Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
3935/19.3T8ENT-A.E1
Relator: JAIME PESTANA
Descritores: PLANO DE RECUPERAÇÃO
COMUNICAÇÃO
PROVA TESTEMUNHAL
Data do Acordão: 09/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A instituição de crédito está obrigada a informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro, que é «qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas».
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 3935/19.3T8ENT-A.E1 - 2.ª secção

Acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora

Nos presentes autos de oposição à execução mediante embargos, o executado (…) veio opor-se à execução mediante embargos de executado.

Alegou, para além do mais, que o Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) não foi cumprido.

Conclui pela extinção da execução.

O exequente/embargado (…) Crédito – Instituição Financeira de Crédito, S.A. contestou, alegando, em síntese, que o PERSI foi cumprido.

Julgando-se habilitado a conhecer imediatamente do mérito da causa, foi proferido saneador sentença que decidiu julgar o incidente de oposição à execução mediante embargos de executado procedente, por provado, uma vez evidenciada a excepção dilatória inominada por falta de cumprimento do PERSI relativamente aos oponentes, e, subsequentemente, absolve-se os mesmos da instância, determinando a extinção da execução com o consequente levantamento, após trânsito, de quaisquer penhoras realizadas no processo de execução (artigo 732.º, n.º 4, do Código de Processo Civil).

Inconformado recorreu o exequente/embargado tendo concluído nos seguintes termos:

A) O Tribunal a quo proferiu despacho saneador sentença com fundamento em exceção dilatória inominada de falta de PERSI.

B) Ora, esta decisão não respeita os requisitos previstos no artigo 14.º e faz tábua rasa do determinado no artigo 39.º, ambos do Decreto-Lei n.º 227/2012, de 25 de outubro.

C) Efetivamente, o PERSI é um procedimento que entrou em vigor em 1/1/2013, conforme artigo 40.º do aludido diploma legal.

D) Visa promover a regularização de situações de incumprimento através de soluções negociadas entre o cliente bancário e a instituição de crédito, de modo a que se atenue o endividamento do cliente bancário.

F) O artigo 39.º do Decreto-Lei 227/2012, de 25 de outubro determina que são automaticamente integrados no PERSI os clientes bancários que se encontrem em mora relativamente a obrigações de contratos que permaneçam ativos à data de entrada em vigor daquele Dec.-Lei.

F) Assim, sendo automaticamente integrados no PERSI, o argumento esgrimido pelo Tribunal a quo não pode colher.

G) Por outro lado, a decisão proferida viola o previsto no artigo 14.º, n.º 4 e artigo 3.º, alínea h), daquele regime legal, ao considerar que as cartas que o aqui Recorrente juntou não provam o cumprimento do PERSI.

H) Na verdade, o Recorrente preservou a cópia das comunicações efetuadas naquele âmbito para a morada do Recorrido que, aliás, contratualmente trata-se de domicílio convencionado.

I) Assim, ao retirar da definição de suporte duradouro a exigência que o Recorrente deveria ter enviado a carta com registo ou aviso de receção é extrapolar a literalidade da norma, violando-se o previsto no artigo 9.º, n.º 2, do Código Civil.

J) Conforme resulta do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa em 7/6/2018 e que também é invocado pelo Tribunal a quo, “I.– As comunicações de integração dos executados no PERSI e de extinção do PERSI têm de ser feitas num suporte duradouro (que inclui uma carta ou um e-mail) – artigos 14.º/4 e 17.º/3, do DL 227/2012, de 25/10, e não se podem provar com recurso a prova testemunhal (artigos 364.º/2 e 393.º/1, ambos do CC), excepto se houver um início de prova por escrito (que não seja a própria alegada comunicação).”

K) Ou seja, admite-se que o suporte duradouro é uma carta ou um email.

L) Não se refere que é necessário um aviso de receção ou um registo que demonstre que se enviou efetivamente a carta.

M) Acresce que o aqui Recorrido não declarou que não recebeu a carta.

N) A consideração que a falta de junção de registo de correio e ou de aviso de receção, viola o princípio da tutela e da segurança jurídica, na medida em que apenas resulta do PERSI que a comunicação deve ser guardada em suporte duradouro.

O) O Tribunal a quo declara ainda que se trata de uma exceção inominada de conhecimento oficioso.

P) Salvo devido respeito e conforme os factos relatados, tal exceção inominada estaria verificada se porventura o Recorrente não apresentasse qualquer prova do cumprimento da comunicação efetuada.

Q) O que não se verificou, dado que o Recorrente juntou cópia das cartas, não tendo o titular do direito invocado que não recebeu.

R) Não pode, pois, o Tribunal a quo substituir-se ao aqui Recorrido.

Não se mostram juntas contra-alegações.

Dispensados os vistos cumpre apreciar e decidir.

O Tribunal recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto:

1-Serve de título executivo a livrança junta aos autos principais, na sequência do acordo de empréstimo bancário junto aos autos principais.

2-Relativamente às comunicações relativas ao PERSI, o embargado apenas enviou as cartas juntas como documentos n.ºs 2 a 5 à contestação, que aqui se dão por reproduzidas.

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, salvo questões de conhecimento oficioso.

É ponto assente entre as partes que o contrato de mútuo entre elas celebrado preenche os requisitos de integração no PERSI.

Discute-se apenas o cumprimento desse plano.

Como se sabe, o Decreto-Lei 227/2012, de 25 de Outubro instituiu o PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento), visando promover a regularização de incumprimentos através de negociação entre o cliente e a instituição bancária.

O artigo 1.º do DL 227/2012, de 25 de Outubro estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito designadamente «a regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários».

No artigo 18.º do mencionado diploma dispõe-se, para além do mais que: «1 ‐ No período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de: a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento; b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito contratual.

No artigo 19.º do mesmo diploma dispõe-se o seguinte: 1 - As instituições de crédito estão obrigadas a elaborar um documento interno que descreva, em linguagem simples e clara, os procedimentos adotados no âmbito da implementação do PERSI. 2 - Sem prejuízo da inclusão de outros elementos informativos, o documento a elaborar pelas instituições de crédito deve, nomeadamente, especificar: a) Os procedimentos para o contacto com os clientes bancários nas várias fases do PERSI; b) Os procedimentos para a recolha, tratamento e análise da informação referente aos clientes bancários; c) As soluções suscetíveis de serem propostas aos clientes bancários em incumprimento; d) As estruturas ou, se for o caso, os prestadores de serviços de gestão do incumprimento responsáveis pelo desenvolvimento dos procedimentos e ações previstas no PERSI, indicando, com o necessário detalhe, as respetivas competências e descrevendo os mecanismos previstos para a sua articulação com outras estruturas ou entidades potencialmente envolvidas nesses procedimentos e ações; e e) Os planos de formação dos trabalhadores a quem sejam atribuídas tarefas no âmbito do PERSI. 3 - As instituições de crédito disponibilizam aos seus trabalhadores o documento referido nos números anteriores de modo a permitir a sua consulta imediata e permanente.

As instituições de crédito devem criar, em suporte duradouro, processos individuais para os clientes bancários integrados no PERSI, os quais devem conter toda a documentação relevante no âmbito deste procedimento, nomeadamente as comunicações entre as partes, o relatório de avaliação da capacidade financeira desses clientes e as propostas apresentadas aos mesmos. 2 - As instituições de crédito devem conservar os processos individuais durante os cinco anos subsequentes à extinção do PERSI.

A instituição de crédito está obrigada a informar o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro. O significado de tal expressão «suporte duradouro» é dado no artigo 3.º, alínea h), do citado diploma: «qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas» (artigo 14.º do mesmo diploma).

O Tribunal recorrido sustenta e a nosso ver bem, que o ónus da prova de tais comunicações cabe ao exequente e não aos executados (neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 08 de Março de 2018 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 07 de Junho de 2018, ambos in DGSI).

«Exigindo a lei, como forma de tal declaração uma «comunicação em suporte duradouro», ou seja, a sua representação através de um instrumento que possibilitasse a sua reprodução integral e inalterada, reconduzível, portanto, à noção de documento constante do artigo 362.º do Código Civil, não pode essa prova ser feita com recurso à prova testemunhal – cfr. artigo 364.º do Código Civil.

Na situação em apreço, o exequente junta apenas cópia de cartas relativas ao PERSI que terão sido enviadas por via postal simples.

Competindo o ónus, nesta matéria, ao exequente, é forçoso concluir que o exequente/embargado não evidenciou, conforme lhe competia, o cumprimento do PERSI relativamente ao executado, sendo que este procedimento, configurando uma condição objectiva de procedibilidade da acção executiva, conduz à procedência de excepção dilatória inominada, de conhecimento oficioso, que obsta ao conhecimento do mérito da causa e conduz à absolvição da instância de todos os executados».

Ora o que acontece no caso dos autos e que estamos em sede de oposição à execução.

A petição de oposição à execução mediante embargos tem formalmente a estrutura e conteúdo de uma petição da ação declarativa, mas no plano material a oposição consubstancia uma reação à pretensão executiva, sendo substancialmente uma contestação.

Nesta medida, sendo os embargos de executado um meio de defesa, embora formalmente através de petição, em fase declarativa, a verdade é que neles o executado exercita o direito subjectivo processual de contraditar a pretensão executiva.

Sobre o opoente recai o ónus de impugnação especificada previsto no artigo 574.º CPC, quer quanto à causa de pedir da acção executiva (obrigação exequenda), quer quanto ao título dado à execução que, como se sabe, constitui a sua condição suficiente e base legal de demonstração bastante do direito a uma prestação.

O opoente fica-se pela alegação de que não se recorda de que tenha sido feita a sua integração no PERSI.

Como refere o Ac. do STJ, de 17-10-2019, proc. n.º 617/14.6YIPRT.L.S1 é regra basilar do ónus de impugnação especificada a de que o R. ao contestar deve tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir.

Ora, é regra basilar do ónus de impugnação, a de que o réu, ao contestar, “deve tomar posição definida perante os factos que constituem a causa de pedir invocada pelo autor” – n.º 1 do artigo 574.º –, a significar que não vale como tal a assunção de uma postura dúbia sobre os factos; e a indefinição que o sistema não consente, tanto pode traduzir-se na pura e simples falta de tomada de posição sobre os factos (ressalvada a hipótese destes não admitirem confissão ou só poderem ser provados por documento escrito) – n.º 2 da mesma norma –, como na declaração de que desconhece se os mesmos são reais quando estejam em causa factos pessoais do réu ou de que este deva ter conhecimento – n.º 3 do preceito.

Na primeira das aludidas hipóteses considera a lei que há admissão por acordo, na segunda tem os factos por confessados.

A este propósito discorrem, esclarecidamente e nos seguintes termos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre: “Direta ou indireta, a impugnação repousa normalmente numa certeza. O réu afirma que o facto alegado pelo autor não se verificou ou que se verificou outro facto com ele incompatível. A afirmação e negação constituem declarações de ciência, que são informações sobre a realidade, baseadas no conhecimento do declarante: trata-se de manifestações da esfera cognoscitiva sobre fragmentos da realidade que é objeto do conhecimento. Mas pode acontecer que o réu esteja em dúvida sobre a realidade de determinado facto e, neste caso, a expressão dessa dúvida é suficiente para constituir impugnação se não se tratar de facto pessoal ou de que o réu deva ter conhecimento, valendo como admissão no caso contrário (n.º 3). Constitui facto pessoal ou de que o réu deve ter conhecimento, não só o ato praticado por ele ou com a sua intervenção, mas também o ato de terceiro perante ele praticado (…), ou o mero facto ocorrido na sua presença, e ainda o conhecimento do facto ocorrido na sua ausência (…)”.

Na mesma linha, já Alberto dos Reis afirmava, a propósito do artigo 494.º do CPC então vigente: “Como exigir que o réu impugne o facto, sob pena de o aceitar como verdadeiro, se não tem conhecimento dele, se nada sabe a respeito da ocorrência material narrada pelo autor?

O § 1º do artigo resolve a dificuldade. Admite a declaração, por parte do réu, de que não sabe se o facto é exacto; e atribui à declaração valor diverso, conforme se trata de facto pessoal ou de facto de que o réu deva ter conhecimento, ou se trata de facto que não esteja nestas condições: no 1º caso a declaração vale como confissão, no 2º vale como impugnação.

(…) Quanto aos equívocos e lapsos de memória, note-se que o texto se refere a factos pessoais ou de que o réu deva ter conhecimento. Esta restrição parece que é garantia bastante contra quaisquer perigos. Trata-se de factos que, pela sua própria natureza, não podem deixar de estar presentes ao espírito da pessoa”.

A alegação do ora recorrente, nos termos supra mencionados (desconhecimento acerca do cumprimento do PERSI e necessárias comunicações) equivale, pois, a confissão do cumprimento da mencionada condição objectiva de procedibilidade da acção executiva (artigo 574.º, n.º 3, CPC).

Por todo o exposto, acordam os Juízes da Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso procedente e, em consequência, revogam a decisão recorrida que julgou evidenciada a excepção dilatória inominada de falta de cumprimento do PERSI relativamente ao oponente, substituindo-a por outra que julga não verificada a dita excepção e ordena o prosseguimento dos autos.

Custas a cargo do recorrente.

Évora, 23 de Setembro de 2021

Jaime de Castro Pestana

Paulo de Brito Amaral

Maria Rosa Barroso