelo que, por força do disposto nos artigos 204.º, n.º 1, alínea c) e 212.º, ambos do Código Civil, a convenção concernente à sua exclusão do contrato de compra e venda da aludida Herdade só poderia ter sido evidenciada por escrito, através de escritura pública ou de documento particular autenticado e nunca através da prova por confissão por força da revelia do Réu/Recorrente, o que não sucedeu, ao ter sido dado como assente o facto n.º 20;

t) Não andou bem o Tribunal de 1ª Instância, nem tampouco o Acórdão Recorrido, ao dar como confessados e assentes os factos 12.º a 20.º por mero efeito da revelia do Réu/Recorrente, visto que, in casu, a prova de tais factos carece de ser realizada por escrito, mediante escritura pública ou documento particular autenticado (conforme dispõe o artigo 364.º do Código Civil);

u) Deve a revelia do Réu/Recorrente ser considerada inoperante, em conformidade com o plasmado na alínea d) do artigo 568.º do Código de Processo Civil;

v) Da leitura à contrário do no n.º 2 do artigo 574.º do Código de Processo Civil, resulta que não se consideram confessados por acordo os factos que só podem ser provados por documento escrito;

w) O Acórdão recorrido não aplica as disposições legais referentes à prova tarifada, sendo inadmissível a valoração da confissão operada pela revelia do Réu, situação que gera a nulidade da confissão dos factos 12.º a 20.º da matéria de facto dada por assente, devendo os mesmos ser dados por não provados, circunstância que legitima e impõe a revisão/revogação do Acórdão Recorrido, com fundamento no disposto na alínea d) do artigo 696.º do Código de Processo Civil;

x) Inexiste qualquer menção na escritura pública de compra e venda quanto à alegada exclusão da cortiça em apreço do objeto da aquisição da Herdade de (…) pelo Réu/Recorrente, encontrando-se, pelo contrário, expressamente incluída no negócio em apreço, pela referência expressa à alineação do montado de sobre ou sobreiral;

y) Determina o n.º 1 do artigo 238.º do Código Civil que, nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respetivo documento, ainda que imperfeitamente expresso;

z) Da leitura conjugada do disposto nos artigos 204.º, n.º 1, alínea c) e 212.º, ambos do Código Civil, são consideradas coisas imóveis, para além dos prédios rúticos e urbanos, as árvores, os arbustos e os frutos naturais, enquanto estiverem ligados ao solo, entendendo-se por frutos naturais os que provêm diretamente da coisa;

aa) Integram o objeto negocial da compra e venda da Herdade de (…), não só os imóveis que compõem a Herdade como também as árvores, os sobreiros, e os respetivos frutos (conforme artigo 882.º, n.º 2, do Código Civil) – como é a cortiça – inexistindo qualquer cláusula em contrário na aludida escritura pública de compra e venda, tendo, pelo contrário, os imóveis sido vendidos livres de quaisquer ónus ou encargos conforme se encontra exarado na estritura pública de compra e venda;

bb) Constituída a parte rústica do imóvel por, nomeadamente, montado de sobre e sobreiral, por força da escritura pública de compra e venda de 28/06/2013, transferiu-se para o Recorrente, enquanto comprador, a propriedade do prédio misto denominado “Herdade de (…)” e, bem assim, dos frutos provenientes de tais árvores – isto é, a cortiça existente na referida Herdade – porque não expressamente excluídos do âmbito contratual;

cc) O contrato de compra e venda de um conjunto de bens imóveis obedece, por força do disposto no artigo 875.º do Código Civil, a forma escrita, devendo ser formalizado através de escritura pública ou de documento particular autenticado;

dd) Sujeitando a lei o contrato de compra e venda a forma escrita (contrato formal), ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 221.º do Código Civil, as cláusulas acessórias anteriores ou contemporâneas ao contrato que conformam o negócio jurídico carecem igualmente de forma escrita, sob pena de nulidade;

ee) Para se considerar excluída do âmbito contratual da compra e venda do bem imóvel Herdade de (…) a cortiça na árvore a extrair da Herdade de (…) no ano de 2017, tal disposição carecia de ter sido reduzida a escrito, formalizada por escritura pública ou por documento particular autenticado, também por força do disposto no artigo 364.º do Código Civil, o que não se verifica in casu;

ff) Perante as especiais exigências legais no que à declaração negocial diz respeito, a alegada estipulação referente à exclusão da cortiça na árvor ea extrair da Herdade de (…) em 2017, a existir, o que não se concede, é nula por falta de declaração escrita;

gg) Por falta de disposição especifica em contrário, a cortiça que viria a ser extraída em 2017 integra o objeto do contrato de compra e venda da Herdade de (…) outorgado entre o Recorrente e sociedade (…) – Projectos e Empreendimentos Imobiliários, S.A., circunstância que determina a improcedência da presente lide;

hh) A escritura pública de compra e venda da Herdade de (…) afigura-se determinante para a decisão da causa, porque importa a sua modificação em sentido favorável ao Recorrente;

ii) Não tendo sido possível fazer uso no processo da escritura pública de compra e venda da Herdade de (…) por força do desentranhamento da Contestação apresentada pelo Réu, tal circunstância integra os fundamentos do recurso de revista, mormente o disposto na al. c) do artigo 696.º do Código Processo Civil, legitimando e impondo, assim, a revisão da decisão recorrida, devendo ser dado como não provado o facto n.º 20;

jj) Por tudo o que se acaba de referir, vem o ora Recorrente interpor recurso, que é de Revisão, do Acórdão do Tribunal da Relação de Évora que confirmou a sentença proferida pelo Tribunal de 1ª Instância, que deverá correr por Apenso aos presentes autos, nos termos do disposto no artigo 698.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, seguindo-se os demais termos até final constantes do disposto no artigo 701.º do Código de Processo Civil.


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O recurso de revisão integra-se na categoria dos recursos extraordinários porque, tal como o recurso para uniformização de jurisprudência, incide sobre uma decisão já transitada em julgado.
Visa combater um vício ou anomalia processual de especial gravidade, de entre um elenco taxativo previsto no citado artigo 696.º, “abrindo um processo novo” com características de “ação autónoma”, na expressão de Manuel de Andrade, in Noções Elementares de Processo Civil, 1994, pág. 226, permitindo evitar a propositura de uma nova ação para verificar a falsidade de um meio de prova, a relevância de um documento desconhecido até então ou que não foi possível utilizar e que seria essencial para modificar a decisão em favor do recorrente ou para declarar a nulidade ou anular uma confissão, como é o caso dos autos.
Mas, como anotava Alberto dos Reis, in CPC Anotado, Vol. VI, 335, não deixa de, à primeira vista, apresentar a revisão “o aspecto de uma aberração judicial: o aspecto de atentado contra a autoridade de caso julgado”, mas que tem de ser admitido pela ordem jurídica porque a sentença pode conter “vícios de tal forma corrosivos” que impliquem a “revisão como recurso extraordinário para um mal que demanda consideração e remédio”, citado por Lebre de Freitas, in CPC Anotado, Vol. 3.º, 3003, pág. 194/5.
É por isso que, por um lado, as circunstâncias em que é admitido são as taxativamente admitidas no artigo 696.º e, para além disso, não admite a lei uma interpretação extensiva dessas taxativas circunstâncias.
Sobre a esta concreta questão se pronuncio o Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 18-07-2007, Processo n.º 07A2203:
Sendo taxativos os fundamentos da revisão extraordinária, atento o princípio da intangibilidade do caso julgado, é vedada ao julgador a interpretação elástica desses fundamentos, sob pena de subversão desse princípio e a necessidade de acautelar os valores da certeza e da segurança inerentes a decisões judiciais transitadas.
Para além disso, mesmo que um documento se mostre essencial para reverter a decisão a favor do recorrente, não preenche este fundamento do recurso de revisão a apresentação de documentos que apenas em conjugação com outros elementos de prova produzida, ou a produzir em juízo, poderiam modificar a decisão transitada em julgado e que, além disso, poderiam ter sido obtidos na pendência da ação de que emergiu a sentença revidenda, como se decidiu nos Acs. STJ de 20-03-2014, Processo 2136/06 e de 07-04-11, Processo 1242/98, citados a este propósito por Abrantes Geraldes, in Recursos no NCPC, 2018, pág. 499.
Aqui chegados estamos em condições de ponderar o recebimento do recurso.
A recorrente alega que, durante a discussão da causa, não lhe foi permitido fazer uso de documento que, por si só, é suficiente para modificar a decisão.
E que este documento se consubstancia no não recebimento da contestação que ofereceu, por intempestiva, tendo sido ordenado o seu desentranhamento, bem como um documento que a integrava – uma escritura pública.
Que este não recebimento determinou a confissão dos factos alegados pela autora, em face da revelia operante a que alude o artigo 567º/1 do CPC.
Ora, em face desta confissão, foram considerados admitidos, por acordo, factos que não eram do conhecimento da ora recorrente por se referirem a negócio jurídico onde não foi parte, o que, por sua vez, integra a previsão do artigo 574º/2 do CPC que impede se considerem admitidos por acordo factos que não admitam confissão.
Sendo certo que os factos admitidos por acordo não eram do seu conhecimento, tal implica que não estava na sua disponibilidade serem admitidos por acordo, pelo que estamos em presença de direitos indisponíveis como o preconiza o artigo 353º/1 do C. Civil.
Assim sendo, a recorrente arguiu como fundamento do recurso, conjugadamente, as situações a que aludem as alíneas c) e d) do artigo 696º do CPC.
A questão que temos agora que dilucidar é a de saber se os efeitos preclusivos que incidem sobre uma desentranhada contestação apresentada fora de prazo – bem como um documento que a acompanhava – contêm em si a virtualidade de, mesmo assim, ainda beneficiar a parte que sofreu tais efeitos preclusivos.
O citado artigo dispõe A decisão transitada em julgado só pode ser objeto de revisão quando:
c) Se apresente documento de que a parte não tivesse conhecimento, ou de que não tivesse podido fazer uso, no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seja suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida.
d) Se verifique nulidade ou anulabilidade da confissão (…) em que a decisão se fundou.

No caso dos autos, o recorrente pretende beneficiar ainda dos efeitos de um direito que precludiu – não ofereceu um documento que entende ser essencial para a prova dos factos em discussão, na ação em que claudicou porque a contestação de que fazia parte foi apresentada fora de prazo e mandada desentranhar.
A preclusão de um direto significa para o seu titular a extinção desse direito na sua esfera jurídica – quer pela sua extinção quer pelo decurso do prazo em que deveria ter sido exercido.
Ora, como se sabe, a contestação de uma ação deve ser exercida, em regra, no prazo de 30 dias após a citação, extinguindo-se o direito para a prática o ato decorridos que seja tal prazo, quer quanto ao articulado quer quanto à documentação que a acompanhava.
Logo, pretender o ora recorrente integrar tal documento na previsão legal da alínea c) do citado preceito, ou seja, que a escritura configura um documento de que não pôde fazer uso porque mandada desentranhar juntamente com a contestação, constituiria uma interpretação elástica do fundamento para a revisão, o que como acima se referiu, não é permitido pela ordem jurídica.
Note-se que, sendo a regra geral que os documentos devem ser apresentados com os respetivos articulados, podem ainda ser apresentados até 20 dias antes da realização da audiência de julgamento e mesmo durante o julgamento (artigo 423.º do CPC), não havendo notícia nos autos de que tal houvesse ocorrido.
Por outro lado, também, como é evidente, se não integra o documento na categoria “documento de que a parte não teve conhecimento” durante a discussão da causa.
Assim sendo, deve concluir-se, em nossa modesta opinião, que não se encontra preenchida a fundamentação para a revisão a que alude o artigo 696º/c) do CPC, pelo que o recurso não pode ser recebido com este fundamento.
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A mesma situação ocorre quanto à fundamentação prevista na alínea d) do artigo 696.º do CPC: Se verifique nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em qua decisão se fundou.
Argumentou a recorrente que, como consequência da impossibilidade de apresentação do documento acima referido, a confissão dos factos por efeito da revelia operante é nula (artigo 574º/2 do CPC).
Isto porque, tendo em conta que desconhecia e não podia conhecer os factos alegados pela autora, porque não interveio na relação jurídica por esta alegada, tal circunstância implica que o reconhecimento pela ora recorrente de tais factos integra o conceito de direitos indisponíveis, nos termos do artigo 353º/1 e 354º, b), do C. Civil.
Ora, os factos que não admitem confissão aqui previstos referem-se a direitos subjetivos, a que a ordem jurídica atribui a impossibilidade de disposição por mera vontade das partes, pelo que são insuscetíveis de confissão factos que tenham como consequência a disposição desses direitos.
Dito de outra forma, se a parte não pode dispor do direito por sua vontade negocial, também não pode conseguir o mesmo objetivo indiretamente, através de uma confissão.
Como é evidente, não é este conceito de confissão que o legislador visou na previsão do artigo 574º/2, do CPC. Neste preceito, prevê-se que o titular do direito integra o poder de contestar o que contra si foi alegado, e também o direito de não contestar, ou de perder este direito se não exercido segundo regras processuais imperativas.
Admitir-se a conclusão da recorrente, redundaria em criar novas regras processuais para os institutos em apreço, institutos que se mostram cimentados na ordem jurídica e não podem, através do poder jurisdicional, ser criados outros em benefício da pretensão da recorrente.
A relação processual triangular que se estabelece entre as partes e o juiz impõe que este defenda os interesses de ambas com a mesma força e rigor, como o impõe, entre outros, o princípio da igualdade substancial das partes que deve ser assegurado ao longo de todo o processo, onde se incluem o exercício das mesmas faculdades, o uso dos mesmos meios de defesa e a aplicação, no que ao caso interessa, das mesmas cominações ou sanções processuais (artigo 4.º do CPC).
A revelia tem como efeito uma cominação – a confissão dos factos alegados pelo autor – o que aconteceu nos autos já transitados em julgado, por aplicação do princípio da igualdade.
A ser de outro modo, este princípio basilar, salvo melhor e mais avisada opinião, seria gravemente violado.
Assim sendo, o recuso não pode ser admitido porque também se não verifica o fundamento a que alude a alínea d) do artigo 696.º do CPC, o quer equivale a dizer que não se admite o recurso de revisão.
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Sumário:
(…)

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DECISÃO
Em face do exposto, decido não admitir o interposto recurso de revisão.
Custas pela recorrente.
Notifique.
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Évora, 23-02-2021
José Manuel Barata (relator)