Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2077/20.3T8SLV-A.E1
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: MÚTUO BANCÁRIO LIQUIDÁVEL EM PRESTAÇÕES
PRESCRIÇÃO
VENCIMENTO
Data do Acordão: 12/16/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
I. Os créditos emergentes de contratos de mútuo bancário em que é convencionada a amortização da dívida em prestações periódicas de capital com os respetivos juros estão sujeitos ao prazo de prescrição de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil.
II. O vencimento antecipado da totalidade das prestações não altera a natureza da dívida, não interferindo com o referido prazo prescricional. (sumário da relatora)
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
L… e J… deduziram, separadamente, embargos de executado à execução para pagamento de quantia certa contra si movida por LX INVESTMENT PARTNERS, SARL, para cobrança coerciva do valor global de €12.925,43, apresentando como título executivo uma escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, encontrando-se os mutuários em incumprimento desde 23 de janeiro de 2008.

A embargante peticionou a procedência dos embargos, alegando, além do mais, a exceção de prescrição por se aplicar ao caso o prazo de cinco anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, atendendo a que a data do incumprimento do contrato alegada é de 23-01-2008 e a execução foi instaurada em 2020.

O embargante, por sua vez, e para além do mais, alegou a exceção de prescrição com os mesmos fundamentos, enquadrando a situação no artigo 310.º, alíneas e) e d), do Código Civil, concluindo, de igual modo, pela procedência dos embargos por prescrição total do capital e juros peticionados, bem como dos juros vincendos, ou, pelo menos, pela prescrição dos juros peticionados no valor de €7.071,45.

Nas duas contestações apresentadas, em relação à prescrição, a embargada veio defender que ao caso se aplica o prazo prescricional de 20 anos previsto no artigo 309.º do Código Civil, não se encontrando a dívida prescrita.

Foi dispensada a audiência prévia e em sede de saneador-sentença foi conhecida a exceção de prescrição, constando da parte dispositiva da decisão, o seguinte:
«Pelos fundamentos acima aduzidos, o Tribunal julga as presentes oposições à execução procedentes e, em consequência, declara prescrito o crédito de que a Exequente invocou na execução, com a legal consequência de extinção da ação executiva.»

Inconformada, apelou a embargada, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«1.ª No dia 23-07-1997, foi celebrado o contrato de mútuo, em que foi concedido aos Executados a título de empréstimo, a quantia de nove milhões de contos (atualmente, 44.892,00€) da qual estes se confessaram devedores.
2.ª Porém, apenas foram pagas pelos Executados as prestações que se venceram até 23-01-2008, deixando de ser pagas as prestações vencidas, posteriormente, o que resultou no vencimento imediato da dívida, nos termos do artigo 781.º do Código Civil.
3.ª Foi o contrato de mútuo resolvido e o bem imóvel hipotecado para garantia do pagamento da dívida vendido a terceiro, no âmbito do processo de execução fiscal nº1112200701006754, tendo sido recebida a quantia de €39.792,71, em Janeiro de 2010.
4.ª Permanece assim em dívida o valor de €5.853,98, a título de capital, acrescida de juros, perfazendo o valor total de €12.925,43, conforme peticionado na ação executiva em apreço, proposta a 15 de Dezembro de 2020.
5.ª Ora, o caso dos autos é um contrato de mútuo (em que o dinheiro foi logo recebido pelos Executados) e não um contrato que obrigue a uma prestação que regularmente se renova, como é o caso, por exemplo, dos pagamentos de rendas locatárias.
6.ª Com efeito, ao contrário do exposto na douta sentença, não estamos aqui perante quotas e amortização do capital pagável com juros, na medida em que o contrato já não se encontra em mora, mas sim incumprido definitivamente.
7.ª E nestes casos, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Proc. 17012/17.8YIPRT.C1 de 12/06/2018, disponível em www.dgsi.pt: “o crédito reclamado já não se configura como “quotas de amortização”, mas antes como a dívida (global) proveniente da “relação de liquidação”, correspondente ao valor do capital em dívida, à data do incumprimento.”
8.ª Veja-se também neste sentido o Acórdão da Relação de Coimbra, Processo nº 525/14.0TBMGR-A.C1, de 26/4/2016: “No mútuo bancário, em que o reembolso da dívida foi objeto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios, que se traduzem na existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos, cada uma destas prestações mensais encontrar-se-á sujeita ao prazo prescricional privativo de cinco anos, previsto na al. g), do artigo 310º, do CC. Se, em caso de incumprimento, o mutuante considerar vencidas todas as prestações, ficando sem efeito o plano de pagamento acordado, os valores em dívida voltam a assumir em pleno a sua natureza original de capital e de juros, ficando o capital sujeito ao prazo ordinário de 20 anos.”
9.ª E continua, transcrevendo Menezes Cordeiro: “a prescrição quinquenal apenas se irá aplicando escalonadamente, na medida do plano de pagamento inicial, pois é este o combinado e que as partes têm como referência; podemos acrescentar que na eventualidade do vencimento antecipado, já não se trata de quotas de amortização.” (Tratado de Direito Civil, V, pág.175, 176).
10.ª Citando ainda Ana Filipa Antunes: “anotando o art. 310º, refere que o prazo curto de prescrição se justifica por estarem em causa prestações periódicas, mas “este prazo vale para cada uma das prestações que se vai vencendo e não para a obrigação no seu todo” (Prescrição e Caducidade, pág.79).
11.ª Assim, “o vencimento imediato das prestações restantes, significa que o plano de pagamento escalonado anteriormente acordado deixa de estar em vigor, ocorrendo uma perda do benefício do prazo de pagamento contido em cada uma das prestações: desfeito o plano de amortização da dívida inicialmente acordado, os valores em dívida voltam a assumir a sua natureza original de capital e de juros. Desfeita a ligação anteriormente contida em cada uma das prestações entre uma parcela de capital e outra a título de juros, nenhuma razão subsiste para sujeitar a dívida de capital e a dívida de juros ao mesmo prazo prescricional: os juros que se forem
vencendo prescreverão no prazo de cinco anos, e o capital, (…) encontrar-se-á sujeito ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos.” – vide Acórdão da Relação de Guimarães, Processo nº 589/15.0T8VNF-A.G1, de 16/3/2017.
12.ª Escreve ainda I. Galvão Telles que as «prestações periódicas resolvem-se em actos sucessivos (…) como a obrigação do inquilino de pagar as rendas ou a do fornecedor de fazer entregas à medida que forem solicitadas. Não se confunde com esta última categoria o caso de uma obrigação única dividida ou fraccionada em parcelas. Existe então uma prestação global que é efectuada por partes, escalonadas no tempo, as quais se dizem “prestações” num sentido especial da palavra. Pode apontar-se como exemplo uma venda a prestações ou um empréstimo de dinheiro em que se convencione o pagamento parcelado» (Direito das Obrigações, 7.ª ed., Coimbra Editora, Coimbra, 1997, pp. 39-40).”
13.ª Escreve ainda Antunes Varela, as prestações podem ser “instantâneas, fracionadas ou repartidas, e duradouras, cabendo dentro destas as prestações de execução continuada e as prestações reiteradas, periódicas ou com trato sucessivo”.
E acrescenta: a «distinção entre umas e outras [obrigações de prestação instantânea e obrigações de prestação continuada ou periódica] é essencial para a compreensão do disposto, entre outros lugares, nos artigos 307.º e 310.º» (Das Obrigações em Geral, vol. I., 9.ª ed., Almedina, Coimbra, 1998, p. 96).
14.ª Veja-se neste sentido o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10-05-2018, Processo 627/16.9T8ABT-A.E1 (disponível em http://www.dgsi.pt): “A circunstância do não pagamento de uma prestação origina o imediato vencimento das demais, nos termos do art.º 781.º. A partir do momento em que uma prestação não é paga, não podemos mais falar em prestações; apenas podemos falar em dívida. É que já não há prestações a pagar.
O citado preceito legal é fundamental para permitir distinguir as (1.º) prestações (2.º) da dívida resultante do incumprimento de uma delas. A falta de pagamento de uma implica o vencimento imediato de todas. A partir do momento em que o devedor falha o pagamento de uma, ele não deve mais prestações — seja com juros ou sem juros. A partir do dito momento, o devedor só deve o capital, acrescido dos respectivos juros moratórios. O caso não é, pois, de prestações em dívida.”
15.ª Assim sendo, entende-se que à dívida dos autos se aplica o art.º 309.º - prazo ordinário de 20 anos - e não o art.º 310.º do CC, uma vez que o que está aqui em causa é apenas uma dívida e capital (assim convertida pela perda do benefício do prazo).
16.ª Ainda neste sentido, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 12-04-2018, Processo 2483/15.5T8ENT-A.E1, (disponível em http://www.dgsi.pt): “No entanto, constituindo cada uma dessas prestações uma obrigação autónoma, que se vence num determinado termo, tal implica, tão só, que o prazo curto de prescrição é aplicável a cada uma delas, e não à dívida global – de resto, nem faria sentido ponderar a prescrição de prestações nem sequer vencidas, como sucede no caso dos autos, em que o plano de pagamento em prestações acordado abrange um período de 40 anos, i.e., até ao ano de 2045. Acresce ainda, que o art. 306.º, n.º 2, do Código Civil estipula que a prescrição de direitos sujeitos a termo inicial só começa depois do termo se vencer, acrescentando o art. 307.º, quanto às prestações periódicas, que a prescrição do direito unitário do credor corre desde a exigibilidade da primeira prestação que não for paga.
O vencimento imediato das prestações restantes imposto pelo art. 781.º do Código Civil, tornando o capital imediatamente exigível e assim fazendo cessar o regime de pagamentos conjuntos de capital e juros que justificava o prazo curto de prescrição a que se refere o art. 310.º, al. e), implica que a dívida de capital fique sujeita, apenas, ao prazo ordinário de prescrição de 20 anos.”
17.ª Assim, entende-se que a dívida em apreço não se encontra prescrita, por não terem decorrido 20 anos desde a data do incumprimento do contrato (2010).
18.ª E, seguramente por tudo o que vai exposto em todos os pontos das presentes Alegações, não deixará este Venerando Tribunal de deliberar pela alteração decisão recorrida, e assim concedendo provimento ao presente Recurso.»

Não foi apresentada resposta ao recurso.

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso, sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso e daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras (artigos 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), não estando o tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito (artigo 5.º, n.º 3, do CPC), no caso, impõe-se apreciar se a dívida exequenda se encontra, ou não, prescrita.

B- De Facto
A 1.ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto:
«1. “Lx Investment Partners, S.A.R.L.” (Embargada) veio instaurar, em 15 de Dezembro de 2020, acção executiva para cobrança de quantia certa contra J… e L… (Embargantes), com vista ao pagamento do valor global de €12 925,43.

2. Para tanto, apresentou o documento que fez juntar ao requerimento executivo, correspondente a uma escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, celebrado, entre outrem, entre “Banco de Investimento Imobiliário, S.A.” e os aqui Embargantes, em 23 de Julho de 1997, com vista à concessão do montante para aquisição de casa própria.

3. O montante foi o equivalente a €44.892,00 e seria reembolsado em prestações mensais.

4. Os Embargantes deixaram de pagar as prestações a partir de 23 de Janeiro de 2008.

5. O bem imóvel hipotecado para garantia do pagamento da dívida foi vendido a terceiro, no âmbito do processo de execução fiscal nº 1112200701006754.

6. Por conta da venda do supra identificado imóvel, o Banco recebeu a quantia de €39.792,71, em Janeiro de 2010.

7. Em dívida está o valor de €5.853,98 de capital.

8. Os Embargantes foram citados para a acção executiva em 26 de Abril de 2021.»


C- De Direito
A sentença recorrida considerou a dívida (capital e juros) prescrita aplicando ao caso o prazo de 5 anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, fundamentando-se em jurisprudência que tem defendido que o vencimento antecipado de todas prestações por falta de pagamento de uma delas, nos termos do artigo 781.º do Código Civil, implica o vencimento imediato e a perda do benefício do prazo, mas não altera a natureza da dívida, consubstanciada em obrigações mensais e sucessivas, não interferindo com o prazo prescricional aplicável em função da natureza fragmentada da obrigação.

A recorrente defende, ao invés, a aplicação do prazo de prescrição de 20 anos previsto no artigo 309.º do Código Civil, também se escudando em jurisprudência e doutrina que defende que o vencimento imediato de todas as prestações em face do não pagamento de uma delas determina que a dívida assuma a natureza de obrigação unitária, englobando o capital e os juros, encontrando-se, assim, sujeita ao prazo de prescrição ordinário.

Vejamos, então.
O artigo 309.º do Código Civil estipula do seguinte modo:
«Prescrevem no prazo de cinco anos:
a) As anuidades de rendas perpétuas ou vitalícias;
b) As rendas e alugueres devidos pelo locatário, ainda que pagos por uma só vez;
c) Os foros;
d) Os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos, e os dividendos das sociedades;
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros;
f) As pensões alimentícias vencidas;
g) Quaisquer outras prestações periodicamente renováveis.»

Por sua vez, o artigo 310.º do mesmo diploma prescreve:
«O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos.»
Como resulta do artigo 298.º do Código Civil, a prescrição tem o efeito de extinguir direitos que não sejam indisponíveis ou imprescritíveis por força da lei, não se incluindo nessa exclusão os direitos de crédito.
Assim, pelo decurso do prazo previsto na lei sobre o não uso de um direito de crédito e preenchidos os demais requisitos também exigidos por lei, extingue-se a relação jurídica e, consequentemente, também os respetivos direitos e obrigações que gerou.
Porém, a prescrição só releva se for invocada pelos interessados, embora a todos aproveite, pois, o juiz não a pode declarar ex officio (artigos 301.º e 303.º do Código Civil).
O início da contagem do prazo de prescrição depende, em regra, de dois requisitos: a existência do direito e a possibilidade do seu exercício (artigo 306.º, n.º 1, do Código Civil).
No que concerne à aplicação do prazo de prescrição aplicável a um contrato de mútuo remunerado, cujas prestações se encontram fracionadas ao longo do tempo, através de prestações de capital e juros, como é o caso dos mútuos bancários que financiam contratos de compra e venda, como sucede na situação em apreço, é consensual que se aplica o prazo de prescrição de 5 anos previsto no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil, enquanto não se verificar incumprimento de qualquer das prestações conforme o plano prestacional convencionado.
As divergências doutrinárias e jurisprudências surgem quando ocorre incumprimento de uma (ou várias) prestações (capital e juros) verificando-se, por esse modo, e por via do artigo 781.º do Código Civil, o vencimento antecipado de todas as demais (ressalvando-se, por via do AUJ de 25-03-2009, DR, de 05-05-2009, os juros remuneratórios relativos às prestações que se venceriam no futuro).
As duas teses em confronto são, precisamente, as que se debatem nestes autos.
No nosso entender, e seguindo a jurisprudência maioritária sobre esta questão, já que não descortinamos razão preponderante para a afastar, entende-se que, nestas situações, se aplica o prazo de 5 anos previsto no artigo 309.º, alínea e), do Código Civil.
A circunstância do direito de crédito se vencer antecipadamente, na sua totalidade, em resultado do incumprimento e da resolução da relação contratual, se for o caso, não significa o desaparecimento da natureza fragmentada da obrigação composta por duas parcelas – capital e juros – assim convencionada pelas partes, nem o regime de prescrição.
Socorrendo-nos da jurisprudência mais recente do STJ, publicada no site www.dgsi.pt, destacamos os seguintes arestos:
- Acórdão do STJ, de 09-02-2021[1], onde se pode ler:
«(…) estamos perante uma situação perfeitamente subsumível à alínea e) daquele preceito, porquanto se trata de uma obrigação de reembolso de dívida que foi objecto de um plano de amortização, composto por diversas quotas, que compreendem uma parcela de capital e outra de juros remuneratórios e que traduzem a existência de várias prestações periódicas, com prazos de vencimento autónomos.
Nestes casos, a doutrina entende que “na situação prevista no artigo 310.º, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida.”[2]
Por conseguinte, “a estipulação de um plano de amortização do capital, de forma periódica, assente na individualização de duas frações, uma relativa ao capital em dívida e outra relativa aos juros devidos a título de remuneração de capital – a pagar conjuntamente – indicia o preenchimento da situação prevista na referida alínea e), do artigo 310º, do CC e prejudica a aplicação do prazo ordinário de prescrição de vinte anos.”[3]
A jurisprudência deste Supremo Tribunal também tem tido o mesmo entendimento, citando-se aqui, a título de exemplo, os acórdãos de 27/3/2014, processo n.º189/12.6TBHRT-A.L1.S, de 29/9/2016, processo n.º 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, de 10/9/2020, processo n.º 805/18.6T8OVR-A.P1.S1 e de 12/11/2020, processo n.º 7214/18.5T8STB-A.E1.S1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
Como se escreveu no antepenúltimo aresto e transcreveu no último, “no caso do débito do capital mutuado, estamos confrontados com uma obrigação de valor predeterminado cujo cumprimento, por acordo das partes, foi fraccionado ou parcelado num número fixado de prestações mensais; ou seja, em bom rigor, não estamos aqui perante uma pluralidade de obrigações que se vão constituindo ao longo do tempo, como é típico das prestações periodicamente renováveis, mas antes perante uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações.
Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que – por explícita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.
Ou seja, o legislador entendeu que, neste caso peculiar, o regime prescricional do débito parcelado ou fraccionado de amortização do capital deveria ser absorvido pelo que inquestionavelmente vigora em sede da típica prestação periodicamente renovável de juros, devendo, consequentemente, valer para todas as prestações sucessivas e globais, convencionadas pelas partes, quer para amortização do capital, quer para pagamento dos juros sucessivamente vencidos, o prazo curto de prescrição decorrente do referido art. 310º.”.»

Acrescentando ainda o mesmo aresto:
«A verdadeira questão que se coloca consiste em saber se esse regime se aplica a todo o crédito exequendo.
Como se dá nota no citado acórdão de 12/11/2020, “tem sido igualmente entendido por este Supremo Tribunal que a circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, em consequência de patologias ocorridas no plano do (in)cumprimento do contrato, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição” – cfr., neste sentido, os acórdãos do STJ de 4/5/1993, publicado na Coletânea de Jurisprudência (STJ), Ano I, T. II, pág. 82, de 18/10/2018, processo n.º 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1 e de 23/1/2020, processo n.º 4518/17.8T8LOU-A.P1.S1.
Neste acórdão, considerou-se que a obrigação unitária, compartimentada em capital e juros, resultante do mútuo, pelo acordo de amortização celebrado, se converte em cada uma das prestações estipuladas no acordo de amortização, as quais caiem, quer globalmente quer parcelarmente, na alçada do art.º 310.º do Código Civil.
Ora, tratando-se de uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado em fracções, não se vislumbra por que razão o regime do art.º 310.º, al. e), do Código Civil não deva ser aplicado a todo o crédito exequendo, independentemente do clausulado acerca do pagamento de cada uma das fracções e ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas.
Com efeito, o art.º 781.º do Código Civil prevê o vencimento imediato de todas as fracções por via da falta de pagamento de uma delas. E apenas o vencimento imediato, com perda do benefício do prazo. Nada mais, designadamente a alteração da natureza da dívida, repristinando a anterior obrigação única que foi substituída por uma obrigação fracionada. O facto de as quotas de amortização deixarem nessa situação de estar ligadas ao pagamento dos juros, de acordo com o AUJ n.º 7/2009 (in DR, Série I, de 5/52009), por via dessa antecipação do vencimento, não interfere com o tipo de prescrição aplicável em função da natureza da obrigação, que não é alterada pelas vicissitudes do incumprimento[4].
(…)
O fundamento da prescrição quinquenal não deixa de subsistir com tal vencimento, continuando a verificar-se a necessidade da sua aplicação, por forma a evitar a perpetuação, com a consequente incerteza e insegurança, da situação dos devedores.»

- Acórdão do STJ, de 14-01-2021[5], seguiu a mesma linha de pensamento e transcreveu e citou doutrina e jurisprudência sobre a questão, que evidencia o amplo consenso que se foi formando sobre este assunto.
Assim, lê-se no sumário do aresto o seguinte:
«(…)
II. Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações decorrentes de um contrato de mútuo bancário, desdobradas em quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, com prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.
III. A circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, não altera o dito enquadramento em termos da prescrição.»

E na fundamentação do aresto de forma mais desenvolvida:
«Preceitua o art. 310º, al. e), do C. Civil:
«Prescrevem no prazo de cinco anos:
(…)
e) As quotas de amortização do capital pagáveis com os juros».

Ana Filipa Morais Antunes refere, a propósito desta norma, in “Algumas Questões sobre Prescrição e Caducidade”, Separata de “Estudos em Homenagem ao Prof. Sérvulo Correia”, Edição da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Coimbra Editora, 2010, p. 47, a que se acedeu em https://www.servulo.com/pt/investigacao-e-conhecimento/Algumas-questes-sobre-prescricao-e-caducidade/5279/ (com destaque nosso, a negrito):

«(…) o preenchimento da situação contemplada na alínea e) do artigo 310.° do C.C. obriga a que se atenda às circunstâncias do caso concreto. Em particular, será relevante, para aquele efeito, o facto de o reembolso da dívida ter sido objecto de um plano de amortizações, composto por diversas quotas, que compreendam uma parcela de capital e uma parcela de juros remu­neratórios.

Este dado tem, como observado, importantes reflexos em matéria de prazo prescricional, na medida em que permite suportar a conclusão de que será apli­cável a referida prescrição quinquenal, e não o prazo ordinário prescricional, previsto no artigo 309.° do C.C.

Na verdade, na situação prevista no artigo 310.°, alínea e), não estará em causa uma única obrigação pecuniária emergente de um contrato de financiamento, ainda que com pagamento diferido no tempo, a que caberia aplicar o prazo ordinário de prescrição, de vinte anos, mas sim, diversamente, uma hipótese distinta, resultante do acordo entre credor e devedor e cristalizada num plano de amortização do capital e dos juros correspondentes, que, sendo composto por diversas prestações periódicas, impõe a aplicação de um prazo especial de prescrição, de curta duração. O referido plano, reitera-se, obedece a um propósito de agilização do reembolso do crédito, facilitando a respectiva liquidação em prestações autónomas, de montante mais reduzido. Por outro lado, visa-se estimular a cobrança pontual dos montantes fraccionados pelo credor, evitando o diferimento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato, tendo por objecto a totalidade do montante em dívida.

Constituirão, assim, indícios reveladores da existência de quotas de amortização do capital pagáveis com juros: em primeiro lugar, a circunstância de nos encontrarmos perante quotas integradas por duas fracções: uma de capital e outra de juros, a pagar conjuntamente; em segundo lugar, o facto de serem acordadas prestações periódicas, isto é, várias obrigações distintas, embora todas emergentes do mesmo vínculo fundamental, de que nascem sucessivamente, e que se vencerão uma após outra.»

O Tribunal a quo concluiu ser aplicável ao caso o prazo de prescrição do art. 310º, al. e) do C. Civil, apoiando-se em vários arestos do Supremo Tribunal de Justiça.

Assim teve, designadamente, em conta:

- o Ac. do STJ de 27-03-2014, Rel. Silva Gonçalves, Proc. 189/12.6TBHRT-A.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt, no qual se entendeu que:

«1. O prazo ordinário da prescrição é de vinte anos (art.º 309.º do C.Civil); todavia, prescrevem no prazo de cinco anos as quotas de amortização do capital pagáveis com os juros – art.º 310.º, alínea e), do C. Civil. (…)»;

- o Ac. do STJ de de 29-09-2016, Rel. Lopes do Rego, Proc. nº 201/13.1TBMIR-A.C1.S1, também publicado em www.dgs.pt:

«I. Prescrevem no prazo de 5 anos, nos termos da al. e) do art. 310º do CC, as obrigações consubstanciadas nas sucessivas quotas de amortização do capital mutuado ao devedor, originando prestações mensais e sucessivas, de valor predeterminado, englobando os juros devidos.

II. Na verdade, neste caso – apesar de obrigação de pagamento das quotas de capital se traduzir numa obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações, - a circunstância de a amortização fraccionada do capital em dívida ser realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, determinou, por expressa determinação legislativa, a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição»;

- o Ac. do STJ de 23-01-2020, Rel. Nuno Pinto Oliveira, Proc. 4518.17.8T8LOU.A.P1.S1, publicado em https://jurisprudencia.csm.org.pt, sob a referência ECLI:PT:STJ:2020:4518.17.8T8LOU.A.P1.S1:

«I. - Em contratos de mútuo oneroso, o acordo pelo qual se fracciona a obrigação de restituição do capital mutuado é um acordo de amortização e cada uma das prestações em que a obrigação de restituição se fracciona é uma quota de amortização.

II. - Em consequência, cada uma das prestações mensais devidas pelo mutuário é uma quota de amortização do capital no sentido do art. 310.º, alínea e), do Código Civil.

III. - O art. 730.º, alínea a), do Código Civil deve interpretar-se no sentido de que a hipoteca se extingue pela prescrição da obrigação a que serve de garantia.), publicados os dois primeiros».

No mesmo sentido, pode ver-se, também, por exemplo, o Ac. STJ de 18-10-2018, Rel. Olindo Geraldes, Proc. 2483/15.5T8ENT-A.E1.S1, em www.dgsi.pt:

«I. O legislador equiparou a amortização do capital, designadamente do mútuo, realizada de forma parcelar ou fracionada por numerosos anos, como o mútuo bancário destinado a habitação própria, ao regime dos juros, ficando sujeito ao mesmo prazo de prescrição, nomeadamente cinco anos – art. 310.º, alínea e), do Código Civil.

II. A circunstância de tal direito de crédito se vencer na sua totalidade, em resultado do incumprimento, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição. (…)».

Outros, ainda mais recentes, têm consagrado este entendimento.

É o que sucede com:

- o Ac. do STJ de 10-09-2020, Rel. Rijo Ferreira, Proc. nº 805/18.6 T8OVR-A.P1.S1, em www.dgsi.pt (com larga recolha jurisprudencial no sentido defendido):

«Às quotas de amortização do capital integrantes das prestações para amortização de contratos de financiamento aplica-se a prescrição quinquenal prevista no art.º 310º, al. e), do CCiv, ainda que se verifique o vencimento antecipado das mesmas»;

- ou o Ac. do STJ de 12-11-2020, Rel. Maria do Rosário Morgado, Proc. nº 7214/18.5T8STB-A.E1.S1, também em www.dgsi.pt:

«I – O crédito emergente de um contrato de mútuo bancário, em que, por acordo entre credor e devedor, se prevê a amortização da dívida em diversas prestações periódicas de capital e dos juros correspondentes está sujeito ao prazo de prescrição, previsto na al. e), do art. 310º, do CC;

II – A circunstância de o direito de crédito se encontrar vencido na totalidade, em consequência de patologias ocorridas no plano do (in)cumprimento do contrato, não altera o seu enquadramento em termos da prescrição.»

Explica-se, no citado Acórdão de 29-09-2016 (Rel. Lopes do Rego), que uma situação como aquela que aqui está em causa configura uma obrigação unitária, de montante predeterminado, cujo pagamento foi parcelado ou fraccionado em prestações. E prossegue-se, escrevendo o seguinte:

«Porém, o reconhecimento desta específica natureza jurídica da obrigação de restituição do capital mutuado não preclude, sem mais, a aplicabilidade do regime contido no citado art. 310º, já que – por explícita opção legislativa - esta situação foi equiparada à das típicas prestações periodicamente renováveis, ao considerar a citada al. e) que a amortização fraccionada do capital em dívida, quando realizada conjuntamente com o pagamento dos juros vencidos, originando uma prestação unitária e global, envolve a aplicabilidade a toda essa prestação do prazo quinquenal de prescrição.»

- Acórdão do STJ de 26-01-2021[6], no qual, após analisar o regime do artigo 781.º do Código Civil e concluir que as obrigações híbridas ou mistas previstas no artigo 310.º, alínea e), do Código Civil têm um prazo de prescrição de cinco anos em ordem «(..) a estimular o credor na cobrança pontual das diversas prestações periódicas em que essas obrigações se dividem, evitando-se, assim, o protelamento do exercício do direito de crédito para o termo do contrato de mútuo, que teria por objeto a totalidade do montante em dívida», se formulou o seguinte sumário:
«I - No mútuo bancário, as obrigações que visam simultaneamente amortizar e remunerar o capital - obrigações híbridas ou mistas não são nem obrigações de reembolso de capital e nem obrigações de pagamento de juros. São obrigações unitárias, ainda que se destinem a cumprir uma dupla função: restituição e remuneração do capital mutuado.

II - Segundo a doutrina dominante, o incumprimento de uma das prestações em que a obrigação de reembolso é dividida ou repartida preenche a facti-species do art. 781.º, ainda que o incumprimento se reporte a uma prestação com função simultaneamente amortizadora e remuneratória do capital.

III - De modo a evitar que o credor deixe acumular excessivamente os seus créditos, para tutelar o devedor contra a acumulação da sua dívida, deve aplicar-se o prazo de prescrição do art. 310.º, als. d) e e) do CC - de cinco anos a contar do respetivo vencimento.

IV - O facto de o incumprimento de uma prestação implicar o vencimento antecipado das restantes prestações em “nada releva para o problema em causa, porque nesse caso a prescrição respeitará a cada uma das quotas de amortização e não ao todo em dívida”.»

Neste mesmo sentido também vão os acórdãos do STJ, de 14-07-2021; de 28-04-2021; de 29-04-201 e de 04-05-2021[7], pelo que nos dispensamos de maiores considerações sobre a questão em discussão.
No caso em apreço, e como bem se referiu na sentença recorrida, «(…) encontravam-se decorridos bem mais de cinco anos – na verdade, mais de 10 anos, quer sobre o correspondente às quotas de amortização (artigo 310.º alínea e) do Código Civil), quer sobre os correspondentes juros (artigo 310.º, alínea d), do mesmo diploma)», pelo que não merecem acolhimento as conclusões de recurso, improcedendo o mesmo, sendo de confirmar a sentença recorrida.

Dado o decaimento, as custas ficam a cargo da apelante (artigo 527.º do CPC), sendo a taxa de justiça do recurso fixada pela tabela referida no n.º 2 do artigo 6.º do RCP.

III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a sentença recorrida.
Custas nos termos sobreditos.
Évora, 16-12-2021
Maria Adelaide Domingos (Relatora)
José Lúcio (1.º Adjunto)
Manuel Bargado (2.º Adjunto)
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[1] Processo n.º 15273/18.4T8SNT-A.L1.S1 (Fernando Samões).
[2] O acórdão cita: «Ana Filipa Morais Antunes, Prescrição e Caducidade, anotação aos artigos 296.º a 333.º, do Código Civil, Coimbra editora, 2ª edição, Junho de 2014, pág. 127.»
[3] O acórdão cita: «Ana Filipa Morais Antunes, obra citada, pág. 128.»
[4] Constando do acórdão a seguinte menção: «Neste sentido, também o citado acórdão de10/9/2020, deste Supremo Tribunal.»
[5] Processo n.º 6238/16.1T8VNF-A.G1.S1 (Tibério Nunes da Silva).
[6] Processo n.º 20767/16.3T8PRT-A.S2 (Maria João Vaz Tomé).
[7] Prolatados, respetivamente, nos proc. n.º 1249/18.5T8MMN-A.E1.S1 (Ilídio Sacarrão Martins); n.º 1736/19.8T8AGD-A.P1.S1 (Graça Amaral); n.º 723/18.8T8OVR-A.P1.S1 (João Cura Mariano) e n.º 3522718.3T8LLE-A.E1.S1 (Pedro de Lima Gonçalves), todos disponíveis em www.dgsi.pt