Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
389/14.4TVLSB.E1
Relator: MATA RIBEIRO
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL DO ESTADO
FUNÇÃO JURISDICIONAL
ERRO JUDICIÁRIO
ERRO GROSSEIRO
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 03/17/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - No âmbito do erro judiciário o art. 13.º da Lei 67/2007, de 31-12, prevê duas situações: (i) a decisão jurisdicional manifestamente inconstitucional ou ilegal; (ii) a decisão jurisdicional manifestamente injustificada por erro grosseiro na apreciação dos respectivos pressupostos de facto.
II - A necessidade de prévia revogação da decisão danosa – prevista agora no art. 13.º da Lei n.º 67/2007 – só se compadece com a via processual adequada para o efeito: o recurso.
III - Os danos decorrentes de erro judiciário só são indemnizáveis se a responsabilidade emergir de situações que possam ser caraterizadas por erro grave ou muito grave, quer do ponto de vista da interpretação do direito, quer do ponto de vista de apreciação dos factos - já que o erro pode ser de direito ou de facto -, e que conduza a uma situação manifestamente violadora da lei ou da Constituição, conforme decorre do disposto no n.º 1 do artº 13º da aludida Lei.
IV - O erro de direito praticado pelo juiz só poderá constituir fundamento de responsabilidade civil do Estado quando seja grosseiro, evidente, crasso, palmar, indiscutível e de tal modo grave que torne a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas, demonstrativas de uma atividade dolosa ou gravemente negligente.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM 0S JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

AA, advogado, com domicílio profissional na Av. …, n.º …, em Lisboa, intentou contra o ESTADO PORTUGUÊS ação declarativa de condenação, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca e Évora (Évora – Instância Local – Secção Cível – J1) alegando factos que, em seu entender, alicerçam a condenação deste, que peticiona, por responsabilidade civil extracontratual decorrente de erro judiciário, no pagamento da quantia global de €35.732,00 - correspondendo € 604,00 ao valor da taxa de justiça e da multa que pagou, €15.000,00 ao valor das despesas com advogados e €20.000,00 a título de danos não patrimoniais a que acrescem €128,00 de juros de mora vencidos sobre o valor respeitante aos danos patrimoniais - acrescida de juros de mora vincendos desde a citação até efetivo e integral pagamento.
Citado o réu veio contestar parcialmente os factos, defendendo no essencial que não se verificam os pressupostos legais de que depende a sua condenação por atos cometidos no exercício da função jurisdicional, concluindo pela improcedência da ação e consequente absolvição do pedido.
Na fase do saneador veio a ser proferida sentença pela qual se julgou improcedente a ação e se absolveu o réu do pedido.
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Irresignado, veio o autor interpor o presente recurso e apresentar as respetivas alegações, terminando por formular as seguintes conclusões que se transcrevem:
1ª. A "compressão" que o artº 13° nº 2 do RRCEE faz ao art° 22° da CRP não é admitida pela Constituição nem pelo direito e jurisprudência comunitária.
2ª. Tal se configura como uma verdadeira restrição não expressamente autorizada pela Constituição, que impede em certos casos o exercício daquele direito fundamental, nem sempre sendo possível resolvê-lo pelo recurso à reforma da sentença, nem ao TC ou ao recurso de revisão.
3ª. Este tipo de restrição tem que obedecer à teoria dos limites ao exercício dos direitos fundamentais, e não sendo possível face à teoria interna ou a dos princípios, é admitida pela (e só) teoria externa.
4ª. E mesmo esta se suporta dos limites aos limites, para seu controlo, exigindo que tais restrições, para serem legítimas, têm que ser justificadas e preencher os requisitos formais e substanciais exigidos pela CRP, o que não se verifica.
5ª. Até porque a norma contida no art° 22°/CRP não consubstancia um princípio, mas um regra e, logo, não passível de restrições.
6ª. Entre os mecanismos de controlo foram violados os princípios da proporcionalidade e da igualdade.
7ª. E o artº 18º nº 2 e 3 da CRP tem aplicação, e foi violado.
8ª. Não pode haver apenas aplicação do princípio da ponderação de bens em conflito, mas também o da concordância prática, o qual foi violado.
9ª. Foi violada a teoria dos limites, bem como a dos limites aos limites, pois que violado o principio da necessidade ou indispensabilidade; da não diminuição da extensão e alcance do conteúdo essencial do art° 22°/CRP e o da proibição do excesso.
10ª. Não se verifica qualquer colisão com a independência dos tribunais e a força do caso julgado, pois estamos perante uma regra e não um princípio, e mesmo que não o fosse, também não se verifica a colisão, até porque a ação baseada no art° 22°CRP tem outros fundamentos, causas de pedir, pedido e, às vezes, até partes diferentes.
11ª. E o artº 13° n'' 2 do RRCEE viola o art° 6° n'' 1 da CEDH; o art° 6° nº 1 do TUE; art° 4° nº 3 do TUE - Lisboa e a jurisprudência comunitária constante "maxime" dos caos Kobler; Traghetti; Francovich e Brasserie du Pêcheur, alem da própria CDFUE.
12ª. Pelo que deverá aplicar-se o estipulado no artº 267º do TFUE.
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O réu, contra alegou pugnando pela manutenção do decidido.

Apreciando e decidindo

Como se sabe o objeto do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, sem prejuízo das questões cujo conhecimento é oficioso.
Assim, em síntese, do que resulta das conclusões, caberá apreciar:
- se a decisão recorrida deve ser revogada, em virtude do entendimento de que a exigência legal da prévia revogação da decisão alegadamente danosa que fundamenta o pedido de indemnização por responsabilidade civil extracontratual do Estado decorrente de erro judiciário não estar conforme aos princípios constitucionais aludidos nos artsº 18º e 22º da Constituição da República Portuguesa, bem como ao estabelecido nos Tratados Internacionais e jurisprudência comunitária.
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Na 1ª instância foi considerado provado o seguinte circunstancialismo factual:
1. AA foi condenado, por sentença proferida no processo n.º 51/06.4TAMRA, pelo extinto Tribunal Judicial de Moura, em 31/03/2009, pela prática de um crime de injúria, p. e p. pelo art. 181.°, n.º 1, do Código Penal, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €8 (oito euros), o que perfaz o total de €400 (quatrocentos euros), bem como no pagamento de uma indemnização fixada no montante de €200 e em custas processuais.
2. De tal decisão, interpôs AA, em 12.05.2009, recurso para o Venerando Tribunal da Relação de Évora.
3. Porém, AA não comprovou o pagamento autoliquidado da taxa de justiça devida pela interposição de recurso.
4. Pelo que foi notificado, oficiosamente pela secção, para apresentar documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça em falta e proceder ao pagamento da sanção prevista no art. 80.°, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, com a advertência prevista no n.º 3 do mesmo preceito legal.
5. AA reclamou de tal notificação.
6. Por despacho proferido, no processo supra ido em 1., em 08.06.2009, foi julgada improcedente tal reclamação e foi determinada notificação do arguido para proceder ao pagamento da taxa de justiça devida pela interposição de recurso e legal acréscimo.
7. AA interpôs recurso de tal decisão.
8. Porém, AA não comprovou o pagamento autoliquidado da taxa de justiça devida pela interposição de tal recurso.
9. Pelo que foi notificado, oficiosamente pela secção, para apresentar documento comprovativo do pagamento da taxa de justiça em falta e proceder ao pagamento da sanção prevista no art. 80.°, n.º 2, do Código das Custas Judiciais, com a advertência prevista no n.º 3 do mesmo preceito legal.
10. AA reclamou de tal notificação.
11. Por despacho proferido, no processo supra ido em 1., em 15.07.2009, foi julgada improcedente tal reclamação e foram rejeitados os recursos interpostos.
12. AA interpôs recurso de tal decisão, tendo pago a taxa de justiça e respetivo acréscimo, depois de notificado para o efeito.
13. O recurso foi admitido, tendo o Tribunal da Relação de Évora julgado o mesmo improcedente por Decisão Sumária de 16.04.2011.
14. AA reclamou para a conferência.
15. Por acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora de 12.04.2011 foi negado provimento ao recurso e mantido, na íntegra, o despacho recorrido.
16. AA interpôs recurso de tal acórdão para o Tribunal Constitucional.
17. O Tribunal Constitucional decidiu não conhecer do objeto do recurso.
18. Em 29.02.2012, AA procedeu ao pagamento da pena de multa referida em 1.

Conhecendo da 1ª questão
Insurge-se o recorrente contra a decisão salientando ab initio nas suas alegações, que “Delimita-se o presente recurso apenas à questão de ser possível uma "compressão" do princípio consagrado no art° 22° da CRP (sic. fls. 15 da sentença), por forma a compatibilizá-la com outros princípios constitucionais, como a independência dos tribunais e a força do caso julgado (fls. 16), mas considerando que tal restrição não pode ser arbitraria ou desproporcional (fls. 15), pelo que conclue pela legalidade (constitucional) da norma constante no nº 2 do art" 13° do RRCEE.”
Ou seja, o autor não põe em causa o julgamento efetuado quanto à matéria de facto que se teve por provada, bem como não põe em causa a aplicação, na forma como foi efetuada, do disposto do n.º 1 do citado artigo 13º, apenas pondo em causa que para efeitos de atribuição de indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes da responsabilidade civil extracontratual do Estado haja necessidade da prévia revogação da decisão alegadamente danosa como impõe o n.º 2 do artº 13º do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado (RRCEE) aprovado pela Lei 67/2007, de 31/12 no qual se afirma que “o pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.
Enunciemos, primeiramente, as normas que o recorrente alude terem sido alvo de violação.
A Lei n.º 67/2007, de 31.12, estabelece:
- Artº 13º (Responsabilidade por erro judiciário)
1 - Sem prejuízo do regime especial aplicável aos casos de sentença penal condenatória injusta e de privação injustificada da liberdade, o Estado é civilmente responsável pelos danos decorrentes de decisões jurisdicionais manifestamente inconstitucionais ou ilegais ou injustificadas por erro grosseiro na apreciação dos respetivos pressupostos de facto.
2 - O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.
A Constituição da República Portuguesa estabelece:
- Artº 18º (Força Jurídica)
1. Os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas.
2. A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
3. As leis restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de revestir carácter geral e abstrato e não podem ter efeito retroativo nem diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais.
- Artº 22º (Responsabilidade das Entidades Públicas)
O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por ações ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem.
A Convenção Europeia dos Direitos do Homem estabelece:
- Artº 6º (Direito a um processo equitativo)
1- Qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada, equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei, o qual decidirá, quer sobre a determinação dos seus direitos e obrigações de carácter civil, quer sobre o fundamento de qualquer acusação em matéria penal dirigida contra ela. O julgamento deve ser público, mas o acesso à sala de audiências pode ser proibido à imprensa ou ao público durante a totalidade ou parte do processo, quando a bem da moralidade, da ordem pública ou da segurança nacional numa sociedade democrática, quando os interesses de menores ou a proteção da vida privada das partes no processo o exigirem, ou, na medida julgada estritamente necessária pelo tribunal, quando, em circunstâncias especiais, a publicidade pudesse ser prejudicial para os interesses da justiça.
O Tratado da União Europeia estabelece:
- Artº 6º
(…)
2- A União adere à Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais. Essa adesão não altera as competências da União, tal como definidas nos Tratados.
O Tratado da União Europeia – lisboa – estabelece:
- Artº 4º
(…)
3. Em virtude do princípio da cooperação leal, a União e os Estados-Membros respeitam-se e assistem-se mutuamente no cumprimento das missões decorrentes dos Tratados.
Os Estados-Membros tomam todas as medidas gerais ou específicas adequadas para garantir a execução das obrigações decorrentes dos Tratados ou resultantes dos atos das instituições da União.
Os Estados-Membros facilitam à União o cumprimento da sua missão e abstêm-se de qualquer medida suscetível de pôr em perigo a realização dos objetivos da União.
No caso em apreço, o autor fundamenta a sua pretensão na existência de erro judiciário, pois que alega que os recursos não foram admitidos por errónea interpretação da lei no que se reporta à exigência do pagamento de taxa de justiça devida pela interposição de recurso, e embora não conseguindo fazer valer a sua posição em sede recursiva, defende que para os efeitos indemnizatórios tal como são reclamados, não se lhe pode exigir ao contrário do que determina o n.º 2 do artº 13º da Lei 67/2007, como pressuposto da ação de responsabilidade, que previamente se mostre revogada a decisão a que imputa a existência de erro, sob pena de violação dos princípios constitucionais vertidos nos artº 18º e 22º da CRP, bem como os princípios ínsitos nas normas europeias, referenciadas.
É certo que os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos liberdades e garantias são diretamente aplicáveis, mas tal não dispensa a verificação de um “grau suficiente de determinabilidade, isto é um conteúdo jurídico suficientemente preciso e determinável, quanto aos pressupostos de facto, consequências jurídicas e âmbito de proteção do direito invocado, sendo a própria Constituição a dizer que em certos casos, se torna indispensável uma lei concretizadora”[1] que no caso é a lei 67/2007.
Na decisão recorrida o Julgador a quo chamando à colação a doutrina emanada do acórdão do STJ de 24/02/2015[2] concluiu que o estipulado no n.º2 do artº 13º RCEE, não exclui nem cerceia arbitrária e desproporcionadamente o princípio da responsabilidade do Estado, consagrado no artº 22º da CRP, não violando tal norma .
Sobre tal problemática foi defendido por Ana Celeste Carvalho[3] o seguinte:
“Deve questionar-se se é justificável ou sequer razoável a exigência do pressuposto da prévia revogação, desde logo considerando que em termos de direito comparado, esta exigência não foi seguida em todos os ordenamentos jurídicos. Sendo inquestionável o constrangimento que esse pressuposto pode acarretar no imperativo de responsabilização estabelecido pelo TJUE e no princípio geral consagrado no artigo 22º da Constituição, por se traduzir num seu limite, importa ter presente, o seguinte:
1) que o TJUE alheia-se da subsistência da decisão lesiva, considerando-a matéria da autonomia processual dos Estados, embora limitada pelo princípio da efetividade e
2) que o princípio da solidariedade não vai ao ponto de destruir um caso julgado por ofensa ao Direito da União Europeia[4] .
Assim, considerando esses motivos e ainda,
3) por razões de objetividade,
4) de segurança e de certeza jurídica,
5) pelo critério juridicamente claudicante, da “séria probabilidade” de existir erro judiciário e
6) perante o atual regime processual de recursos e de reapreciação da decisão jurisdicional,
entendemos como justificada a solução acolhida pelo legislador, considerando-a compatível com o direito europeu, maxime, com o princípio da efetividade.
Além do mais, mostra-se relevante a atual lei processual, que tem a virtualidade de, em certa medida, corrigir o erro da decisão, seja quando a mesma é irrecorrível, seja quando é proferida em última instância.
Senão vejamos.
Pode ocorrer que a decisão jurisdicional não seja suscetível de recurso, pelo que, admitindo-se que se encontre enfermada de erro manifesto ou grosseiro, o pressuposto da prévia revogação tem como consequência, em princípio, vedar o acionamento da responsabilidade civil do Estado por erro judiciário.
Nesse caso, podendo existir uma decisão danosa, não só a mesma perdurará na ordem jurídica, como o lesado não pode ser desse facto ressarcido, questionando-se se não existirá um défice na efetividade no regime legal estabelecido.
Esta questão merece-nos resposta negativa, não traduzindo o pressuposto da prévia revogação da decisão uma deficiência de tutela ressarcitória do lesado.
Primo porque não basta ao lesado invocar que existe uma decisão jurisdicional lesiva, para que a mesma se encontre efetivamente enfermada de erro, sendo necessário que o tribunal assim o conclua e, nesse caso, que o erro seja qualificado de manifesto ou grosseiro.
Secundo porque, verificando-se que essa decisão não é suscetível de recurso, isso tem o significado para o ordenamento jurídico da sua diminuta relevância jurídica.
É sabido que a ordem jurídica hierarquiza direitos e interesses, pois nem todos assumem o mesmo grau de tutela[5], pelo que, se a resposta do sistema de justiça se traduz na insusceptibilidade de recurso, significa que o bem ou direito em causa não é juridicamente relevante.
Tertio, é relevante a possibilidade atualmente concedida pelo artigo 669º, nº 2 do CPC, a qualquer das partes, de requerer a reforma da sentença em situação de irrecorribilidade da decisão, fundada em “manifesto lapso do juiz”, no “erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos” e quando “constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida”. Nos termos da aludida norma, concede-se a possibilidade ao juiz de reparar o erro da decisão que não seria suscetível de recurso, numa compatibilização dos dois principais interesses em presença, o da justiça material e o da segurança jurídica.
Quarto porque esta será uma via de responsabilização do lesado pela inércia em promover a reapreciação da decisão judicial, mantendo-se a situação de dano.
A atuação do lesado se pode contribuir para a produção do dano, pode determinar a sua manutenção, o que ocorrerá na falta de interposição de recurso/reparação do erro.
Em suma, faltando o pressuposto da prévia revogação da decisão jurisdicional, por impossibilidade de interposição de recurso, isso traduz uma opção feita a priori pela ordem jurídica, diretamente decorrente do sistema vigente de recursos e por razões de segurança jurídica, e não do RRCEE, admitindo-se amplamente a possibilidade de reparação do erro em caso de irrecorribilidade da decisão, o que para efeitos indemnizatórios, deverá equivaler à prévia revogação da decisão danosa.
Questão conexa com a falta de grau de jurisdição que possibilite a revogação da decisão danosa, consiste a do erro judiciário cometido pela última instância judiciária, em que se questiona se estará vedado ao lesado suscitar a reapreciação jurisdicional da decisão. Analisando esta situação, o TJUE, no Acórdão Köbler (Caso C-224/01, 30/09/2003) considerou que há responsabilidade do Estado por violação do direito europeu, no exercício da função jurisdicional, quando o incumprimento resulte, no caso excecional, de uma decisão de um órgão que decide em último grau, conquanto haja violação manifesta do direito comunitário aplicável.
Nesta situação alguma doutrina entende que não é aplicável o requisito da prévia revogação da decisão danosa para efeitos de efetivação do direito de indemnização, mas temos algumas reservas quanto a este entendimento.
1) Embora o erro seja cometido pela última instância, ao admitir-se a ação de responsabilidade sem o requisito da prévia revogação da decisão, implica conceder que um tribunal de primeira instância, na ação de responsabilidade, se vá pronunciar sobre tal erro, em total inversão da ordem jurisdicional vigente.
2) Por outro lado, o artigo 669º, nº 2 do CPC permite ao próprio Tribunal, funcionando em subsecção ou em Pleno, oficiosamente ou a requerimento, suprir erros materiais e de julgamento, abrindo portas à correção do erro de julgamento na mesma (última) instância, donde, atualmente a limitação decorrente de se tratar da última instância não mais constitui obstáculo ao valor da justiça.
Nesta situação, à semelhança do ónus de interposição de recurso, deve impor-se ao lesado o ónus de requerer a supressão do erro de julgamento.
3) É ainda de conceder que da decisão da última instância seja interposto recurso para o TC[6], o qual, concedendo-lhe provimento, determina que voltem os autos a esse tribunal para que reforme ou mande reformar a decisão recorrida, permitindo que se dê por verificado o pressuposto previsto no artigo 13º, nº 2, aqui entendido como reapreciação da decisão danosa.
4) Por último, em sede de ação por incumprimento, o TJUE pode formar um juízo de desvalor da interpretação da norma comunitária aplicada pelo juiz nacional, sendo o Estado condenado por violação do direito comunitário, por facto da função jurisdicional, o que poderá ser equiparado ao pressuposto processual da prévia revogação da decisão.
Donde, não se vislumbram motivos para conceder tratamento distinto para o erro cometido em última instância, em relação ao regime legal traçado por, mesmo nesse caso, não estar vedada a possibilidade de obter a prévia revogação da decisão danosa.
Sobre a relevância do recurso de revisão para efeito de aplicação do regime de responsabilidade por erro judiciário, percorrendo as várias alíneas do artigo 771º do CPC, nas situações previstas nas alíneas d) e e), é de conceder que haja uma atuação ilícita do juiz, pelo que, nestes casos, não é de excluir que o recurso de revisão constitua um meio de obtenção de revogação da decisão danosa, relevante para efeitos de responsabilidade civil por erro judiciário, para além de a alínea f) ter a aptidão, em princípio, de corrigir o erro jurisdicional apurado em decisão de instância internacional, maxime, o erro por violação do direito comunitário.
Não distinguindo o legislador do CPC a instância internacional, apenas exigindo a sua vinculatividade para o Estado português, deve entender-se que a alínea f) do artigo 771º está pensada, quer para as decisões emanadas do TEDH, quer para as decisões do TJUE, permitindo-se, por essa via, a correção do erro em que incorreu a decisão nacional.
Em suma, quando não exista a prévia revogação da decisão danosa, seja porque dela não cabe recurso, seja porque o lesado não proveu a interposição de recurso ou a sua reapreciação, não existe erro de julgamento que deva ser reparado no domínio da ação de responsabilidade civil por erro judiciário.
Também no acórdão do TRL de 09/07/2014[7] no qual se aborda a questão da constitucionalidade referente ao pressuposto imposto pelo n.º 2 do artº 13º da Lei 67/2007 para o ressarcimento indemnizatório dos danos causados por erro judiciário se reconhece a inexistência de inconformidade de tal preceito com as regras princípios constitucionais, nele se afirmando:
Não se acolhe e antes se repudia totalmente esse entendimento (da violação dos artigos 13º e 22º da CRP), uma vez que a norma em questão (“O pedido de indemnização deve ser fundado na prévia revogação da decisão danosa pela jurisdição competente.”) se aplica indistintamente a todos aqueles que interagem no comércio jurídico - o que salvaguarda inteiramente o cumprimento do princípio da proibição da desigualdade injustificada garantido pelo art.º 13º da Constituição da República - e também porque, não estando expressamente definidos no art.º 22º dessa Lei Fundamental, os termos concretos em que o Estado e as demais entidades públicas podem ser responsabilizados civilmente pelas ações ou omissões praticadas pelos titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes no exercício das suas respetivas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem, tal significa, para um qualquer declaratário normal colocado na posição do real declaratário (art.º 236º n.º 1 do Código Civil), que o Legislador Constitucional quis deixar totalmente ao critério do Legislador Ordinário a tarefa de clarificar em que específicas condições esse direito dos lesados resultante desses atos e omissões podia ser exercido - e qual exata medida do ressarcimento que poderia ser almejado e alcançado por esses titulares de tal direito.
E o estatuído no Regime Jurídico aprovado pela Lei n.º 67/2007, de 31 de Dezembro, mais não é do que o cumprimento dessa obrigação do Legislador Ordinário, a qual, para este Tribunal Superior, pode e deve ser entendida como equitativa e proporcionada, logo e consequentemente, como não violadora de qualquer preceito constitucional, nomeadamente os invocados pelo apelante ou até o consubstanciado no n.º 4 do art.º 20º da Constituição da República que, em conjugação com o estatuído nos artºs 10º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, adotada e proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas através da sua Resolução 217A (III), de 10 de Dezembro de 1948, 6º n.º 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, assinada em Roma a 4 de Novembro de 1950, e 47º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, Anexa ao Tratado de Lisboa, assegura e garante a todos, com força obrigatória direta e geral (art.º 18º n.º 1 da Constituição da República), o direito a um julgamento leal, não preconceituoso (fair and unbiased) e mediante processo equitativo.
O autor, ora recorrente, embora noutro processo, já colocou perante o Tribunal Constitucional a questão da norma em causa (n.º 2 do eraº 13º da Lei 67/20017 de 31/12) sustentando que é inconstitucional, “por violar os artºs 18º nºs 2 e 3 , 20º nºs 1, 4 e 5, e 22 da CRP e artº 6º nº 1 da CEDH (artº 16º da CRP), bem como os princípios da lealdade comunitária e do primado; artºs 4º nº 3 e 6º nº 2 do TUE – Lisboa; bem como o parágrafo 1º do nº 4 do artº 5º do TUE e 59º nº 1 al. a) da CRP por estarem em causa a violação dos artºs 15º, 20º e 31º da CDFUE; e o Protocolo nº 2 anexo ao TUE juntamente com os princípios da equivalência e da efetividade (cfr. artº 4º nº 3 e 19º nº 1 parágrafo 2º do TUE e artº 267º do TFUE); bem como a jurisprudência comunitária, como a constante do caso Brasserie du Pêcheurs v/s RFA, constante do Ac. do TJ de 05/03/1996 (proc. apenso C-46/93 e 48/93), e Ac. do TJCE de 15/05/1986 in proc. 222/84 e de 05/03/1980 in proc. 98/79; casos Simmenthal e Traghetti; e, sobretudo, caso Francovich e o.c. República Italiana (proc. apensos C-6/90 e C-9/90),” tendo aquele Tribunal, por acórdão de 09/07/2015[8], declinado a inconstitucionalidade da norma aí se afirmando no que respeita à solução prevista no artº 13º n.º 2 do Dec. Lei 67/2007:
… importa começar por recordar o amplo espaço de conformação legislativa quanto à definição do âmbito e dos pressupostos da responsabilidade do Estado reconhecido pelo artigo 22.º da Constituição (cfr. supra o n.º 8). Em especial, no que se refere à responsabilidade do Estado por erro judiciário, esta interfere, pelas razões já mencionadas, com a própria configuração e modo de funcionamento do sistema judiciário, tal como prefigurados na Constituição, ampliando desse modo ainda mais o campo de intervenção do legislador ordinário. Assim, para além da previsão genérica do direito à reparação pelos ilícitos cometidos pelos titulares dos órgãos do estado e demais entidades públicas, que, justamente por ser geral, também deve abranger os juízes e os ilícitos que estes eventualmente cometam no exercício das respetivas funções, não é possível a partir do citado preceito constitucional determinar com mais exatidão os contornos do direito à indemnização fundada em erro judiciário.
Certo é que a mencionada solução legal não exclui em absoluto tal direito, limitando-se a estabelecer que o erro judiciário relevante seja previamente reconhecido pela jurisdição competente, o mesmo é dizer, que o exercício da função jurisdicional coenvolvido na reapreciação da decisão judicial danosa se faça com respeito pelas competências e hierarquia próprias do sistema judiciário e de acordo com o seu específico modo de funcionamento: o reconhecimento do erro judiciário implica uma revogação da decisão danosa pelo órgão jurisdicional competente no quadro de um recurso ou de uma reclamação (ou, porventura, de uma revisão oficiosa). Ao fazê-lo, o artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP não está a interferir com qualquer âmbito de proteção constitucionalmente pré-definido (muito menos a invadi-lo). E, por isso mesmo, também não se pode dizer que essa norma revista a natureza de uma lei harmonizadora destinada a resolver um qualquer conflito de bens jurídicos fundamentais ou de uma lei restritiva de um direito fundamental (sobre estas categorias e as consequências jurídicas que a elas vão associadas na dogmática dos direitos fundamentais, v., por todos, Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, cit., pp. 216-217 e, quanto às leis restritivas, p. 277 e ss., e quanto às leis harmonizadoras, p. 298 e ss.).
Em rigor, a norma do artigo 13.º, n.º 2, RCEEP concorre, juntamente com a do n.º 1 do mesmo artigo, para a configuração do conteúdo do direito de indemnização emergente da responsabilidade do Estado por erro judiciário do Estado. É, nessa exata medida, uma lei conformadora ou constitutiva: “não restringe o conteúdo do direito ou da garantia, porque é a ela própria que cabe determiná-lo, para além do conteúdo mínimo do direito ou do núcleo essencial da garantia, que decorrem da Constituição” (cfr. Vieira de Andrade, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, cit., p. 213). Na verdade, o direito à indemnização por erro judiciário civil foi fixado, na parte respeitante à determinação de quem é o juiz competente para realizar a apreciação da decisão judicial danosa, legislativamente pelo artigo 13.º, n.º 2, em causa (cfr. Vieira de Andrade,ibidem, que, na nota 63, refere como exemplo de direitos e faculdades cujo conteúdo é juridicamente construído pelo legislador, entre outros, os direitos às indemnizações previstas nos artigos 27.º, n.º 5, e 29.º, n.º 6, da Constituição – isto é: as indemnizações por erro judiciário penal).
Como explica Vieira de Andrade, “apesar do poder legislativo de configuração, ao juiz cabe ainda verificar o respeito pelo conteúdo essencial do direito (que será em regra o seu conteúdo mínimo) […], avaliado segundo um critério de evidência” (v. o Autor cit., ob. cit., p. 214). Ora, como referido, a norma do artigo 13.º, n.º 2, do RCEEP não elimina o direito à indemnização por erro judiciário, limitando-se a acomodar no regime respetivo, as exigências correspondentes à estrutura e ao modo de funcionamento do sistema judiciário constitucionalmente consagrado. Inexiste, por conseguinte, qualquer evidência de desrespeito pelo conteúdo essencial do referido direito.
Se à partida, e de modo constitucionalmente legítimo, o direito à indemnização em causa é delimitado negativamente em função da possibilidade legal de reapreciação judicial pelo tribunal competente antes do trânsito em julgado da decisão tida como danosa, também não se coloca qualquer problema de acesso ao direito. Este último, enquanto direito-garantia, pressupões um direito material, que, no caso, inexiste. Finalmente, as referidas exigências orgânico-funcionais relacionadas com o sistema judiciário explicam satisfatoriamente a solução legal, afastando a ideia de que a mesma seja arbitrária.
Como decorre da jurisprudência aludida embora o sentido da norma constitucional contida nom arrº 22º da CRP seja a de consagrar “o princípio da responsabilidade dos poderes públicos (Estado e demais entidades públicas)”[9], tal não obsta a que o mesmo possa suprir a compressão decorrente do pressuposto exigido para ação de responsabilidade, referido no n.º 2 do artº 13º da Lei 67/2007, em virtude “da necessidade de harmonizar o regime de responsabilidade com outros preceitos constitucionais, como é o caso dos que respeitam à função jurisdicional, em especial no que toca à independência dos tribunais e à força do caso julgado”[10]
Não existe, assim, a nosso ver, qualquer violação das normas constitucionais aludidas pelo recorrente ao impor a lei a exigência de prévia revogação da decisão que alegadamente enferma de erro, para efeitos indemnizatórios.
Vejamos, agora no plano da violação do direito, bem como da jurisprudência, comunitários.
Como foi referido supra, a posição defendida por Ana Celeste Carvalho é a de que a solução acolhida pelo legislador, para além de não violar os princípios constitucionais, também é compatível com o direito europeu não violando o princípio da efetividade.
Entendimento diferente tem Heloísa Oliveira[11] ao concluir que “o artigo 13.º, n.º 2, do RJRCEE revela-se em oposição à jurisprudência do TJUE, porquanto exige que haja prévia revogação da decisão considerada violadora do direito comunitário, o que será manifestamente impossível no caso de a decisão ser proferida pelo último grau de jurisdição. Esta exigência carece de qualquer sentido nos casos de violação de direito comunitário, porquanto uma das situações mais frequentes, e admitidas pelo TJUE, de responsabilidade do Estado-Juiz será, porventura, a não colocação de uma questão prejudicial que se revela (normalmente) obrigatória quando se trata de um Tribunal no último grau de jurisdição.”
No mesmo sentido refere Sofia Oliveira Pais[12] “que a exigência prévia estabelecida na Lei nº 67/2007, contraria as soluções fixadas na jurisprudência do Tribunal de Justiça. De facto, o legislador nacional ao fixar mais este requisito para a responsabilidade do Estado, está ti agravar esse regime, contrariando claramente as orientações do Tribunal neste domínio” defendendo que apesentando o regime português de responsabilidade civil do Estado “certas discrepâncias em relação às soluções fixadas no contexto da União Europeia pela jurisprudência do Tribunal de Justiça,” será “necessário proceder à sua harmonização, ou fazendo intervir o princípio interpretação conforme (solução geralmente mais célere e menos onerosa], ou, no caso de tal não ser possível, apelando a outros princípios de direito da União, nomeadamente ao primado e à tutela jurisdicional efetiva”
Também Mariana Nogueira Sá,[13] em nota à condição, de natureza processual prevista no n.º 2 do artº 13º da Lei 67/2007, salienta que “neste campo, mal andou o legislador português, ao estabelecer este critério para a afirmação da responsabilidade do Estado mais exigentes do que os estabelecidos pela jurisprudência do TJUE ao arrepio dos princípios da efetividade e da equivalência.”
Em acórdão de 09/09/2015 no processo C-160/14 (Ferreira da Silva e Brito), o TJUE relativamente à questão de saber, em substância, se o direito da União e, em especial, os princípios formulados pelo Tribunal de Justiça sobre a responsabilidade do Estado por danos causados aos particulares em virtude de uma violação do direito da União, cometida por um órgão jurisdicional nacional que decide em última instância, devem ser interpretados no sentido de que obstam à aplicação de uma norma nacional que exige como fundamento do pedido de indemnização a prévia revogação da decisão danosa, quando essa revogação está, na prática, excluída, pronunciou-se nos seguintes termos:
Nestas circunstâncias, um obstáculo importante, como o que resulta da regra do direito nacional em causa no processo principal, à aplicação efetiva do direito da União e, designadamente, de um princípio tão fundamental como o da responsabilidade do Estado por violação do direito da União não pode ser justificado pelo princípio da autoridade do caso julgado nem pelo princípio da segurança jurídica.
Resulta das considerações precedentes … que o direito da União e, em especial, os princípios formulados pelo Tribunal de Justiça em matéria de responsabilidade do Estado por danos causados aos particulares em virtude de uma violação do direito da União cometida por um órgão jurisdicional que decide em última instância devem ser interpretados no sentido de que se opõem a uma legislação nacional que exige como condição prévia a revogação da decisão danosa proferida por esse órgão jurisdicional, quando essa revogação está, na prática, excluída.”
Em comunicado à imprensa[14] referente a este aludido processo o próprio TJUE fez saber que “O Tribunal de Justiça determina, … que o direito da União se opõe a uma legislação nacional que, como a legislação portuguesa, exige, como condição prévia à declaração da responsabilidade do Estado, a revogação da decisão danosa, quando essa revogação se encontra, na prática, excluída. O Tribunal de Justiça sublinha que uma regra de direito nacional desse tipo pode tornar excessivamente difícil a obtenção da reparação dos danos causados pela violação do direito da União, uma vez que as hipóteses de reapreciação das decisões do Supremo Tribunal de Justiça são extremamente limitadas.”
Perante esta doutrina, que vem na sequência do que já vinha sendo afirmado anteriormente por aquele tribunal, nos acórdãos de 06/10/1982 e de 30/09/2003, respetivamente nos processos 283/81 (Cilfit) e C-224/01 (Köbler), Alessandra Silveira e Sophie Perez Fernandes[15] sustentam que foi mais um contributo decisivo “para a conformação do regime jurídico português em sede de responsabilidade do Estado por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional à jurisprudência consolidada do TJUE sobre a responsabilidade do Estado juiz por violação do direito da União – confortando, aliás, a doutrina portuguesa que cedo alertou para o facto de a mesma operar independentemente da revogação ou revisão da decisão danosa” salientando que “o TJUE claramente concluiu que contraria o princípio da efetividade, “uma regra de direito nacional como a que figura no artigo 13.º, n.º 2, do RRCEE pode tornar excessivamente difícil a obtenção da reparação dos danos causados pela violação do direito da União em causa” – pois, como foi apurado nas fases escrita e oral do processo, “as hipóteses de reapreciação das decisões do Supremo Tribunal de Justiça são extremamente limitadas” sendo que “tal obstáculo não pode ser justificado por outros princípios gerais do direito da União como os da autoridade do caso julgado ou da segurança jurídica” donde fica esclarecido “o regime jurídico aplicável à responsabilidade do Estado por danos decorrentes do exercício da função jurisdicional, quando esteja em causa a violação do direito da União, afastando definitivamente a necessidade de revisão ou revogação da decisão danosa” não se devendo ignorar que “quando se aplica direito da União transposto para a ordem jurídica interna” se continua a “atuar no âmbito de aplicação do direito da União.”
Também, perante a doutrina deste acórdão de 09/09/2015, Miguel Teixeira De Sousa[16] reconhece que “que, sempre que numa ação de responsabilidade civil proposta contra o Estado, seja invocado um erro judiciário por violação do direito europeu, não pode ser exigida, ao contrário do que dispõe o art. 13.º, n.º 2, RRCEE, a prévia revogação da decisão que alegadamente contém aquele erro… Isto significa que, daqui em diante, bastará a qualquer interessado invocar que, segundo a jurisprudência do TJ, a ação de indemnização baseada em erro judiciário por violação do direito europeu não exige a prévia revogação da decisão pretensamente ilegal.”
De tal decorre que a doutrina está a formar-se no sentido de que para efeitos de exigência de indemnização decorrente de responsabilidade civil extracontratual do Estado, por erro judiciário se dever afastar definitivamente a necessidade de revisão ou revogação da decisão danosa.
Seja como for, mesmo seguindo tal doutrina, no caso em apreço, tal questão não se mostra, quanto a nós pertinente e essencial, para aquilatar da sorte que poderá merecer o presente recurso, no qual o recorrente pugna pela revogação da decisão recorrida. Pois, mesmo que se aceite, que não há necessidade de revogação ou de revisão da decisão danosa, no caso em apreço a apelação não poderá deixar de improceder, e daí a desnecessidade do cumprimento do artº 267º do TFUE (reenvio prejudicial).
No tribunal recorrido não se considerou necessário ao julgamento da causa, pedir que o TJUE a emissão de pronúncia sobre a questão, não sendo, também caso de submissão obrigatória a este tribunal.
Nesta instância de recurso, a questão só se apresentaria relevante, se em face do alegado erro judiciário, se mostrassem preenchidos designadamente os pressupostos exigidos pelo n.º 1 do artº 13 da Lei 67/2007 (que manifestamente não é o caso) estando a pretensão do autor apenas dependente da exigência ou não do requisito exigido pelo n.º 2 deste aludido artigo.
Os danos decorrentes de erro judiciário só são indemnizáveis se a responsabilidade emergir de situações que possam ser caraterizadas por erro grave ou muito grave, quer do ponto de vista da interpretação do direito, quer do ponto de vista de apreciação dos factos - já que o erro pode ser de direito ou de facto -, e que conduza a uma situação manifestamente violadora da lei ou da Constituição, conforme decorre do disposto no n.º 1 do artº 13º da aludida Lei.
Apenas se “sanciona o erro manifestamente inconstitucional, ilegal, ou injustificado,” pelo que “o erro de direito praticado pelo juiz só poderá constituir fundamento de responsabilidade civil do Estado quando seja grosseiro, evidente, crasso, palmar, indiscutível e de tal modo grave que torne a decisão judicial numa decisão claramente arbitrária, assente em conclusões absurdas, demonstrativas de uma atividade dolosa ou gravemente negligente. Terá de se traduzir num óbvio erro de julgamento, por divergência entre a verdade fáctica ou jurídica e a afirmada na decisão, a interferir no seu mérito, resultante de lapso grosseiro e patente, por desconhecimento ou flagrante má compreensão do regime legal”[17], vindo a jurisprudência a ser firmada nesse sentido.[18]
No caso em apreço, embora se possa admitir que estamos perante divergências na interpretação das regras quanto à legislação sobre custas, ou seja, como se salienta na decisão recorrida, em face de “uma mera discordância doutrinária relativamente à questão” que, por não cair na noção de erro grosseiro, é insuscetível de fundamentar um pedido de indemnização.
Aliás, como já se afirmou, o autor, não põe em causa o segmento da decisão recorrida que apreciou a questão da existência de erro suscetível de indemnização, conformando-se com o julgado que nessa matéria foi feito, o qual, quanto a nós, não pode deixar de ser corroborado.
Por outro lado, não tendo sido posto em causa o julgado de facto, também, dos factos assentes não resulta sustentáculo para caraterização e fixação dos alegados danos que o autor afirma ter tido e dos quais pretende ver-se ressarcido.
De modo que, independentemente de se poder excluir o pressuposto indemnizatório a que alude o n.º 2 do artº 13º da Lei 652007, sempre a pretensão indemnizatória do ora recorrente tinha que naufragar, pelo que não se pode censurar a decisão absolutória proferida na 1ª instância.
Nestes termos, impõe-se a improcedência da apelação e a confirmação da sentença recorrida.
*
DECISÂO
Pelo exposto, nos termos supra referidos, decide-se julgar improcedente a apelação e, consequentemente, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.

Évora, 17 de Março de 2016
Mata Ribeiro
Sílvio Teixeira de Sousa
Rui Machado e Moura
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[1] - v. Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª edição, 382.
[2] - No processo 2210/12.9TVLSB.L1.S1 disponível em www.dgsi.pt.
[3] - Excerto da conferência realizada no Centro de Estudos Judiciários no dia 10/05/2013 editada em Ebook em Julho de 2014, sob o tema Responsabilidade Civil por Erro Judiciário, CEJ, 58 a 61.
[4] - V. Acórdão Kapferer, de 16/01/2006, caso C-234/04.
[5] - Embora a ordem jurídica não legitime um regime de responsabilidade diferente entre direitos e interesses legalmente protegidos (artigos 18º, nº 2 in fine, 20º e 271º, nº 1), concede o artigo 22º da Constituição a distinção entre direitos, liberdades e garantias e outros direitos e interesses legalmente protegidos. Essa distinção é assumida nos meios processuais (v. artigo 109º do CPTA).
[6] - Embora a apreciação de erros de julgamento ou a errada apreciação da matéria de facto, não constituam questões de constitucionalidade.
[7] - No processo 2210/12.9TVLSB.L1 disponível em www.dgsi.pt.
[8] - No processo 185/15, publicado no DR, 2ª série, n.º 186 de 23/09/2015
[9] - v. Gomes Canotilho e Vital Moreira in Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. I, 4ª edição, 426.
[10] - Cfr. acórdão do STJ de 24/02/201, no processo 2210/12.9TVLSB.L1.S1 disponível em www.dgsi.pt.
[11] - In Jurisprudência Comunitária e Regime Jurídico da Responsabilidade Extracontratual do Estado e demais Entidades Públicas – Influência, omissão e desconformidade - Trabalho oferecido aos Estudos em Homenagem ao Senhor Professor Doutor Sérvulo Correia.
[12] - In Princípios Fundamentais de Direito da União Europeia, 2013, 3º edição.
[13] - In Tese de Mestrado, Universidade Católica, Dez. 2012, 49.
[14] - COMUNICADO DE IMPRENSA n.º 96/15 Luxemburgo, 9 de setembro de 2015
[15] - in Anotação aos acórdãos (TEDH) Ferreira Santos Pardal c. Portugal e (TJUE) Ferreira da Silva e Brito (ou do “grito do Ipiranga” dos lesados por violação do direito da União Europeia no exercício da função jurisdicional, disponível em https://www.oa.pt/upl/%7B0ee80dca-66b1-4784-b287-e5b44e536ebe%7D.pdf
[16] - in Blog do IPPC
[17] - Fátima Galante in O erro judiciário: A Responsabilidade Civil por Danos Decorrentes do Exercício da Função Jurisdicional, 41-42.
[18] - v. entre outros, Ac.s do STJ de 11/10/2011 no processo 1268/03.6TBPMS.L1.S1; Ac. do TRC de 20/11/2012 no processo 277/11.6BEAVR.C1; Ac. do STJ de 23/10/2014 no processo 1668/12.0TVLSB.L1.S1 e Ac. do TRP de 30/10/2014 no processo 1155/09.4TBVRL.P1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.