Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
230/12.2TBVNO.E1
Relator: ISABEL PEIXOTO IMAGINÁRIO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANOS MORAIS
Data do Acordão: 05/25/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A diminuição somático-psíquica do lesado decorrente de lesão na sua integridade física, com natural repercussão na sua vida quotidiana, desde que se não repercuta, direta ou indiretamente, no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de lucro, traduzir-se-á em dano moral, a ser indemnizado à luz do disposto no art. 496.º, n.ºs 1 e 3, do CC.
(Sumário da Relatora)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 230/12.2TBVNO.E1

ACÓRDÃO

Acordam os Juízes no Tribunal da Relação de Évora

I – As Partes e o Litígio

Recorrentes / Autores: (…), por si e em representação do seu filho menor (…)

Recorrida / Ré: Companhia de Seguros (…), SA

Trata-se de uma ação declarativa de condenação através da qual os AA pretendem fazer operar a responsabilidade civil decorrente de acidente de viação causado por veículo seguro por via de apólice de seguro celebrada com a R. A A (…) reclama, a título de indemnização pelos danos sofridos, o pagamento da quantia de € 4.010,51 acrescida de juros de mora, enquanto que o A (…) reclama o pagamento da quantia de € 3.728,98, acrescida de juros de mora.

II – O Objeto do Recurso

Decorridos os trâmites processuais legalmente previstos, foi proferida sentença julgando a ação parcialmente procedente, condenando a R a pagar ao A (…) a quantia de € 900,00, acrescida de juros de mora a contar da data da decisão, e à A (…) a quantia de € 1.800,00, acrescida de juros de mora a conta da data da decisão, ambas as quantias a título de indemnização pelos danos biológicos sofridos por cada um deles, absolvendo a R do mais peticionado.

Inconformados, os AA apresentaram-se a recorrer, pugnando pela revogação da sentença recorrida, a substituir por outra que condene a R a pagar-lhes as quantias peticionadas, acrescida de juros de mora a contar da data da decisão até integral pagamento. Concluem a sua alegação de recurso nos seguintes termos:
«1.ª A Recorrente perfilha o entendimento, salvo melhor opinião, de que a douta Sentença objeto do presente recurso não decidiu, em determinados aspetos, de forma acertada, atendendo à factualidade dos factos e aos normativos legais aplicáveis ao presente caso.
2.ª Do Direito do Recorrente (…): Nos presentes autos o ora Recorrente reclama a quantia de 3.278,98 acrescido de juros desde a data da citação, a título de indemnização pelos danos por si sofridos em consequência do acidente em causa nos presentes autos. “O dano biológico traduz-se na diminuição somático-psiquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre. 8. O dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial tal como compensado a nível moral. A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, por si só, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.” cf. Ac. STJ de 27-10-2009, no processo nº 560/09.YFLSB (www.dgsi.pt).
3.ª Atenta a prova produzida e constante dos Factos 8. a 15. (inclusive) da Determinação da Matéria de Facto Provada, é nosso entendimento que a Decisão padece de uma incorreta interpretação e deficiente valoração do Direito do Recorrente quanto ao montante atribuído a título de indemnização por dano biológico: 900 euros.
4.ª Ao valorar, para atribuição do montante indemnizatório, a situação profissional do Recorrente … (estudante, 14 anos/sem remuneração), o Tribunal não ponderou a perda ou restrição de capacidades ao exercício normal de uma qualquer profissão. “Na situação dos autos, não oferece dúvida que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico da lesada - consubstanciado em drástica limitação funcional (bem documentada no ponto 41 da matéria de facto) - deverá compensá-la adequadamente de tal perda de capacidades, apesar de esta não estar imediatamente reflectida no nível de rendimento auferido, já que, como se viu, a lesada não exercia actividade profissional remunerada à data do acidente.
Tal compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão.”
cf. Acórdão do STJ de 06-12-2011 no processo 52/06.0.TBVNC.G1.S1 (www.dgsi.pt.).
5.ª Salvo melhor opinião e atenta a jurisprudência trazida à colação pelo Julgador na douta sentença, para a qual, com a devida vénia se remete, é notório que a reparação, pela atribuição de montante indemnizatório de 900,00 euros é manifestamente insuficiente para reparar os danos que o acidente em causa nos p. autos causou ao Recorrente (…).
6.ª Daí que se pugne, recorrendo a juízos de equidade, pela total condenação da Recorrida, condenando-a a pagar ao Recorrente (…) o montante peticionado de € 3.728,98 acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal, desde a data da decisão, até integral pagamento.
7.ª Do Direito da Recorrente (…): Nos presentes autos a ora Recorrente, reclama a quantia de 4.010,51 euros acrescido de juros desde a data da citação, a título de indemnização pelos danos por si sofridos em consequência do acidente em causa nos presentes autos. “O dano biológico traduz-se na diminuição somático-psiquica do indivíduo, com natural repercussão na vida de quem o sofre. 8. O dano biológico tanto pode ser ressarcido como dano patrimonial tal como compensado a nível moral. A situação terá de ser apreciada casuisticamente, verificando se a lesão originou, no futuro, durante o período activo do lesado ou da sua vida e, por si só, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz, apenas, numa afectação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade.” cf. Ac. STJ de 27-10-2009, no processo nº 560/09.YFLSB (www.dgsi.pt).
8.ª Atenta a prova produzida e constante dos Factos 16. a 23. (inclusive) da Determinação da Matéria de Facto Provada, é nosso entendimento que a Decisão padece de uma incorreta interpretação e deficiente valoração do Direito da Recorrente quanto ao montante atribuído a título de indemnização por dano biológico: 1.800,00 euros.
9.ª Salvo melhor opinião e atenta a jurisprudência trazida à colação pelo Julgador na douta sentença, para a qual, com a devida vénia se remete, é notório que a reparação, pela atribuição de montante indemnizatório de 1.800,00 euros é manifestamente insuficiente para reparar os danos que o acidente em causa nos p. autos causou à Recorrente (…).
10.ª Ao valorar, para atribuição do montante indemnizatório, a situação profissional da Recorrente … (doméstica/sem remuneração), o Tribunal não ponderou a perda ou restrição de capacidades ao exercício normal de uma qualquer profissão. “Na situação dos autos, não oferece dúvida que a indemnização a arbitrar pelo dano biológico da lesada - consubstanciado em drástica limitação funcional (bem documentada no ponto 41 da matéria de facto) - deverá compensá-la adequadamente de tal perda de capacidades, apesar de esta não estar imediatamente reflectida no nível de rendimento auferido, já que, como se viu, a lesada não exercia actividade profissional remunerada à data do acidente.
Tal compensação do dano biológico tem como base e fundamento, quer a relevante e substancial restrição às possibilidades de exercício de uma profissão.”
cf. Acórdão do STJ de 06-12-2011 no processo 52/06.0.TBVNC.G1.S1 (www.dgsi.pt.).
11.ª Daí que se pugne, recorrendo a juízos de equidade, pela total condenação da Recorrida, condenando-a a pagar ao Recorrente (…) o montante peticionado de € 4.010,51 acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal, desde a data da decisão, até integral pagamento.
12.ª Pelo que, à luz dos já citados normativos e à luz dos princípios normativos da responsabilidade civil por facto ilícito, deve a douta sentença ser alterada, no sentido de condenar in totum a aqui Recorrida a pagar aos Recorrentes o peticionado, nomeadamente:
a) ao aqui Recorrente (…) a quantia de € 3.728,98 acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal, desde a data da decisão, até integral pagamento, por todos os danos e lesões sofridos na sequência do acidente em causa nos presentes autos.
b) à aqui recorrente (…) a quantia de € 4.010,51 acrescido de juros de mora contabilizados à taxa legal, desde a data da decisão, até integral pagamento, por todos os danos e lesões sofridos na sequência do acidente em causa nos presentes autos.»

Não foram apresentadas contra-alegações.

Assim, em face das conclusões da alegação das Recorrentes, que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso[1], a questão a decidir respeita à fixação do montante indemnizatório devido a cada um dos AA.

III – Fundamentos

A – Os factos provados em 1.ª instância
1 - No dia 13 de Novembro de 2009, pelas 19 horas e 10 minutos, o veículo automóvel ligeiro de passageiros, de matrícula (…), pertencente à A. (…), conduzido pelo marido desta, ou seja a testemunha (…), circulava pela Rua (…), na localidade de Fátima, na área de competência deste Tribunal de Ourém, no sentido Norte/Sul.
2 - No mesmo dia, hora, local, via e sentido de trânsito, atrás daquela viatura (…), circulava o veículo automóvel ligeiro, de matrícula (…), pertencente a (…) e conduzido na ocasião por (…).
3 - Ao chegar ao cruzamento da Rua (…) com a Rua (…), o veículo (…) parou para permitir a passagem de um outro veículo que circulava na Rua (…), no sentido Sul/Norte.
4 - Na ocasião o condutor do veículo (…), porque tripulava esta viatura distraído em relação aos demais veículos que circulavam pela via por onde circulava, não se apercebeu que o veículo (…) se encontrava parado à sua frente, não tendo parado, nem reduzido a velocidade.
5 - Na sequência o veículo (…) foi embater com a parte da frente na parte traseira da viatura (…).
6 - Na data referida em 1), o proprietário da viatura havia transferido para a R. a responsabilidade pelos danos causados a terceiros em resultado de acidente de viação provocado pelo veículo de matrícula (…), através da celebração de um contrato de seguro de responsabilidade civil automóvel, com a apólice n.º (…).
7 - Do embate entre as viaturas referido em 5), resultaram estragos para o veículo (…), que foram reparados e cujo custo de reparação foi arcado pela R.
8 - Na data referida em 1) o A. (…) tinha 14 anos de idade e era e é estudante.
9 - Na sequência do embate referido em 5), o A. (…) sofreu traumatismo da coluna cervical, com cervicalgia e contractura muscular, e recebeu tratamento hospitalar a tais lesões.
10 - Foi-lhe diagnosticada cervicalgia leve e foi medicado com analgésicos e com relaxante muscular.
11 - O A. (…) efetuou 30 sessões de tratamentos de fisioterapia às suas lesões.
12 - O A. (…) esteve em situação de défice funcionário temporário total pelo período de 10 dias, e em défice funcional temporário parcial pelo período de 85 dias.
13 - Em resultado das lesões sofridas na sequência do embate referido em 5), o A. (…) passou a sofrer de cervicalgia residual crónica leve, sem alterações da mobilidade e sem alterações neurológicas.
14 - O A. (…) passou a sofrer um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, referente à afetação definitiva da integridade física ou psíquica da pessoa, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, independentemente das atividades profissionais, fixado em 1 ponto.
15 - O A. (…) sofreu um quantum doloris fixado no grau 3, numa escala de 7.
16 - Na data referida em 1) a A. (…) tinha 49 anos de idade e era e é doméstica.
17 - Na sequência do embate referido em 5), a A. (…) sofreu traumatismo da coluna cervical, com cervicalgia e contractura muscular sem alterações radiológicas, e recebeu tratamento hospitalar a tais lesões.
18 - Foi-lhe diagnosticada cervicalgia leve e foi medicada com analgésicos e com relaxante muscular.
19 - A A. (…) efetuou 17 sessões de tratamentos de fisioterapia às suas lesões.
20 - A A. (…) esteve em situação de défice funcionário temporário total pelo período de 10 dias, e em défice funcional temporário parcial pelo período de 99 dias.
21- Em resultado das lesões sofridas na sequência do embate referido em 5), a A. (…) passou a sofrer de cervicalgia residual crónica moderada, com radiculalgia direita, sem compromisso neurológico aparente com síndrome vertiginoso frequente.
22 - A A. (…) passou a sofrer um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, referente à afetação definitiva da integridade física ou psíquica da pessoa, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, independentemente das atividades profissionais, fixado em 3 pontos.
23 - A A. (…) sofreu um quantum doloris fixado no grau 3, numa escala de 7.

B – O Direito

Invocam os Recorrentes que o Tribunal a quo não ponderou a perda ou restrição de capacidades ao exercício normal de uma qualquer profissão do A (…). A aplicação de juízos de equidade implica na fixação da indemnização no montante superior a € 900,00, na quantia peticionada de € 3.728,98.

Ora vejamos.

Relativamente ao A (…), resultou provada a seguinte factualidade:
- à data do evento, tinha 14 anos de idade e era e é estudante;
- na sequência do embate, sofreu traumatismo da coluna cervical, com cervicalgia e contractura muscular, e recebeu tratamento hospitalar a tais lesões;
- foi-lhe diagnosticada cervicalgia leve e foi medicado com analgésicos e com relaxante muscular;
- efetuou 30 sessões de tratamentos de fisioterapia às suas lesões;
- esteve em situação de défice funcionário temporário total pelo período de 10 dias, e em défice funcional temporário parcial pelo período de 85 dias;
- em resultado das lesões sofridas na sequência do embate, passou a sofrer de cervicalgia residual crónica leve, sem alterações da mobilidade e sem alterações neurológicas;
- passou a sofrer um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, referente à afetação definitiva da integridade física ou psíquica da pessoa, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, independentemente das atividades profissionais, fixado em 1 ponto;
- sofreu um quantum doloris fixado no grau 3, numa escala de 7.

São estes os factos que importa valorar para fixar o montante indemnizatório ao A (…), que peticionou a verba de € 3.728,98. Cumpre, contudo, notar que o pedido formulado se alicerçou na invocação dos seguintes danos:
- danos corporais (cfr. art. 18.º da p.i.);
- cervicalgias, cefalias e enjoos de que padeceu (cfr. art. 22.º da p.i.);
- 7 dias de doença com impedimento para o trabalho e 89 dias de doença sem impedimento para o trabalho (cfr. art. 23.º da p.i.);
- sequelas corporais do sinistro que se fixa em 1 ponto (cfr. art. 23.º da p.i.).

Assim, atenta a causa de pedir que conforma o concreto objeto deste processo[2], os danos apurados são de apreciar à luz da problemática do dano biológico ou corporal.

Nas palavras do Sr. Conselheiro Salvador da Costa[3], «o dano corporal traduz-se na alteração negativa do estado de integridade psicofísica da pessoa humana.
A sua reparação traduz-se, em regra, na fixação de uma indemnização ou compensação, em virtude da impossibilidade da plena restituição do lesado ao estado anterior à lesão.
Como o dano corporal direto propriamente dito, pela sua natureza imaterial, é insuscetível de avaliação pecuniária, salvo por ficção legal, porque não atinge o património do lesado, a conclusão é a de dever ser qualificado como não patrimonial.
Isto é assim exatamente porque se trata de ofensa de bens de caráter imaterial, desprovidos de conteúdo económico, como é o caso da vida, da integridade física, da saúde, do equilíbrio psíquico ou da correção estética.
Em regra, pois, o seu reflexo no lesado é subjetivo, porque se traduz em dor ou sofrimento de natureza física, psíquica ou moral, não raro exteriorizados por via de tristeza, angústia ou desinteresse pelas coisas da vida – Inocêncio Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, Coimbra, 1997, páginas 376 a 378.
(…)
A mesma lesão corporal é suscetível de produzir danos patrimoniais e não patrimoniais.
(…)
Muitas são as vítimas de dano corporal que não têm atividade profissional, ou porque já estão em situação de reforma, ou porque estão desempregadas, ou porque ainda estão no âmbito da formação prévia à entrada no mercado de trabalho.
Nestas situações, assaz difícil seria calcular a indemnização por dano corporal no quadro dos danos patrimoniais, designadamente no dos danos futuros, por não haver para o efeito referenciais de facto relativos à perda de rendimento.
Isto ocorre no caso das já referidas pequenas incapacidades, que a perícia médica vem designando por incapacidades genéricas.
(…)

A partir de 2004 começaram as referidas incapacidades a ser apelidadas por dano biológico (dano corporal) que a jurisprudência passou a utilizar até ao presente.

Nessa perspetiva, tem-se considerado que se o lesionado ficar a padecer, até ao fim da vida, de incapacidade funcional ao nível das atividades que exijam esforço e boa mobilidade dos membros inferiores ou superiores, isso se consubstanciava nessa espécie de dano.

Nessa linha, passou a jurisprudência a decidir que a afetação da pessoa do ponto de vista funcional, determinante de consequências negativas a nível da sua atividade geral, justificava a indemnização no âmbito do dano patrimonial, para além da valoração que se impusesse a título de dano não patrimonial.

É uma consideração que assenta na ideia de que a incapacidade permanente é suscetível, em abstrato, de diminuir a potencialidade de ganho do lesado ou de implicar acrescido esforço para manter os mesmos níveis de ganho.

(…)

Nestes casos, porque não há referenciais de facto que justifiquem a atribuição de indemnização por danos patrimoniais presentes ou futuros, a solução que resulta da lei é a de que os lesados devem ser compensados pelo dano corporal no quadro do dano não patrimonial.»

Quer na doutrina quer na jurisprudência, vem sendo entendido que o dano biológico é o prejuízo que se repercute nas potencialidades e na qualidade de vida do lesado, afetando-lhe o seu viver quotidiano na sua vertente laboral, recreativa, sexual, social ou sentimental, determinando-lhe a perda de faculdades físicas ou intelectuais em termos de futuro, deficiências que se agravarão com a sua idade. E, por outro, que esse dano é indemnizável de per se, como dano patrimonial futuro, independentemente de se verificarem ou não consequências em termos de diminuição de proventos por parte do lesado. Tendo o lesado ficado com incapacidade permanente mas sem sequelas em termos de rebate profissional, esforço acrescido ou particular repulsa, deve aquela incapacidade relevar em termos de prejuízo funcional, ou seja, do chamado dano biológico.

No Ac. STJ de 27 de Outubro de 2009[4], o dano biológico vem caracterizado como a diminuição somático-psíquica do lesado, com natural repercussão na sua vida, ressarcível como dano patrimonial ou compensável a título de dano moral, tudo dependendo de apreciação casuística, em termos de verificação se a lesão lhe originou, no futuro, durante o período ativo da sua vida, só por si, uma perda da capacidade de ganho ou se traduz apenas numa afetação da sua potencialidade física, psíquica ou intelectual, para além do agravamento natural resultante da idade. A mera necessidade de um maior dispêndio e de energia, mais traduz um sofrimento psicossomático do que, propriamente, um dano patrimonial, porque o exercício de qualquer atividade profissional se vai tornando mais penoso com o desgaste natural da vitalidade - paciência, atenção, perspetivas de carreira, desencantos – e da saúde, implicando um crescente dispêndio de esforço e energia. Ora, tal agravamento, desde que se não repercuta, direta ou indiretamente, no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de lucro, traduzir-se-á em dano moral, a fixar segundo a equidade, nos termos do art. 496.º n.ºs 1 e 3 do CC.

Ora, no caso sub judice, o A (…) era estudante, sendo que as sequelas registadas não têm expressão em perda patrimonial futura decorrente de perda de capacidade de ganho. Assim, à luz de tais premissas, atenta a idade do A, as lesões que sofreu, o quadro com que se confronta, padecendo de sequelas que lhe acarretam um défice funcional permanente da integridade física de um ponto, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo familiares e sociais mas independentemente das atividades profissionais, e, bem assim, os critérios que vêm sendo adotados pela jurisprudência, afigura-se adequado fixar a indemnização pelo dano corporal / biológico sofrido na quantia de € 1.500,00.

No que respeita à A (…), resultou provada a seguinte factualidade:
- tinha 49 anos de idade e era e é doméstica;
- na sequência do embate, sofreu traumatismo da coluna cervical, com cervicalgia e contractura muscular sem alterações radiológicas, e recebeu tratamento hospitalar a tais lesões;
- foi-lhe diagnosticada cervicalgia leve e foi medicada com analgésicos e com relaxante muscular;
- efetuou 17 sessões de tratamentos de fisioterapia às suas lesões;
- esteve em situação de défice funcionário temporário total pelo período de 10 dias, e em défice funcional temporário parcial pelo período de 99 dias;
- em resultado das lesões sofridas na sequência do embate, passou a sofrer de cervicalgia residual crónica moderada, com radiculalgia direita, sem compromisso neurológico aparente com síndrome vertiginoso frequente;
- passou a sofrer um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica, referente à afetação definitiva da integridade física ou psíquica da pessoa, com repercussão nas atividades da vida diária, incluindo as familiares e sociais, independentemente das atividades profissionais, fixado em 3 pontos;
- sofreu um quantum doloris fixado no grau 3, numa escala de 7.

O pedido formulado, pela quantia de € 4.010,51, assenta na invocação dos seguintes danos:
- danos corporais (cfr. art. 20.º da p.i.);
- sofrimento do síndroma pós-traumático cervical com cervicalgias, enjoos, vertigens e cefaleias;
- 15 dias de doença com impedimento para o trabalho e 51 dias de doença sem impedimento para o trabalho (cfr. art. 20.º da p.i.);
- sequelas corporais do sinistro que se fixa em 2 ponto (cfr. art. 20.º da p.i.).

Também relativamente à A (…), e pelas razões supra mencionadas, apenas cabe considerar o dano biológico, sendo que não exercia atividade remunerado e que as sequelas registadas não têm expressão ao nível da quebra de rendimentos futuros.

Tendo por referência tudo o que se deixou exposto, importa levar em linha de conta as lesões que a A sofreu e as repercussões permanentes das sequelas na sua integridade física, que se fixaram em 3 pontos. Se, por um lado, o nível de afetação dessa integridade é superior ao registado ao A (…), por outro lado foi sujeita a essa diminuição psicossomática numa fase bem mais avançada da sua vida, só a partir dos 49 anos é que se defronta com tais sequelas (enquanto que o A as vivencia desde os 14 anos de idade). Ponderados todos os itens factuais assentes, levando em linha de conta os critérios jurisprudenciais atuais, afigura-se adequado fixar a indemnização pelo dano corporal / biológico sofrido pela A (…) na quantia de € 2.500,00.

Procedem, assim, parcialmente as conclusões da alegação do recurso.

As custas recaem sobre os Recorrentes e Recorrida na proporção do decaimento – art. 527.º, n.º 1, do CPC.

Concluindo: a diminuição somático-psíquica do lesado decorrente de lesão na sua integridade física, com natural repercussão na sua vida quotidiana, desde que se não repercuta, direta ou indiretamente, no estatuto remuneratório profissional ou na carreira em si mesma e não se traduza necessariamente numa perda patrimonial futura ou na frustração de lucro, traduzir-se-á em dano moral, a ser indemnizado à luz do disposto no art. 496.º, n.ºs 1 e 3, do CC.

IV – DECISÃO

Nestes termos, decide-se pela parcial procedência do recurso, em consequência do que revoga a sentença recorrida no que respeita aos montantes indemnizatórios arbitrados, fixando-se em € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) a quantia indemnizatória a pagar pela R ao A (…) e em € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) a quantia indemnizatória a pagar pela R à A (…).

Custas pelos Recorrentes e pela Recorrida na proporção do decaimento.

*

Évora, 25 de Maio de 2017
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria da Conceição Ferreira
Rui Machado e Moura
__________________________________________________
[1] Cfr. arts. 637.º, n.º 2 e 639.º, n.º 1, do CPC.
[2] Não é reclamada indemnização por dores ou padecimentos sofridos, nem por repercussões dos dias de doença na atividade de estudante do A.
[3] In Caracterização, Avaliação e Indemnização do Dano Biológico, CEJ, ano 2010.
[4] Relatado por Sebastião Póvoas, in www.dgsi.pt