Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
511/10.0GCSTR.E1
Relator: ANA BACELAR CRUZ
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
MEDIDA DA PENA
DETENÇÃO ILEGAL DE ARMA
CONTRA-ORDENAÇÃO
Data do Acordão: 03/20/2012
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário:
1. Para os comportamentos previstos no art. 99º-A, nº 2 da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, praticados antes da entrada em vigor da Lei 12/2011, de 27/04 o legislador estabeleceu um regime transitório no art. 3º deste último Diploma, no qual se prevê que “Continuam a ser sancionados nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 99º-A da Lei 5/2006, de 23/02 na versão aprovada pela presente lei”. Tais comportamentos são pois considerados contra-ordenações.
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora

I. RELATÓRIO

No processo comum nº 511/10.0GCSTR.E1, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Santarém, o Ministério Público acusou Alexandre P, casado, assistente operacional, nascido a 12 de abril de 1971,..., residente...., em Almoster, pela prática:

- de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal;

- de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea s), 3.º, n.º 6, alínea a), 12.º, n.º 1, alínea d), 27.º, n.º 1, 28.º, n.º 1, 29.º, n.º 1, 86.º, n.º 1, alínea c) e 99º-A, n.º 2, todos do Regime Jurídico de Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006 de 23 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 17/2009 de 6 de maio;

- uma contraordenação de detenção de arma fora das condições legais, prevista e punida pelos artigos 2.º, n.º 1, alínea s), artigo 3.º, n.º 6, alínea a), 12.º, n.º 1, alínea d), 27.º, n.º 1, 28.º, n.º 1, 29.º, n.º 1, 99.º-A, n.º 1, todos do Regime Jurídico de Armas e Munições, aprovado pela Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 17/2009 de 6 de maio.

Apresentou o Arguido contestação escrita, invocando ser pessoa a quem a violência, como forma de resolução de conflitos, repugna. E estar muito triste.

Realizado o julgamento, perante Tribunal Coletivo, e julgada a acusação parcialmente procedente, foi o Arguido condenado:

i) na pena de 3 (três) anos de prisão, pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 do Código Penal;

ii) na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 86.º, n.º 1, alínea c), e 99.º-A da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 17/2009, de 6 de maio;

iii) na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão, em cúmulo jurídico das penas aplicadas, cuja execução ficou suspensa por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova e subordinada ao cumprimento pelo arguido do dever de entregar à APAV a quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) durante o período da suspensão.

Foi declarada perdida a favor do Estado a arma de fogo de um cano com 70 centímetros, semiautomática, calibre 12 mm, da marca “Benelli”, com o no M482981, apreendida nos autos.

Inconformado(a) com tal decisão, o(a) Arguido(a) dela interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões [transcrição]:

«1 – O recorrente foi condenado “Em cúmulo jurídico das penas aplicadas (3 anos de prisão por crime de violência doméstica e 1 ano e 4 meses de prisão por crime de detenção de arma proibida) na pena única de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de prisão (suspensa por igual período de tempo)”, tendo o Tribunal decidido “Declarar perdida a favor do Estado a arma de fogo de um cano, semi-automática, calibre 12 mm, da marca “Beneiili, com o nº M482981, apreendida a fls. 14” – (cf. douto acórdão proferido em 13.07.2011 – parte III – Decisão, Pontos 1 a 4 e 6, págs. 28 e 29).

2 – O Recorrente entende que não serem conformes à lei, quer a aplicação de pena de prisão pelo crime de detenção de arma proibida, quer a aplicação da pena de 3 (três) anos de prisão pelo crime de violência doméstica, quer ainda a providência sancionatória de perda “…a favor do Estado da arma de fogo…de marca “Beneiili”.

3 – Diz o douto Acórdão recorrido que “In casu, não obstante a inexistência de antecedentes criminais do arguido, ponderadas as características da arma em causa, o período de tempo durante o qual se prolongou essa detenção, bem como todo o circunstancialismo que envolveu a detenção daquela arma de fogo, nomeadamente, os factos praticados sobre a ofendida, afigura-se-nos muito elevado o grau de ilicitude, pelo que só uma pena privativa da liberdade será suficiente…” (cf. pág. 22, dois últimos parágrafos).

4 – Ora, precisamente consideradas:

a) a “inexistência de antecedentes criminais do arguido” – facto provado 19, pág. 5;

b) as “características da arma em causa” – arma de caça (actividade lúdica não tem por objecto seres humanos) – facto provado 14, pág. 4 – e não arma absolutamente proibida (v.g. armas de guerra);

c) o “período de tempo durante o qual se prolongou essa detenção” – só durante 4 meses e 20 dias, “desde 1 de Julho de 2010 até 21 de Novembro de 2010, integra a prática de um crime de detenção de arma proibida”, sendo que o período correspondente aos “180 dias seguintes ao termo de validade da licença, ou seja, durante 6 meses, desde 30 de Dezembro de 2009 a 30 de Junho de 2010, integra a prática de uma contra-ordenação” – cf. Enquadramento Jurídico-Criminal, pág. 21; e

d) “todo o circunstancialismo que envolveu a detenção daquela arma de fogo, nomeadamente, que a arma de caça objecto deste recurso, não serviu (nem originalmente se destinava a servir) de modo algum, como instrumento do crime de violência doméstica praticado sobre a ofendida” – cf. factos provados 1 a 32, págs. 2 a 6 –…

5 –…É que se entende que a aplicação de pena de prisão pelo crime de detenção de arma proibida, é manifestamente ilegal, tendo o douto Acórdão recorrido violado as disposições conjugadas dos arts. 86º, nº 1, alínea c), da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção da Lei 17/2009, de 6 de Maio, 70º do Código Penal (CP) e 127º do CPP.

6 – Podendo ser aplicada pena de multa pelo citado crime e devendo ser dada preferência a esta, é manifesto que, se o ora Recorrente em momento algum a usou, quer disparando-a, quer usando-a como objecto contundente, para agredir a ofendida, então não se pode concluir, como fez o Tribunal recorrido, que se lhe afigura “muito elevado o grau de ilicitude, pelo que só uma pena de prisão será suficiente…”.

7 – Acresce, de outro ângulo, que o Tribunal justifica também a pena de prisão com o “período de tempo durante o qual se prolongou essa detenção”, olvidando, como já se disse, que deste período de detenção da arma, 180 dias integram a prática de uma contra-ordenação, não punida com prisão, apenas com coima, e apenas 110 dias integram a prática de um crime, este passível de prisão.

8 – O Tribunal entendeu que “a punição pela prática da contra-ordenação fica necessariamente afastada, uma vez que a conduta do arguido irá ser punida pela prática do crime de detenção de arma proibida” (cf. pág. 21, penúltimo parágrafo), mas isso não significa que a condenação a este título deva ser em pena de prisão, precisamente por a maior parte dos factos não o permitir na sua génese enquanto mera contra-ordenação.

9 – Ademais, a ilicitude e a culpa têm que ser entendidas à luz dos factos apurados em audiência e o certo é que “Confrontado com a falta de renovação da licença, o arguido invocou a ausência de meios económicos para o fazer” (cf. Motivação do Acórdão, pág. 10, antepenúltimo parágrafo “in fine”).

10 – Ora, o Recorrente, do “primeiro casamento teve dois filhos…”, a quem “paga…uma pensão de alimentos no valor de € 180”, desde “Outubro de 2006…passou a viver em união de facto”, até à “data dos factos (20 de Novembro de 2010) …com a ofendida, a enteada, filha da ofendida com 5 anos e a filha do casal com 2 anos” – factos provados 25, 26, 27 e 28, págs. 5 e 6.

11 – Portanto, deduzidos € 180,00 da pensão de alimentos aos € 600,00 que aufere (aliás só “desde 1/08/2010” – facto provado 31, pág. 6), o Recorrente só dispunha de € 420,00 para si e para a economia comum do agregado familiar, pelo que é manifesto que, como disse em audiência, não tinha “meios económicos” para renovar a licença.

12 - Ou seja, o arguido Recorrente agiu, quanto à contra-ordenação (por não ter renovado a licença nos 180 dias posteriores ao termo desta) com dolo eventual (art. 14º, nº 3, do CP): certamente teria renovado a licença se pudesse, mas não o pôde fazer por motivos económicos e com isso se conformou; não houve uma premeditação, um desígnio ou intenção de violar a lei, tanto mais que se tratava de renovação, ou seja, o arguido já havia demonstrado ser cumpridor da lei quando originalmente pediu e obteve a licença.

13 – Sendo que findos esses 180 dias e no período de 110 dias que se seguiu, o Recorrente já representou “a realização do facto que preenche o tipo de crime de detenção de arma proibida como consequência necessária da sua conduta” (art. 14º, nº 2, do CP), pelo que agiu com dolo necessário.

14 – Ora, mandando o art. 71º, nºs 1 e 2, alínea d), do CP, atender à “situação económica” do agente, não só o Tribunal não atentou em tal facto, violando essa norma, como considerou que “No caso concreto contra o arguido milita o facto de ter agido na modalidade mais intensa de dolo”, isto é, dolo directo – cf. Determinação da natureza e e medida das sanções a aplicar ao arguido, pág. 23, violando também, pois, aquele art. 14º do CP.

15 – Pelo exposto, face aos factos dados como provados e numa correcta subsunção dos mesmos à lei, devia ter sido aplicada pena de multa, não de prisão, pelo crime de detenção de arma proibida, daí que, a nosso ver, se justifique o presente recurso, atenta a contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão (de aplicação de pena de prisão pelo crime de detenção de arma proibida) e o erro notório na apreciação da prova – art. 410º, nº 2, alíneas b) e c), do CPP.

16 – O crime de violência doméstica, conquanto (justamente) punível por lei, tem de ser entendido, em certos casos, desde um ponto de vista da evolução dos machos da espécie humana.

17 – No caso dos autos, as agressões em apreço têm a sua génese na infidelidade (real ou imaginária, pouco importa agora) da ofendida, como se alcança, no mínimo, do facto provado 5, pág. 3 – “o arguido acusou a mesma (ofendida) de falar com outros homens”.

18Tratou-se de um comportamento excepcional do Recorrente, como se infere objectivamente do facto provado 24, pág. 5 – “O arguido esteve casado com a sua primeira mulher durante cerca de 12 anos” – não havendo registo (pelo menos criminal, como já se viu) de que alguma vez a tivesse agredido.

19 – O Recorrente entende, pelos motivos assinalados, que a pena de três anos que lhe foi aplicada, pelo cometimento do crime de violência doméstica, foi exasperadamente excessiva.

20 – Com efeito, é nosso entendimento que o douto Acórdão recorrido não atendeu, como deveria, aos critérios estatuídos nos artigos 70º a 73º e 77º do CP, tendo, por conseguinte, violado tais artigos.

21 – O grau de ilicitude e culpa do Recorrente não se revelam assim tão elevados ao ponto de justificarem a pena concretamente aplicada, aliás “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (art. 40º, nº 2, do CP), afigurando-se justa e razoável de uma pena de prisão de, no máximo, 1 ano e 6 meses, suspensa por igual período de tempo.

22 – Em suma, o douto Acórdão recorrido não fez, também aqui, uma correcta aplicação do Direito aos factos, o que é motivo de recurso – arts. 410º, nºs 1 e 2, alínea c), do CPP.

23 – O douto Tribunal recorrido, depois de transcrever o art. 109º do Código Penal, limita-se a dizer, a final, quanto à questão objecto deste recurso e em sede de justificação da medida, sob a epígrafe “Da perda de objectos, de coisas e de direitos relacionados com o facto(sublinhado nosso) que “A arma de caça…da marca Beneili…apreendida nos presentes autos, deverá ser declarada perdida a favor do Estado nos termos do disposto no citado artigo 109.º, conjugado com o artigo 78.º do Regime Jurídico das Armas e Munições” (cf. douto Acórdão, pág. 27).

24 – Ora, nos termos do disposto no art. 109º, nº 1, do CP “ São declarados perdidos a favor do Estado os objectos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos.”.

25 – Portanto, a declaração de perda a favor do Estado é uma providência sancionatória análoga à medida de segurança, sendo que aos requisitos de que o objecto tenha servido (ou se destinasse a servir) para a prática de um ilícito típico e que patenteie perigosidade, acresce o da proporcionalidade da providência, isto é, esta tem de revelar-se proporcionada à gravidade do ilícito típico perpetrado e à perigosidade do objecto, sob pena de violação do princípio da proporcionalidade consagrado no nº 2 do art. 18º da CRP.

26 – Por outro lado, diz MAIA GONÇALVES (“Código Penal Português Anotado”, 18ª edição, pág. 424), que “a perda é uma espécie de medida de segurança, operando somente naqueles casos em que existe o perigo de repetição de cometimento de novos factos ilícitos através do mesmo instrumento…”.

27 – Ora, o que se verifica logo à partida, como já se disse, é que a arma objecto deste recurso, não serviu (nem originalmente se destinava a servir) de modo algum, como instrumento do crime de violência doméstica, Pelo que é manifesto que não se pode sequer falar no “perigo de repetição de cometimento de novos factos ilícitos através do mesmo instrumento”, já que nada na matéria de facto provada permite o estabelecimento de qualquer relação entre a arma de caça e a prática daquele crime pelo Recorrente.

28 – Apenas, a mera circunstância de ele ter em seu poder tal objecto quando os agentes da PSP se deslocaram à então casa de ambos, Recorrente e Ofendida, na sequência da queixa-crime por esta formulada, o que, manifestamente, não confere fundamento legal para fundamentar a respectiva perda a favor do Estado.

29 – Por outro lado, não se vê como possa vir a estar em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou que a arma ofereça sério risco de vir a ser utilizada para o cometimento de novos factos ilícitos típicos, porquanto “O casal separou-se em Dezembro de 2010…” e “Actualmente, o arguido vive sozinho…” – factos provados 29 e 30, pág. 6 – não se podendo atribuir indefinidamente, sem limite temporal, intenções ao Recorrente, totalmente desligadas dos factos provados.

30 – Aliás, se o Tribunal entende que o Recorrente é um indivíduo perigoso, como parece ser o caso, sempre se dirá que se o Recorrente quisesse fazer algum mal maior à ofendida, o que não é o caso, pois tem uma filha menor da sua relação com ela – cf. facto provado 2, pág. 3 –, teria muitos modos de o fazer (inclusive usando armas legais), como ilustra a história humana, não precisando da arma em apreço para levar a cabo esse hipotético e vil objectivo.

31 – Portanto, estamos em crer que, o douto Tribunal recorrido interpretou a lei (cit. art. 109º do CP) de forma que se nos afigura objectivamente “contra legem”, o que é motivo de recurso (art. 410º, nº 1, do CPP).

32 – No douto Acórdão recorrido, defende-se que a perda resulta objectivamente do facto indesmentível de que o Recorrente nada fez nos 290 dias seguintes à caducidade da licença – daí a contra-ordenação e o crime correspondentes.

32 – Ainda assim nos não parece que o Tribunal tenha interpretado o Regime Jurídico de Armas e Munições da maneira mais correcta, ao declarar a perda da arma a favor do Estado, sem mais.

33 – É que, no art. 18º da Lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, diz-se explicitamente que “1 – A licença de detenção de arma no domicílio É concedida a maiores de 8 anos exclusivamente para efeitos de detenção de armas na sua residência: a) Quando a licença de uso e porte de arma tiver…caducado e este não opte pela sua transmissão da arma abrangida; 3 – Em caso algum a detenção de armas pode ser acompanhada de munições para as mesmas”.

34 – Acreditamos que a fórmula injuntiva decorrente do verbo usado, “é concedida” – o legislador podia ter usado a fórmula “pode ser concedida” mas não o fez – não deixa margem de manobra ao Julgador, desde que verificados os seus pressupostos.

35 – Preenchendo o Recorrente preenche os pressupostos necessários – a licença caducou e não optou pela transmissão da arma –, parece-nos que o Tribunal deveria ter proferido outra decisão, o que não fez, violando aquela norma.

36 – Efectivamente, haveria de ter determinado no Acórdão, prazo para o ora Recorrente fazer prova do pedido de concessão daquela licença nos termos do nº 2 daquele art. 18º, ou da sua concessão, sob pena de, não o fazendo, então sim, ser declarada a perda a favor do Estado.

37 – Ou seja, nunca a arma apreendida podia ter sido declarada perdida a favor do Estado, pelo que, cumpria ordenar a sua restituição ao seu proprietário, o ora Recorrente, desde que, verificados os requisitos para a posse e detenção de arma de caça no domicílio, isto é, desde que este fizesse prova de que cumpre as condições legalmente exigíveis à sua posse e detenção no domicílio.

38 – Dito isto, o que se verifica é que o Tribunal limitou-se a constatar a caducidade e decidindo em conformidade, pela perda a favor do Estado, padecendo de fundamentação insuficiente, o que é motivo de recurso (art. 410º, nº 2, alínea a), do CPP).

39 – Não cuidando de saber quanto à eventual transmissão da arma, pelo que deixou de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, o que configura nulidade, que se vem arguir neste recurso (art. 379º, nºs 1, alínea c) e 2, do CPP).

40 – Foram violados os artigos: 18º e 86º, nº 1, alínea c), da LEI 5/2006, de 23 de Fevereiro, 14º, 40º, nº 2, 70º, 71º, nºs 1 e 2, alínea d), 72º, 73º, 77º e 109º, nº 1, do CÓDIGO PENAL; 127º, 379º, nºs 1, alínea c), e 2, e 410º, nºs 1 e 2, alínea a), b), e c), do CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, e 18º, nº 2, da LEI FUNDAMENTAL.

REQUER, pois, face a todo o supra exposto, V.Exªs. se dignem REVOGAR o douto Acórdão recorrido, com as legais consequências, designadamente:

a) Aplicação de pena de prisão pelo crime de violência doméstica, inferior a 3 anos, consentânea com a ilicitude e a culpa decorrentes dos factos provados, afigurando-se justa e razoável uma pena de prisão de, no máximo, 1 ano e 6 meses, suspensa por igual período de tempo;

b) Aplicação de pena de multa pelo crime de detenção de arma proibida;

c) Seja ordenada a restituição da arma apreendida, para detenção no domicílio, condicionada à comprovação pelo Recorrente do pedido de concessão de licença de detenção de arma no domicilio, em prazo razoável a determinar pelo Tribunal.

Assim se fazendo a habitual e costumada JUSTIÇA!»

O Ministério Público, junto do Tribunal recorrido, respondeu, pugnando pela procedência do recurso, por entender que se deve situar nos 2 (dois) anos a pena a impor pela prática do crime de violência doméstica, que a factualidade integradora do crime de detenção de arma proibida se encontra descriminalizada – face à entrada em vigor da Lei n.º 12/2011, de 27 de abril – e que, em consequência, deve ser revogada a declaração de perdimento da arma de caça, semiautomática, apreendida nos autos.
v
O recurso foi admitido.

Enviados os autos a este Tribunal da Relação, o Senhor Procurador Geral Adjunto revelou apenas divergir da resposta apresentada pelo Ministério Público em 1.ª Instância relativamente à pena a aplicar ao crime de violência doméstica, que entende adequado fixar-se em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

v
O Arguido fez, entretanto, juntar ao processo documento de onde considera resultar que a arma semiautomática apreendida nos autos tem licença válida até ao dia 29 de Dezembro de 2011.

v
Observou-se o disposto no artigo 417.º, nº 2, do Código de Processo Penal.
Não foi apresentada resposta.

Efetuado o exame preliminar, determinou-se que o recurso fosse julgado em conferência.
Colhidos os vistos legais e tendo o processo ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. FUNDAMENTAÇÃO
De acordo com o disposto no artigo 412.º do Código de Processo Penal e com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário da Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça n.º 7/95, de 19 de outubro de 1995[[1]], o objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da respectiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

As possibilidades de conhecimento oficioso, por parte deste Tribunal da Relação, decorrem da necessidade de indagação da verificação de algum dos vícios da decisão recorrida, previstos no n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, ou de alguma das causas de nulidade dessa decisão, consagradas no n.º 1 do artigo 379.º do mesmo diploma legal[[2]].

Pelo Recorrente, são suscitadas as seguintes questões:

- erro na escolha da pena imposta pela prática do crime de detenção de arma proibida;

- exagero da pena de prisão imposta pela prática do crime de violência doméstica;

- desadequação do perdimento da arma apreendida nos autos.

v
No acórdão recorrido foram considerados como provados os seguintes factos [transcrição]:

«1. O arguido casou com a ofendida Ana C no dia 17 de Julho de 2009, partilhando ambos mesa, leito e habitação desde essa data na casa sita na Rua..., Almoster.

2. Dessa relação nasceu uma filha, Mariana P nascida a 27 de Novembro de 2008.

3. Em data não concretamente apurada, mas no mês de Setembro de 2010, junto ao portão da residência do casal, enquanto Ana C falava com sua mãe ao telemóvel, o arguido retirou-lhe bruscamente o mesmo, desligou a chamada, bateu com a mão aberta na cara da ofendida e puxou-lhe os cabelos com força até esta entrar em casa.

4. Já dentro de casa, o arguido bateu novamente várias vezes com a mão aberta na cara da ofendida, tapou-lhe a boca e o nariz e ainda lhe disse que a matava.

5. No dia 20 de Novembro de 2010, da parte da tarde, a hora concretamente não apurada, no interior da residência do casal, porque a ofendida se encontrava junto ao computador, o arguido acusou a mesma de falar com outros homens através desse aparelho.

6. Nessa sequência, retirou-lhe o computador e de forma concretamente não apurada a ofendida caiu no chão.

7. Enquanto se encontrava no chão o arguido agrediu com vários pontapés o abdómen da ofendida e bateu várias vezes, com a mão fechada, na cabeça da mesma.

8. O arguido, ainda enquanto a ofendida se encontrava no chão, tapou-lhe a boca e o nariz, tendo a mesma sentido falta de oxigénio durante alguns segundos.

9. Quando cessaram tais agressões a ofendida dirigiu-se ao arguido dizendo-lhe que se acalmasse, ao que este renovou as agressões, puxando-lhe os cabelos e batendo várias vezes, com a mão fechada, na cabeça da mesma.
10. Durante as agressões, o arguido disse várias vezes à ofendida que a iria matar.

11. Das agressões ocorridas no dia 20 de Novembro de 2010 resultou, na ofendida, equimose no dorso da mão direita, com 2x1 cm, equimose na nádega esquerda, com 5x3 cm, cinco equimoses na face anterior da coxa e perna direita, sendo a maior com 2x2 cm e a menor com l x 1 cm, e dores ao nível dos membros inferiores lesões que lhe determinaram 5 dias de doença sem incapacidade para o trabalho.

12. No dia 20 de Novembro de 2010 a ofendida foi encaminhada pela APAV para uma instituição de acolhimento.

13, Pelo menos desde Junho de 2009 e até 21 de Novembro de 2010, o arguido tinha na sua posse, guardadas em casa, uma arma de caça de um cano com 70 centímetros, semi-automática, calibre 12 mm, da marca “Beneili”, com o no M482981, a que corresponde o Livrete Manifesto n° N-34807, uma pressão de ar de calibre 4,5, da marca “GAMO” modelo CFX Royal”, com o n° 04-1C-20711117-03, uma pressão de ar de calibre 4,5, marca “GAMO”, modelo “Marvic Gold”, com o n° 44-IC-42713-02 e uma pressão de ar de calibre 5,5, marca “COMETA” modelo “220”, com o n° 21-C1-17363-04.

14. A licença trienal para uso e porte de arma, da arma de caça de um cano, semi-automática, da marca “Benelli”, com o n° M48298i, a que corresponde o Livrete Manifesto n° N-34807, era válida até 29 de Dezembro de 2009, a qual não foi renovada pelo arguido, titular da mesma, pelo que, a partir dessa data o arguido detinha a referida arma sem ser titular da respectiva licença válida.

15. Ao bater na cônjuge, ao impedi-la de falar livremente ao telemóvel, de usar livremente o computador e ao ameaçá-la de morte, de forma idónea a causar-lhe medo e afectar a sua liberdade de decisão, apesar de saber que ela era sua cônjuge e como tal tinha o especial dever de a tratar com dignidade, o arguido agiu com o propósito de molestar a saúde física e psíquica da cônjuge, de a humilhar e desconsiderar, com desprezo pela sua dignidade pessoal, o que conseguiu, ao actuar da forma acima descrita.

16. Sabia o arguido que a licença e uso de porte da arma de caça de um cano, semi-automática, da marca “Benelli”, com o n° M482981, a que corresponde o Livrete Manifesto n° N-34807 que lhe permitia ter consigo a arma caçadeira caducara no dia 29 de Dezembro de 2009, e que a partir de essa data, e até 20 de Novembro de 2010, passou a deter tal arma sem possuir licença válida para tal efeito, o que quis.

17. Ao agir deste modo, previu e quis o arguido não promover a renovação da licença de uso e porte de arma antes do termo da validade da mesma, nem mesmo nos 180 dias posteriores à caducidade da referida licença, bem sabendo desse modo que detinha uma arma de fogo, entre o dia 30 de Dezembro de 2009 e o dia 20 de Novembro de 2010, sem que tivesse uma licença válida para tal.

18. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas criminalmente.
*
Provou-se ainda que:

19. O arguido não tem antecedentes criminais.

20. O arguido concluiu o 11º ano de escolaridade, após o que abandonou os estudos para começar a trabalhar.

21. Começou a trabalhar aos 17 anos de idade numa empresa de construção civil, onde permaneceu até ingressar no serviço militar obrigatório.

22. Posteriormente, abriu uma loja de comércio de motos e acessórios, actividade que desenvolveu durante cerca de 2 anos.

23. Em 1995 formou uma empresa de remodelações, cuja actividade foi mantida durante 16 anos e foi encerrada em 2006, na sequência da separação conjugal do arguido da primeira mulher, ficando o arguido desempregado.

24. O arguido esteve casado com a sua primeira mulher durante cerca de 12 anos.

25. Desse primeiro casamento teve dois filhos, actualmente, com 9 e 5 anos de idade, que residem com a respectiva progenitora em Lisboa.

26. O arguido paga a estes dois filhos uma pensão de alimentos no valor de € 180.

27. Em Outubro de 2006, o arguido passou a viver em união de facto com a ofendida Ana P.

28. À data dos factos o arguido vivia com a ofendida, a enteada, filha da ofendida com 5 anos e a filha do casal com 2 anos.

29. O casal separou-se em Dezembro de 2010, após o que a filha do casal passou a viver com a ofendida em Alverca.

30. Actualmente, o arguido vive sozinho numa casa arrendada.

31. Trabalha desde 1/08/2010 como assistente operacional nos Serviços de Resíduos Sólidos na Câmara Municipal de ----, auferindo um vencimento de cerca de €600.

32. O arguido tem acompanhamento psicológico e psiquiátrico no Departamento de Psiquiatria do Hospital de Santarém.»

Relativamente a factos não provados, consta do acórdão que [transcrição]:

«Não se logrou a prova dos seguintes factos com relevância para a decisão da causa:

1. No circunstancialismo descrito em 3 dos factos provados, o arguido bateu várias vezes com a mão aberta na cara da ofendida.

2. Os factos descritos em 5 dos factos provados ocorreram perante a filha de ambos.

3. No circunstancialismo descrito em 6 dos factos provados, o arguido puxou os cabelos da ofendida

A convicção do Tribunal recorrido, quanto à matéria de facto, encontra-se fundamentada nos seguintes termos [transcrição]:

«A convicção do Tribunal relativamente aos factos considerados provados, formou-se com base na análise crítica e articulada do depoimento da ofendida Ana P e do filho ainda menor da ofendida, Tiago C e o exame cuidado e aturado de toda a prova pericial e documental que se encontra junta aos autos.

Tendo presente os meios de prova supra referidos, cumpre concretizar, embora de forma sucinta, em que precisos termos se formou a convicção do Tribunal relativamente a cada facto provado.

Antes de mais, cumpre referir que, o arguido, optando por prestar declarações, admitiu o mau relacionamento existente, à data dos factos, entre si e o seu cônjuge, a ofendida Ana P, admitindo, inclusivamente, serem muito frequentes as discussões entre eles. Mais admitiu que um dia, em Setembro de 2010, quando a Ana P estava a falar ao telemóvel no quintal, lhe veio dizer para vir para dentro de casa, tendo-lhe aquela dito que estava a falar com a mãe. Porque voltou a insistir para que viesse para dentro, a ofendida acabou por desligar o telefone e entrou em casa. Admitiu que, depois disso, ainda continuaram a falar do assunto, mas negou que tivessem discutido, assim como negou que lhe tivesse batido ou puxado os cabelos. Acrescentou, inclusivamente, que depois disso até almoçaram juntos em casa.

Relativamente ao dia 20 de Novembro de 2009, o arguido admitiu que a ofendida estava sentada na casa de banho com o computador em cima das pernas e que lhe pediu para que ela lhe desse o computador porque percebeu que esta o fechou assim que o arguido entrou. Admitiu ter dado um estalo na cara da ofendida, alegando, no entanto, que só o fez em reacção a um estalo que a ofendida lhe deu primeiro. Mais admitiu que, a seguir a isso lhe tirou o computador e se ausentou de casa, negando que a tivesse agredido de qualquer outra forma. Confirmou, ainda, que quando voltou a casa, mais tarde, estava lá a GNR e que a ofendida, nessa noite, foi para uma casa de acolhimento, com a filha do casal e a enteada do arguido.

Por sua vez, a ofendida Ana P corroborou, no essencial, a versão dos factos plasmada na acusação. Com efeito, a ofendida descreveu de forma detalhada e com rigor, ambos os episódios descritos na acusação, contextualizando-os e concretizando-os no tempo e no local. Explicou as razões pelas quais começaram a discutir, reproduziu as expressões que o arguido lhe dirigiu e descreveu a forma como este a agrediu, sendo o seu depoimento, coincidente, no essencial, com a factualidade descrita na acusação. Relatou ainda que nesses dois episódios refugiou-se em casa da sua vizinha Lurdes, de onde chamou a GNR.

Esta testemunha prestou o seu depoimento de forma séria e segura, respondendo sempre com objectividade às perguntas que lhe foram feitas, sendo de sublinhar a sinceridade demonstrada, quando não se recordava dos factos. A sua postura em audiência de julgamento, a expressão facial, o tom de voz e o próprio discurso revelaram total espontaneidade. Por estas razões, entendeu o Tribunal atribuir total credibilidade ao seu depoimento.

O Tribunal valorou ainda o auto de denúncia de fls. 2 a 8 e a informação de fls. 11 e as lesões sofridas pela ofendida, que se encontram demonstradas pelo auto de exame médico de fls. 19 e 20 e são compatíveis com as agressões descritas pela ofendida.

Acresce que a corroborar a versão dos factos apresentada pela ofendida, no sentido de que o arguido a agredia, foi o depoimento de Tiago, filho da ofendida. Esta criança, apesar da sua tenra idade, prestou um depoimento exemplar, digno da credibilidade que lhe foi atribuída e que foi total, pela forma calma, segura mas sempre muito espontânea, com que descreveu alguns dos episódios de agressões a que assistiu, por parte do arguido contra a sua mãe. De sublinhar que este menor explicou que as discussões e agressões eram frequentes e que, para proteger as suas irmãs, levava-as até a casa de uma vizinha, a D. Lurdes. Pese embora, não tenha assistido a nenhum dos episódios de agressões em causa nos presentes autos, ainda assim, o depoimento do filho da ofendida foi relevante, na medida em que corroborou a versão da ofendida quanto ao facto de ter sido vítima de várias agressões, ao longo do tempo, por parte do arguido.

E, sublinhe-se que estes dois depoimentos, da ofendida e do seu filho, não foram contrariados pela demais prova produzida em audiência de julgamento, nomeadamente, pelos depoimentos das testemunhas de defesa.

De referir que ambas as testemunhas de defesa negaram terem assistido a qualquer agressão por parte do arguido contra a ofendida, alegando, inclusivamente, que viram a ofendida, uma vez, bater no arguido. Ora, este facto, só por si, não é susceptível de infirmar as agressões descritas pela ofendida e pelo seu filho, até porque nenhuma das testemunhas soube explicar concretizar ou descrever em que contexto ocorreu essa agressão da ofendida. Por outro lado, o parco conhecimento que ambas as testemunhas revelaram dos factos, obtiveram através daquilo que o próprio arguido lhes contou.

Mas ainda no que tange à testemunha Maria Judite não podemos deixar de apontar a parcialidade do seu depoimento, manifestada, desde logo, na possibilidade que aventou, quando confrontada com as lesões da ofendida, sugerindo a hipótese da ofendida se autoflagelar, sem que tenha conseguido justificar ou fundamentar minimamente a razão pela qual fez essa sugestão, tão pouco provável face às regras da experiência comum.

De facto, estes dois depoimentos não abalaram a credibilidade da ofendida e do seu filho, antes pelo contrário: a testemunha Maria F, confirmou ser vizinha do arguido e, à data dos factos, também da ofendida, confirmando que, por vezes, o Tiago aparecia em sua casa com as duas irmãs, tal como o próprio menor relatou. E apesar de referir que o Tiago ia para lá só para brincar com os seus netos, a verdade é que acabou por admitir que quando o mesmo chegava a sua casa, lhe dizia “O Miguel já está a discutir com a minha mãe” ou então “eles já estão a discutir outra vez”.

Na verdade, o comportamento do Tiago, ao não contar mais pormenores à vizinha, é o comportamento típico de uma criança, que tem vergonha e medo e que se pretende refugiar, a si e às suas irmãs. Mas o depoimento desta testemunha de defesa foi ainda relevante para a formação da convicção do Tribunal, na medida em que também confirmou que a ofendida “fugiu” uma vez para sua casa e que lhe perguntou se ela queria telefonar para a GNR, o que a ofendida fez. Por fim, ainda acabou por contar que, numa outra ocasião, à noite, encontrou a ofendida, no seu quintal, muito nervosa e agitada, sentada, “ao frio”, “com a mais nova ao colo” e a chorar. Interpelada sobre as razões que levariam a ofendida a estar ali, naquele estado, Maria de Lurdes acabou por referir, embora com alguma relutância, que não passou despercebida ao Tribunal, que “pelos vistos a ofendida vinha fugida com medo que o arguido lhe batesse”.

A data do matrimónio do arguido e ofendida foi atestada pela certidão do assento de casamento de fls. 93. A data de nascimento da filha do arguido e ofendida, bem como, o seu nome, foram confirmados por ambos.

Quanto aos aspectos de ordem subjectiva, sem a colaboração do arguido, socorreu-se o Tribunal dos elementos objectivos disponíveis, chamando ainda à colação a doutrina do acórdão da Rel. do Porto de 23.02.83: quanto à intencionalidade, pertencendo o dolo “à vida interior de cada um”, sendo “portanto de natureza subjectiva, insusceptível de directa apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns, de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, como maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infracção. Pode, de facto, comprovar-se a verificação do dolo por meio de presunções, ligadas ao princípio da normalidade ou da regra geral da experiência”. - Cfr. in BMJ nº324/620.

Com efeito, a convicção do Tribunal quanto a todos os factos provados, resultou da conjugação de todos os elementos de prova supra enunciados entre si, bem como, com as regras de experiência comum.

A detenção por parte do arguido das armas descritas na acusação, bem como, as respectivas características, resultaram provadas com base, desde logo, nas suas declarações, que confessou esses factos, conjugadas com a análise do auto de apreensão de fls. 14 e dos relatórios de exame pericial de fls. 45 a 48. Por sua vez, quanto à existência de licença trienal e À sua validade, o Tribunal atendeu ao ofício de fls. 63. Confrontado com a falta de renovação da licença, o arguido invocou a ausência de meios económicos para o fazer.

No que tange à situação social, familiar e económica do arguido o Tribunal valorou o respectivo relatório social elaborado pela Direcção Geral de Reinserção Social.

Para prova dos antecedentes criminais dos arguidos, o Tribunal atendeu ao respectivo certificado de registo criminal do arguido.

No que respeita aos restantes factos considerados não provados, entendeu o Tribunal que nenhuma prova se fez quanto aos mesmos ou que, pelo menos, não se fez uma prova suficientemente sólida que excluísse todas as dúvidas ao Tribunal

v
QUESTÕES DE CONHECIMENTO OFICIOSO

Diz o Recorrente, no ponto 15 das conclusões do recurso, que «(…) face aos factos dados como provados e numa correta subsunção dos mesmos à lei, devia ter sido aplicada pena de multa, não de prisão, pelo crime de detenção de arma proibida, daí que, a nosso ver, se justifique o presente recurso, atenta a contradição insanável da fundamentação ou entre esta e a decisão (de aplicação de pena de prisão pelo crime de detenção de arma proibida) e o erro notório na apreciação da prova – art. 410º, nº 2, alíneas b) e c), do CPP.»

Dispõe o artigo 410.º do Código de Processo Penal, reportando-se aos fundamentos do recurso:

«1 – Sempre que a lei não restringir a cognição do tribunal ou os respectivos poderes, o recurso pode ter como fundamento quaisquer questões de que pudesse conhecer a decisão recorrida.

2 – Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:

a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;

b) A contradição insanável entre a fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;

c) Erro notório na apreciação da prova.

3 – O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso à matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada

A contradição insanável da fundamentação ou entre os fundamentos e a decisão ocorre quando se deteta «incompatibilidade, não ultrapassável através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação probatória e a decisão.

Ou seja: há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente»[[3]].

O erro notório na apreciação da prova constitui «falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, ou seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável.

Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o Tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis.[[4]]»

Olhando para a sentença recorrida, não se deteta qualquer colisão – por forma a provocar exclusão mútua – entre os seus fundamentos e a decisão. Esta decisão pode ser discutível, mas não é, seguramente, incompatível com qualquer dos aspetos em que se alicerça.

E porque nos encontramos no domínio da matéria de direito, é manifesto que também não ocorre qualquer vício relativo à valoração da prova produzida em julgamento.

Concluindo.

Do exame da sentença recorrida – do respectivo texto, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum e sem recurso a quaisquer elementos externos ou exteriores ao mesmo – não se deteta a existência de qualquer um dos vícios referidos no artigo 410.º, nº 2, do Código de Processo Penal.

Efetivamente, não ocorre qualquer falha na avaliação da prova feita pelo Tribunal “a quo”, sendo o texto da decisão em crise revelador de coerência e de respeito pelas regras da experiência comum e da prova produzida.

E do texto da decisão recorrida decorre, ainda, que os factos nele considerados como provados constituem suporte bastante para a decisão a que se chegou e que nele não se detecta incompatibilidade entre os factos provados e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.

Também não se verifica a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada – artigo 410.º, nº 3, do Código de Processo Penal.

Assim sendo, considera-se definitivamente fixada a decisão proferida pela 1ª Instância sobre a matéria de facto.

QUANTO AO CRIME DE DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA

No acórdão recorrido, e no domínio do crime em que nos encontramos, o enquadramento jurídico da conduta do ora Recorrente na previsão dos artigos 86.º, n.º 1, alínea c), e 99.º-A da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 17/2009, de 6 de maio, alicerçou-se nos seguintes factos:

«13, Pelo menos desde Junho de 2009 e até 21 de Novembro de 2010, o arguido tinha na sua posse, guardadas em casa, uma arma de caça de um cano com 70 centímetros, semi-automática, calibre 12 mm, da marca “Beneili”, com o no M482981, a que corresponde o Livrete Manifesto n° N-34807, uma pressão de ar de calibre 4,5, da marca “GAMO” modelo CFX Royal”, com o n° 04-1C-20711117-03, uma pressão de ar de calibre 4,5, marca “GAMO”, modelo “Marvic Gold”, com o n° 44-IC-42713-02 e uma pressão de ar de calibre 5,5, marca “COMETA” modelo “220”, com o n° 21-C1-17363-04.

14. A licença trienal para uso e porte de arma, da arma de caça de um cano, semi-automática, da marca “Benelli”, com o n° M48298i, a que corresponde o Livrete Manifesto n° N-34807, era válida até 29 de Dezembro de 2009, a qual não foi renovada pelo arguido, titular da mesma, pelo que, a partir dessa data o arguido detinha a referida arma sem ser titular da respectiva licença válida.

16. Sabia o arguido que a licença e uso de porte da arma de caça de um cano, semi-automática, da marca “Benelli”, com o n° M482981, a que corresponde o Livrete Manifesto n° N-34807 que lhe permitia ter consigo a arma caçadeira caducara no dia 29 de Dezembro de 2009, e que a partir de essa data, e até 20 de Novembro de 2010, passou a deter tal arma sem possuir licença válida para tal efeito, o que quis.

17. Ao agir deste modo, previu e quis o arguido não promover a renovação da licença de uso e porte de arma antes do termo da validade da mesma, nem mesmo nos 180 dias posteriores à caducidade da referida licença, bem sabendo desse modo que detinha uma arma de fogo, entre o dia 30 de Dezembro de 2009 e o dia 20 de Novembro de 2010, sem que tivesse uma licença válida para tal.

18. O arguido agiu livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que tais condutas eram proibidas e punidas criminalmente.»

Ora, como bem refere o Ministério Público, na 1.ª Instância, «Acontece que com a entrada em vigor da Lei 12/2011, de 27/04, o art. 99º-A da Lei 5/2006, de 23/02 na redacção da Lei 17/2009, de 06/05 foi novamente alterado: onde anteriormente se previa que a detenção de arma, verificada a caducidade da licença sem que tenha sido promovida a sua renovação (isto é, decorridos que estivessem os 180 dias referidos no art. 29º, nº 1), era considerada detenção de arma fora das condições legais para efeitos do disposto no art. 86º, sendo por isso um crime, prevê-se agora que tal situação constitua contra-ordenação (art. 99º-A, nº 2 na redacção mais recente).

Para os comportamentos previstos no art. 99º-A, nº 2 praticados antes da entrada em vigor da Lei 12/2011, de 27/04 o legislador estabeleceu um regime transitório no art. 3º deste último Diploma, no qual se prevê que “Continuam a ser sancionados nos termos dos nºs 2 e 3 do artigo 99º-A da Lei 5/2006, de 23/02 na versão aprovada pela presente lei”. Tais comportamentos são pois considerados contra-ordenações.

Se bem vemos, o legislador visou pôr cobro à perseguição criminal que se vinha verificando contra os cidadãos que faziam a apresentação voluntária de armas após os 180 dias concedidos pela lei para requerer nova licença ou a renovação da anterior.»

Posto isto, não resta senão concluir que ocorreu a descriminalização da conduta do ora Recorrente, apurada nestes autos.

Ou seja, a conduta apurada nos autos constitui a contraordenação prevista e punida pelo n.º 2 do artigo 99.º-A da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro [na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 11/2011, de 27 de abril] e artigo 3.º da Lei n.º 11/2011, de 27 de abril.

Cujo conhecimento não compete a esta Relação, como decorre do disposto no artigo 38.º, n.º 1 do Regime Geral das Contraordenações.

E por assim ser, não poderá manter-se a declaração de perda a favor do Estado da arma de fogo de um cano com 70 centímetros, semiautomática, calibre 12 mm, da marca “Benelli”, com o no M482981, apreendida nos autos.

QUANTO À PUNIÇÃO IMPOSTA PELA PRÁTICA DO CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Não estando em causa o enquadramento jurídico dos factos apurados na 1.ª Instância, a conduta do Recorrente integra a prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, do Código Penal.

Crime que é punido com prisão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, sendo certo que a factualidade assente não permite ponderar qualquer das circunstâncias previstas no artigo 72.º do Código Penal, que conduzem à atenuação especial da pena.

Na determinação da medida da pena, face ao disposto no artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, está o Tribunal vinculado a critérios definidos em função da culpa do agente e de exigências de prevenção.

Na determinação concreta da pena, deve o Tribunal atender a todas as circunstâncias que possam ser consideradas a favor ou contra o agente, entre as quais se encontram as referidas, de forma não taxativa, nas alíneas a) a f) do n.º 2 do artigo 71.º do Código Penal.

Como elementos de referência, na determinação da medida da pena, contam-se o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e as respetivas consequências.

Cumpre, ainda, referir que nos termos dos n.ºs 1e 2 do artigo 40.º do Código Penal, a aplicação de uma pena visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do autor do crime na sociedade, não podendo, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa.

«Primordialmente, a finalidade visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto; e esta há-de ser também por conseguinte a ideia mestra do modelo de medida da pena. Tutela dos bens jurídicos não obviamente num sentido retrospectivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança (...) e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada; sendo por isso uma razoável forma de expressão afirmar como finalidade primária da pena o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime.

(...)
Afirmar que a prevenção geral positiva ou de integração constitui a finalidade primordial da pena e o ponto de partida para a resolução de eventuais conflitos entre as diferentes finalidades preventivas traduz exactamente a convicção de que existe uma medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar; medida esta que não pode ser excedida (princípio da necessidade), nomeadamente por exigências (acrescidas) de prevenção especial, derivadas de uma particular perigosidade do delinquente. É verdade porém que esta “medida óptima” de prevenção geral positiva não fornece ao juiz um quantum exacto da pena. Abaixo do ponto óptimo ideal outros existirão em que aquela tutela é ainda efectiva e consistente e onde portanto a pena concreta aplicada se pode ainda situar sem que perca a sua função primordial de tutela dos bens jurídicos. Até se alcançar um limiar mínimo – chamado de defesa do ordenamento jurídico –, abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem se pôr irremediavelmente em causa a sua função tutelar de bens jurídicos.
(...)

Dentro da moldura ou dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração – entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos (ou de “defesa do ordenamento jurídico”) – devem actuar, em toda a medida possível, os pontos de vista de prevenção especial, sendo sim eles que vão determinar, em última instância, a medida da pena. Isto significa que releva neste contexto qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza: seja a função positiva de socialização, seja qualquer uma das funções negativas subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. A medida de necessidade de socialização do agente é no entanto, em princípio, critério decisivo das exigências de prevenção especial, constituindo hoje – e devendo continuar a constituir no futuro – o vector mais importante daquele pensamento.»

Resta referir o princípio da culpa e o seu significado para o problema das finalidades das penas. «Segundo aquele princípio, “não há pena sem culpa e a medida da pena não pode em caso algum ultrapassar a medida da culpa”. A verdadeira função da culpa no sistema punitivo reside efectivamente numa incondicional proibição de excesso; a culpa não é fundamento da pena, mas constitui o seu pressuposto necessário e o seu limite inultrapassável: o limite inultrapassável por quaisquer considerações ou exigências preventivas (...). A função da culpa (...) é, por outras palavras, a de estabelecer o máximo da pena ainda compatível com as exigências de preservação da dignidade da pessoa e de garantia do livre desenvolvimento da sua personalidade nos quadros próprios de um Estado de Direito democrático. E a de, por esta via, constituir uma barreira intransponível ao intervencionismo punitivo estatal e um veto incondicional aos apetites abusivos que ele possa suscitar.[5]»

De regresso ao processo, importa recordar que ao Recorrente foi imposta uma pena de 3 (três) anos de prisão pela prática do crime de violência doméstica acima referido.

E que o Recorrente não se conforma com a pena que lhe foi imposta porque entende:

- que o crime de violência doméstica «tem de ser entendido, em certos casos, desde um ponto de vista da evolução dos machos da espécie humana»;

- que as agressões que levou a cabo « têm a sua génese na infidelidade (real ou imaginária, pouco importa agora)» da Ofendida;

- tratar-se de comportamento excecional;

- o grau de ilicitude e de culpa não justificarem semelhante punição.

E entende o Recorrente que lhe deve ser imposta pena de prisão não superior a 1 (um) ano e 6 (seis) meses, suspensa na sua execução por igual período.

A pretensão formulada pelo ora Recorrente revela que não tem presente que o crime que cometeu é punido com pena que se situa entre 2 (dois) e 5 (cinco) anos de prisão. E que não ocorre qualquer circunstância que permita a atenuação especial da pena.

Quanto ao argumento da “evolução dos machos da espécie humana”, porque este não é local adequado a avaliar “filosofias de vida” alheadas de normas de cariz penal, só nos ocorre dizer que o argumento é acentuadamente infeliz num processo de violência doméstica assente em factos que não são impugnados por quem nele foi condenado.

Quanto a agressões que têm a sua génese na infidelidade da mulher agredida, os factos provados não sustentam semelhante conclusão. Mas, provavelmente, também aqui, a destrinça entre a realidade e a imaginação não interessa.

Quanto ao comportamento excecional, pode apenas dizer-se como se faz na decisão recorrida, que o ora Recorrente não tem antecedentes criminais. E nada mais.

Todavia,

Entre 2 (dois) anos – mínimo da moldura penal abstrata – e 5 (cinco) anos – máximo da moldura penal abstrata – , decorrem 3 (três) anos.

Metade destes 3 (três) anos, que são 1 (ano) e 6 (seis) meses, correspondem ao meio da moldura penal abstrata.

O meio da pena determina-se somando este 1 (ano) e 6 (seis) meses aos outros 2 (dois) anos que constituem o mínimo da moldura penal abstrata – e são 3 (anos) e 6 (seis) meses.

Um quarto dos referidos 3 (três) anos, que são 9 (nove) meses, corresponde a um quarto da moldura penal abstrata.

Um quarto da pena determina-se somando estes 9 (nove) meses aos outros 2 (anos) anos que constituem o mínimo da moldura pela abstrata – e são 2 (dois) anos e 9 (nove) meses.

Três quartos dos referidos 3 (três) anos, que são 27 (vinte e sete) meses ou 2 (dois) anos e 3 (três) meses, correspondem a três quartos da moldura penal abstrata.

Três quartos da pena determinam-se somando estes 2 (dois) anos e 3 (três) meses aos outros 2 (dois) anos que constituem o mínimo da moldura penal abstrata – e são 4 (quatro) anos e 3 (três) meses.

3 anos 6 meses

2 anos 9 meses 4 anos 3 meses


2 anos ______________________________________________________________ 5 anos


Posto isto, dúvidas não restam de que ao Recorrente foi imposta pena que ultrapassa ¼ da moldura penal abstrata.

O que nos parece exagerado, face às agressões perpetradas pelo ora Recorrente.

E considerando-as, sem deixar de ter presente as exigências de prevenção especial [que não são assinaláveis, face à ausência de antecedentes criminais do ora Recorrente] e geral [mais acentuadas, para fazer sentir, junto da comunidade, a punição correspondente à prática de atos semelhantes] entendemos ser bastante a imposição de uma pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, acompanhada de regime de prova e sujeita às demais condições impostas no acórdão recorrido.

E o recurso procede, em parte.

III. DECISÃO
Em face do exposto e concluindo, decide-se conceder provimento parcial ao recurso e, em consequência:

i) absolver o Recorrente da prática do crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 86.º, n.º 1, alínea c), e 99.º-A da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro, na redação dada pela Lei n.º 17/2009, de 6 de maio;

ii) revogar a declaração de perdimento da arma de fogo de um cano com 70 centímetros, semiautomática, calibre 12 mm, da marca “Benelli”, com o no M482981, apreendida nos autos;

iii) reduzir para 2 (dois) anos e 6 (seis) meses a pena de prisão imposta ao Recorrente pela prática de um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º, n.º 1, alínea a), e n.º 2 do Código Penal, cuja execução fica suspensa por igual período de tempo, acompanhada de regime de prova e subordinada ao cumprimento pelo arguido do dever de entregar à APAV a quantia de € 750,00 (setecentos e cinquenta euros) durante o período da suspensão.

Custas a cargo do Recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC’s
v

Évora, 20 de Março de 2012-05-04

(processado em computador e revisto, antes de assinado, pela relatora)

______________________________________________
(Ana Luísa Teixeira Neves Bacelar Cruz)

______________________________________________
(Edgar Gouveia Valente)

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[1] Publicado no Diário da República de 28 de dezembro de 1995, na 1ª Série A.

[2] Neste sentido, que constitui jurisprudência dominante, podem consultar-se, entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de setembro de 2007, proferido no processo n.º 07P2583, acessível em www.dgsi.pt [que se indica pela exposição da evolução legislativa, doutrinária e jurisprudencial nesta matéria].

[3] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 75.

[4] Simas Santos e Leal-Henriques, obra citada, página 77.

[5] Jorge de Figueiredo Dias, in “Direito Penal”, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, 2ª Edição, páginas 79 a 83.