Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
693/21.5T8MMN.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: ARRENDAMENTO URBANO
INDEMNIZAÇÃO DO ARRENDATÁRIO
RESOLUÇÃO DO ARRENDAMENTO
TÍTULO EXECUTIVO
Data do Acordão: 05/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – O n.º 1 do artigo 14.º-A do Novo Regime do Arrendamento Urbano, conjugado com a alínea d) do n.º 1 do artigo 703.º do Código de Processo Civil, consagra um título executivo complexo, integrado pelo contrato de arrendamento e pelo comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, com vista à execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.
2 – Se o exequente vem formular pedido de indemnização agravada a que alude o n.º 1 do artigo 1041.º do Código Civil, cabe-lhe alegar, no requerimento executivo, o modo de extinção do vínculo contratual, de molde a afastar a hipótese de resolução do contrato com base em falta de pagamento.
3 – Além da hipótese de resolução contratual por falta de pagamento da renda, o direito à indemnização agravada também não se mantém quando exista uma cessação por mútuo acordo entre locador e locatário, a não ser que o texto do acordo assim o preveja, dado que objectivamente a sanção prevista na lei apenas está estruturada para uma hipótese de resolução contratual.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 693/21.5T8MMN.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Évora – Juízo de Execução de Montemor-o-Novo – J1
*
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
*
I – Relatório:
Na presente acção executiva proposta por “(…), Lda.” contra (…), a exequente não se conformou com o despacho de indeferimento liminar parcial proferido pelo Tribunal a quo.
*
A exequente veio juntar, como título executivo, um contrato de arrendamento e um escrito remetido por carta registada com aviso de recepção, pedindo o pagamento da quantia de € 5.220,26, assim repartidos: € 2.137,50 a título de rendas vencidas e não pagas, € 3.000,00 por força da indemnização a que alude o artigo 1041.º do Código Civil e € 82,76 por conta de juros de mora.
*
O Tribunal indeferiu liminarmente o requerimento executivo por falta de título relativamente à indemnização a que alude o artigo 1041º do Código Civil e determinou o prosseguimento da instância executiva para pagamento da quantia de € 2.137,50 (dois mil e cento e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos) e respectivos juros de mora.
*
Inconformada com tal decisão, a recorrente apresentou recurso e as suas alegações continham as seguintes conclusões:
«I – A Recorrente por não se conformar com a sentença proferida pelo douto Tribunal a quo, vem dela interpor recurso na parte da decisão que indeferiu parcialmente o requerimento executivo apresentado nos presentes autos, e em consequência determinou o prosseguimento da presente instância executiva para pagamento apenas da quantia de € 2.137,50 (dois mil e cento e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos) e juros de mora respectivos.
II – Julgou o Tribunal a quo que os documentos juntos pela Requerente com o requerimento executivo, contrato de arrendamento e carta registada com aviso de recepção efectivamente recebida pela Recorrida, não constituem título executivo para execução para pagamento da indemnização a que alude o artigo 1041.º, n.º 1, do Código Civil.
III – Julgamento com o qual a ora recorrente, não pode concordar,
IV – Com o devido respeito pelo Tribunal a quo, que é muito, considera a Recorrente que os documentos por si juntos com o requerimento executivo como título executivo, servem de base e sustentam o pedido de pagamento da indemnização a que alude o n.º 1 do artigo 1041.º do Código Civil.
V – Só assim, não ocorreria se a causa de extinção do contrato de arrendamento fosse a resolução por falta de pagamento de rendas.
VI O que não foi o caso!!
VII – A Recorrente e Recorrida cessaram em 31/Julho/2017 o contrato por mútuo acordo por necessidade do locado pela própria Senhoria, ora Recorrente.
VIII – Assim, não pode o douto Tribunal postergar o direito da Senhoria, ora Recorrente a ser indemnizada por não ter recebido as rendas em tempo útil.
IX – Neste sentido segue a n/melhor jurisprudência – vide o Acórdão do TRC, datado de 26/02/2019, Processo n.º 4798/17.9T8CBR-D.C1, in www.dgsi.pt.
X – Questão diversa, e que nem sequer foi colocada pelo douto Tribunal a quo, prende-se com a necessidade de Recorrente alegar, no requerimento executivo, o modo de extinção do vínculo contratual.
XI – Tal insuficiência de alegação fáctica necessária, só por si não justifica o indeferimento liminar parcial do requerimento executivo.
XII – Devendo o juiz convidar o exequente a suprir as irregularidades do requerimento Executivo, nos termos do n.º 4 do artigo 726.º do C.P.C..
XIII – Em suma, a indemnização prevista artigo 1041.º, n.º 1, do C.C. poderá ser peticionada pela Recorrente, pelo atraso no pagamento das rendas.
XIV – Os documentos juntos aos autos (contrato de arrendamento e carta registada com aviso de recepção efectivamente recebida pela executada) constituem título executivo para execução para pagamento da indemnização a que alude o artigo 1041.º, n.º 1, do Código Civil.
XV – Inexiste fundamento para o indeferimento liminar parcial do requerimento executivo!
Termos em que deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a sentença em crise, na parte em que indeferiu parcialmente o requerimento executivo, determinando apenas o prosseguimento dos autos para pagamento da quantia de € 2.137,50 (dois mil e cento e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos), seguindo a execução os demais trâmites legais, considerando o valor da quantia exequenda peticionada pela recorrente de € 5.220,26 (cinco mil e duzentos e vinte euros e vinte e seis cêntimos)».
*
Não foi apresentada resposta ao recurso.

Admitido o recurso, foram observados os vistos legais. *
II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, do mesmo diploma).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação da existência de título executivo contra a executada quanto à indemnização a que alude o n.º 1 do artigo 1041.º do Código Civil.
*
III – Dos factos com interesse para a causa:
1. A acção foi intentada por convolação do procedimento extrajudicial pré-executivo n.º 20210/21.6YLPEP em processo de execução, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 32/2014, de 30 de maio, tendo por base o contrato de arrendamento, a comunicação efectuada à ora executada (…) e o respectivo comprovativo de recepção.
2. A fracção autónoma designada pela letra “B”, correspondente a estabelecimento comercial com entrada pelo n.º (…) da Rua (…), do prédio urbano constituído em regime de propriedade horizontal sito na Rua (…), 26, 26-A, 28 e 28-A, em Évora, está descrita na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º (…), da freguesia de Évora (São Mamede) e inscrita na matriz predial urbana sob o artigo (…), da freguesia da União de Freguesias de Évora (São Mamede, Sé, São Pedro e Santo Antão), a favor da exequente.
3. Por contrato de arrendamento comercial de duração limitada, celebrado em 18/07/2012, com inicio em 01/08/2012, pelo prazo de 5 (cinco) anos, renováveis automática e sucessivamente por períodos de 3 (três) anos, a executada (…) tomou de arrendamento a fracção supra identificada, mediante o pagamento de uma renda mensal de € 500,00 (quinhentos euros).
5. A sociedade exequente tomou a posição de senhoria por aquisição da fracção autónoma supra identificada em 18/08/2015, passando a receber o pagamento das rendas por parte da arrendatária.
6. A executada foi arrendatária da dita fracção entre 01/08/2012 e 31/07/2017.
7. Pelo menos, desde 18/08/2015, que a executada não pagou, nem integralmente, nem pontualmente, à exequente as rendas mensais acordadas, designadamente nos meses de Abril a Dezembro de 2016 e de Janeiro a Julho de 2017.
8. No dia 07/04/2021, através da comunicação enviado à executada por carta registada com aviso de recepção, a exequente peticionou o pagamento das rendas vencidas e não pagas.
9. A executada foi notificada do teor da comunicação efectuada e supra mencionada, em 09/04/2021.
10. Nessa sequência, a executada não procedeu ao pagamento das rendas em divida.
11. Em 26/05/2021, a sociedade exequente utilizou o procedimento extrajudicial pré-executivo (ora convolado) e foi notificada do relatório do Agente de Execução em 11/03/2020.
*
IV – Fundamentação:
Para além das situações de invalidade e de ineficácia, os modos de extinção da relação contratual mais comuns são os da resolução, revogação, caducidade e denúncia.
Neste particular centraremos a atenção na figura da resolução que se traduz num poder unilateral de extinguir um contrato válido, devido a situações ou circunstâncias posteriores à conclusão do acordo, desde que para tal exista um fundamento previsto na lei ou no negócio celebrado.
Almeida Costa define resolução como sendo «o acto de um dos contraentes dirigido à dissolução do vínculo contratual em plena vigência deste, e que tende a colocar as partes na situação que teriam, se o contrato não houvesse celebrado»[1].
Proença Brandão considera a resolução «como a extinção unilateral (com base na lei ou no contrato), por meio normal de uma normal declaração extrajudicial e com uma eficácia ex tunc ou ex nunc, de uma relação contratual, total ou parcialmente alterada ou perturbada»[2].
Quando falamos na resolução, ocorre-nos falar numa situação de impedimento, que resulta da falta, recusa ou impossibilidade definitiva, seja esta parcial ou definitiva, no cumprimento de deveres de prestação ou outros deveres, que surgem como objecto da prossecução do contrato[3].
Nos contratos bilaterais ou sinalagmáticos como o presente, o direito de resolução surge como consequência da ocorrência de falhas no cumprimento das obrigações inerentes aos contraentes e este direito dá assim a possibilidade de o credor adimplente reagir contra o incumprimento do outro contraente.
No domínio do arrendamento, o legislador previu expressamente que, por causa imputável ao inquilino, o contrato vinculístico fosse resolvido com base na falta de pagamento da renda ou dos encargos no tempo e no lugar próprio; violação reiterada e grave de higiene, de sossego, de boa vizinhança ou de normas constantes do regulamento de condomínio; utilização do prédio contrária à lei, aos bons costumes ou à ordem pública, uso do prédio para fim diverso daquele a que se destina, não uso do prédio durante mais de um ano; cessão total ou parcial, temporária ou permanente, onerosa ou gratuita, quando ilícita, inválida ou ineficaz perante o senhorio; realização de obras não consentidas e deterioração do imóvel; violação dos limites legais ou contratuais relativos a hóspedes e, por fim, para além de tudo aquilo que possa ser contratualmente ajustado entre contratantes, cobrança pelo arrendatário ao subarrendatário de renda superior à permitida pelo artigo 1062.º do Código Civil.
Em caso de incumprimento, é concebível a coexistência entre a extinção dos deveres de prestação e a permanência dos deveres de protecção da natureza contratual. Com efeito, Pessoa Jorge considera que «os efeitos do contrato sinalagmático não se extinguem automaticamente com o não cumprimento da obrigação sinalagmática»[4] e Baptista Machado defende a cumulação do direito de extinção contratual com a atribuição de indemnização nos limites do interesse do cumprimento[5].
No domínio do arrendamento é previsto um instrumento típico de ressarcimento contratual em caso de mora[6].
*
O arrendatário devedor constitui-se em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não for atempadamente efectuada. A vinculação do pagamento da renda é a obrigação principal do arrendatário, tal como atesta Pinto Furtado. Segundo este autor «ela é, na verdade, a fundamental obrigação que lhe incumbe, formando a sua contraprestação do sinalagma e constituindo, incontestavelmente, uma obrigação em sentido próprio.
Em perfeita harmonia com esta natureza, a sua violação permite ao locador a resolução do contrato e faz incorrer em responsabilidade o locatário pelo acto ilícito que por ela comete»[7].
A falta de pagamento da renda no tempo e lugar próprio, não seguida de depósito liberatório, autoriza o senhorio a pedir ao Tribunal a resolução do contrato de arrendamento fundado no comportamento do arrendatário. O artigo 1041.º, n.º 1, do Código Civil é um instrumento sanatório da causa de resolução[8] por falta de pagamento pontual da renda, mas não constitui um direito do senhorio em todos os casos de retardamento ou falta de pagamento da prestação.
A lei dá ao senhorio, nos casos de falta de pagamento, uma alternativa ao pedir o direito de indemnização ou de resolver o contrato. Para Albino Serra Baptista se optar pela resolução do contrato, o senhorio só tem direito a exigir as rendas em dívida, não tendo qualquer direito a indemnização pela mora do arrendatário. Para fazer cessar a mora, basta o arrendatário efectuar o pagamento da renda, no prazo de oito dias a contar desde o inicio da mora[9].
Esta indemnização, correspondente à falta de cumprimento pontual da principal obrigação contraída pelo locatário, representava uma forma criteriosa de conciliação entre o interesse do locador ao rendimento periódico do prédio e o interesse, individual e colectivo, da estabilidade da habitação»[10].
*
Vejamos assim se existe título executivo nos termos avançados pela sociedade recorrente e se o mesmo dá direito à cobrança da pretendida indemnização a que alude o n.º 1 do artigo 1041.º do Código Civil.
A acção executiva visa a realização efectiva, por meios coercivos, do direito violado e tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta (artigos 2.º e 10.º, nºs 1, 4 e 5, do Novo Código de Processo Civil).
A exequibilidade extrínseca da pretensão é atribuída pela incorporação da pretensão no título executivo. Ou seja, é exigência legal a existência de um documento que formaliza a faculdade de realização coactiva da prestação não cumprida (artigo 10.º, nºs 4 e 5, do Novo Código de Processo Civil).
Para Lebre de Freitas o título constitui a base da execução, por ele se determinando o fim e os limites da acção executiva, isto é, o tipo de acção e o seu objecto, assim como a legitimidade, activa e passiva[11] [12] [13].
O julgador a quo entendeu que o objecto da execução não poderia abranger o valor da indemnização prevista no n.º 1 do artigo 1041.º do Código Civil e apoia-se num acórdão do Tribunal da Relação do Porto datado de 12/05/2009[14] – logo proferido em momento anterior ao da reforma do Regime do Arrendamento Urbano de 2019 (Lei n.º 13/2019, de 12/02). Segundo este aresto a indemnização em questão 1041.º do Código Civil, não obstante a liquidação desta indemnização ter sido incluída na comunicação feita previamente à devedora, não existe título executivo para esta última dimensão do pedido.
E no desenvolvimento deste raciocínio o despacho recorrido entende que «inexiste título executivo que sustente o pagamento da indemnização a que alude o artigo 1041.º, n.º 1, do C.C. ou o artigo 1045.º[15], do mesmo texto legal» e, por isso, em obediência ao disposto no artigo 703.º, n.ºs 2, alínea a) e 3[16], do Código de Processo Civil, «importa indeferir liminarmente o referido requerimento executivo, no que a tais quantias diz respeito».
No plano formal, no actual quadro normativo é indiscutível que, na sequência de sucessivas alterações ao regime do arrendamento urbano, o contrato de arrendamento e a carta registada com aviso de recepção efectivamente recebida pela executada cumprem a função de título executivo para a execução comum para pagamento de quantia certa.
Na realidade, o n.º 1 do artigo 14.º-A[17] do Novo Regime do Arrendamento Urbano, conjugado com a alínea d) do n.º 1 do artigo 703.º do Código de Processo Civil, consagra um título executivo complexo, integrado pelo contrato de arrendamento e pelo comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, com vista à execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário[18].
A nosso ver, se, em execução para pagamento de quantia certa, tendo como título executivo composto o contrato de arrendamento urbano e o comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida (artigo 14.º-A do NRAU), o exequente vem formular pedido de indemnização agravada a que alude o n.º 1 do artigo 1041.º do Código Civil, cabe-lhe alegar, no requerimento executivo, o modo de extinção do vínculo contratual, de molde a afastar a hipótese de resolução do contrato com base em falta de pagamento[19].
A parte final do preceito apenas exclui a indemnização se ocorrer, cumulativamente: a) a resolução do contrato e b) essa resolução se tiver fundado na omissão do pagamento das rendas de emanação contratual[20]. Assim, perante a falta de pagamento de rendas, o senhorio tem duas vias legais diante de si. Se enveredar por uma, obtém a resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento de rendas e o valor destas em singelo. Se for pela outra, protege o contrato, deixando-o subsistente, e cobra, além das rendas, uma indemnização correspondente a 20% [na redacção actual da norma] do seu valor[21].
Da leitura da carta enviada em 06/04/2021resulta claramente, tal como consta do respectivo enunciado, que ocorreu uma interpelação «para proceder ao pagamento voluntário do montante devido», «correspondentes a rendas vencidas referentes aos meses de Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho e Julho do ano de 2017». E isto bastava para afastar a pretensão.
Ao invés, caso assim não fosse, a prevalecer o entendimento agora avançado em sede de alegações, estar-se-ia perante uma situação em que o senhorio não exerceu de nenhuma forma um direito à resolução do arrendamento com fundamento em incumprimento contratual imputável à contraparte e onde também não ocorre a cessação da relação locatícia por motivo imputável ao inquilino.
Sobre a desistência do inquilino existe jurisprudência consolidada que aponta para a manutenção do direito indemnizatório[22] ou o termo do contrato resulta de denúncia por iniciativa do locatário[23].
Para além das hipóteses anteriores, em face do não pagamento das rendas, o senhorio apenas não tem jus ao recebimento da indemnização consagrada no número 1 do artigo 1041.º do Código Civil quando ocorra uma hipótese de cessação por mútuo acordo[24].
Ou, por outras palavras, o direito à indemnização não se mantém quando existe uma cessação por mútuo acordo entre locador e locatário, a não ser que o texto do acordo assim o preveja, dado que objectivamente a sanção prevista na lei apenas está estruturada para uma hipótese de resolução contratual ou da ocorrência de uma causa imputável à parte contrária que inviabilize a manutenção do acordo.
Apesar da letra da lei não prever a hipótese – rectius, nem tinha de a prever –, através do recurso aos princípios gerais, resulta que o termo consensual do contrato não atribui a possibilidade de concessão de indemnização compensatória, ainda que no pretérito tivesse ocorrido um cenário de não cumprimento pontual do contrato.
A hipótese de extinção do vínculo contratual por mútuo acordo por necessidade do senhorio, a situação não está assim incluída na esfera de previsão da norma. E esta seria claramente a situação, caso se valorizasse a declaração da recorrente. E tanto por via, como por outra, não existiria lugar ao pagamento da reclamada indemnização.
*
Em síntese, da leitura da norma habilitante torna-se patente que, nos casos de resolução sem mútuo acordo, a indemnização agravada – que actualmente corresponde a 20% do montante devido (e não a 50%) a partir da vigência da Lei n.º 13/2019, de 12/02 – fica apenas excluída se o contrato de arrendamento for resolvido com fundamento na falta de pagamento da retribuição pelo gozo do imóvel, nos termos do n.º 1 do artigo 1041.º do Código Civil.
Daqui decorre que, para esse efeito, é ónus constitutivo da obrigação de cobrança a alegação no requerimento executivo da causa de extinção do contrato. A este propósito, a simples leitura da petição inicial executiva e da documentação de apoio aponta claramente para que o motivo subjacente à cobrança é a existência de rendas em dívida e não pontualmente satisfeitas e não qualquer um dos fundamentos resolutivos acima elencados. E daqui resultaria que a indemnização não era aqui cobrável.
Em adição, no desenvolvimento da lide, apenas em sede de recurso, a recorrente aponta uma nova causa de pedir que consistiria na existência de um acordo de cessação por mútuo acordo fundado na necessidade do senhorio.
Quanto a esta defesa, poder-se-ia ainda admitir que, ao não alegar a causa de extinção contratual, ocorresse a necessidade de correcção da petição inicial, em ordem a garantir a prevalência das decisões de substância sobre as de forma.
Não tendo procedido a tal alegação, mediante factos concretizadores do modo de extinção do contrato, poderia ocorrer uma situação de insuficiência de alegação fáctica necessária, a qual seria justificadora da existência de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo, para que seja suprida a falta.
No entanto, não se está perante uma insuficiência fáctica, antes somos confrontados com uma proposta de alteração da causa de pedir, que não é passível de correcção através de aperfeiçoamento do articulado inicial.
Complementarmente, ainda que se houvesse lugar a aperfeiçoamento de harmonia com o disposto nos artigos 726.º, n.º 4[25], e 734.º[26] do Código de Processo Civil, como já vimos, não estaria viabilizado o percebimento da referida indemnização.
Na realidade, apenas em sede de impugnação por via recursal é que a recorrente afirma que que cessou «em 31/07/2017, o contrato por mútuo acordo por necessidade do locado pela própria senhoria». Apesar de já se ter dito que neste enquadramento jurídico não existiria jus à sobredita indemnização, a matéria configura uma questão nova e os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo acto recorrido.
Miguel Teixeira de Sousa ensina que, no direito português, os recursos ordinários visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal recorrido no momento do seu proferimento. Isto significa que, em regra, o Tribunal não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamento de questões novas[27]. E esta matéria tem o total acordo dos Tribunais Superiores [28] [29] [30] [31] [32].
Nesta dimensão, ainda que estivéssemos perante um denominado acordo de satisfação em que o termo da relação contratual fosse concretizado através do mútuo consenso entre as partes, a parte activa teria de mencionar de forma expressa e explicita que o acordo de revogação continha um compromisso do pagamento da indemnização em causa.
Dito tudo isto, não existe motivo para julgar procedente o recurso e mantém-se a decisão recorrida.
*
V – Sumário: (…)
*
VI – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se julgar improcedente o recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.
Custas do presente recurso a cargo da apelante, nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 527.º do Código de Processo Civil.
Notifique.
*
Processei e revi.
*
Évora, 12/05/2022
José Manuel Costa Galo Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho
Isabel de Matos Peixoto Imaginário

__________________________________________________
[1] Almeida Costa, Direito das Obrigações, Almedina, Coimbra, 2009, pág. 281.
[2] Brandão Proença, A Resolução do Contrato no Direito Civil, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, pág. 38.
[3] Albino Miguel Mesquita Serra Baptista, Resolução do Contrato no Direito Civil, Fundação Bissaya Barreto, Coimbra, 2011, pág. 52.
[4] Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, 1966-1967, pág. 652.
[5] Baptista Machado, Pressupostos de resolução, Separata do Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, 1979, pág. 55.
[6] Artigo 1041.º (Mora do locatário):
1 - Constituindo-se o locatário em mora, o locador tem o direito de exigir, além das rendas ou alugueres em atraso, uma indemnização igual a 20% do que for devido, salvo se o contrato for resolvido com base na falta de pagamento.
2. Cessa o direito à indemnização ou à resolução do contrato, se o locatário fizer cessar a mora no prazo de oito dias a contar do seu começo.
3. Enquanto não forem cumpridas as obrigações a que o n.º 1 se refere, o locador tem o direito de recusar o recebimento das rendas ou alugueres seguintes, os quais são considerados em dívida para todos os efeitos.
4. A recepção de novas rendas ou alugueres não priva o locador do direito à resolução do contrato ou à indemnização referida, com base nas prestações em mora.
5 - Caso exista fiança e o arrendatário não faça cessar a mora nos termos do n.º 2, o senhorio deve, nos 90 dias seguintes, notificar o fiador da mora e das quantias em dívida.
6 - O senhorio apenas pode exigir do fiador a satisfação dos seus direitos de crédito após efetuar a notificação prevista no número anterior.
7 - Em contratos sujeitos ao regime de arrendamento apoiado, o senhorio pode, no âmbito de acordo de regularização de dívida, reduzir ou dispensar a indemnização prevista no n.º 1, sem prejuízo do direito à resolução do contrato e à cobrança de juros de mora, em caso de incumprimento do acordo.
[7] Manual do Arrendamento Urbano, 3ª edição revista e actualizada, Almedina, Coimbra 2001, pág. 432.
[8] Pedro Romano Martinez entende que o legislador empregou incorrectamente o termo «caducidade», “porque não consubstancia um caso de caducidade, até porque o n.º 4 do artigo 1084.º do CC/NRAU se identifica a situação como sendo uma hipótese de ineficácia”, in Celebração e Execução do Contrato de Arrendamento segundo o Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), publicado na revista O Direito, ano 137.º (2005), II, pág. 340.
[9] Albino Miguel Mesquita Serra Baptista, Resolução do Contrato no Direito Civil, Fundação Bissaya Barreto, Coimbra, 2011, pág. 87.
[10] Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. II, 4ª edição revista e actualizada (com a colaboração de Henrique Mesquita), Coimbra Editora, Coimbra, 2011, pág. 376.
[11] José Lebre de Freitas, A Acção Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª Edição, Coimbra, pág. 43.
[12] A este propósito, Rui Pinto, Manual da Execução e Despejo, Coimbra Editora, Coimbra, páginas 142-143, afirma que «deve considerar-se que o título executivo é um documento, i. é., a forma de representação de um facto jurídico, o documento pelo qual o requerente de realização coactiva da prestação demonstra a aquisição de um direito a uma prestação, nos requisitos legalmente prescritos».
[13] No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 27 de Junho de 2007, in www.dgsi.pt, pode ler-se que o título executivo é, assim, condição necessária da acção executiva, já que sem título não pode ser instaurada acção executiva; se for instaurada, deve ser indeferida liminarmente; se o não for, pode ser objecto de oposição à execução.
Mas, por outro lado, o título executivo é também condição suficiente da acção executiva, uma vez que a sua apresentação faz presumir as características e os sujeitos da relação obrigacional, correspondendo à necessidade reclamada pelo processo executivo de se encontrar assegurada, com apreciável grau de probabilidade, a existência e o conteúdo da obrigação. Assim, a análise do título deve demonstrar, sem necessidade de outras indagações, tanto o fim como os limites da acção executiva».
[14] Disponível em www.dgsi.pt e que se apoia na seguinte argumentação: «Primeiro, porque o preceito do n.º 2 do artigo 15.º do NRAU, que confere força executiva ao contrato de arrendamento, apenas refere “a acção de pagamento da renda”, excluindo da norma qualquer referência à indemnização pelo atraso no pagamento da renda. Sem que se possa invocar que esta omissão se deveu a mero lapso, porquanto o legislador não podia ignorar que a referida indemnização decorre da lei e está prevista no n.º 1 do artigo 1041.º do Código Civil.
E também não parece legítimo que se possa invocar que tal menção era desnecessária, porquanto, em relação aos juros de mora, o legislador fez constar do n.º 2 do artigo 46.º do Código de Processo Civil que se consideram abrangidos pelo título executivo. O que, devidamente conjugado, deve ser interpretado no sentido de que o legislador não quis estender a força executiva do contrato de arrendamento à indemnização prevista no n.º 1 do artigo 1041.º do Código Civil.
Segundo, em reforço da interpretação anteriormente referida, porque, ao contrário do que sucede com a obrigação de pagar a renda, que constitui uma obrigação contratual do arrendatário e consta expressamente do contrato que, por isso, lhe serve de título executivo, a pretendida indemnização decorre da lei, e não do contrato. Daí que, não estando prevista no contrato, este não pode constituir título executivo em relação à referida indemnização (quod non est in titulo non est in mundo).
Terceiro, porque esta indemnização tem o carácter de uma sanção pelo atraso no pagamento da renda, e não de obrigação contratual que tenha sido expressamente aceite e assumida pelo arrendatário. E como sanção legal que é, a sua aplicação não é automática em relação a todos os casos de mora no pagamento da renda, mas, como dispõe o n.º 1 do artigo 1041.º do Código Civil, funciona apenas nos casos em que o contrato não for resolvido com o mesmo fundamento. O que sempre exigiria a confirmação documental de que o senhorio não resolveu o contrato com fundamento na falta de pagamento das mesmas rendas».
[15] Artigo 1045.º (Indemnização pelo atraso na restituição da coisa):
1. Se a coisa locada não for restituída, por qualquer causa, logo que finde o contrato, o locatário é obrigado, a título de indemnização, a pagar até ao momento da restituição a renda ou aluguer que as partes tenham estipulado, excepto se houver fundamento para consignar em depósito a coisa devida.
2. Logo, porém, que o locatário se constitua em mora, a indemnização é elevada ao dobro.
[16] Artigo 703.º (Espécies de títulos executivos):
1 - À execução apenas podem servir de base:
a) As sentenças condenatórias;
b) Os documentos exarados ou autenticados, por notário ou por outras entidades ou profissionais com competência para tal, que importem constituição ou reconhecimento de qualquer obrigação;
c) Os títulos de crédito, ainda que meros quirógrafos, desde que, neste caso, os factos constitutivos da relação subjacente constem do próprio documento ou sejam alegados no requerimento executivo;
d) Os documentos a que, por disposição especial, seja atribuída força executiva.
2 - Consideram-se abrangidos pelo título executivo os juros de mora, à taxa legal, da obrigação dele constante.
[17] Artigo 14.º-A (Título para pagamento de rendas, encargos ou despesas):
1 - O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário.
2 - O contrato de arrendamento, quando acompanhado da comunicação ao senhorio do valor em dívida, prevista no n.º 3 do artigo 22.º-C do regime jurídico das obras em prédios arrendados, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 157/2006, de 8 de agosto, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente à compensação pela execução de obras pelo arrendatário em substituição do senhorio.
[18] Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07/11/2019, divulgado em www.dgsi.pt.
[19] Neste sentido, o convocado acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26/02/2019, publicitado em www.dgsi.pt.
[20] Pereira Coelho, Arrendamento, Lições ao curso do 5º ano de Ciências Jurídicas no ano lectivo de 1986-1987, Coimbra 1987, pág. 180.
[21] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 03/07/1997, 22/06/1999 e 19/09/2006, do Tribunal da Relação de Lisboa de 24/06/2010 e 11/09/2012 e do Tribunal da Relação do Porto de 19/12/2012, todos in www.dgsi.pt.
[22] De acordo com o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10/04/2014, divulgado através de www.dgsi.pt, «O senhorio tem direito à indemnização agravada prevista no n.º 1 do artigo 1041.º do CC, correspondente a 50% das rendas em dívida, quando, não tendo exercido o direito à resolução do arrendamento com fundamento em incumprimento contratual imputável à contraparte, a iniciativa e o interesse prioritário na cessação da relação locatícia são próprios e pessoais do inquilino que, ao entregar as chaves do locado, manifestou claramente a sua desistência na manutenção da relação de arrendamento em curso.
Na verdade, constituiria solução arbitrária e desprovida de fundamento material bastante a que se traduzisse, neste quadro factual, em onerar a posição do senhorio, postergando o específico direito à indemnização conferido ao locador num caso em que este opta por não resolver o contrato, cessando a relação contratual com base exclusivamente em acto da iniciativa e interesse do locatário».
[23] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/09/2006, in www.dgsi.pt.
[24] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09/05/2006 e de 10/04/2014 e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22/04/2013, todos in www.dgsi.pt.
[25] Artigo 726.º (Despacho liminar e citação do executado):
1 - O processo é concluso ao juiz para despacho liminar.
2 - O juiz indefere liminarmente o requerimento executivo quando:
a) Seja manifesta a falta ou insuficiência do título;
b) Ocorram exceções dilatórias, não supríveis, de conhecimento oficioso;
c) Fundando-se a execução em título negocial, seja manifesta, face aos elementos constantes dos autos, a inexistência de factos constitutivos ou a existência de factos impeditivos ou extintivos da obrigação exequenda de conhecimento oficioso;
d) Tratando-se de execução baseada em decisão arbitral, o litígio não pudesse ser cometido à decisão por árbitros, quer por estar submetido, por lei especial, exclusivamente, a tribunal judicial ou a arbitragem necessária, quer por o direito controvertido não ter caráter patrimonial e não poder ser objeto de transação.
3 - É admitido o indeferimento parcial, designadamente quanto à parte do pedido que exceda os limites constantes do título executivo ou aos sujeitos que careçam de legitimidade para figurar como exequentes ou executados.
4 - Fora dos casos previstos no n.º 2, o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto no n.º 2 do artigo 6.º.
5 - Não sendo o vício suprido ou a falta corrigida dentro do prazo marcado, é indeferido o requerimento executivo.
6 - Quando o processo deva prosseguir, o juiz profere despacho de citação do executado para, no prazo de 20 dias, pagar ou opor-se à execução.
7 - Se o exequente tiver alegado no requerimento executivo a comunicabilidade da dívida constante de título diverso de sentença, o juiz profere despacho de citação do cônjuge do executado para os efeitos previstos no n.º 2 do artigo 741.º.
8 - Quando deva ter lugar a citação do executado, a secretaria remete ao agente de execução, por via eletrónica, o requerimento executivo e os documentos que o acompanhem, notificando aquele de que deve proceder à citação.
[26] Artigo 734.º (Rejeição e aperfeiçoamento):
1 - O juiz pode conhecer oficiosamente, até ao primeiro ato de transmissão dos bens penhorados, das questões que poderiam ter determinado, se apreciadas nos termos do artigo 726.º, o indeferimento liminar ou o aperfeiçoamento do requerimento executivo.
2 - Rejeitada a execução ou não sendo o vício suprido ou a falta corrigida, a execução extingue-se, no todo ou em parte.
[27] Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., LEX, Lisboa 1997, pág. 395.
[28] Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 27/07/1965, BMJ 149-297; de 26/03/1985, BMJ 345-362; de 02/12/1998, BMJ 482-150; de 12-07-1989, BMJ 389-510; de 28/06/2001, in www.dgsi.pt, de 30/10/2003, in www.dgsi.pt, de 20-07-2006, in www.dgsi.pt, de 04/12/2008, in www.dgsi.pt.
[29] A título de exemplo, pode consultar-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010, disponibilizado em www.dgsi.pt, que firmou posição no sentido de que «os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas, não apreciadas pelo tribunal recorrido, mas sim a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso. Despistam erros in judicando, ou in procedendo, que são expressamente indicados pelo recorrente, com referência expressa e específica aos meios de prova que impõem decisão diferente, quanto aos pontos de facto concretamente indicados (quanto à questão de facto), ou com referência à regra de direito respeitante à prova, ou à questão controvertida (quanto à questão de direito) que teria sido violada, com indicação do sentido em que foi aplicada e qual o sentido com que devia ter sido aplicada. Assim, o julgamento do recurso não é o da causa, mas sim do concreto recurso e tão só quanto às questões concretamente suscitadas e não quanto a todo o objecto da causa. Não pode, pois, o Tribunal Superior conhecer de questões que não tenham sido colocadas ao Tribunal de que se recorre».
[30] No acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 22/10/2013, in www.dgsi.pt, pode ler-se que «no direito português, os recursos ordinários, como é o caso, são de reponderação; visam a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal recorrido no momento do seu proferimento; o que significa que o Tribunal de recurso não pode ser chamado a pronunciar-se sobre matéria que não foi alegada pelas partes na instância recorrida ou sobre pedidos que nela não foram formulados. Daí o dizer-se que os recursos são meios de impugnação de decisões judiciais e não meios de julgamentos de questões novas; estando por isso excluída a possibilidade de alegação de factos novos na instância de recurso».
[31] Acórdão deste colectivo do Tribunal da Relação de Évora de 21/11/2019, publicitado em www.dgsi.pt.
[32] Ou ainda nos acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 08/11/2018 e do Tribunal da Relação de Évora de 24/10/2019, ambos editados em www.dgsi.pt.