Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
139/11.7PATVR.E1
Relator: MARTINHO CARDOSO
Descritores: RESISTÊNCIA E COACÇÃO SOBRE FUNCIONÁRIO
AMEAÇA
CONCURSO APARENTE DE INFRACÇÕES
Data do Acordão: 02/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Se a expressão ameaçadora “eu mato-te” ocorre no conjunto dos actos de resistência à autoridade policial, a mesma integra-se no processo de resistência e coacção, sendo o concurso de crimes meramente aparente e devendo a punição ser obtida na moldura penal do tipo legal que integra o sentido de ilícito dominante, ou seja, do crime de resistência e coacção sobre funcionário, que consumirá as ameaças.
Decisão Texto Integral:

I
Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
Nos presentes autos de Processo Comum com intervenção de tribunal singular acima identificados, do Tribunal Judicial de Tavira, o arguido JDD foi, na parte que agora interessa ao recurso, condenado pela prática de:
-- um crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período; e
-- um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos art.º 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1 al.ª c), do Código Penal, na pena de 100 dias de multa à razão diária de 6 €, o que perfaz um total de 600,00 €.
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Inconformado com o assim decidido, o arguido interpôs o presente recurso, apresentando as seguintes conclusões:
1. Olvidou o douto Tribunal as declarações prestadas pelo Arguido, designadamente, quando informou que no dia dos factos se encontrava sob o efeito de calmantes – Cfr. Declarações do Arguido desde 09:49:04 e 10:05:44 que se encontram gravadas no sistema integrado de gravação digital do Tribunal Judicial de Tavira.

2. Este facto coaduna-se com as declarações prestadas pela testemunha NMGF, designadamente, na parte em que expressamente informou que o Arguido sofre de uma depressão nervosa há vários anos, o que o obriga a tomar diariamente antidepressivos e calmantes – Cfr. Declarações da testemunha desde 10:36:31 e 10:41:03 que se encontram gravadas no sistema integrado de gravação digital do Tribunal Judicial de Tavira.

3. Pelo que, deve ser considerado como provado que o Arguido no dia dos factos se encontrava sob o efeito de calmantes.

4. Atendendo aos factos considerados como provados o Arguido apenas praticou um crime de resistência e coacção sobre funcionário.

5. Determina o art.º 347º/1 do CP que:
“Quem empregar violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física, contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique ato relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique ato relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres, é punido com pena de prisão de um a cinco anos.”

6. Para que se verifique o tipo incriminador é necessário que o agente empregue violência - seja na forma de ameaça grave, seja na forma de ofensa à integridade física - sobre membro de segurança.

7. Ao contrário do que entendeu o Tribunal “a quo”, ao proferir a expressão “Eu mato-te” o Arguido apenas preencheu um dos elementos do tipo ilícito do art.º 347º/1, a “ameaça grave”.

8. Como escreve Américo Taipa de Carvalho, “o crime previsto pelo art.º 153º do CP é um crime de ameaça e cede perante crimes de coacção, como é o caso do crime previsto pelo art.º 347º/1 do CP, sendo consumido por este” (in Comentário Conimbricense do Código Penal, Tomo I).

9. Deste modo, deve o Arguido ser absolvido da prática do crime de ameaça agravada (arts.º 153º e 155º/1 do CP).

10. Condenou o douto Tribunal “a quo” o Arguido numa pena de prisão de 1 ano e 3 meses, suspensa na sua execução. Considerou, ainda, que a substituição por trabalho a favor da comunidade não se afigura como adequada dado o estado de saúde do Arguido.

11. Preceitua o art. 40º/1 do CP que: “A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”. De acordo com o preceituado, a aplicação das penas visa a protecção de bens jurídicos, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal e a reintegração social do agente, apresentando-se a prevenção geral positiva como finalidade primordial a prosseguir, ou seja, a prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos.

12. Por outro lado, o art.º 58º/1 do CP prevê que: “se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”

13. Sendo a prevenção geral positiva, entendida como tutela da crença e confiança da comunidade na sua ordem jurídico-penal, ou seja, prevenção de comportamentos danosos de bens jurídicos, o fim primordial que se pretende atingir com a aplicação de penas, a reprovação pública inerente a uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade e o castigo que ela envolve, aplicada num processo-crime, satisfazem o sentimento jurídico da comunidade e, consequentemente, as exigências de prevenção geral de defesa da ordem jurídica.

14. Atendendo ao facto que o Arguido não tem antecedentes criminais, é tido como uma pessoa pacífica e respeitada no meio social onde se insere, está desempregado há cerca de 5 anos e reside sozinho, a aplicação da substituição de trabalho a favor da comunidade em substituição afigura-se, sem qualquer margem para dúvidas, como uma forma de sanção e, simultaneamente, como uma forma de co-responsabilização social.

15. Ao contrário daquilo que entendeu a douta Sentença, o estado de saúde do Arguido não deve obstar a que o Arguido possa prestar trabalho a favor da comunidade, antes pelo contrário, a escolha desta pena permitiria ao Arguido assimilar a censura do seu acto promovendo a sua maior integração nas regras da vida social.

16. Assim, entendemos que a substituição da pena por trabalho a favor da comunidade, no caso sub-júdice, satisfaz integralmente o critério de prevenção geral positiva dos fins das penas, entendido enquanto tutela da crença e confiança da comunidade na ordem jurídico-penal.

Termos em que, deverá o Venerando Tribunal da Relação dar provimento ao presente recurso e, assim, fazendo-se a acostumada justiça.
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A Ex.ma Procuradora-Adjunta do tribunal recorrido respondeu, concluindo da seguinte forma:
1 – Foi o recorrente condenado pela prática, em concurso real, do crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347º, nº1 do Código Penal, na pena de um ano e três meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período e pela prática do crime de ameaça agravada, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1 al. c), do Código Penal, na pena de 100 dias de multa à taxa diária de seis euros, o que perfaz um total de € 600,00;
2 – Pretende o recorrente que, à matéria de facto provada seja aditado o seguinte facto: “O arguido, no dia dos factos, encontrava-se sob o efeito de calmantes”;
3 – Desde já se diga, a latere, que o facto de tal facto não ter sido levado à matéria de facto (provada ou não provada) não vicia a sentença de nulidade por omissão de pronúncia ou de insuficiência da decisão para a matéria de facto, por não ter sido vertido em sede de acusação ou contestação e ainda por não ser essencial no que respeita à delimitação dos elementos típicos dos tipos de crime pelos quais veio a ser condenado;
4 – Sem prescindir, o facto em causa não se provou durante a audiência de discussão e julgamento.
5 – De facto, só o arguido o referiu, não sendo tal declaração corroborada por qualquer outro elemento probatório, sendo ainda de relevar o facto de as declarações do arguido não terem merecido qualquer credibilidade;
6 – Não obstante, o recorrente, atenta a matéria de facto provada, deveria ter sido condenado apenas pela prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347º, nº1 do Código Penal e absolvido do crime de ameaça, pelo qual vinha acusado;
7 – De facto, toda a conduta do arguido no momento em que era processada a sua detenção, incluindo a expressão “Eu mato-te”, considerada na sentença para a condenação do recorrente pela prática do crime de ameaça, era atinente a um mesmo fim – resistir a essa mesma detenção, pelo que não se verifica a existência de duas resoluções criminosas, mas antes uma única, traduzida na vontade de resistir à referida detenção;
8 – Aliás, diga-se que as expressões proferidas pelo recorrente no primeiro momento da sua actuação, que corresponde a momento anterior à sua detenção, não o faz incorrer na prática de um crime;
9 – Nessa medida, deve a sentença recorrida ser revogada nesta parte, sendo o recorrente condenado somente pela prática do crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo artigo 347º, nº1 do Código Penal;
10 – Já no que respeita à substituição da pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, por horas de trabalho a favor da comunidade, entendemos não merecer acolhimento a pretensão do recorrente, porquanto, como muito bem frisou o Tribunal a quo, “No tocante à pena de trabalho a favor da comunidade o estado de saúde do arguido – e a medicação a que está sujeito – parece indiciar que tal pena teria uma execução de difícil concretização, a que acresce a circunstância de tal pena não impor, como impõe a pena de suspensão, uma acalmia “forçada” através de uma ameaça pendente sobre o arguido durante o prazo de decurso da mesma. Factor que se afigura aqui benéfico.”
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Nesta Relação, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência parcial do recurso.
Cumpriu-se o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.
Procedeu-se a exame preliminar.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
II
Na sentença recorrida e em termos de matéria de facto, consta o seguinte:
-- Factos provados:
1) No dia 10 de Abril de 2011, pelas 19h25, na Rua Miguel Bombarda, em Tavira, o arguido dirigiu-se aos agentes da P.S.P. JMPV e JPBR, que se haviam deslocado àquele local devidamente uniformizados e no âmbito de uma ocorrência policial.
2) Acto contínuo, o arguido abeirou-se do agente da P.S.P. JV e disse-lhe por várias vezes, em voz alta e com foros de seriedade: “ Você vai ver quem é o filho do Janeiro, tenha cuidado, tenha cuidado”, enquanto brandia o braço e a mão direitas junto à face do aludido agente, apontando com o dedo indicador em direcção ao nariz do mesmo, mais afirmando que estava numa via pública e que poderia dizer-lhe aquilo que quisesse.
3) Na sequência de tal conduta por parte do arguido, o agente JV disse-lhe que se encontrava detido e tentou manietar o mesmo com o propósito de o conduzir à Esquadra da P.S.P. de Tavira.
4) Contudo, o arguido, com o intuito de obstar à sua detenção, agarrou o agente da P.S.P. JV pelos braços e, acto contínuo, desferiu-lhe vários socos na perna esquerda e tentou retirar-lhe a arma de fogo que aquele trazia acondicionada num coldre junto ao cinturão do uniforme, puxando o punho da mesma, enquanto dizia “ Eu mato-te”.
5) O arguido apenas cessou tal conduta, com a intervenção do agente da P.S.P. JPBR que auxiliou o seu colega na imobilização daquele e na sua posterior condução à Esquadra da P.S.P.
6) Com os socos que desferiu na perna do agente JV o arguido provocou naquele escoriações e dores na zona corporal atingida, e rasgou as calças que o mesmo trajava.
7) Ao aproximar-se do agente JV gesticulando e proferindo as expressões acima descritas, o arguido actuou com o propósito concretizado de amedrontar o aludido agente, bem sabendo que tais gestos e expressões eram susceptíveis de causar um sentimento de insegurança e de intranquilidade no visado, fazendo-o recear pela sua integridade física.
8) Mais, ao assumir a conduta descrita em 4, o arguido actuou ainda com o propósito de, através da força física, impedir a concretização da sua detenção.
9) Bem sabendo que a pessoa a quem se dirigia era agente da P.S.P., que este se encontrava no exercício das suas funções e que tinha autoridade para proceder à sua detenção.
10) O arguido assumiu as condutas acima descritas sempre de forma livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as mesmas eram proibidas e punidas por lei.
11) O arguido não tem antecedentes criminais.
12) O arguido é tido como pessoa pacífica e respeitada no meio social onde se insere.
13) Encontra-se desempregado há cerca de 5 anos.
14) Aufere cerca de € 700,00 mensais enquanto senhorio.
15) Reside sozinho em casa própria que se encontra penhorada.
16) Sofre de depressão nervosa, há vários anos, seguindo medicação com anti-depressivos.
17) Frequentou o primeiro ano de curso de Direito.
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-- Factos não provados:
Não resultaram provados quaisquer outros factos com relevância para a decisão da causa, designadamente que tenha sido qualquer um dos agentes da PSP que acorreram ao local quem iniciou uma discussão com o arguido, insultando-o.
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Fundamentação da decisão de facto:
A decisão quanto à matéria de facto alcançada nos presentes autos assentou nas declarações prestadas pelos arguidos, na prova testemunhal produzida e na prova documental junta ao processo. Prova essa apreciada livremente, nos termos do disposto no art. 127º do CPP, segundo o qual “a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente”.
Assim, para prova do vertido na acusação foi essencial o depoimento claro, circunstanciado e credível das testemunhas da acusação, intervenientes na situação em apreço nos autos, e que relataram tudo o descrito na mesma em juízo. E fizeram-no, cumpre referi-lo, de uma forma consonante nas versões apresentadas, com compreensíveis esquecimentos em questões de pormenor – e compreensíveis face ao lapso de tempo entretanto decorrido – mas, ainda assim, com o reporte de pormenores (como é o caso da descrição pela qual a arma não foi tirada do coldre) que conferiram grande credibilidade ao seu testemunho.
Tais depoimentos foram contraditados, é certo, pela versão do arguido.
Mas tal versão pautou-se pela invocação de motivos e ocorrências que se têm como incredíveis, por contrárias às regras da experiência, e que minam em absoluto a sua plausibilidade.
Desde logo, aventa o arguido que o conflito em causa teve início com insultos proferidos, quase de imediato, pelo agente JV, dirigidos à sua pessoa. Justifica tal comportamento com multas passadas ao seu pai há cerca de 20 anos atrás. Ora, por que razão iria o agente JV manter um qualquer problema atinente ao não pagamento de uma multa, há tanto tempo atrás? É algo completamente contrário às regras da experiência, e, salvo o devido respeito, sem qualquer lógica. Pelo que se algum antagonismo existe, a razão nunca poderá ser essa. E a verdade é que nenhuma outra razão foi invocada… Pelo que o início e decorrer dos factos nos termos descritos se torna inverídico por totalmente infundado.
Pois certamente que o agente JV, aqui inquirido, não teria interesse em violar normas disciplinares - como ocorreria a ser verdade o relatado pelo arguido - por razão nenhuma, ou por causa de uma multa com mais de 20 anos emitida ao pai do arguido.
É assim em função do exposto, e considerando ainda a prova documental junta aos autos, maxime o auto de notícia de fls. 3 e 4, que decorre o teor dos factos provados vertidos em 1) a 10) e o descrito no facto não provado único.
Os demais factos resultaram do vertido no certificado de registo criminal junto aos autos, bem como nas declarações do arguido quanto às suas condições económicas, sociais e familiares, e nas declarações da testemunha abonatória inquirido, que, no tocante a tais concretos aspectos, se tiveram como coerentes e credíveis, nada existindo que lance qualquer dúvida quanto à sua veracidade, até atenta a sua independência face aos factos constantes da acusação – que são, esses sim, abstractamente prejudiciais ao arguido.
III
De acordo com o disposto no art.º 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, o objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação e é por elas delimitado, sem prejuízo da apreciação dos assuntos de conhecimento oficioso de que ainda se possa conhecer.
De modo que as questões postas ao desembargo desta Relação são as seguintes:
1.ª – Que o tribunal “a quo” devia ter dado como provado que o arguido, no dia dos factos, se encontrava sob o efeito de calmantes;
2.ª – Que, atendendo aos factos considerados como provados, o arguido apenas praticou um crime de resistência e coacção sobre funcionário e não também o de ameaça agravada; e
3.ª – Que a pena de 1 ano e três meses de prisão em vez de ter sido suspensa na sua execução como o foi pelo tribunal "a quo" devia antes ter sido substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
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Vejamos:
No tocante à 1.ª das questões postas, a de que o tribunal “a quo” devia ter dado como provado que o arguido, no dia dos factos, se encontrava sob o efeito de calmantes:
Alega o arguido que foi isso que ele próprio e a testemunha NMGF disseram em julgamento.
Acontece que, ouvido o depoimento em julgamento prestado por aquela testemunha e o que resulta do mesmo é que ela referiu ser do seu conhecimento que o arguido padece de depressão nervosa, mas em momento algum referiu que o arguido na data da ocorrência estava sob o efeito de calmantes ou que nesse dia tivesse visto o arguido a tomar calmantes.
Quanto ao que o arguido declarou a esse respeito, a questão está na credibilidade que tais declarações têm ou deixam de ter.
Como se sabe, os arguidos só falam se quiserem. E, falando, dizem o que quiserem.
Não estando obrigados a falar verdade, acreditar ou não no que dizem é uma questão de convicção. Essencial é que a explicação do tribunal porque é que acredita ou não acredita seja racional e tenha lógica.
E quem esteve na posição privilegiada para avaliar essa credibilidade foi, sem dúvida, o tribunal da 1.ª Instância, que beneficiou da oralidade e da imediação que teve com a prova.
O tribunal da 1.ª Instância é que viu o arguido, teve-o à sua frente, olhou-o nos olhos, avaliou-o, notou as hesitações ou a serenidade, a convicção ou a displicência, o ar com que depôs, como se engasgou, titubeou ou foi peremptório.
Aliás, segundo recentes pesquisas neurolinguísticas, numa situação de comunicação presencial, apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra, sendo que o tom de voz e a fisiologia, ou seja, a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder – vide Lair Ribeiro, “Comunicação Global”, Lisboa, 1998, pág. 14. Ora se a audição de uma gravação permite fruir com fidelidade aqueles 7% de capacidade de influência exercida através da palavra e ainda, mas nem sempre, os 38% referentes ao tom de voz, sobram os 55% referentes à fisiologia, ou seja, a postura corporal dos interlocutores, a que o tribunal de 2.ª Instância nunca terá acesso.
É que há sempre coisas que os juízes de julgamento viram enquanto ouviam e não ficaram na gravação e das quais, por isso, o tribunal de recurso nunca se aperceberá, sendo por vezes precisamente essas que fazem a diferença e levam o tribunal a quo a tombar para o lado do provado em vez do não provado ou vice-versa.
Isto é, a percepção dos depoimentos só é perfeitamente conseguida com a oralidade e a imediação das provas, sendo certo que, não raras vezes, o julgamento da matéria de facto não tem correspondência directa nos depoimentos concretos, resultando antes da conjugação lógica de outros elementos probatórios, que tenham merecido a confiança do tribunal.
Por isso é que o art.º 127.º, do Código de Processo Penal, dispõe que a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente; salvo quando a lei dispuser diferentemente, o que não é o caso.
Certo que a livre apreciação da prova não é livre arbítrio ou valoração puramente subjectiva, mas apreciação que, liberta do jugo de um rígido sistema de prova legal, se realiza de acordo com critérios lógicos e objectivos, que determina dessa forma uma convicção racional e, portanto, objectivável e motivável – acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4-11-98, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 1998, III-201.
Mas quando a atribuição de credibilidade a uma fonte de prova se basear em opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum – acórdãos do STJ de 6-3-02, Colectânea de Jurisprudência dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, 2.002, II-44 e da Relação de Évora de 25-5-04, Colectânea de Jurisprudência, 2.004, III-258.
Não basta que o recorrente pretenda fazer uma ‘revisão’ da convicção obtida pelo tribunal "a quo" por via de argumentos que permitam concluir que uma outra convicção ‘era possível’. Exige-se-lhe que indique a prova que imponha uma outra convicção.
De resto, do que o art.º 412.º, n.º 3 al.ª b), do Código de Processo Penal, fala é da indicação pelo recorrente da provas que imponham uma decisão diversa da recorrida, não de provas que eventualmente também permitam outra decisão de facto.
Assim, analisando o conteúdo da gravação do depoimento prestado pelo arguido sobre aquele ponto de se no dia da ocorrência tinha ou não tomado calmantes, acerca do qual efectivamente nenhuma outra prova existe, e à luz das regras da experiência e da normalidade nada impõe que se modifique a matéria de facto assente como provada nessa parte.
De resto, tendo até ficado provado no ponto 16) que o arguido sofre de depressão nervosa, há vários anos, seguindo medicação com anti-depressivos – o que já retrata suficientemente o quadro de saúde do arguido – e não se percebe, nem o arguido o explica, qual o alcance prático de querer acrescentar que no dia dos factos se encontrava sob o efeito de calmantes, se depois o recorrente não retira desse detalhe qualquer resultado tangível e sendo certo que o mesmo é irrelevante às suas demais pretensões recursivas de que apenas praticou um crime de resistência e coacção sobre funcionário e de que a pena de prisão em vez de ter sido suspensa na sua execução devia antes ter sido substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Termos em que improcede a impugnação da matéria de facto.
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No tocante à 2.ª das questões postas, a de que, atendendo aos factos considerados como provados, o arguido apenas praticou um crime de resistência e coacção sobre funcionário e não também o de ameaça agravada:
Da matéria de facto assente como provada, as situações que, em princípio, poderiam servir de suporte à integração dos elementos objectivos constitutivos do crime de ameaça agravada, p. e p. pelos art.º 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1 al.ª c), do Código Penal (diploma do qual serão todos os preceitos legais a seguir referidos sem menção de origem), são as seguintes:
A primeira:
2) Acto contínuo, o arguido abeirou-se do agente da P.S.P. JV e disse-lhe por várias vezes, em voz alta e com foros de seriedade: “ Você vai ver quem é o filho do Janeiro, tenha cuidado, tenha cuidado”, enquanto brandia o braço e a mão direitas junto à face do aludido agente, apontando com o dedo indicador em direcção ao nariz do mesmo, mais afirmando que estava numa via pública e que poderia dizer-lhe aquilo que quisesse.
A segunda:
4) Contudo, o arguido, com o intuito de obstar à sua detenção, agarrou o agente da P.S.P. JV pelos braços e, acto contínuo, desferiu-lhe vários socos na perna esquerda e tentou retirar-lhe a arma de fogo que aquele trazia acondicionada num coldre junto ao cinturão do uniforme, puxando o punho da mesma, enquanto dizia “ Eu mato-te”.
Sobre o assunto, concluiu o tribunal "a quo" o seguinte:
(…)
Revertendo tais considerações ao caso concreto, resultou provado que o arguido disse, de uma forma audível, e dirigindo tais expressões ao agente JV, devidamente uniformizado, e por causa das funções pelo mesmo exercidas, “Você vai ver quem é o filho do Janeiro, tenha cuidado, tenha cuidado” e “Eu mato-te”.
Ora, no tocante à primeira das expressões transcritas a mesma não se reporta, de forma clara, a qualquer anúncio de mal futuro. Podia denotar um estado de exaltação, e uma ameaça velada, mas não uma ameaça clara de anúncio de mal futuro.
O mesmo já não sucede no tocante à expressão eu mato-te, manifesta ameaça de mal futuro, contra o mais importante dos bens jurídicos – a vida.
Pelo que, ao dirigir-se ao ofendido com tal expressão, quis o arguido, obviamente, intimidar, criar um estado de medo.
(…)
Por conseguinte, dúvidas não restam que o arguido praticou o crime de ameaça agravada que lhe era imputado, p. e p. pelos art. 153.º n.º1 e 155.º n.º1 alínea c) do Código Penal, inexistindo qualquer causa de exclusão da culpa ou da ilicitude.
Ora bem.
Como bem lembra a Exm.ª Magistrada do M.º P.º que na 1.ª Instância respondeu ao recurso, um caso do qual se podem tirar ilações importantes para a situação dos presentes autos foi recentemente tratado no acórdão da Relação de Évora de 24-9-2013, proferido no processo 356/09.0GELLE.E1, desta Relação, relatado pela Exm.ª Desembargadora agora adjunta no presente processo, no qual expendeu o seguinte:
Já a integração jurídica dos factos provados ainda nos crimes de injúria agravada (dos artigos 181.º n.º 1, 184.º e 132.º n.º 2 alínea l), todos do Código Penal) em concurso efectivo com o crime de resistência e coacção merece reparo.
(…)
A conduta do arguido, se isolada e em diferente contexto, seria susceptível de preencher por duas vezes este tipo de crime (já que são dois os órgãos de polícia criminal visados). Só que ela desenrolou-se num encadeamento da acção que não pode deixar de ser avaliado na sua integralidade, repercutindo-se na decisão quanto ao número de crimes efectivamente cometidos.
O recorrente proferiu as expressões injuriosas quando se encontrava a ser detido, ou seja, enquanto praticava os factos que realizavam o crime de resistência e coacção, como resulta dos factos provados transcritos em 2.
Mas a condenação do agente como autor de vários crimes pressupõe sempre que estes se encontrem em concurso efectivo, havendo aqui que apreciar precedentemente, e agora em concreto, se os dois crimes de injúria agravada e o crime de resistência e coacção sobre funcionário se encontram em concurso efectivo ou, tão só, aparente. (…)
Na procura do sentido do art. 30º, nº 1 do Código Penal (concurso de crimes), a doutrina tem fornecido grande contributo, sendo conhecidas as posições de Eduardo Correia, Cavaleiro de Ferreira, Figueiredo Dias, Lobo Moutinho, Duarte de Almeida. No tratamento da temática do concurso de crimes, seguiremos a posição de Figueiredo Dias (Direito Penal: Parte Geral I. Questões Fundamentais: a Doutrina Geral do Crime, 2ª ed., 2007, pp. 977 e ss).
De acordo com o critério do autor – critério da “unidade ou pluralidade de sentidos sociais de ilicitude do comportamento global” –, o crime, como facto punível, traduz-se numa violação de bens jurídico-penais que preenche um determinado tipo legal. O núcleo dessa violação não é o mero actuar do agente, nem o tipo legal que o integra, mas o ilícito-típico: o que está em causa é determinar a unidade ou pluralidade de sentidos de ilicitude típica em que o significado do comportamento global do agente se traduz – e é essa determinação que decide da unidade ou pluralidade de crimes.
Ocorrendo situações em que vários tipos penais são concretamente aplicáveis, devem distinguir-se os casos em que a esta pluralidade corresponde uma outra pluralidade de sentidos sociais de ilicitude típica (que será o caso do concurso efectivo ou próprio) daqueles em que, apesar de serem vários os tipos preenchidos, retira-se do comportamento global do agente um sentido de ilicitude dominante (a tratar como concurso aparente).
Assim, o preenchimento em concreto de vários tipos legais pelo comportamento do agente não implicará necessariamente o concurso efectivo, assim acontecendo nos casos em que se possa concluir pela existência de um sentido de ilicitude dominante.
A punição nos termos do art. 77º apenas se aplicará aos casos de concurso efectivo. Nos casos de concurso aparente, pelo contrário, a punição será obtida na moldura penal do tipo legal que integra o sentido de ilícito dominante.
Para a “apreensão do conteúdo de ilicitude material do facto” não bastará pois um mero trabalho sobre normas; há que recorrer a subcritérios fundamentais, tais como o da unidade de sentido do comportamento ilícito global, o da relação ilícito-meio/ ilícito-fim, o da unidade do desígnio criminoso do agente, o da conexão situacional espácio-temporal e o dos diferentes estádios de realização da actuação global, de acordo com as particularidades de cada caso concreto. E estas particularidades do caso concreto decidirão, então, da premência de uns em detrimento de outros, podendo até acontecer que dois ou mais critérios convirjam em direcção ao mesmo resultado. Eles funcionam, então, como indicadores seguros da unidade, ou da pluralidade, de sentidos sociais de ilicitude do comportamento global.
Voltando ao caso, o comportamento do arguido preencheu os dois tipos de crime, e um deles, por duas vezes. Mas as expressões injuriosas são proferidas no contexto da identificação e detenção do arguido. Elas ocorrem no conjunto dos actos de resistência à autoridade policial.
Olhando para a globalidade do acontecido, não pode deixar de se considerar que estas injúrias se integram num mesmo processo de descarga emocional do arguido, num episódio de vida unívoco espácio-temporalmente conexo, inequivocamente revelador da tal unidade de sentido do comportamento ilícito global.
Daí o dever concluir-se que este concreto concurso de (três) crimes é, então, meramente aparente, devendo a punição ser obtida não já à luz do art. 77º do Código Penal, mas na moldura penal do tipo legal que integra o sentido de ilícito dominante, ou seja, do crime de resistência e coacção sobre funcionário, que consumirá as injúrias.
Será esta a pena abstracta a ter em conta na determinação da pena concreta, onde as ofensas poderão relevar, mas como circunstância geral e não como crime autónomo.

Também no caso dos presentes autos se deve entender que o comportamento do arguido preencheu os dois tipos de crime, o de resistência e coacção sobre funcionário e o de ameaça agravada. Mas a expressão ameaçadora eu mato-te ocorre no conjunto dos actos de resistência à autoridade policial.
Sopesando a imagem global do acontecido, também no caso destes autos não pode deixar de se considerar que aquela expressão do eu mato-te se integra, sem destaque que lhe confira relevância autónoma, no processo de resistência e coacção – é um elemento mais, mas também, da coreografia de gestos e vozearia da resistência e coacção sobre o polícia levada a cabo pelo arguido, que até poderia ter sido ocasionalmente adicionado do nestas circunstâncias usual ,seu granda ***, circunstância que, pela óptica do tribunal recorrido, daria origem a um terceiro tipo de ilícito.
Daí o dever concluir-se, na esteira do acórdão que nos tem servido de guia, que este concreto concurso de crimes é, então, meramente aparente, devendo a punição ser obtida não já à luz do art. 77º do Código Penal, mas na moldura penal do tipo legal que integra o sentido de ilícito dominante, ou seja, do crime de resistência e coacção sobre funcionário, que consumirá as ameaças.
Tem pois o recorrente razão neste aspecto.
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No tocante à 3.ª das questões postas, a de que a pena de 1 ano e três meses de prisão em vez de ter sido suspensa na sua execução como o foi pelo tribunal "a quo" devia antes ter sido substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade:
O tribunal "a quo" fundamentou a sua opção do seguinte modo, citando apenas a parte que mais interessa ao caso:
No presente caso urge começar por fixar as penas parcelares por cada um dos crimes cometidos, procedendo depois à fixação da pena única.
Comecemos então por aferir da pena aplicável pelo crime de resistência e coacção sobre funcionário.
No caso em análise, partimos da moldura abstracta prevista no art. 347º, n.º 1, do Código Penal: pena de prisão até cinco anos.
Não é aqui admissível, em face de tal preceito, a aplicação de uma pena de multa a título principal.
Na determinação da medida concreta da pena de prisão a aplicar há que considerar, desde logo, a existência de exigência de prevenção geral algo elevadas, pois a sociedade antevê com alguma preocupação comportamentos que tendam a obstar ao exercício regular de funções por parte de agentes de segurança, sendo consabida, e censurado socialmente, o cada vez maior desrespeito perante polícias, agentes de GNR’s e outros funcionários cuja função é acautelar a segurança e a paz social.
As exigências de prevenção especial são aqui reduzidas, atenta a inexistência de antecedentes criminais e uma aparente salutar inserção social e familiar.
Desfavoravelmente há a considerar que as agressões ao agente da PSP comprovadas no presente caso denotam alguma gravidade, algum “vigor” por parte do arguido, o que não pode deixar também de ser censurado e traduzido na pena a aplicar.
Assim como deve ser devidamente considerado o facto do arguido ainda ter tentado lançar mão da arma de fogo transportada pelo agente JV. Não logrando concretizar os seus intuitos, mas demonstrando que estes eventos poderiam ter tido um resultado muito pior, ou pelo menos arriscado, se acaso conseguisse ficar na posse da arma.
Em função do exposto decide o Tribunal aplicar uma pena de um ano e três meses de prisão.
Atenta a medida da pena de prisão aplicada importa aferir se se justifica aqui a suspensão da mesma ou substituição por pena de trabalho a favor da comunidade, seguindo-se o entendimento de que as penas de prisão efectiva, pelo seu efeito estigmatizante e dessocializador, devem ser aplicadas como ultima ratio.
No tocante à pena de trabalho a favor da comunidade o estado de saúde do arguido – e a medicação a que está sujeito – parece indiciar que tal pena teria uma execução de difícil concretização, a que acresce a circunstância de tal pena não impor, como impõe a pena de suspensão, uma acalmia “forçada” através de uma ameaça pendente sobre o arguido durante o prazo de decurso da mesma. Factor que se afigura aqui benéfico.
Pelo que se afasta a aplicação de pena substitutiva de trabalho a favor da comunidade.
Afigura-se no entanto adequada a suspensão da execução da pena de prisão, em função do disposto no artigo 50º, n.º 1 do Código Penal, segundo o qual “o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”
Assim, quando o tribunal aplica uma pena de prisão não superior a cinco anos tem o poder-dever de suspender a sua execução sempre que, reportando-se ao momento da decisão, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido. Este juízo de prognose não tem de assentar necessariamente numa certeza; basta que haja uma expectativa fundada de que a simples ameaça da pena seja suficiente para realizar as finalidades da punição, e consequentemente, a ressocialização em liberdade do arguido.
Todavia, há um limite inultrapassável que o tribunal deve respeitar na consideração sobre o comportamento futuro do arguido: a defesa do ordenamento jurídico.
Como escreve Figueiredo Dias, “apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da pena de prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime. Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por essas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto ora em análise.” (in, “Consequências Jurídicas do Crime, pp. 344).
No caso vertente, acredita-se que ilícitos como o presente não irão, provavelmente, ser repetidos, acreditando-se que a solene advertência patente na presente sentença, e a ameaça de cumprimento de uma pena de prisão efectiva, serão suficientes para levá-lo a adoptar uma conduta futura consonante com o Direito, evitando a prática de factos como os aqui em apreço que terão sido, atento o vertido nos auto, algo inédito e dissonante com o seu habitual comportamento em outros momentos da sua vida.
Conclui-se assim que a sua reclusão não se mostra adequada nem ressocializadora (antes pelo contrário), sendo o cumprimento da pena em liberdade consonante com as exigências de punição aqui presentes.
A suspensão da execução da pena de prisão pode assumir três modalidades: a suspensão simples, a suspensão com imposição de condições (deveres ou regras de conduta) e a suspensão com regime de prova.
No presente caso afigura-se suficiente a aplicação de suspensão simples, por igual período que o fixado de pena de prisão, nos termos legais.

O art.º 58.º, n.º 1, estabelece que:
Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
O art.º 40.º, n.º 1, do Código Penal traça as finalidades das penas e das medidas de segurança, as quais visam a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
Ora quando em seu recurso o arguido alega que, ao contrário daquilo que entendeu a douta Sentença, o estado de saúde do Arguido não deve obstar a que o Arguido possa prestar trabalho a favor da comunidade, antes pelo contrário, promoveria a sua maior integração nas regras da vida social, o arguido, que tem 50 anos de idade e está desempregado há cerca de 5, parece que está a ver a pena de prestação de trabalho a favor da comunidade não como uma pena, mas mais como uma oportunidade de terapia de distracção para a sua depressão nervosa, uma forma de ocupar o tempo, um complemento à medicação anti-depressiva que toma – o que, sem deixar de ser um desiderato virtuoso, seguramente não faz parte das finalidades da substituição da pena de prisão.
Ademais, e como diz o Senhor Juiz recorrido, também concordamos em que acresce a circunstância de tal pena não impor, como impõe a pena de suspensão, uma acalmia “forçada” através de uma ameaça pendente sobre o arguido durante o prazo de decurso da mesma. Factor que se afigura aqui benéfico.
IV
Termos em que, concedendo parcial provimento ao recurso, se decide:
1.º
Revogar a sentença recorrida na parte em que condenou o arguido por um crime de ameaça agravada, p. e p. pelos art.º 153.º, n.º 1 e 155.º, n.º 1 al.ª c), do Código Penal, do qual é absolvido.
2.º
Manter no mais a decisão recorrida.
4.º
Não é devida tributação (art.º 513.º, n.º 1, do Código de Processo Penal).
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Évora, 03-02-2015
(elaborado e revisto pelo relator,
que escreve com a ortografia antiga)

João Martinho de Sousa Cardoso

Ana Maria Barata de Brito