Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2382/11.0TBSTR.E1
Relator: FRANCISCO MATOS
Descritores: COMPROPRIETÁRIO
DIREITO DE PREFERÊNCIA
Data do Acordão: 07/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Elementos essenciais da alienação para efeitos do decurso do prazo de caducidade previsto no artigo 1410.º do CC, são o conhecimento da venda, o preço e a identidade do terceiro adquirente.
Decisão Texto Integral: Proc. nº 2382/11.0TBSTR.E1

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório.
1. (…), divorciado, residente em Casais do (…), Santarém, instaurou contra (…) e mulher, (…)[1], residentes na Praceta Vale (…), Lote 27, (…), Barreira, Leiria e (…), divorciado, residente na Rua Cidade de (…), nº 10, 4º, Esq., Amadora, ação declarativa com processo sumário.

Alegou, em resumo, que é comproprietário, na proporção de 2/5, do prédio rústico denominado “(…)” ou “(…)”, sito em (…), freguesia de (…), concelho de Santarém, inscrito na respetiva matriz sob o artº (…) da secção F e descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o nº (…), o qual é também propriedade de (…), (…) e (…), na proporção de 1/5 respetivamente e que por escritura pública de 6/12/2007, os réus (…) e mulher venderam ao réu (…) 1/5 do referido prédio sem lhe darem conhecimento das cláusulas e condições da venda.

A qualidade de comproprietário confere-lhe o direito de preferir na venda.

Concluiu pedindo que lhe seja reconhecido o direito de preferir na venda da quota-parte do prédio e se ordene o cancelamento dos registos que prejudiquem este seu direito.

Contestaram os réus (…) e mulher, (…) argumentando que em data anterior à celebração do contrato de compra e venda, deram verbalmente conhecimento ao A. dos elementos essenciais da venda e este não exerceu o direito de preferir no prazo de oito dias que a lei lhe confere para o efeito, nem interpôs a presente ação nos seis meses posteriores ao conhecimento da venda, ocorrida em 6/12/2006, nem depositou o preço nos 15 dias posteriores à propositura da ação.
Concluem pela caducidade do direito do A. e, em qualquer caso, pela improcedência da ação.
Contestou o réu (…), excecionando a ilegitimidade do A. para a causa desacompanhado, como se encontra, dos demais comproprietários e a caducidade do direito do A., por haver tido conhecido da venda havia mais de seis meses à data da propositura da ação.
Concluiu pela improcedência da ação e, em caso de procedência do direito da preferência, pede, em reconvenção, a condenação do A. no pagamento da quantia de € 15.000,00, correspondente ao valor real da venda.
Respondeu o A. por forma a defender a improcedência das exceções suscitadas pelos RR e a improcedência do pedido reconvencional e requereu, à cautela, a intervenção dos demais comproprietários.
Admitida a intervenção e citados os chamados não contestaram.

2. Foi proferido despacho que admitiu o pedido reconvencional, julgou sanada a ilegitimidade dos RR e improcedente a exceção da falta de depósito do preço, relegou para a decisão final o conhecimento da exceção da caducidade, afirmou, no mais, a validade e regularidade da instância, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença, em cujo dispositivo designadamente se consignou:
“Pelo exposto e decidindo, julgo procedente, por provada, a exceção de caducidade do exercício do direito de preferência invocada pelo réu e habilitados e, em consequência, absolvo réu e habilitados dos pedidos”.


3. O recurso.
O A. recorre da sentença e formula as seguintes conclusões:
“B. À face do artigo 416º do Código Civil e do despacho de fls. 159 que enunciou os temas da prova, os factos dados por provados na sentença recorrida não são suficientes para a procedência da exceção de caducidade invocada pelos Réus, porque:

1. não foram provados todos os factos que o despacho de fls. 159 ( que enunciou os temas da prova) considerou carecerem de prova, designadamente que os vendedores "... comunicaram ainda aos autores o prazo para realização da escritura, a data de pagamento do preço e a modalidade de pagamento" factos esses que o Tribunal a quo" considerou não provados;

2) os factos contidos em 6 e 9 da sentença recorrida não contêm todos elementos dos factos contidos nos temas de prova enunciados em 2 e 3 do despacho de fls. 159, não consubstanciando as obrigações do vendedor insertas no artigo 416º do Código Civil, pelo que, ao considerar procedente por provada a exceção de caducidade do exercício do direito de preferência a sentença recorrida violou o referido artº 416º do Código Civil que não aplicou e, em consequência violou também o artigo 607º, nº 3, do CPC.

C. Sem embargo de ter dado por integralmente reproduzido o teor do documento de fls. 20 e ss. dos autos, no ponto 4 dos factos provados, a par de quanto especificou, a sentença recorrida deveria ter especificado também que (…) e (…) venderam o prédio misto pelo preço de € 65.000,00 não só ao Réu (…), divorciado, mas também a (…), solteira, maior, em comum e partes iguais. E isto porque: 1) A falta de especificação da situação de compropriedade do prédio misto, inculca a ideia de que o Tribunal recorrido não ponderou com exatidão e a necessária atenção a escritura pública de fls. 20, pois que nesta também se refere que o preço do prédio misto de € 65.000,00 foi pago pelos dois segundos outorgantes (o Réu … e …) através de um empréstimo contraído por ambos para efetuarem o pagamento do preço da aquisição do prédio misto (cfr. fls. 24 dos autos in fine).

2) O facto do pagamento do preço do prédio misto ter sido realizado por ambos os outorgantes, é da maior relevância para a análise critica da prova, na medida em que, as testemunhas dos réus (réu comprador e sucessora habilitada dos réus vendedores) referiram-se sempre ao preço do prédio misto e do 1/5 indiviso como sendo o de € 65.000,00 no total, dizendo corresponder € 50.000,00 ao preço da casa (referindo-se ao prédio misto) e € 15.000,00 ao preço do 1/5 indiviso do prédio dos autos, como se só o Réu (…) tivesse outorgado na escritura como comprador nas duas compras e com base no errado pressuposto de a escritura consignar para as duas compras o valor total de € 65.000,00 quando a soma dos dois preços é de € 65.675,02.

3) Em face de tais circunstâncias atinentes ao depoimento das testemunhas dos réus, a comparação entre tais depoimentos e o que consta da escritura de fls. 20, no mínimo sempre suscitaria dúvidas sobre qual o preço porque efetivamente foi comprado o 1/5 indiviso, pelo que ao analisar criticamente a prova, deveria a Mma. Juiz a quo ter decidido contra quem tinha o ónus de provar o facto em apreço, que no caso eram os réus, dando como não provado o facto constante de 8 dos Factos Provados na sentença recorrida, e, não o tendo feito violou o disposto no artigo 414º do CPC.

D. O recorrente considera incorretamente julgados os pontos 6, 7, 8 e 9 dos factos provados, pois o Tribunal a quo sustentou a sua convicção probatória quanto a tais factos exclusivamente em depoimentos de testemunhas, e contra a prova documental, fundando a decisão dessa matéria de facto, sobretudo no depoimento da testemunha …) – depoimento registado com o n° 20160914103927_435439_2871713 – que valorou e reputou de isento, imparcial e credível, o que fez com base em critério ilógico e contra as regras da experiência comum, designadamente porque:

1) Não é razoável nem credível que esta testemunha que disse exercer então a atividade de mediadora imobiliária, não tenha mediado o negócio e tenha intervindo profissionalmente apenas por amizade ao comprador o qual acabara de conhecer naquela altura! (cfr. minuto 2.24 a 7.42 do depoimento transcrito). Tal afirmação ofende clamorosamente as regras da experiência comum, não é razoável e por isso abala a credibilidade do seu depoimento.

2) Esta testemunha incorreu em várias contradições no seu depoimento, (minutos 5.11, 12.07, 24.17. 24.22 do depoimento) designadamente quanto ao motivo pelo qual disse lembrar-se de o autor ter estado presente num alegado levantamento topográfico, por ela encomendado, e pelo facto de nunca saber dizer o dia, o mês ou sequer o ano da sua realização!, o que também abala a credibilidade do seu depoimento.

3) Da mesma forma incorreu em contradição quando ao minuto 20.02 m em resposta à pergunta da Mma. Juiz a quo, disse que naquela altura (do levantamento topográfico) não tinha ouvido o vendedor a dizer ao autor e aos outros comproprietários que vendia a casa mas tinha que vender também aquele 1/5 indiviso, logo depois, disse (ao minuto 20.40) hesitando, ter a impressão, mas não podendo jurar, que na altura "se falou com o Sr. (…) dizer se ele não queria ficar com aquele 1/5 para juntar aos dele" e que ele não teria manifestado interesse em comprar, e logo depois ao minuto 24.22 na instância da mandatária do Réu (…), confirmou que então se falou (não dizendo quem é que falou...) de todas as questões, do valor da casa, € 50.000,00 do valor do terreno € 15.000,00 e que era o Sr. (…) que ia comprar sublinhando ser o preço de € 65.000,00 no total.

Ora, não merece qualquer credibilidade a testemunha que dá respostas totalmente diferentes e contraditórias à mesma pergunta, consoante a pessoa que a questiona.

Em face do que, não se alcança como pôde o Tribunal a quo, considerar este depoimento credível e desinteressado, ao ponto de fundar neste depoimento a prova dos factos 6) 8) e 9), os quais deveriam ter recebido resposta negativa.

D- Não houve ninguém, fosse testemunha ou fosse parte, que dissesse ter, ou demonstrasse possuir qualquer conhecimento direto do facto referido em 6, e por isso não podia o Tribunal a quo julgar provado que antes da concretização do negócio referido em 4), (…) informou o autor que pretendia vender o 1/5 indiviso do prédio, o preço da venda (€ 15.000,00) e a identidade do adquirente, pois nenhuma prova válida foi feita quanto a esse facto.

E- Os factos em que a sentença se apoiou para dar por provado o facto constante de 9 dos factos provados não autorizam a prova desse facto, pois que se trata do início das obras noutro prédio que não o dos autos! o que é irrelevante para o conhecimento pelo autor da venda do 1/5 indiviso e dos elementos essenciais dessa venda, e para esse conhecimento, a data de 05-04-2011 aquela que o autor alegou e que é a que exibe a certidão de fls. 20 dos autos., é a única que se encontra demonstrada, por declarações de parte do autor, corroboradas pelas testemunhas (…), (…) e (…) e apoiadas na certidão da escritura de fls. 20 que exibe essa data.

Em face de todo o exposto também se impunha que o facto do n° 9 dos Factos Provados tivesse recebido resposta negativa.

F - Não foi alegada a data concreta para o conhecimento pelo autor dos elementos essenciais da alienação, e essa data era essencial ser determinada para permitir contar o início da contagem do prazo de caducidade, pelo que, o facto constante do ponto 7 não se podia dar como provado, sendo a douta sentença recorrida nula à face do artigo 615º, nº 1, b), do CPC, por ser ambígua, na parte em que dá por provado o referido facto.

G- Para dar como provado que o preço convencionado do 1/5 indiviso foi de € 15.000,00 (e não € 675,02 como consta da escritura) e que o Réu entregou esse montante aos vendedores, o tribunal a quo bastou-se com as declarações de parte do réu – declarações interessadas, parciais e não isentas, pelo seu manifesto interesse na causa –, em detrimento das declarações do mesmo réu suportadas pela escritura de fls. 20, e sem que tivesse outro meio probatório documental (cheque, transferência bancária, depósito por exemplo) que pudesse sustentar tal afirmação, pelo que a dúvida que sempre deveria suscitar tal contradição sempre teria de ser resolvida contra o Réu tendo em conta o disposto no artigo 414º do CPC que não foi observado pela Tribunal a quo.

H- Os Réus não produziram qualquer prova sobre o preço da alienação do 1/5 indiviso dos autos, tanto mais que o preço de € 65.000,00 que as testemunhas do Réu e habilitados referiram corresponder ao preço real do prédio misto e do 1/5 do prédio indiviso, foi o preço consignado na escritura de fls. 20 apenas para o prédio misto, aliás vendido em conjunto a duas pessoas, quando a venda de 1/5 do prédio indiviso foi feita exclusivamente ao réu (…), e pelo preço de € 675,02. Portanto, o preço de € 15.000,00 alegado como sendo o preço real para aquele 1/5 do prédio indiviso não se provou e em consequência não foi feita prova sobre o alegado preço real, nem testemunhal nem sequer o princípio de prova escrita (um cheque, um talão de depósito, um contrato promessa, uma transferência bancária ou outro) que sempre seria essencial para que a prova testemunhal sobre o alegado preço pudesse ser considerada. Em consequência não se provou o facto constante do n° 8 dos Factos provados, que por isso devia ter recebido resposta negativa.

Assim não decidindo o Tribunal a quo violou o disposto no artigo 394º, nº 1 e 2, do Código Civil que não aplicou.

I- Na presente ação, sobre o autor recaía o ónus de provar que tem o direito de preferência na venda do 1/5 indiviso, e aos réus incumbia alegar e provar que ao autor foi dado conhecimento do projeto da venda, ou seja do negócio, dos seus elementos essenciais e das cláusulas do respetivo contrato, tudo nos termos do artigo 416º do Código Civil, aplicável ao direito legal de preferência como é o caso dos autos, e, também o decurso do prazo para o exercício do direito de preferência.

O simples anúncio da venda sem especificação das cláusulas respetivas, é insuficiente" (cfr. Cons. Jacinto Fernandes Rodrigues Bastos in “Notas ao Código Civil” V. 2, Pág. 207 Lisboa, 1988).

J- A douta sentença recorrida, a sentença recorrida não fez aplicação correta do artigo 416º do Código Civil e desprezou a especial proteção que lei confere ao direito de preferência do comproprietário à luz dos artigos 1409º e 1410º do Código Civil, sendo certo que as normas que regulam as relações jurídicas em que se inserem os direitos legais de preferência, como é o caso do dos autos, são de carácter imperativo, e o artº 416° do Código Civil é aplicável ao direito legal de preferência do autor (comproprietário) por força do artigo 1409º, nº 1 e 2, do Código Civil.

L- Para que se inicie o prazo de caducidade de 6 meses no quadro do artigo 1410º, nº 1, do Código Civil, há que provar terem ocorrido os pressupostos do artigo 416° do mesmo código e no caso dos autos não foi feita tal prova.

M- E quanto à data do conhecimento pelo autor dos elementos essenciais da alienação, também nada se provou, a não ser aquela que o autor alegou e que é a constante da certidão de fls. 20 dos autos.

N- Salvo o devido respeito, a factualidade dada por provada na sentença recorrida não corresponde à prova produzida, tendo o Tribunal a quo feito apreciação manifestamente errada da prova produzida (testemunhal e documental), e errada aplicação do Direito atinente à matéria em causa.

O - Sem conceder, salienta-se que mesmo que os vendedores tivessem provado ter dado conhecimento aos autos dos elementos essenciais do negócio, sempre o teriam feito com referência a outro negócio, um alegado preço total de € 65.000,00, para as duas vendas constantes da escritura de fls. 20 – o prédio misto – € 50.000,00 e € 15.000,00 para o 1/5 indiviso, e não o preço total de € 65.675,02 para as duas vendas que é o que a escritura de fls. 20 consigna.

Pelo exposto e pelo que doutamente for suprido por V.Exas. deve ser dado provimento ao presente recurso, procedendo-se à efetiva reapreciação dos pontos de facto expressamente impugnados, revogando-se a douta sentença, e julgando-se a ação totalmente procedente, fazendo-se deste modo a costumada Justiça!

Responderam os réus (…) (habilitada) e (…) por forma a defenderem, respetivamente, a confirmação da sentença recorrida.
Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II. Objeto do recurso.
O objeto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo do conhecimento de alguma das questões nestas suscitadas vir a ficar prejudicada pela solução dada a outras – cfr. artºs. 635º, nº 4, 639º, nº 1, 608º, nº 2 e 663º, nº 2, todos do Código de Processo Civil; as conclusões das motivações dos recursos, colocam as seguintes questões: (i) impugnação da matéria de facto, (ii) nulidade da sentença por violação do disposto na alínea c) do nº 1 do artº 615º, do CPC, (iii) se o direito de preferência do A. não caducou.

III. Fundamentação.
1. Factos.
1.1. A decisão recorrida julgou assim os factos:
Factos provados:

1) A titularidade de 2/5 indivisos do prédio rústico denominado "(…)" ou "(…)" sito em (…), freguesia de (…), concelho de Santarém, com a área total descoberta de 24.080m2, composto de cultura arvense, oliveiras, mato, figueiras, hortejo e citrinos, inscrito na matriz predial sob o artigo (…), Secção F, descrito na Conservatória de Registo Predial de Santarém sob o n.º (…)/(…) encontra-se inscrita a favor dos autores mediante a Ap. (…), de 28/09/1995 (1/5 indiviso) e a Ap. (…), de 24/01/2006 (1/5 indiviso) – cfr. doc. de fls. 17 e seguintes, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

2) A titularidade de 1/5 indiviso do referido prédio encontra-se inscrita a favor de (…) e de outro 1/5 indiviso a favor de (…), ambas mediante a Ap. (…), de 28/09/1995.

3) A titularidade do restante 1/5 do prédio encontrava-se inscrita a favor de (…) e (…), mediante a Ap. (…), de 28/09/1995.

4) Por escritura pública de 06/12/2007, realizada no Cartório do Notário Tiago Relva, em Santarém, (…) e (…) declararam vender, e o segundo réu declarou comprar, pelo preço de € 675,02 (seiscentos e setenta e cinco euros e dois cêntimos), o 1/5 indiviso mencionado em 3), e pelo preço de € 65.000,00, o prédio misto composto de casa de r/chão, para habitação, anexo e logradouro, cultura arvense, figueiras, oliveiras, pastagem e mato, sito em Casais do (…), freguesia de (…), concelho de Santarém, descrito na Conservatória do Registo Predial de Santarém sob o n.º (…)/(…), cfr. doc. de fls. 20 e seguintes, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

5) A titularidade do 1/5 indiviso referido em 4) encontra-se inscrita na Conservatória do Registo Predial de Santarém a favor do segundo réu mediante a Ap. (…), de 13/12/2007.

6) Antes da concretização do negócio referido em 4), (…) informou o autor de que pretendia vender o 1/5 indiviso do prédio, o preço da venda (€ 15.000,00) e a identidade do adquirente.

7) O autor não comunicou nos oito dias seguintes ao referido em 6), nem posteriormente, que pretendia adquirir o 1/5 indiviso.

8) Não obstante o referido em 4), o preço convencionado do 1/5 indiviso foi de € 15.000,00, que o segundo réu entregou a (…) e (…).

9) Em data que concretamente não foi possível apurar do ano de 2010, o autor tomou conhecimento de que (…) e (…) haviam vendido o 1/5 indiviso do prédio ao segundo réu.

10) A presente ação deu entrada em juízo em 29/09/2011.

11) Em 10/1 0/20 11, os autores procederam ao depósito da quantia de € 1.175,02 à ordem dos presentes autos.

Factos não provados:

a) Para além do mencionado em 6), (…) e (…) comunicaram ainda aos autores o prazo para realização da escritura, a data de pagamento do preço e a modalidade de pagamento.

1.2. Impugnação da matéria de facto.

1.2.1. Com fundamento na falta de credibilidade do depoimento da testemunha (…) e na ausência de outra qualquer prova, o A. impugna os pontos 6 a 9 provados defendendo que a respetiva matéria não se prova.

A decisão recorrida motivou designadamente assim as respostas encontradas para os factos impugnados: “(…) do cotejo entre o depoimento de (…), que se revelou totalmente desinteressado, com o facto do autor residir e ter um armazém nas proximidades do local, por onde passava frequentemente, obrigatoriamente há muito que se havia apercebido da construção que estava a ser levada a cabo pelo réu (…). Mais, o próprio (…) confirmou que o autor foi contratado pelo réu (…) para colocar uma electrobomba nas traseiras da construção existente no prédio misto e que as obras de construção no prédio misto se iniciaram no ano de 2010.

Assim, do cotejo entre o depoimento da testemunha (…) e do supra-referido, considerando-se ainda que (…) esclareceu que a construção no prédio misto se iniciou no ano de 2010 (o que foi confirmado por …, esposa do réu …), o tribunal pôde concluir pela veracidade dos factos vertidos nos pontos 6), 7) e 9).

O depoimento da testemunha (…) serviu igualmente para prova do facto vertido em 8), o qual se mostrou corroborado pelo depoimento da testemunha (…), netos dos falecidos (…) e (…).”

Esta motivação revela que o juízo formulado sobre a matéria de facto impugnada não teve por exclusivo fundamento o depoimento da testemunha (…), para ele concorrendo outros meios de prova – os depoimentos das testemunhas (…), (…) e (…) e elementos objetivos – o facto de o autor residir e ter um armazém nas proximidades do local, por onde passava frequentemente, obrigatoriamente há muito que se havia apercebido da construção que estava a ser levada a cabo pelo réu (…) – que joeirados pelas regras da experiência da vida permitem formar a opinião ajuizada pela decisão recorrida quanto à matéria impugnada.

Ainda assim, ouviu-se o depoimento da testemunha (…) e nele não encontramos as incoerências ou contradições que o A. lhe aponta; aliás, trata-se de um depoimento que nos pareceu bastante seguro e em tudo adequado à razão de ciência demonstrado pela testemunha.

E relativamente ao preço da venda declarado na escritura pública de 6/12/2007 (€ 675,00) que os RR vieram a considerar simulado, por oposição ao preço real de € 15.000,00, bastará atentar na escritura pública, junta aos autos pelo A, de que resulta haver este comprado idêntica quota-parte (1/5) do mesmo prédio, pelo preço de € 10.000,00, cerca de dois anos antes da venda impugnada (23/1/2006 – fls. 13 a 16) para se aceitar como verosímil o preço de € 15.000,00, resultante do depoimento da testemunha (…), por oposição ao declarado na escritura de compra e venda, tal como ajuizado em 1ª instância.

Em conclusão, a prova produzida não impõe, a nosso ver, decisão diversa quanto à matéria impugnada (artigo 662º, nº 1, do CPC), improcedendo, em consequência, a impugnação da matéria de facto.

2. Direito

2.1. Nulidade da sentença por violação do disposto na alínea c) do nº 1 do artº 615º, do CPC.
Considera o A. que a sentença é nula, por ambígua, com a seguinte argumentação: “Não foi alegada a data concreta para o conhecimento pelo autor dos elementos essenciais da alienação, e essa data era essencial ser determinada para permitir contar o início da contagem do prazo de caducidade, pelo que, o facto constante do ponto 7 não se podia dar como provado, sendo a douta sentença recorrida nula à face do artigo 615º, nº 1, b), do CPC, por ser ambígua, na parte em que dá por provado o referido facto”.

A sentença é nula quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível (artº 615º, nº 1, al. c), do CPC).
A sentença comporta, em regra, um silogismo em que a premissa maior é a lei, a premissa menor são os factos que se provam no caso concreto e a conclusão é a decisão. Num silogismo, as premissas são os juízos que precedem a conclusão e dos quais ela decorre como consequente necessário. No silogismo judiciário as premissas, ou juízos, são os fundamentos e a conclusão é a decisão propriamente dita, inferida daqueles como seu consequente necessário; a lei considera nula a sentença que não observe este método dedutivo.
A oposição surge quando “… os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.”[2]
E a ambiguidade da sentença “verifica-se quando à decisão, no passo considerado, podem razoavelmente atribuir-se dois ou mais sentidos diferentes”[3].
O A. configura a ambiguidade da sentença por referência, se bem apreendemos a sua argumentação, à impossibilidade (lógica) de se considerar provado que não mostrou interesse na venda no prazo de oito dias (ponto 7 dos factos Provados) após uma data que não se mostra provada, nem foi alegada, mas não demonstra por que forma, ou em que medida, este errado juízo, admitida a sua existência, permite atribuir dois ou mais sentidos diferentes à decisão, o que já evidencia a dificuldade em lhe dar razão.
O erro, a existir, reporta-se ao juízo na avaliação da matéria de facto, mas na medida em que não contende com a decisão não constitui causa de nulidade da sentença, o erro apontado é um erro de julgamento e não um erro de construção da sentença como é próprio das nulidades desta; aliás, o ponto 7 dos factos provados, na dimensão impugnada, é inócuo para a decisão, a pretensão do A. claudicou por não haver interposto a ação do prazo de seis meses a contar do conhecimento da concretização da venda e não por não haver exercido o direito de preferência nos oito dias seguintes à comunicação do projeto da venda.
Improcede o recurso quanto a esta questão.

2.2. Se o direito de preferência do A. não caducou.

A decisão recorrida declinou o direito do A preferir na venda de 1/5 indiviso do prédio rústico denominado “(…)” ou “(…)” sito em (…), freguesia de (…), concelho de Santarém, inscrito na matriz predial sob o artigo (…), Secção F e descrito na Conservatória de Registo Predial de Santarém sob o n.º (…)/(…) na consideração que o A. teve conhecimento da venda no ano de 2010 e instaurou a presente ação em 29/9/2011, ou seja, decorridos mais de seis meses após o conhecimento da venda.

O A. diverge argumentando que os RR não provaram, como lhes incumbia, haverem-lhe dado conhecimento do projeto da venda, nos termos previstos pelo artº 416º do CC, que só teve conhecimento das cláusulas da venda em 5/4/2011, data em que obteve uma certidão da escritura de compra e venda e que à data da propositura da ação (29/9/2011), estava em tempo de exercer o direito de preferência.

É inegável que o A., enquanto comproprietário do prédio rústico denominado “(…)” ou “(…)”, tinha o direito de preferir na venda da quota que o seu consorte (…) alienou ao réu (…), estranho à compropriedade e que o consorte vendedor estava obrigado a comunicar ao A. o projeto da venda e as cláusulas do respetivo contrato para que este, no prazo de oito dias e sob pena de caducidade, exercesse o seu direito de preferência (artºs 1409º e 416º, ambos CC).

Mas a vida e o direito desencontram-se com assinável frequência e não obstante se haja provado que antes da concretização da venda, (…) informou o autor de que pretendia vender o 1/5 indiviso do prédio, o preço da venda (€ 15.000,00) e a identidade do adquirente (ponto 6 dos factos provados), não se provou que tal comunicação haja versado sobre o prazo para realização da escritura, a data de pagamento do preço e a modalidade de pagamento [al. a) dos factos não provados], elementos relevantes do projeto da venda e da correspetiva formação da decisão de contratar, cuja omissão justifica que se tenha por incumprido o dever de comunicação do projeto de venda que onerava o consorte vendedor.

Admitindo a possibilidade do consorte vendedor incumprir o dever de comunicar o projeto da venda aos demais consortes, o legislador formulou uma outra regra com vista a repor as coisas no seu devido lugar; o comproprietário a quem não foi dado conhecimento da venda tem o direito de haver para si a quota alienada, contando que o requeira dentro do prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação e deposite o preço devido nos 15 dias seguintes à propositura da ação (artº 1410º, nº 1, do CC).

Regra que interpretada à estrita luz da sua letra colocaria nas mãos do preferente a possibilidade de, usando a forma em detrimento da substância, protelar no tempo a definição da situação jurídica da venda uma vez que, realizada esta, os respetivos intervenientes dificilmente lhe darão conhecimento dos elementos essenciais que antes omitiram e tais elementos – essenciais – apenas chegarão ao conhecimento do preferente com o conhecimento do concreto contrato de compra e venda no dia, mais ou menos distante, em que resolver adquirir uma cópia do contrato.

E é esta a posição do A.; embora se prove que, antes da venda, foi informado pelo consorte vendedor do preço da venda e da identidade do adquirente e apesar de ter conhecimento, desde o ano de 2010, que (…) e (…) haviam vendido 1/5 indiviso do prédio ao segundo réu (pontos 6 e 9 dos factos provados), o A. defende que só no 5/4/2011 é que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação, porquanto foi nesta data que obteve uma certidão da escritura de compra e venda.

Mas esta posição não é a certa. Como se ajuizou no Ac. STJ de 4/2/2010 (processo 3370/05.0TBPVZ.P1.S1)[4] referido, aliás, pela decisão recorrida: “É certo que o prazo para o exercício em juízo do direito real de aquisição em que se consubstancia a posição do preferente se conta da ocorrência de um facto subjetivo: o conhecimento pelo preferente dos elementos essenciais do ato de alienação; tal não significa, porém, que seja possível diferir ilimitadamente no tempo o exercício de tal direito, de modo a considerá-lo possível após se consumarem anos ou décadas sobre a verificação do referido facto objetivo, pondo-se obviamente em causa – não apenas os direitos e expectativas do obrigado à preferência – mas direitos de terceiros, totalmente estranhos a tal obrigação (e a quem se não pode naturalmente imputar a respetiva violação) e, em última análise, a própria segurança e confiança do tráfico jurídico.

(…)

Como é notório, tal solução normativa revelar-se-ia dificilmente compatível com os princípios da confiança e da segurança jurídica no campo da alienação de bens imobiliários, - que constitui emanação do próprio princípio constitucional da confiança, ínsito no do Estado de direito democrático, proclamado pelo art. 2º da Lei Fundamental - ao possibilitar que quem os adquiriu – e registou em seu nome - desconhecendo, porventura, sem culpa que o transmitente violou um direito de preferência – ficaria indefinidamente sujeito a ver a eficácia da aquisição destruída, ao longo de períodos temporais longuíssimos - podendo, em muitos casos, o exercício tardio do direito de preferência, afetar os múltiplos e sucessivos actos de transmissão, eventualmente verificados ao longo dos anos ( veja-se, por ex. , a tutela conferida pelo art.291º do CC aos subadquirentes de boa fé, perante os efeitos tendencialmente retroactivos da nulidade ou anulação do negócio jurídico).

(…) consumada a alienação do imóvel com violação do direito do preferente – e passando a estar co-envolvidos no litígio, como se viu, não apenas os interessados originários, mas também direitos e expectativas de terceiros e, em última análise, a própria segurança do comércio jurídico, deixa de ser lícito ao preferente aguardar passivamente que lhe seja trazido o conteúdo e as cláusulas da venda realizada, incidindo sobre ele um ónus de acompanhamento e indagação acerca da situação do bem que é objeto mediato do seu direito real de aquisição, devendo valorar adequadamente os indícios que possam revelar a celebração de um ato de venda, de modo a desencadear, sem dilações desproporcionadas, o exercício do seu direito, se nisso tiver interesse. Se o não fizer, ao longo de períodos temporais desproporcionadamente amplos, é evidente que estará a contribuir para consolidar nos restantes interessados a expectativa de que não irá atuar o direito potestativo de que originariamente era titular, rompendo injustificadamente tais expectativas um exercício anormalmente tardio do direito – traduzindo um injustificado «venire contra factum proprium» e uma inadmissível lesão do princípio da confiança.”

Elementos essenciais da alienação para efeitos do decurso do prazo de caducidade previsto no artº 1410º, do CC, em casos como o dos autos, são o conhecimento da venda, o preço e a identidade do terceiro adquirente e isto porque concretizado o projeto de venda, com a realização da escritura de compra e venda, o prazo para realização da escritura, a data de pagamento do preço e a modalidade de pagamento não relevam para a ação de preferência que tem como condição o depósito do preço nos 15 dias seguintes à propositura da ação e visa a substituição do preferente ao estranho adquirente, ou seja, a ação de preferência tem data e modalidade de pagamento próprios e dispensa a realização de nova escritura pública.

No caso dos autos, prova-se que o A tinha conhecimento de todos estes elementos essenciais da alienação desde o ano de 2010 – pontos 6) e 9) dos factos provados – e, assim, quando propôs a presente ação, em 29/9/2011, já havia decorrido o prazo de seis meses para validamente exercer o seu direito.

Havendo sido este o entendimento da decisão recorrida, resta confirmá-la.

Improcede o recurso.

2.3. Custas.

Vencido no recurso, incumbe ao A. o pagamento das custas (artº 527º, nºs 1 e 2, do CPC).


IV. Dispositivo:
Delibera-se, na improcedência do recurso, em confirmar a decisão recorrida.
Custas pelo Recorrente.
Após trânsito e atento o que consta da escritura pública junta aos autos a fls. 20 a 28 e da contestação junta aos autos de fls. 57 a 69, designadamente no seu artigo 32º, extraia certidão das mesmas e entregue ao Ministério Público para os fins tidos por convenientes.
Évora, 12/7/2018
Francisco Matos
José Tomé de Carvalho
Mário Branco Coelho

__________________________________________________
[1] Ambos falecidos na pendência da causa, mostra-se habilitada como sua sucessora, para com ela prosseguir a ação, Isabel Duarte da Cruz.
[2] A. Reis, Código de Processo Civil, anotado, vol. 5º pág. 141.
[3] Rodrigues Bastos, Notas ao Código de Processo Civil, 2001, pág. 196 e 197.
[4] Disponível em www.dgsi.pt