Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1537/16.5T8STR-B.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: RECONVENÇÃO
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Data do Acordão: 10/02/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: i) A reconvenção é admissível em qualquer uma destas situações: (i) quando o pedido do réu emerge apenas do facto jurídico (causa de pedir) que serve de fundamento à ação (e não no sentido amplo previsto no art.º 266.º do CPC); (ii) quando o pedido do réu está relacionado com a ação por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência; e (iii) quando o réu invoca a compensação de créditos.
ii) Quando o réu invoca a compensação de créditos, a reconvenção é admissível sem necessidade de se verificarem os demais requisitos, mas apenas até ao limite do valor do crédito do autor que for reconhecido pelo réu.
iii) Na parte em que excede o valor do crédito reconhecido pelo réu ao autor objeto de compensação, a reconvenção só é admissível se estiver presente algum dos outros requisitos mencionados no art.º 30.º do CPT.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1537/16.5T8STR-B.E1
Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO

Apelante: CC, SA (ré).
Apelado: BB (autor).

Tribunal do Trabalho de Santarém, Juízo do Trabalho de Santarém, J 2.

1. Na audiência de preliminar partes que que teve lugar nestes autos em 15 de março de 2017, foi proferido, além de outros que não estão aqui em causa, o seguinte despacho: “A ré veio deduzir reconvenção peticionando:
- A compensação do crédito no valor de € 6 041,42, acrescida de penalização de 50%, que detém sobre o autor, referente a valores devidos pela falta de emissão dos recibos respeitantes a honorários pagos pelos serviços prestados de 2012 a março de 2013;
- A compensação do valor das mensalidades vencidas e vincendas, seguros, impostos e outros encargos, com início em novembro de 2015, respeitante ao contrato de locação financeira da viatura a que o autor se refere na petição inicial e que este não cumpriu;
- A titulo subsidiário, a compensação da quantia de € 15.131,56 pela utilização da viatura durante a vigência do contrato de trabalho, porquanto aquela utilização não era componente da retribuição;
- A compensação da quantia de € 787,65 referente ao período de 45 dias da sanção disciplinar de suspensão com perda de retribuição e antiguidade aplicada ao autor, pelo que requer a compensação pelo referido valor.
O autor contestou o teor da mesma, peticionando pela sua improcedência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir sobre a admissibilidade do pedido reconvencional.
Dispõe o n.º 1 do artigo 30.º do Código de Processo de Trabalho que “ sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 98.º-L, a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação e nos casos referidos na alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, ou na alínea p) do artigo 118.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal.”
Deverá concluir-se que a admissibilidade da reconvenção em processo de trabalho está dependente da verificação de requisitos de natureza substantiva, os quais se traduzem na exigência de uma certa relação de conexão entre o pedido principal e o pedido reconvencional, a par de outros de carácter processual ou adjetivo, referentes à forma do processo e competência do tribunal.
Assim, nos termos conjugados dos artigos 30.º n.º 1 do Código de Processo de Trabalho e 126.º, al. o) da Lei n.º 62/2013, de 26/08, é admissível, em processo laboral, a dedução de pedido reconvencional, não apenas quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação, mas ainda quando o mesmo tenha com o facto jurídico que serve de fundamento à ação uma relação de conexão por acessoriedade, complementaridade ou dependência, salvo no caso de compensação, em que a conexão é dispensada.
O sentido da expressão ‘facto jurídico que serve de fundamento à ação’ deve ser entendido como referindo-se à causa de pedir, ao facto jurídico concreto e específico invocado pelo autor como fundamento da sua pretensão.
As relações de conexão, para que operem, devem estabelecer-se entre as questões reconvencionais e a ação, ou seja quando o pedido reconvencional está relacionado com o pedido do autor por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência.
Vejamos, então:
No que concerne aos pedidos de compensação do crédito no valor de € 6 041,42, acrescida de penalização de 50%, que detém sobre o autor, referente a valores devidos pela falta de emissão dos recibos respeitantes a honorários pagos pelos serviços prestados de 2012 a março de 2013 e de compensação do valor das mensalidades vencidas e vincendas, seguros, impostos e outros encargos, com início em novembro de 2015, respeitante ao contrato de locação financeira da viatura a que o autor se refere na petição inicial e que este não cumpriu e do pedido subsidiário de compensação da quantia de € 15.131,56 pela utilização da viatura durante a vigência do contrato de trabalho, constata-se que a respetiva causa de pedir assenta em factos consubstanciadores de relações contratuais que não constituem relações contratuais laborais.
A questão referida objeto do pedido reconvencional não se enquadra, assim, em nenhuma das situações previstas no citado artigo 30.º
Não opera, assim, a extensão da competência material do tribunal do trabalho que, por força dos pressupostos ali previstos, lhe atribui competência para o conhecimento de determinadas questões para as quais poderia ele carecer de tal competência. Necessário é, contudo, que se verifiquem os requisitos nela previstos, a saber: a) que entre a ação e a reconvenção exista uma relação de conexão, ou seja, quando o pedido reconvencional esteja relacionado com o pedido do autor por acessoriedade, complementaridade ou dependência; b) ou que o réu se proponha obter a compensação.
Como se refere no Acórdão do STJ de 22.11.06 (in www.dgsi.pt, Acórdãos do STJ, Proc. 06S1822), a relação de acessoriedade e a relação de dependência pressupõem que haja um pedido principal (uma relação principal). Tanto o pedido acessório, como o dependente estão objetivamente subordinados a esse pedido (principal). A diferença está na intensidade do nexo de subordinação. O pedido dependente não subsiste se desligado da relação principal.
A relação de complementaridade pressupõe que o pedido reconvencional seja um "complemento" do pedido formulado na ação. Não há subordinação, mas interligação. A discussão daquele pedido "completa" a relação jurídica (ou relações jurídicas) subjacente(s) à ação. Se estiverem em causa diferentes direitos de crédito - na ação e na reconvenção - é relativamente a tais relações de crédito, objetiva e subjetivamente consideradas, que se tem que aferir se existe a apontada complementaridade.
No caso, o autor pretende a condenação da ré a pagar-lhe créditos laborais em dívida.
Ora, não existe, entre os pedidos formulados na ação e na reconvenção, e respetivas causas de pedir, qualquer relação de conexão, não sendo o pedido reconvencional acessório, complementar ou dependente de qualquer um dos pedidos formulados pelo autor.
Relativamente ao pedido de compensação da quantia de € 787,65 dir-se-á que por a mesma resultar de sanção aplicada em processo disciplinar que culminou com o despedimento, também não se verificam os referidos elementos de conexão, em face do que a seguir se dirá acerca da admissibilidade do pedido relacionado com a apreciação da ilicitude do despedimento.
No que concerne à pretensa compensação:
A “compensação” é uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como subrogado dela, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, cobrando-se do seu crédito, o compensante realiza o seu crédito libertando-se do seu débito, por uma espécie de ação direta.
O Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão de 9/9/2010 (P. n.º 652/07.0TVPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt/jstj), já decidiu, em termos que acompanhamos, que “quem pretende liberar-se de uma obrigação com recurso à compensação tem necessariamente de admitir a preexistência de um crédito por parte daquele a quem se acha juridicamente vinculado e tornar essa compensação efetiva através de uma declaração deste último”.
Ora, o recurso à compensação, postula o reconhecimento de um crédito, a confrontar com um contra crédito, pelo que o reconvinte não pode alegar a compensação se nega a existência do crédito invocado pelo reconvindo.
No que concerne à compensação pedida a título subsidiário, para o caso de existir o crédito da outra parte, parece resultar claro que o legislador proibiu expressamente a declaração de compensação feita sob condição, cominando a declaração de compensação feita sob condição de ineficácia – cf. artigo 848.º n.º 2 do Código Civil.
Deste modo, a reconvenção para compensação eventual, relativa a um crédito eventual, apresentada pela empregadora não é admissível.
Deste modo, sendo esta compensação insuscetível de se poder fazer valer na ação, também a ré se não pode dela aproveitar.
Em face disto, não operando a extensão da competência deste Juízo, carece, o mesmo, de competência material para o conhecimento segmento do pedido reconvencional, pelo que a reconvenção deduzida pela ré é inadmissível.
A inadmissibilidade da reconvenção constitui uma exceção dilatória inominada (v. Lebre de Freitas, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. II, págs. 310 e 328; Ac. TRP de 19.10.2004, in www.dgsi.pt). A sua consequência é, como deriva do artigo 576.º n.º 2, do Código de Processo Civil, a absolvição do autor da instância reconvencional.
Considerando o exposto, deve a ré suportar as custas processuais relativas ao pedido reconvencional, nos termos do disposto no art.º 527.º n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil.
Pelo exposto, julgo a reconvenção inadmissível e, em consequência, absolvo o autor da instância reconvencional.
Custas do pedido reconvencional pela ré.
Notifique.

2. Inconformada, veio a ré interpor recurso de apelação, terminando as suas alegações e conclusões, nos seguintes termos:
a) - O douto despacho recorrido pelo Tribunal a quo julgou inadmissível o pedido reconvencional deduzido em sede de contestação pela R., por um lado, por se considerar materialmente incompetente o Tribunal recorrido e, por outro, por entender tratar-se o pedido de compensação deduzido com caráter condicional e, por isso, inadmissível, absolvendo, em consequência, o A. da referida instância.
b) - Foi peticionado em sede de pedido reconvencional com compensação de créditos nos termos legais "- a compensação do crédito no valor de € 6 041,42, acrescida de penalização de 50%, que detém sobre o autor, referente a valores devidos pela falta de emissão dos recibos respeitantes a honorários pagos pelos serviços prestados de 2012 a março de 2013.
- A compensação do valor das mensalidades vencidas e vincendas, seguros, impostos e outros encargos, com início em novembro de 2015, respeitante ao contrato de locação financeira da viatura a que o autor se refere na petição inicial e que este não cumpriu;
- A título subsidiário, a compensação da quantia de € 15 131,56 pela utilização da viatura durante a vigência do contrato de trabalho, porquanto aquela utilização não era componente da retribuição;
- A compensação da quantia de € 787,65 referente ao período de 45 dias da sanção disciplinar de suspensão com perda de retribuição e antiguidade aplicada ao autor, pelo que requer a compensação pelo referido valor.".
c) No tocante à impugnação da matéria de facto, é entendimento do Tribunal a quo que o pedido de compensação, a ser admissível o pedido reconvencional se e quando o Tribunal recorrido tenha competência material para dele conhecer, é inadmissível por ser efetuado sob condição.
d) O Tribunal a quo julgou incorretamente esta apreciação de "pedido de compensação sob condição".
e) Se bem sustenta a qualificação da natureza da figura da "compensação", dizendo claramente " a compensação” é uma forma de extinção das obrigações em que, no lugar do cumprimento, como subrogado dela, o devedor opõe o crédito que tem sobre o credor. Ao mesmo tempo que se exonera da sua dívida, cobrando-se do seu crédito, o compensante realiza o seu crédito libertando-se do seu débito, por uma espécie de ação direta.
f) Ora, o recurso à compensação, postula o reconhecimento de um crédito, a confrontar com um contra crédito, pelo que o reconvinte não pode alegar a compensação se nega a existência do crédito invocado pelo reconvindo.
g) No que concerne à compensação pedida a título subsidiário, para o caso de existir o crédito da outra parte, parece resultar claro que o legislador proibiu expressamente a declaração de compensação feita sob condição, cominando a declaração de compensação feita sob condição de ineficácia – cf. artigo 848.º n.º 2 do Código Civil.
h) É nesta específica parte que entendemos errado o julgamento do Tribunal a quo quanto à apreciação da matéria de facto, ou seja, quando alega para julgar inadmissível o pedido reconvencional para compensação a negação de existência de um crédito invocado pela R., então reconvinte e ora recorrente.
i) Conforme resulta do alegado em sede de contestação oportunamente deduzida, a R., admite expressamente a existência de um crédito do A. no seu art.º 116.º, nomeadamente quanto diz: "Admite desde já a R. ser devedora ao A., à data da cessação do contrato de trabalho - 9 de Novembro de 2015 - da quantia global a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal no ano de cessação, indemnização por cessação e demais créditos emergentes desta, da quantia de € 3 106,14 (três mil cento e seis euros e catorze cêntimos), os quais, desde já se declara pretender compensar com os contracréditos resultantes do pedido reconvencional deduzido ao abrigo do disposto no art.º 847.º e n.º 1 do art.º 848.º do CC.".
j) A R., pelo exposto e admitido expressamente, aceita desde logo a existência de um crédito do A. que, em sede de pedido reconvencional a ser apreciado em sede própria, deve ser objeto de compensação.
k) Naturalmente que o crédito do A. sobre a R. a compensar será o desde logo assumido por esta no art.º 116.º da contestação deduzida, expressamente, bem como qualquer outro que tenha ou venha a ter direito por força da Douta decisão que ao caso caiba em sede de sentença proferida após audiência de discussão e julgamento.
l) E tal, s.m.o., não se traduz, de forma alguma, em compensação sobre créditos sujeitos a condição ou negados pela R.
m) Em face ao alegado, tendo em consideração a confissão e aceitação expressa da R. quanto ao crédito suprarreferido no art.º 116.º da contestação, a decisão do Tribunal a quo deveria ser a de admissibilidade da compensação alegada quanto, no que ora importa, à matéria de facto.
n) Também em sede de matéria de Direito, s.m.o., não andou bem o Tribunal a quo porquanto, quer em sede de incorreta apreciação da admissibilidade do pedido reconvencional por incompetência material para conhecimento deste pedido, quer em sede de julgamento quanto à inadmissibilidade do pedido de compensação formulado pela R., interpretou e aplicou incorretamente as normas jurídicas visadas e, assim, violou o preceituado no n.º 1 do art.º 30.º do CPT, o n.º 2 do art.º 848.º do CPC e o n.º 2 do art.º 576.º do CPC.
o) Quanto à incompetência material do Tribunal a quo para apreciação do pedido reconvencional julgou-se este Tribunal incompetente.
p) Não obstante parecer, não é assim, s.m.o., porquanto, de facto e de Direito, o Tribunal a quo é materialmente competente para decidir no caso sub judice.
q) Nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 30.º do CPT, "1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 98.º-L, a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação e nos casos referidos na alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, ou na alínea p) do artigo 118.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal.".
r) Sendo certo que o valor da causa excede a alçada do Tribunal, prescrevem estas disposições, de igual forma, p) "Das questões reconvencionais que com a ação tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão;".
s) Tendo sido revogadas as disposições acima referidas pela Lei 62/2013, de 26/8, é igualmente certo que a disposição a que deram lugar em nada alterou o fundamento previamente verificado nas mesmas.
t) Assim, prescreve agora a al. o) do n.º 1 do art.º 126.º da Lei 62/2013, de 26/8, o seguinte e de forma igual: o) "Das questões reconvencionais que com a ação tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão;".
u) A Lei 62/2013, de 26/8, entrou em vigor a 1/09/2014 nos termos conjugados do disposto no seu n.º 1 do art.º 188.º e art.º 118.º do Decreto-Lei 49/2014, de 27/03.
v) A R., requereu compensação de créditos em sede de pedido reconvencional pelo que, em face do exposto, dúvidas não parecem restar que a reconvenção nos termos em que é peticionada pela R. será competência material do Tribunal a quo e de nada interfere na análise desta competência qualquer relação de conexão que é dispensada.
x) A norma em causa deveria ter sido interpretada e aplicada pelo Tribunal a quo no sentido de se julgar materialmente competente para julgar, verificados os demais requisitos em sede de compensação, as matérias objeto do pedido reconvencional, admitindo-a liminarmente.
y) Acresce que os sobreditos requisitos são, de acordo com o preceituado nas als. a) e b) do n.º 1 e n.º 2 do art.º 847.º do Código Civil, "1 - Quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:
a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material;
b) Terem as duas obrigações por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade.
2. Se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente.".
A compensação torna-se efetiva mediante declaração de uma das partes à outra.", de acordo com o preceituado no n.º 1 do art.º 848.º do Código Civil.
z)) Nos termos do Código Civil acima identificado, os requisitos para efeitos de compensação encontram-se plenamente verificados, s.m.o..
aa) A declaração a que obriga o n.º 1 do art.º 848.º do CC encontra-se expressamente vertida no art.º 116.º da contestação oportunamente deduzida e, bem assim, no pedido.
bb) A admissão/confissão de um facto não impugnado e expressamente aceite e confessada no sobredito artigo 116.º da contestação pela R., tem caráter vinculativo para esta última e não foi efetuada, por qualquer forma, a título condicional.
cc) A compensação requerida é efetuada com base no crédito confessado na peça processual própria, assumido perante o A., bem como qualquer outro a que tenha ou venha a ter direito por força da Douta decisão que ao caso caiba em sede de audiência de discussão e julgamento.
dd) Os pedidos subsidiários formulados têm a ver com matéria específica a ser apurada em sede de audiência de discussão e julgamento, sendo aplicável, subsidiariamente, um ou outro, consoante o Tribunal a quo entendesse ser devido ao A. o montante então por este alegado de prestações pagas sobre a viatura [altura em que deveria pagar pela utilização da mesma em proveito próprio e esta ficaria propriedade da R., ou o montante devido a título de pagamento do preço da sobredita viatura e não pago [altura em que esta viatura passaria para a legítima propriedade do A.].
ee) Neste segmento do pedido reconvencional o contracrédito da R., é muito forte mas não se encontra definido o seu quantum, facto que, entendemos s.m.o., para o caso concreto não releva porquanto a compensação é efetuada por todos os créditos existentes [seja o do artº 116º da contestação já confessado, seja qualquer outro a apurar em sede de sentença a proferir], entendendo-se que, de facto, um e outro não são, para os efeitos de compensação, efetuados sob condição.
ff) E tal, s.m.o., não se traduz, de forma alguma, em compensação sobre créditos sujeitos a condição ou negados pela R.
gg) Em face do alegado, a interpretação e aplicação do disposto no n.º 2 do art.º 848.º do CC é errada porquanto parte de um pressuposto inexistente e não verificado de facto que é o de ser a declaração de compensação feita pela R., a título condicional.
hh) E não inexistindo, a aplicação do n.º 2 do art.º 848.º do CC não deveria ter-se verificado, aplicando-se mal o Direito ao caso concreto.
ii) Assim, o Tribunal a quo deveria ter interpretado e aplicado o disposto no n.º 1 do art.º 848.º do CC em face da declaração efetuada pela R., para efeitos de compensação dos seus créditos com o contracrédito do A., seja o assumido expressamente e não negado, seja qualquer outro montante a que, a final, tenha direito.
Termos em que, nos mais de Direito – do Douto suprimento de V. Exas. – deverá ser dado integral provimento ao presente recurso e, em consequência ser revogado o Douto despacho recorrido, na parte circunscrita a apreciação de V. Exas., sendo substituído por outro que julgue admissível o pedido reconvencional como peticionado, o Tribunal a quo materialmente competente para conhecer das matérias constantes deste pedido reconvencional e, a final, operar a compensação de créditos peticionada, seja sobre o valor assumido e não negado no art.º 116.º da contestação seja sobre qualquer outro montante que seja ou venha a ser devido ao A. em sede de sentença proferida após audiência de discussão e julgamento.

3. O A. respondeu e concluiu que:
1.ª – A ré, reconvinte, veio deduzir reconvenção mediante diversas modalidades de compensação;
2.ª – O art.º 30.º do CPTrabalho admite o pedido reconvencional, mas exigindo uma certa relação de conexão entre o pedido principal e o pedido reconvencional a par de outros requisitos de caráter processual ou adjetivo, referentes à forma de processo e competência do Tribunal;
3.ª – Os pedidos reconvencionais da ré, ora recorrente, mediante compensação têm como causa de pedir factos consubstanciadores de uma relação contratual que não constituem relações contratuais laborais;
4.ª – Assim, a situação jurídica referida no objeto da reconvenção não se enquadra em nenhuma das situações previstas no art.º 30.º do C. Proc. Trabalho;
5.ª – Deste modo, a reconvenção para compensação eventual relativa a um crédito eventual, apresentada pela empregadora não é admissível;
6.ª – A inadmissibilidade da reconvenção constitui exceção dilatória inominada que conduz à absolvição do A., ora recorrido, nos termos do art.º 576.º n.º 2, C. P. Civil.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, que Vossas Excelências, Meritíssimos Juízes Desembargadores, não deixarão, bem mais doutamente, de suprir e/ou mandar suprir, requer-se se dignem decretar improcedente, por não provado, o presente recurso de apelação e, em consequência, absolver o A..

4. O Ministério Público, neste tribunal da Relação, apresentou parecer no sentido de que a apelação não merece provimento.
As partes foram notificadas e não responderam.

5. Colhidos os vistos, em conferência, cumpre decidir.

6. Objeto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões das alegações formuladas, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
A questão a decidir consiste em apurar se é legalmente admissível a reconvenção apresentada pela ré.

A) FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Os factos a ter em conta são os que constam do despacho recorrido e das alegações e conclusões apresentadas pelas partes, bem como o que resultar dos autos, nomeadamente o seguinte:
1. No art.º 116º da contestação/reconvenção, a ré alega que:
“Admite desde já a R. ser devedora ao A., à data da cessação do contrato de trabalho - 9 de novembro de 2015 - da quantia global a título de férias, subsídio de férias e subsídio de Natal no ano de cessação, indemnização por cessação e demais créditos emergentes desta, da quantia de € 3 106,14 (três mil cento e seis euros e catorze cêntimos), os quais, desde já se declara pretender compensar com os contracréditos resultantes do pedido reconvencional deduzido ao abrigo do disposto no art.º 847.º e n.º 1 do art.º 848.º do CC”.
2. A ré formula o pedido seguinte:
“Termos em que - e nos mais de Direito – do douto Suprimento de V. Exa., deve:
a) Ser julgada inteiramente procedente a exceção perentória de caducidade arguida com todas as legais consequências;
b) Ser julgada inteiramente improcedente, por não provada, a ação proposta pelo A. e, em consequência, ser a R. absolvida do pedido;
c) Ser julgado inteiramente procedente, por provado, o pedido reconvencional deduzido e, por via deste, ser, em alternativa:
c1) O A. reconvindo condenado a pagar à R. reconvinte a quantia global de € 26 369,19 (vinte e seis mil trezentos e sessenta e nove euros e dezanove cêntimos), operando-se a compensação com todo e qualquer crédito a que, nos termos da douta Sentença que venha a ser proferida a final, tenha ou venha a ter direito em face da cessação do contrato de trabalho celebrado com a R., o que se requer nos termos do disposto no art.º 847.º e ss do CC, acrescido de juros moratórios vincendos até integral e efetivo cumprimento, altura em que a viatura indicada nos autos será legalmente titulada a favor do A. reconvindo;
c2) Em alternativa ao pedido formulado em c1), ser o A. reconvindo condenado a pagar à R. reconvinte a quantia global de € 20 671,36 € (vinte mil seiscentos e setenta e um euros e trinta e seis cêntimos), operando-se a compensação com todo e qualquer crédito a que, nos termos da douta Sentença que venha a ser proferida a final, tenha ou venha a ter direito em face da cessação do contrato de trabalho celebrado com a R., o que se requer nos termos do disposto no art.º 847.º e ss do CC, acrescido de juros moratórios vincendos até integral e efetivo cumprimento, altura em que a viatura indicada nos autos permanecerá propriedade da locatária R. reconvinte;
d) Ser julgado inteiramente procedente, por provado, o pedido de condenação do A. como litigante de má-fé e, em consequência, ser o mesmo condenado a final a pagar indemnização à R., como prevista na al. b) do n.º 1 do art.º 457.º do CPC, num montante a fixar pelo justo critério do Tribunal”.
3. O pedido formulado pelo autor é o seguinte:
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, que Vossa Ex.ª não deixará, bem mais doutamente, de suprir e/ou mandar suprir, requer-se se digne:
a) Decretar procedente, por provada, a presente acão, em consequência,
b) Condenar a R. no pagamento ao A. de € 4 309,98 (quatro mil trezentos e nove euros e noventa e oito cêntimos), de prestações deduzidas na remuneração do ora A., referente à viatura, suprarreferida no art.º 27.º desta petição;
c) Condenar a R. no pagamento ao A. da indemnização de antiguidade correspondente a 1 (um) mês por cada ano completo, a que corresponde o valor global de € 6 000,00 (seis mil euros);
d) Condenar a R. no pagamento ao A. de € 2 000,00 (dois mil euros), referente ao pré- aviso em falta;
e) Condenar a R. no pagamento ao A. do valor de € 974,00, referente subsídio de férias do ano de 2013, vencidas em 2014.01.01;
f) Condenar a R. no pagamento ao A. do valor de € 1 233,33, referente a férias, subsídio de férias, férias não gozadas e vencidas, em 2015.01.01;
g) Condenar a R., no pagamento ao A. do valor de € 500,00 em falta do subsídio de Natal de 2014.
h) Condenar a R. no pagamento ao A. do valor de € 3 666,66, referente aos proporcionais de subsídio de férias e férias não gozadas, do ano de 2015 e vencidas em 2016.01.01;
i) Condenar a R. no pagamento ao ora A. do valor de € 2 000,00, referente ao subsídio de Natal de 2015;
j) Condenar a R. no pagamento ao ora A. do valor de € 145,04, referente à retribuição base, 17 dias do mês de setembro de 2015;
k) Condenar a R. no pagamento ao ora A. do valor de € 48,47, referente a 2 (dois) dias de retribuição base, que lhe foram indevidamente descontados;
l) Condenar a R. no pagamento ao ora A. do valor de € 1 223,79, referente ao pagamento habitualmente efectuado em Kms e em despesas, respeitante ao período de 14 a 30 de setembro de 2015;
m) Condenar a R. no pagamento ao ora A. do valor de € 1 500,00, referente ao mês de outubro de 2015;
n) Condenar a R. no pagamento ao ora A. do valor de € 599,94, referente aos dias entre 1 a 9 de novembro de 2014;
o) Condenar a R. no pagamento ao A. no montante de € 5.000,00, a título de danos morais; e
p) Condenar a R. em custas e procuradoria condignas, inclusive no pagamento dos honorários da ilustre mandatária do A., designando-se data para realização da audiência das partes, após citação da ré.

B) APRECIAÇÃO
A questão a decidir, como já referimos, consiste em apurar se é legalmente admissível a reconvenção apresentada pela ré.
Sobre esta matéria, prescreve o art.º 30.º do CPT que, sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 98.º-L, a reconvenção é admissível quando o pedido do réu emerge do facto jurídico que serve de fundamento à ação e nos casos referidos na alínea p) do artigo 85.º da Lei n.º 3/99, de 13 de janeiro, ou na alínea p) do artigo 118.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de agosto, desde que, em qualquer dos casos, o valor da causa exceda a alçada do tribunal (n.º 1).
Não é admissível a reconvenção quando ao pedido do réu corresponda espécie de processo diferente da que corresponde ao pedido do autor (n.º 2).
Em conjugação com as normas jurídicas acabadas de citar, aplicam-se também ao caso os art.ºs 847.º e 848.º do Código Civil. É na interpretação conjugada de todos estas disposições legais que devemos analisar, interpretar e decidir a questão que nos ocupa.
A legislação referida no art.º 30.º n.º 1 do PT foi substituída pela Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto de 2013, em tudo semelhante, a qual no seu art.º 126.º n.º 1, prescreve que compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível: das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja diretamente competente (alínea n); e das questões reconvencionais que com a ação tenham as relações de conexão referidas na alínea anterior, salvo no caso de compensação, em que é dispensada a conexão (alínea o).
A reconvenção é substancialmente admissível em qualquer uma destas situações: (i) quando o pedido do réu emerge apenas do facto jurídico (causa de pedir) que serve de fundamento à ação (e não no sentido amplo previsto no art.º 266.º do CPC); (ii) quando o pedido do réu está relacionado com a ação por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência; e (iii) quando o réu invoca a compensação de créditos.
As formas processuais previstas no código do processo de trabalho dizem respeito à matéria específica do mundo laboral e têm como regra, bem firme, dirimir apenas matérias desta área do Direito. As exceções à regra estão bem delimitadas pelas normas jurídicas que já citámos.
Neste contexto, a reconvenção, como decorre do que referimos, pode somente ser deduzida nas situações que elencamos.
O pedido reconvencional formulado pela ré não se funda em qualquer facto que serve de fundamento à ação. Baseia-se em factos diferentes, que constituem em si novas causas de pedir que, no entender da empregadora e em face do alegado, justificam uma ação, aqui pela via da reconvenção, contra o trabalhador.
Estas questões não são também conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência. Elas, só por si, são suscetíveis de fundar os pedidos reconvencionais formulados, sem dependência do pedido do autor, o que lhes retira necessariamente estas caraterísticas indispensáveis para a admissibilidade da reconvenção.
Face ao referido, a reconvenção só seria admissível, independentemente dos pressupostos anteriormente referidos, se a ré invocasse a compensação de créditos e até ao limite destes.
Nesta parte, a apelante tem razão quando conclui que aceitou o crédito do autor no montante de € 3 106,14.
Todavia, a sua razão fica-se por aqui. A apelante vai mais além e pretende a condenação do autor a pagar-lhe créditos que vão além do montante a compensar, ou seja, superiores a € 3 106,14 que reconhece dever ao demandante.
Em relação à parte do pedido reconvencional que excede o valor do crédito que o autor tem sobre si, e que a ré reconhece no art.º 116.º da contestação/reconvenção, a reconvenção seria apenas admissível se ocorresse algum dos outros fundamentos legais: o pedido da ré emergisse do facto jurídico (causa de pedir) que serve de fundamento à ação ou se o pedido da ré estivesse relacionado com a ação por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência[1].
Como já referimos, estes pressupostos não se verificam, pelo que a reconvenção da ré só é admissível até ao limite da compensação, ou seja, até ao valor de € 3 106,14.
Nesta conformidade, decidimos julgar a apelação procedente parcialmente, revogar o despacho recorrido na parte em que não admitiu a reconvenção na sua totalidade e admitir a reconvenção da ré até perfazer o montante de € 3 106,14.
Sumário: i) a reconvenção é admissível em qualquer uma destas situações: (i) quando o pedido do réu emerge apenas do facto jurídico (causa de pedir) que serve de fundamento à ação (e não no sentido amplo previsto no art.º 266.º do CPC); (ii) quando o pedido do réu está relacionado com a ação por acessoriedade, por complementaridade ou por dependência; e (iii) quando o réu invoca a compensação de créditos.
ii) quando o réu invoca a compensação de créditos, a reconvenção é admissível sem necessidade de se verificarem os demais requisitos, mas apenas até ao limite do valor do crédito do autor que for reconhecido pelo réu.
iii) na parte em que excede o valor do crédito reconhecido pelo réu ao autor objeto de compensação, a reconvenção só é admissível se estiver presente algum dos outros requisitos mencionados no art.º 30.º do CPT.

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar a apelação procedente parcialmente, revogar o despacho recorrido na parte em que não admitiu a reconvenção na sua totalidade e admitir a reconvenção da ré até perfazer o montante de € 3 106,14.
Custas pela apelante e apelado na proporção do decaimento, sem prejuízo da isenção deste último.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).

Évora, 02 de outubro de 2018.
Moisés Silva (relator)
João Luís Nunes
Paula do Paço
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[1] Neste sentido, Ac. STJ, de 22.11.2006, processo n.º 06S1822; Ac. STJ, de 03.05.2006, processo n.º 06S251; Ac. STJ, de 19.02.1982, processo n.º 000286; Ac. RP, 18.03.1997, processo n.º JSTJ00031778; Ac. RL, de 25.01.2017, processo n.º 4420/15.8T8LSB-A.L1-4, www,dgsi.pt.