Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
431/22.5T8ELV.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: INSOLVÊNCIA
FACTOS-ÍNDICE
ÓNUS DA PROVA
Data do Acordão: 01/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – A insolvência traduz-se na insusceptibilidade de o devedor satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do cumprimento evidenciam a impotência para continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
2 – É incontroverso que a alegação e a prova dos factos cuja verificação faz presumir a situação de insolvência constitui ónus que impende sobre o credor que requeira a declaração de insolvência.
3 – O preenchimento dos conceitos contidos no artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não pode ser concretizado apenas por uma indexação formal remissiva para as diversas alíneas em que são estabelecidos os factos-índice, antes é exigível que exista um mínimo de determinabilidade de um quadro caracterizador da impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas, sendo precisa alguma consistência descritiva e um suporte probatório mínimo que permita concluir pela situação de insolvência.
4 – O pedido de declaração de insolvência não pode servir somente para pressionar qualquer requerido ao pagamento de dívidas, independentemente da verificação dos pressupostos típicos de um quadro de insolvência.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 431/22.5T8ELV.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre – Juízo Local de Competência Cível de Elvas – J2
*
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
*
I – Relatório:
“(…) Activity Company” intentou acção com vista à declaração de insolvência de (…). Proferida decisão de indeferimento, a Autora interpôs o presente recurso.
*
Foi realizada uma cessão de créditos entre a “Caixa (…), SA” e a “(…) Activity Company” relativamente ao crédito que fundamenta o pedido de insolvência.
*
Foi ordenado o aperfeiçoamento inicial da petição inicial e determinada a junção de documentação.
*
Realizada a citação, não foi apresentada contestação.
*
O Tribunal a quo entendeu que a factualidade provada não se integrava no conceito legal de insolvência e indeferiu o pedido de declaração de insolvência formulado contra (…).
*
A sociedade requerente não se conformou com a referida decisão e o recurso interposto continha as seguintes conclusões, aliás extensas e prolixas e que reproduzem praticamente na íntegra o corpo da motivação inicial [1] [2] [3] [4] [5]:
«A. Nos termos do artigo 20.º do CIRE, a declaração de insolvência pode ser requerida pelos responsáveis legais pelas dívidas do devedor, por qualquer credor e pelo próprio Ministério Público, caso se verifique algum dos factos-índice de insolvência taxativamente previstos nas alíneas a) a h) do referido preceito.
B. A verificação de apenas um deles constitui fundamento suficiente para o impulso processual, porquanto permite presumir que o devedor se encontra numa situação de insolvência.
C. Nos termos do artigo 3.º/1, do CIRE, “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir com as suas obrigações vencidas”.
D. Independentemente da sua situação patrimonial líquida apresentar valores positivos ou negativos, assim que se torne incapaz de cumprir com as suas obrigações no momento em que estas se vencem, o devedor encontra-se numa situação de insolvência atual.
E. Como foi referido por Carvalho Fernandes e João Labareda, “O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos”. (…) Com efeito, pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para fundar saúde financeira bastante.
F. O devedor tornou-se incapaz de cumprir com as suas obrigações perante a ora Recorrente no momento em que essas se venceram, porquanto, a partir daquele momento, o devedor se encontrou numa situação de insolvência.
G. Nos termos do artigo 20.º do CIRE, a declaração de insolvência pode ser requerida pelos responsáveis legais pelas dívidas do devedor, por qualquer credor e pelo próprio Ministério Público, caso se verifique algum dos factos-índice de insolvência taxativamente previstos nas alíneas a) a h) do referido preceito.
H. A verificação de apenas um deles constitui fundamento suficiente para o impulso processual, porquanto permite presumir que o devedor se encontra numa situação de insolvência.
I. Nos termos do artigo 3.º/1, do CIRE, “é considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir com as suas obrigações vencidas”.
J. Independentemente da sua situação patrimonial líquida apresentar valores positivos ou negativos, assim que se torne incapaz de cumprir com as suas obrigações no momento em que estas se vencem, o devedor encontra-se numa situação de insolvência atual.
K. Como foi referido por Carvalho Fernandes e João Labareda, “O que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos”. (…) Com efeito, pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência, do mesmo modo que o facto de continuar a honrar um número quantitativamente significativo pode não ser suficiente para fundar saúde financeira bastante”.
L. O devedor tornou-se incapaz de cumprir com as suas obrigações perante a ora Recorrente no momento em que essas se venceram, porquanto, a partir daquele momento, o devedor se encontrou numa situação de insolvência.
M. O devedor pode, nos termos do artigo 30.º CIRE deduzir oposição ao pedido de insolvência e provar a sua solvência.
N. No entanto, o ora requerido não apresentou qualquer oposição ao pedido de insolvência formulado pela ora recorrente.
O. Ora, nos termos do artigo 30.º, n.º 5, do CIRE, caso o devedor não venha deduzir oposição, consideram-se confessados os factos alegados na petição inicial de insolvência, e a insolvência deve ser declarada, se tais factos preencherem a hipótese de alguma das alíneas do n.º 1 do artigo 20.º do mesmo diploma.
J. E bem assim, os factos alegados no pedido de insolvência formulado pela ora Recorrente preenchem com certeza, pelo menos, um facto-índice de insolvência taxativamente previstos nas alíneas a) a h) do artigo 20.º do CIRE.
K. Os factos-índice da alínea a) e b) do artigo 20.º do CIRE referem, respetivamente, o seguinte: “suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas” e “falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações”.
L. O requerido deixou de pagar as prestações em 13/05/2010, pelo que foi o contrato resolvido, contrato esse em que foi constituída hipoteca a favor da ora Recorrente sobre as frações autónomas designadas pelas letras “N” e “O” do prédio urbano, sito na (…), n.º 15, 17 e 19, na freguesia de Assunção, concelho de Elvas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Elvas sob o n.º (…), da referida freguesia e inscrito na matriz sob o artigo (…).
M. Todavia, sobre o imóvel referido impendiam os supra identificados ónus.
N. O que demonstra que, o Requerido não cumpre com as suas obrigações, nem tão pouco cumpriu com as mesmas antes do momento do seu vencimento. O que significa que, já se encontrava em situação de insolvência.
O. É certo que, os processos de execução fiscal correspondentes ao ónus registados pelas Ap. (…), de 2010/07/27, Ap. (…), de 2012/01/04 e Ap. (…), de 2012/08/09 encontram-se extintos por pagamento voluntário da dívida.
P. Já quanto ao ónus registado pela Ap. (…), de 2012/01/04 em ambos os imóveis, estas penhoras ainda não foram efetivamente convertidas em hipoteca legal, atendendo a que a dívida se encontra enquadrada em plano prestacional, que não temos informação se será cumprida na totalidade;
Q. No entanto, não deixa de ser verdade que o referido bem continua a estar onerado no sentido de ainda incidir sobre o mesmo um ónus que, neste momento ainda são verdadeiras “penhoras”, pois o registo da alteração das mesmas em hipotecas legais, há muito que terá sido requerido e nunca foi efetivado, sempre em prejuízo da ora Recorrente. Assim, continua a estar onerado até pagamento integral dessas dívidas – perdendo-se mais uma vez, todo o efeito útil da reversão da penhora em hipoteca.
R. O que significa que, o requerido ainda não cumpriu com as suas obrigações e está numa situação em que já demonstrou que não foi capaz de satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações.
S. Note-se o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do processo n.º 214/17.4T8SEI-B.C1.
T. Uma vez que o património do Requerido ainda se encontra onerado tendo em conta o crédito ainda em dívida, podemos verificar que o mesmo continua a não cumprir com as suas obrigações em tempo útil, consubstanciando-se assim numa situação de insolvência, o que irá prejudicar a ora Recorrente no ressarcimento do seu crédito e os restantes credores.
U. Aliás, para ressarcimento da sua dívida, a ora Recorrente instaurou contra o Requerido uma ação executiva que corre termos no Juiz 2 do Juízo Local Cível de Elvas do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre sob o n.º 807/13.9TBELV.
V. Importa, no momento, referir que o Requerido foi devidamente citado na ação executiva, sendo que não procedeu ao pagamento voluntário da dívida, nem apresentou embargos de executado.
W. Ora, a sua inércia, significa um reconhecimento e um assumir da sua dívida. O silêncio do requerido, tal como sucedeu nos presentes autos, configura uma confissão da sua dívida.
X. Assim sendo, se o Requerido não se opôs na referida ação executiva nem ao próprio pedido de insolvência, é porque concorda com os factos alegados na mesma e assume que tem uma dívida perante a ora Recorrente e resigna-se, sabendo que a mesma existe, e não tem fundamento para se opor ou negá-la.
Y. Note-se o entendimento do Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra no âmbito do processo n.º 375/19.8T8GRD-C.C1.
Z. É inquestionável que o Requerido se encontra em situação de insolvência, o que, aliás, resulta bem patente dos ónus existentes nas certidões permanentes juntas com o pedido de insolvência.
AA. As certidões permanentes são bem ilustrativas de que existe uma suspensão generalizada das obrigações vencidas e a falta de cumprimento de uma ou mais obrigações, nos termos do artigo 20.º, n.º 1, alínea a) e b), do CIRE, não obstante o plano prestacional enquadrado no ónus registado pela Ap. (…), de 2012/01/04.
BB. Para além de que, só passado 11 anos desde a instauração da referida ação executiva é que as duas instituições, nomeadamente, a Autoridade Tributária e a Segurança Social, vieram informar da extinção dos referidos processos de execução fiscal e do pedido de conversão da penhora em hipoteca legal por conta do plano prestacional.
CC. Ou seja, as referidas instituições tiveram mais do que tempo para nos informar das indicadas alterações aos processos e não o fizeram, e a verdade é que as penhoras continuam registadas e para a ora Recorrente o requerido encontra-se em situação de insolvência.
DD. O certo é que a ora Recorrente corre o risco de não ver o seu crédito satisfeito em tempo útil, o que por sinal já está a acontecer, visto que no referido processo executivo sempre encontrou entraves para a venda do imóvel para o produto da venda do mesmo vir a satisfazer o seu crédito e não tendo a certeza de que a conversão da penhora em hipoteca legal se torne definitiva.
EE. Um outro aspeto que se revela essencial para demonstrar que o crédito existe prende-se com o facto de ter existido uma cessão operada entre a Caixa (…), S.A. e a (…) Activity Company, e apenas pode ceder créditos vencidos ou em incumprimento.
FF. É manifesto que a mesma deveria ter sido no sentido de considerar que se verifica um incumprimento das suas obrigações com caráter generalizado, visto que não cumpriu prontamente com as suas obrigações já vencidas.
GG. Assim como, existe uma falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações, uma vez que o ora Requerido já poderia ter liquidado as suas dívidas nas instâncias oportunas, já que não lhe faltou oportunidade para tal.
Nestes termos e nos demais de Direito que Vossas Excelências doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado procedente, revogando-se a sentença ora recorrida, só assim se fazendo Justiça».
*
Não houve lugar a resposta.
*
Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de erro na aplicação do direito, por não existir fundamento para decidir pelo indeferimento do pedido de insolvência.
*
III – Factos com interesse para a decisão da causa[6]:
3.1 – Factos provados:
1. (…) nasceu em 04/04/1948, filho de (…) e (…), sendo solteiro.
2. A requerente, na qualidade de cessionária, celebrou com a Caixa (…), S.A., na qualidade de cedente, uma escritura pública designada de «cessão de créditos», mediante a qual declararam que «pela presente escritura a Caixa cede à sociedade [a requerente], que adquire, os créditos, conjuntamente com todas as garantias (incluindo, designadamente, as hipotecas incidentes sobre os imóveis melhor identificados (…) por compra e venda», incluindo a posição jurídica descrita infra.
3. A Caixa celebrou com o requerido, no dia 13/01/2005, um contrato de mútuo com hipoteca, registado sob o n.º (…), no montante de € 120.000,00.
4. O empréstimo destinava-se a investimento.
5. Para garantia do capital emprestado, respectivos juros e despesas, o devedor constituiu hipoteca sobre as fracções autónomas designadas pelas letras «N» e «O» correspondentes, respectivamente, à cave na retaguarda, do lado direito, com saída para a Rua (…), n.º 1, - (…), e à cave na retaguarda, do lado esquerdo, com saída para a Rua (…), n.º 1-A (…), do prédio urbano, sito na (…), n.º 15, 17 e 19, freguesia de Assunção, concelho de Elvas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Elvas, sob o n.º (…), da referida freguesia, afecto ao regime de propriedade horizontal nos termos da inscrição (…) e inscrito na matriz sob o artigo (…).
6. As referidas hipotecas encontram-se averbadas nas certidões prediais dos imóveis sob a Ap. (…), de 2004/11/24.
7. O negócio foi celebrado pelo prazo de catorze anos, a contar da data da sua celebração, e seria amortizado em cento e sessenta e oito prestações mensais constantes, vencendo-se a primeira no dia treze do mês seguinte ao da data do contrato, e as restantes em igual dia dos meses seguintes.
8. No contrato, declararam as partes que o capital mutuado venceria juros à taxa correspondente à média aritmética simples das taxas Euribor a seis meses, apurada com referência o mês imediatamente anterior ao do início de cada período semestral de vigência do presente contrato, acrescida de um diferencial até 3,625%, o que se traduz actualmente na taxa de juro nominal de 5,875% ao ano a que corresponde a taxa efectiva de 6,036% ao ano.
9. A quantia emprestada foi entregue ao requerido na data da celebração do contrato.
10. Sucede que o requerido deixou de pagar as prestações em 13/05/2010, pelo que foi o contrato resolvido.
11. Assim, o crédito referente ao contrato supra identificado, ascende, na presente data, à quantia de € 172.103,54, que se decompõe da seguinte forma: - Capital: € 75.522,54; Juros calculados desde 13/05/2010 até à data da petição inicial, à taxa de 10,417%, já incluída a sobretaxa a título de cláusula penal de 4%: € 95.462,34; - Encargos: € 1.118,66.
12. Na respectiva certidão do registo predial, estão inscritos sobre a fracção autónoma designada pela letra «N» do prédio urbano, sito na (…), n.º 15, 17 e 19, freguesia de Assunção, concelho de Elvas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Elvas, sob o n.º (…), da referida freguesia, afecto ao regime de propriedade horizontal nos termos da inscrição (…) e inscrito na matriz sob o artigo (…), os seguintes ónus:
a. Ap. (…), de 2004/11/24 – Hipoteca Voluntária a favor da Caixa, respeitante ao presente negócio, em que o montante máximo assegurado é de € 176.701,20;
b. Ap. (…), de 2010/07/27 16:24:34 UTC – Penhora a favor do ISS, respeitante ao Processo nº 1201200900018953 e apensos – (…) de Portalegre - Secção de Processo Executivo de Portalegre, (…), n.º 44, Apartado (…), Portalegre, em que a quantia exequenda era de € 20.041,60;
c. Ap. (…), de 2012/01/04 16:21:17 UTC – Penhora a favor do ISS, respeitante ao proc. n.º 1201201000011576 e Apensos – Secção de Processo Executivo de Portalegre, em que a quantia exequenda era de € 19.086,43;
d. Ap. (…), de 2012/07/16 16:18:37 UTC – Penhora a favor da AT, respeitante ao proc. n.º 1660200901035789 – Serviço de Finanças de Elvas, em que a quantia exequenda era de € 15.295,92;
e. Ap. (…), de 2014/02/28 – Penhora a favor da Caixa (…), S.A., sendo a quantia exequenda no montante de € 105.569,76.
13. Não obstante, os processos a que se mostram associados os ónus descritos em b., e d. encontram-se extintos por pagamento.
14. Quanto ao ónus descrito em c., foi requerida a conversão automática da penhora em hipoteca legal, atendendo a que «a dívida encontra-se enquadrada em plano prestacional, requerido em 24 prestações, das quais 18 já se encontram pagas, mantendo-se em dívida o montante de € 769,95».
15. Na execução a que se reporta o ónus descrito em e., em 28/02/2014 foi penhorada a fracção N e, por decisão do Sr. A.E. de 10/03/2014, «considerando que sobre o bem imóvel descrito no auto de penhora ora elaborado, já impende penhora anterior, há lugar à sustação da presente execução – quanto aquele bem – nos termos do disposto no artigo 794.º do CPC, na redacção conferida pela Lei 41/2013, de 26 de Junho. A primeira penhora encontra-se realizada/registada em 2010/07/27 no processo de execução n.º 1201200900018953 e apensos, a correr termos no (…) de Portalegre – Secção de Processo Executivo de Portalegre»;
16. Na respectiva certidão do registo predial, estão inscritos sobre a fracção autónoma designada pela letra «O» do prédio urbano, sito na (…), n.º 15, 17 e 19, freguesia de Assunção, concelho de Elvas, descrito na Conservatória do Registo Predial de Elvas, sob o n.º (…), da referida freguesia, afecto ao regime de propriedade horizontal nos termos da inscrição (…) e inscrito na matriz sob o artigo (…), os seguintes ónus:
a. Ap. (…), de 2004/11/24 – Hipoteca Voluntária a favor da Caixa, respeitante ao presente negócio, em que o montante máximo assegurado é de € 176.701,20.
b. Ap. (…), de 2012/01/04 16:21:17 UTC – Penhora a favor do ISS, respeitante ao proc. n.º 1201201000011576 e Apensos – Secção de Processo Executivo de Portalegre, em que a quantia exequenda era de € 19.086,43.
c. Ap. (…), de 2012/08/09 16:14:36 UTC – Penhora a favor da AT, respeitante ao proc. n.º 1660201101009184 – Serviço de Finanças de Elvas, em que a quantia exequenda era de € 13.272,67.
17. Não obstante, os processos a que se mostra associado o ónus descrito em c encontram-se extintos por pagamento.
18. Quanto ao ónus descrito em b, foi requerida a conversão automática da penhora em hipoteca legal, atendendo a que «a dívida encontra-se enquadrada em plano prestacional, requerido em 24 prestações, das quais 18 já se encontram pagas, mantendo-se em dívida o montante de € 769,95».
*
3.2 – Factos não provados:
Inexistem.
*
IV – Fundamentação:
É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas, face à regra inscrita no n.º 1 do artigo 3.º[7] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
O legislador concretizou o conceito de situação de insolvência no n.º 1 do artigo 20.º[8] do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, através da enumeração de diversos factos-índice da situação de insolvência.
O preceito em análise contém um elenco de facto indiciadores da situação de insolvência que legitimam o requerimento da declaração de insolvência a pedido do responsável pelo pagamento das dívidas, por qualquer credor ou pelo Ministério Público.
*
Os factos enunciados na norma do n.º 1 do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas são indícios ou sintomas da situação de falência (factos-índice). É através deles que, normalmente a situação de insolvência se manifesta ou se exterioriza. Por isso, a verificação de qualquer deles permite presumir a situação de insolvência do devedor mas este pode sempre ilidir esta presunção, provando que, não obstante a ocorrência de um ou mais factos do tipo enunciado, a situação de insolvência não se verifica[9].
Carvalho Fernandes e João Labareda sublinham que aquilo que verdadeiramente releva para a insolvência é a insusceptibilidade de satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento, evidenciam a impotência, para o obrigado, de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. Nesta linha de raciocínio «pode até suceder que a não satisfação de um pequeno número de obrigações ou até de uma única indicie, só por si, a penúria do devedor, característica da sua insolvência actual»[10].
Na visão de Menezes Leitão a insolvência corresponde à impossibilidade de cumprimento pontual das obrigações, e não à mera insuficiência patrimonial, correspondente a uma situação líquida negativa, uma vez que o recurso ao crédito pode permitir ao devedor suprir a carência de liquidez para cumprir as suas obrigações[11].
Nesta ordem de ideias, à verificação do estado de insolvência está subjacente o conceito de solvabilidade, podendo acontecer que:
- o passivo é superior ao activo, mas não se verificar a situação de insolvência por existir facilidade de recurso ao crédito para satisfazer as dívidas excedentárias;
- o activo é superior ao passivo vencido, mas o devedor encontra-se em situação de insolvência por falta de liquidez do seu activo[12].
Assim, o que releva para a insolvência é a insusceptibilidade de o devedor satisfazer obrigações que, pelo seu significado no conjunto do passivo do devedor, ou pelas próprias circunstâncias do cumprimento evidenciam a impotência para continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
Complementarmente, a lei equipara ainda a situação de insolvência iminente à situação de insolvência actual como fundamento de apresentação à insolvência, como ressalta da leitura do n.º 4 do artigo 3.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
A iminência da insolvência caracteriza-se pela ocorrência de circunstâncias que, não tendo ainda conduzido ao incumprimento em condições de poder considerar-se situação de insolvência já actual, com toda a probabilidade a vão determinar a curto prazo, exactamente pela insuficiência do activo líquido e disponível para satisfazer o passivo exigível[13]. Ou, na formulação de Catarina Serra, a insolvência iminente é a situação em que o devedor antevê que estará impossibilitado de cumprir as suas obrigações quando elas se vencerem, no futuro próximo[14].
Neste contexto, está consolidada a ideia que não interessa que o devedor ainda possa cumprir num momento futuro qualquer e eventualmente num contexto de remodelação da dívida, verificando-se a entrada em situação de insolvência a partir do momento em que comprovadamente não pode cumprir as obrigações vencidas, nem poderá fazê-lo num futuro próximo. Deste modo, se os meros atrasos no pagamento não justificam a declaração de insolvência, também não se exige que a impossibilidade seja duradoura, só obstando à declaração de insolvência a falta transitória de liquidez recuperável a curto prazo[15] [16].
Relativamente ao preenchimento de algum dos factos elencados nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, os indícios consubstanciam verdadeiras presunções ilidíveis de insolvência que estão a coberto da esfera de protecção dos artigos 349.º[17] e 350.º[18] do Código Civil.
Maria do Rosário Epifânio defende que «se trata de verdadeiras presunções ilidíveis (iuris tantum), o que aliás é afirmado expressamente pelo ponto 19 do Preâmbulo»[19].
*
Na situação judicanda o requerente e o Tribunal recorrido fazem basicamente apelo aos factos índice que se traduzem na cessação de pagamentos pelo devedor que se pode concretizar numa não realização generalizada de pagamentos no momento do vencimento, independentemente da origem e da natureza dessas obrigações (alínea a)) e no incumprimento de apenas uma ou várias obrigações do qual se possa inferir a impossibilidade do devedor satisfazer a generalidade dos seus compromissos (alínea b)).
O Tribunal a quo concluiu que não se podia afirmar que existia um quadro de suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas, não estando por isso preenchido o facto-índice previsto na alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Em contraponto, a sociedade recorrente continua a defender que as certidões permanentes são bem ilustrativas de que existe uma suspensão generalizada das obrigações vencidas.
Porém, a matéria de facto apurada não foi impugnada e aquilo que resulta comprovadamente demonstrado é que os processos de execução fiscal correspondentes ao ónus registados pelas Ap. (…), de 2010/07/27, Ap. (…), de 2012/01/04 e Ap. (…), de 2012/08/09 se encontram extintos por pagamento voluntário da dívida.
O facto da Autoridade Tributária e da Segurança Social não terem informado da extinção dos referidos processos de execução fiscal não transforma um conjunto de dívidas pagas num enquadramento de falta de pagamento generalizado das obrigações.
*
Quanto ao incumprimento contratual com a Caixa (…), o Tribunal também entendeu que não se poderia inferir a impossibilidade de o devedor satisfazer a generalidade dos seus compromissos.
Ao contrário daquilo que é afirmado no recurso, a falta de contestação apenas importa a confissão de factos e não o reconhecimento de uma situação de impossibilidade de satisfazer a dívida em questão.
É certo que o requerido deixou de pagar as prestações em 13/05/2010, que o contrato resolvido e que a dívida foi reclamada em processo executivo instaurado em 2013.
Todavia, naqueles autos, tal como atesta a decisão recorrida, apenas foi penhorada a fracção N e com toda a propriedade o julgador a quo disse desconhecer «por que motivo não foi accionada a hipoteca que incide sobre a fracção O».
Por existir penhora anterior sobre o referenciado imóvel, a execução foi parcialmente sustada. No entanto, por motivo não relatado, a instituição financeira mutuante não reclamou o seu crédito na execução em que a penhora era mais antiga, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 794.º do Código de Processo Civil, quando poderia e deveria tê-lo feito.
Ao não ter sido integralmente sustada a execução que correu termos no Juízo Local de Competência Cível de Elvas (processo registado sob o n.º 807/13.9TBELV) e por existirem outros bens penhorados não é possível concluir pela falta de bens para garantir o pagamento do crédito, mas antes por uma situação de inércia do credor.
Por isso, é de validar a afirmação da Meritíssima Juíza de Direito quando avança que «não só o aumento do valor exequendo, como a demora na cobrança não são directamente imputáveis ao requerido que, tanto quanto se sabe (e atendendo ao valor máximo assegurado pelas hipotecas, superior ao do valor em dívida) pode pura e simplesmente não ter pago a dívida uma vez que está em curso uma execução onde existe património susceptível de ser executado e liquidar a dívida».
E, assim, por a única dívida conhecida existente ser aquela que está relacionada com o mútuo celebrado com a Caixa (…), o Tribunal de Primeira Instância assinala que «não temos, claramente, matéria suficiente para poder concluir, mesmo perfunctoriamente, apenas com base nestes factos, que se encontram preenchidos os índices enunciados. A única coisa que podemos com segurança concluir é que existe o incumprimento de uma obrigação cuja satisfação deverá ser buscada por outra via que não o processo de insolvência, que se não destina à cobrança de dívidas».
Também não se verifica um cenário de insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente, tal como proclama a alínea e) do n.º 1 do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
*
É ao credor que requeira a declaração de insolvência do devedor que incumbe alegar e provar algum ou alguns dos factos-índice enumerados no n.º 1 do artigo 20.º, cuja verificação faz presumir a situação de insolvência, tal como a caracteriza o artigo 3.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.
Tal como já se defendeu em acórdãos anteriores é incontroverso que a alegação e a prova dos factos cuja verificação faz presumir a situação de insolvência constitui ónus que impende sobre o credor que requeira a declaração de insolvência, como decorre da interacção processual entre a previsão contida no n.º 1 do artigo 23.º[20] do diploma em análise[21] [22] e o conceito de insolvência. E este entendimento está completamente estabilizado na interpretação que os Tribunais superiores fazem da norma sub judice[23] [24] [25].
Efectivamente, a mera alegação de que o devedor não pagou ao credor e se desconhece património do devedor é insuficiente para preencher os factos-índice do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas[26].
O preenchimento dos conceitos contidos no artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas não pode ser concretizado apenas por uma indexação formal remissiva para as diversas alíneas em que são estabelecidos os factos-índice, antes é exigível que exista um mínimo de determinabilidade de um quadro caracterizador da impossibilidade de cumprir as obrigações vencidas, sendo precisa alguma consistência descritiva e um suporte probatório mínimo que permita concluir pela situação de insolvência.
Neste caso, antes de avançar para o pedido de insolvência, o requerente tinha ao seu dispor meios alternativos e não é a simples demora na obtenção do pagamento que pode justificar a procedência da medida requerida. E, de acordo com os factos provados a situação de insolvência não está demonstrada e, antes pelo contrário, os factos índices potencialmente aplicáveis ao caso concretos foram ilididos pela documentação presente nos autos.
Em síntese, não existe qualquer sinal que o património do requerido não seja suficiente para garantir o pagamento da dívida transmitida, por cessão de créditos, à sociedade recorrente. De outro modo, existiria o risco de que o recurso ao processo de insolvência servisse somente para pressionar qualquer requerido ao pagamento de dívidas, independentemente da verificação dos pressupostos típicos de um quadro de insolvência.
Em função de tudo isto, confirma-se a decisão recorrida, negando-se provimento ao recurso interposto.
*
V – Sumário:
(…)
*
VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, confirmando-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
*
Processei e revi.
*
Évora, 12/01/2023
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Alves Simões



__________________________________________________
[1] Artigo 639.º (Ónus de alegar e formular conclusões):
1 - O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão.
2 - Versando o recurso sobre matéria de direito, as conclusões devem indicar:
a) As normas jurídicas violadas;
b) O sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas;
c) Invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada.
3 - Quando as conclusões sejam deficientes, obscuras, complexas ou nelas se não tenha procedido às especificações a que alude o número anterior, o relator deve convidar o recorrente a completá-las, esclarecê-las ou sintetizá-las, no prazo de cinco dias, sob pena de se não conhecer do recurso, na parte afetada.
4 - O recorrido pode responder ao aditamento ou esclarecimento no prazo de cinco dias.
5 - O disposto nos números anteriores não é aplicável aos recursos interpostos pelo Ministério Público, quando recorra por imposição da lei.
[2] Na visão de Abrantes Geral, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª edição, Almedina, Coimbra 2016, pág. 130, «as conclusões serão complexas quando não cumpram as exigências de sintetização a que se refere o n.º 1 (prolixidade) ou quando, a par das verdadeiras questões que interferem na decisão do caso, surjam outras sem qualquer interesse (inocuidade) ou que constituem mera repetição de argumentos anteriormente apresentados».
[3] No acórdão do Tribunal Constitucional n.º 137/97, de 11/03/1997, processo n.º 28/95, in www.tribunalconstitucional.pt é dito que «A concisão das conclusões, enquanto valor, não pode deixar de ser compreendida como uma forma de estruturação lógica do procedimento na fase de recurso e não como um entrave burocrático à realização da justiça».
[4] O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/06/2013, in www.dgsi.pt assume que «o recorrente deve terminar as suas alegações de recurso com conclusões sintéticas (onde indicará os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida)».
[5] No caso concreto, não se ordena a correcção das conclusões ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 639.º do Código de Processo Civil por que, na hipótese vertente, tal solução apenas implicaria um prolongamento artificial da lide e, infelizmente, no plano prático, a actuação processual subsequente constitui na generalidade dos processos uma mera operação de estética processual que não se adequa aos objectivos do legislador e do julgador.
[6] Ficou consignado na decisão recorrida que: «todos os demais factos que não se encontram vertidos na factualidade assente não foram considerados para a boa decisão da presente causa, porquanto constituem factos conclusivos (v.g. «na sequência do incumprimento do contrato, a Requerente interpelou o Requerido para pagamento das quantias em dívida e regularização do incumprimento, que surtiram frustradas»; «tem a Requerente conhecimento de que o Requerido se encontra com graves dificuldades de liquidez financeira» ou «resulta, pois, evidente, que o Requerido se encontra, de facto e há muito tempo numa situação de impossibilidade de cumprimento pontual das suas obrigações para com os seus credores»), repetitivos, irrelevantes, ou de Direito».
[7] Artigo 3.º (Situação de insolvência):
1 - É considerado em situação de insolvência o devedor que se encontre impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.
2 - As pessoas colectivas e os patrimónios autónomos por cujas dívidas nenhuma pessoa singular responda pessoal e ilimitadamente, por forma directa ou indirecta, são também considerados insolventes quando o seu passivo seja manifestamente superior ao activo, avaliados segundo as normas contabilísticas aplicáveis.
3 - Cessa o disposto no número anterior quando o activo seja superior ao passivo, avaliados em conformidade com as seguintes regras:
a) Consideram-se no activo e no passivo os elementos identificáveis, mesmo que não constantes do balanço, pelo seu justo valor;
b) Quando o devedor seja titular de uma empresa, a valorização baseia-se numa perspectiva de continuidade ou de liquidação, consoante o que se afigure mais provável, mas em qualquer caso com exclusão da rubrica de trespasse;
c) Não se incluem no passivo dívidas que apenas hajam de ser pagas à custa de fundos distribuíveis ou do activo restante depois de satisfeitos ou acautelados os direitos dos demais credores do devedor.
4 - Equipara-se à situação de insolvência actual a que seja meramente iminente, no caso de apresentação pelo devedor à insolvência.
[8] Artigo 20.º (Outros legitimados):
1 - A declaração de insolvência de um devedor pode ser requerida por quem for legalmente responsável pelas suas dívidas, por qualquer credor, ainda que condicional e qualquer que seja a natureza do seu crédito, ou ainda pelo Ministério Público, em representação das entidades cujos interesses lhe estão legalmente confiados, verificando-se algum dos seguintes factos:
a) Suspensão generalizada do pagamento das obrigações vencidas;
b) Falta de cumprimento de uma ou mais obrigações que, pelo seu montante ou pelas circunstâncias do incumprimento, revele a impossibilidade de o devedor satisfazer pontualmente a generalidade das suas obrigações;
c) Fuga do titular da empresa ou dos administradores do devedor ou abandono do local em que a empresa tem a sede ou exerce a sua principal actividade, relacionados com a falta de solvabilidade do devedor e sem designação de substituto idóneo;
d) Dissipação, abandono, liquidação apressada ou ruinosa de bens e constituição fictícia de créditos;
e) Insuficiência de bens penhoráveis para pagamento do crédito do exequente verificada em processo executivo movido contra o devedor;
f) Incumprimento de obrigações previstas em plano de insolvência ou em plano de pagamentos, nas condições previstas na alínea a) do n.º 1 e no n.º 2 do artigo 218.º;
g) Incumprimento generalizado, nos últimos seis meses, de dívidas de algum dos seguintes tipos:
i) Tributárias;
ii) De contribuições e quotizações para a segurança social;
iii) Dívidas emergentes de contrato de trabalho, ou da violação ou cessação deste contrato;
iv) Rendas de qualquer tipo de locação, incluindo financeira, prestações do preço da compra ou de empréstimo garantido pela respectiva hipoteca, relativamente a local em que o devedor realize a sua actividade ou tenha a sua sede ou residência;
h) Sendo o devedor uma das entidades referidas no n.º 2 do artigo 3.º, manifesta superioridade do passivo sobre o activo segundo o último balanço aprovado, ou atraso superior a nove meses na aprovação e depósito das contas, se a tanto estiver legalmente obrigado.
2 - O disposto no número anterior não prejudica a possibilidade de representação das entidades públicas nos termos do artigo 13.º.
[9] Catarina Serra, «O Novo Regime Português da Insolvência», Uma Introdução, 3ª edição, Almedina., Coimbra, pág. 25.
[10] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 71.
[11] Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 76.
[12] Neste sentido, vide Maria do Rosário Epifânio, Manual do Direito da Insolvência Almedina, Coimbra, 2016, págs. 19-30.
[13] Luís Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 3ª edição, Quid Juris, Lisboa, 2015, pág. 87.
[14] Catarina Serra, Revitalização – a designação e o misterioso objecto designado. O Processo Homónimo (PER) e as suas ligações com a Insolvência (situação e processo) e com o SIREVE, in I Congresso de Direito da Insolvência, Almedina, Coimbra 2013, pág. 91.
[15] Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/05/2013, in www.dgsi.pt.
[16] Este acórdão apela ao contributo de Manuel Requicha Ferreira, “Estado de Insolvência”, in “Direito da Insolvência. Estudos”, Coimbra Editora, Coimbra, 2011, págs. 262-268, que apoiado na jurisprudência alemã remete para a regra dos 10% e das 3 semanas, segundo a qual o devedor não se presume insolvente se a sua incapacidade de cumprir for inferior a 10% do conjunto das suas responsabilidades durante um período de 3 semanas, tido por suficiente para que um credor, gozando de um mínimo de credibilidade creditícia, obtenha financiamento de terceiros para fazer face à sua situação de iliquidez.
[17] Artigo 349.º (Noção):
Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido.
[18] Artigo 350.º (Presunções legais):
1. Quem tem a seu favor a presunção legal escusa de provar o facto a que ela conduz.
2. As presunções legais podem, todavia, ser ilididas mediante prova em contrário, excepto nos casos em que a lei o proibir.
[19] Maria do Rosário Epifânio, Manual de Direito da Insolvência, 6ª edição, 2ª reimpressão, Almedina, Coimbra, 2016, pág. 30.
[20] Artigo 23.º (Forma e conteúdo da petição):
1 - A apresentação à insolvência ou o pedido de declaração desta faz-se por meio de petição escrita, na qual são expostos os factos que integram os pressupostos da declaração requerida e se conclui pela formulação do correspondente pedido.
2 - Na petição, o requerente:
a) Sendo o próprio devedor, indica se a situação de insolvência é actual ou apenas iminente, e, quando seja pessoa singular, se pretende a exoneração do passivo restante, nos termos das disposições do capítulo I do título XII;
b) Identifica os administradores, de direito e de facto, do devedor e os seus cinco maiores credores, com exclusão do próprio requerente;
c) Sendo o devedor casado, identifica o respectivo cônjuge e indica o regime de bens do casamento;
d) Junta certidão do registo civil, do registo comercial ou de outro registo público a que o devedor esteja eventualmente sujeito.
3 - Não sendo possível ao requerente fazer as indicações e junções referidas no número anterior, solicita que sejam prestadas pelo próprio devedor.
[21] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora 04/06/2020, disponível em www.dgsi.pt.
[22] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 25/03/2021, igualmente disponibilizado em www.dgsi.pt.
[23] Com a mesma compreensão também se pode ler no acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 03/06/2008, que assume que constitui «ónus do requerente da insolvência a alegação e prova dos factos índices ou presuntivos da insolvência. Tais factos, enunciados nas diversas alíneas do artigo 20.º do CIRE, têm em conta a circunstância de, pela experiência, manifestarem a insusceptibilidade de o devedor cumprir as suas obrigações».
[24] Em idêntico sentido pode ser consultado o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/10/2010, pesquisável em www.dgsi.pt, que adianta que «o pressuposto objectivo para a declaração de insolvência radica na verificação da insolvência, tal como a define o n.º 1 do artigo 3.º do CIRE, e quando a mesma é requerida por alguém que não o próprio devedor, designadamente um seu credor, terá este de fundamentar a pretensão deduzida com a alegação de factos mencionados no artigo 20.º do citado diploma, factos-índice ou presuntivos da situação de insolvência ou circunstancialismo que exteriorize esse mesmo estado».
[25] No acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães 02/05/2019, consultável em www.dgsi.pt, ficou exarado que «é sobre o credor que requeira a declaração de insolvência que recai o ónus de alegação e prova de algum ou alguns dos factos-índice previstos nas alíneas do n.º 1 do artigo 20.º do Código da Insolvência e da Recuperação de empresas».
É sobre o credor que requeira a declaração de insolvência que recai o ónus de alegação e prova de algum ou alguns dos factos-índice previstos nas alíneas do n.º 1 do artigo 20.º do CIRE.
[26] Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 20/07/2019, disponível na plataforma www.dgsi.pt.