Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2596/12.5TBEVR-A.E1
Relator: SILVA RATO
Descritores: COMODATO
BENFEITORIAS
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
INSUFICIÊNCIA DA MATÉRIA DE FACTO
ANULAÇÃO DE JULGAMENTO
Data do Acordão: 07/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULAÇÃO DO JULGAMENTO
Sumário:
1. O comodatário que realiza benfeitorias na coisa emprestada é equiparado, quanto a benfeitorias, ao possuidor de má-fé (artigo 1138º do Código Civil).
2. O possuidor de má-fé apenas tem direito a ser indemnizado das benfeitorias necessárias que tenha realizado na coisa emprestada e, não sendo possível o seu levantamento sem detrimento da coisa emprestada, a ser compensado do valor das benfeitorias úteis, segundo as regras do enriquecimento sem causa (artigos 1273º e 1275º, do Código Civil).
3. Incumbe ao comodatário, nos termos do n.º1 do art.º 342º do Código Civil, por serem factos constitutivos do seu direito à indemnização por benfeitorias úteis, alegar e provar que as benfeitorias a que procedeu na coisa emprestada, para além de acrescentarem valor à mesma, não podem ser levantadas sem que causem dano à coisa benfeitorizada.
Decisão Texto Integral:
Acordam, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

Proc. N.º 2596/.12.5TBEVR-A
Apelação
Comarca de Portalegre (Portalegre-IL–SCiv-J2)
Recorrente: AA
Recorrido: BB
R34.2016

I. BB e CC, intentaram a presente acção declarativa comum contra AA, pedindo a condenação deste no pagamento da quantia de €10.860,64 € a título de benfeitorias realizadas e €5.00,00 a título de danos não patrimoniais sofridos.
Alegaram para o efeito, e em síntese, que sendo o Réu proprietário do imóvel sito na Rua …, nº …, em Portalegre, o mesmo cedeu a sua utilização à Autora mulher, a título gratuito, para que a mesma aí passasse a residir, aquando da sua permanência em Portugal. Mais alegam que, encontrando-se o referido imóvel em más condições de habitabilidade, o Réu autorizou a Autora a fazer obras de recuperação, na sequência das quais a Autora recuperou paredes, pavimentos, telhado, portas e janelas, tendo despendido a quantia global de 10.860,64 €, que ora peticionam a título de benfeitorias realizadas sobre o imóvel. Acrescentam ainda que, em Outubro de 2013 e sem que nada o fizesse prever, o Réu mudou a fechadura da porta de acesso ao imóvel, desse modo impedindo a Autora de a ela aceder bem como aos seus pertences, o que lhe provocou incómodos e desgosto, danos não patrimoniais cujo pagamento peticionam na importância de 5.000,00 €.

O Réu deduziu contestação, defendendo-se por excepção dilatória de ilegitimidade activa do Autor marido e por excepção peremptória de prescrição, bem como por impugnação motivada, pugnando pela improcedência do pedido deduzido, alegando, em suma, não haver autorizado as obras nos moldes realizados.

Realizado julgamento foi proferida sentença, em que foi decidido o seguinte:
“Pelo exposto, e ao abrigo das disposições legais supra mencionadas, julgo a acção parcialmente procedente por provada e, em consequência, condeno o Réu AA no pagamento da quantia de 10.860,64 € (dez mil oitocentos e sessenta euros e sessenta e quatro cêntimos) acrescido de juros de mora vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o quanto ao demais peticionado.
…”

Inconformado com tal decisão, veio o Réu interpor recurso de apelação, cujas alegações terminou com a formulação das seguintes conclusões:
I - A sentença Recorrida, ao sufragar que “não tendo sido demonstrado que as benfeitorias realizadas pela Autora possam ser levantadas sem prejuízo da coisa benfeitorizada, deve a mesma ser indemnizada pelos montantes despendidos de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, nos termos preceituados pelo artigo 1273º, nº 1 do CC”, e que, “considerando que não resulta dos autos que a Autora possa proceder ao levantamento das benfeitorias, terá direito a ser indemnizada pelo seu valor”, condenando o R. ao pagamento da quantia de 10.860,64€ em que importaram as obras realizadas pela A., incorre em erro in judicando, por violação do disposto nos artºs 1273 nº1, 342, 473, e 479, todos do C.C.
II - Porquanto, o artº 1273 nº1 do C.C. dispõe, no que tange a benfeitorias úteis o direito do possuidor levantar as que haja realizado na coisa, desde que possa fazer sem detrimento dessa mesma coisa.
III - Em virtude do que, nos termos do artº342 do C.C., sendo constitutivo do direito ao valor das benfeitorias úteis o facto de o levantamento de tais benfeitorias causar o detrimento à coisa cabia à A., in casu, alegar e provar que as benfeitorias que invoca ter realizado não podem ser levantadas sem detrimento do imóvel do R., que o prédio se acha valorizado como consequência directa e necessária delas, como assim, quanto às benfeitorias necessárias e às úteis, provar o respectivo custo daquelas, e seu valor actual, para determinação da indemnização segundo as regras do enriquecimento sem causa resultantes do disposto nos artºs 473 e 479 do C.C., que impõe como limite, não o valor das benfeitorias, mas sim, nos termos dos ante referidos preceitos legais (artºs 473 e 479 do C.C.), a medida do locupletamento.
IV - Conforme resulta dos autos, e concretamente da sentença recorrida, a A. não alegou, e/ou provou, quais as concretas obras correspondentes a benfeitorias necessárias e/ou úteis, e quanto às úteis que o seu levantamento deterioraria o prédio do R., ou qual o respectivo valor actual das mesmas.
V - Consequentemente, o tribunal a quo não só não podia reconhecer o direito à A. de exigir o valor de tais benfeitorias, como não existem na sentença recorrida factos que permitam ao Tribunal a quo extrair a fundamentação de direito sufragada na sentença recorrida, e concomitante condenação do R. quanto a ela.
VI - E não se invoque em sentido contrário a presunção, pois que esta não elimina o ónus da prova, apenas altera o facto que ao onerado incumbe provar, isto é, em vez de provar o facto presumido, o onerado terá que demonstrar a realidade do facto que serve de base à presunção – vide, no sentido de tudo o que supra se invoca, entre outros: Ac. STJ de 3/4/1984 in BMJ, 336º, pags 420; Ac. STJ de 26/2/1992 in BMJ, 414º, pags 556; AC. R.L. de 30/1/1992, 1º, pags 150; Ac. R.P. De 2/5/1996, in CJ, 1996, 3º, pags 175; e Ac. R.C. de 24/6/1997, in BMJ, 468º, pags 484, todos constantes do Código Civil Anotado, 16ª edição, Janeiro de 2009, do Dr. Abílio Neto, em anotações ao artº1273.
VII - Pelo exposto, em substituição da sentença recorrida deve ser proferido acórdão que, nos termos expostos, por manifesta falta de prova, consequentemente de factos provados, absolva o Recorrente do pedido.
Sem prescindir:
A – Dos factos não considerados pela Sentença Recorrida:
VIII - No final da matéria de facto não provada sentença recorrida consigna:
IX - “O tribunal não se pronuncia sobre a demais matéria alegada porquanto a mesma se reveste de natureza de impugnação motivada, matéria conclusiva, de direito ou irrelevante para a boa decisão da causa”.
X - Acontece que, considerando o regime legal que supra se deixou vertido, afigura-se ao Recorrente que tais factos por si alegados na contestação sob os artºs 40 a 44, 57, 69 e 70, revestem manifesta pertinência, sendo essenciais, para a boa decisão da causa, porquanto, uma vez mais, para o direito que a A. se arroga na acção é determinante o apuramento da medida do locupletamento.
XI - Também na sentença recorrida foi considerado provado: 9 – Pelas obras referenciadas em 8 despendeu a Autora a quantia de 10.860,64€;”
XII - Sendo que, os depoimentos do dia 16/9/2015, gravado no sistema áudio em uso no tribunal a quo, e referente às testemunha, Silvestre …, com início às 10h47m52s e términos às 11h19m36s, e duração total de 31m43s, em concreto as passagens constantes dos 2m00s, 2m40s, e 25m53s; Palmira …, com início às 11h20m07s e términos às 12h11m27s, e duração total de 51m19s, em concreto as passagens constantes dos 3m30s, 45m52s; Maria …, gravado no sistema áudio em uso no tribunal a quo, com início às 12h13.06s e términos às 12h32m16s, e duração total de 19m10s, em concreto as passagens constantes dos 11m40s, 12m00s; Humberto …, com início às 12h33m31s e términos às 12h49m41s, e duração total de 16m10s, em concreto as passagens constantes dos 1m56s, Manuel …, com início às 14h42m41s e términos às 15h03m39s, e duração total de 20m57s, em concreto as passagens constantes dos 2m20s, 5m30s, 5m50s, 12m20s; e Benvindo …, com início às 15h04m05s e términos às 15h17m57s, e duração total de 13m40s, em concreto as passagens constantes dos 2m10s 3m00s e seguintes, 4m17s, 7m50s, e 13m00s, como assim, a prova documental junta à contestação sob os nºs 3 a 45, e com referência à P.I., os documentos de fls 23, 31, 32, 33, 34 a 43, 45, 46, 53, 56, e 79, da mesma, impõe decisão diversa quanto a tais concretos pontos da matéria de facto.
XIII - Assim, atentos tais meios probatórios o facto dado como provado na sentença recorrida sob o nº 9 deve se alterado, com referência ao valor ali constante, passando a ter a seguinte redacção: 9 – Pelas obras referenciadas em 8 despendeu a Autora a quantia de 4.110,43€
XIV - E, devem ser dados como provados, em aditamento aos constantes da sentença recorrida, os seguintes factos:
a) As intervenções levadas a cabo pela A. melhor identificadas em 8 tiveram a duração aproximada de 6 a 7 meses, com início no ano de 2000 e temo no ano de 2001.
b) No último trimestre de 2013, em data não concretamente apurada, o R. tomou posse do imóvel melhor identificado em 2.
c) Quando o Réu tomou posse do imóvel o mesmo estava degradado, a porta e janelas estavam usadas e com o verniz a saltar, no telhado existiam telhas partidas, e o mesmo estava avagado junto à chaminé, no interior chovia junto à chaminé, as paredes estavam com humidade e buracos, a pintura estava usada e suja, as paredes do R/C estavam muito salitrosas e com áreas sem tinta, e uma viga estava em ás condições;
d) O R. quando tomou posse do imóvel procedeu às seguintes intervenções, reparação e pintura das paredes interiores do prédio, reparação do telhado com substituição das telhas partidas.
XV - Efectivamente, a cadência sucessiva de factos vertidos na sentença recorrida sob os nºs 5, 6 e 8, iniciada pela autorização de obras emitida pelo R. a 3/10/2000, e constante de fls 23 da P.I., para culminar nas obras realizadas pela Ré, impõe de per si a referida alteração do facto dado como provada sob o nº9,.
XVI - É que, os documentos de fls 31, 32, 33 a 43, 45, 46 da P.I. titulam aquisição de bens em data anterior a 3/10/2000, logo à da aludida autorização de obras emitida pelo Réu, e que nos termos da matéria de facto dada como provada as antecedeu.
XVII - Por outro lado, o documento de fls. 32 da P.I. não se reporta a prestação de serviços no imóvel em causa nos autos, outrossim a imóvel sito no Largo …, nº … – 1º andar, em Portalegre e, no que concerne aos documentos de fls 53, 56, e 79, tendo sido alvo de impugnação especificada e fundamentada pelo R., não tendo sido objecto de qualquer meio adicional de prova, e uma vez que o seu teor é peremptório quanto à inocuidade para os autos (no de fls 56 o Sr. António … declara que pagou a si próprio a quantia de 155.000$00 pela aplicação de tectos falsos, e o de fls 79 não possui qualquer identificação de emitente, destinatário...), não descortina o R. qualquer razões para que possam ser valorados.
XVIII - No que tange aos factos a aditar à matéria de facto dada como provada, os depoimento supra mencionados mais não são que os das decorrem os mesmos do depoimentos das mesmas testemunhas que fundamentam a motivação da decisão de facto da sentença recorrida, e com fundamento nas declarações que nos exactos termos que a própria sentença menciona ter tido em consideração ( quanto à testemunha Manuel … “o tribunal considerou pertinentes e esclarecedoras as declarações da testemunha Manuel …, arquitecto que se deslocou ao imóvel com o Réu após a saída da Autora e que pode percepcionar directamente o estado de conservação em que o mesmo se encontrava”; e quanto ao Sr. Benvindo … “O tribunal apenas considerou as declarações de Benvindo …, pintor de construção civil que procedeu a pintura de paredes do imóvel sito no nº … da Rua … após a saída da Autora, relativamente ao estado como o mesmo se encontrava aquando da saída da Autora, sendo perceptíveis degradações ao nível da pintura de paredes e do telhado”
XIX - Ademais, resultam ainda tais factos a aditar da conjugação de tal prova testemunhal com os documentos nºs 3 a 45 juntos pelo R. à contestação, e ainda do confronto do artº 39 da P.I. Com o artº 34 da contestação, em que crê o R. que, por acordo, se terá como assente, que em data concretamente não apurada, mas situada no último trimestre de 2013, tomou o mesmo posse do imóvel.
XX - Por tudo o exposto, a sentença recorrida padece de erro de apreciação e valoração da prova, existindo inlusive contradição entre motivação da matéria de facto, sobretudo no que se reporta aos considerandos evidenciados relativamente Às testemunhas Manuel … e Benvindo …, e a matéria de facto efectivamente dada como provada.
XXI - Ora, uma vez alterado, e aditada, nos termos expendidos, a matéria de facto dada como provada, na improcedência do entendimento vertido no ponto I das presentes alegações que por mera cautela de patrocínio se concebe, cumpre então apreciar quais as concretas intervenções que a A. pode levantar sem deterioração do imóvel em causa nos autos, entre as quais as invocadas no artº 75 da contestação e os azulejos e pavimentos, e subsequentemente, a existirem intervenções realizadas pela A. que não sejam passíveis de remoção sem a aludida deterioração, determinar o concreto valor das mesmas há data da citação do R. para os autos, como tal considerando o decurso de mais de 12 anos em que a A. esteve na posse do imóvel, usando o mesmo, a respectivas obras e materiais que as integram.
XXII - Tudo, porque nos termos do disposto nos artºs 473 e 479 do C.C., ao R. não cabe pagar velho por novo.
Termos em que e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, devendo, em consequência, ser a sentença aqui sindicada revogada.

A Apelada deduziu contra-alegações em que pugna pela manutenção do julgado.

Cumpre decidir.
II. Em 1ª instância, foi dada como provada a seguinte matéria factual :
1 – A Autora Evelina de Lurdes Brito Dias casou civilmente com Shoichi Soma em 28 de Fevereiro de 1980, fixando residência com o mesmo no Japão;
2 – Encontra-se inscrita a favor do Réu a propriedade sobre o imóvel sito na Rua da Figueira, nº 15, inscrito na Conservatória do Registo Predial de Portalegre com o nº 2884/20110209, e inscrito no artigo matricial nº 956 da União de freguesias da Sé e São Lourenço, concelho de Portalegre;
3 – Em data não concretamente apurada, o Réu cedeu à Autora, para que a mesma aí habitasse aquando das suas deslocações a Portugal, a título gratuito, o imóvel melhor identificado em 2;
4 – O prédio melhor identificado, encontrava-se, aquando da sua cedência à Autora, em más condições de habitabilidade, tendo a Autora solicitado ao Réu autorização para realizar obras;
5 – Em 3 de Outubro de 2000 foi, pelo Réu subscrito escrito particular que se encontra junto aos autos e epigrafado de “Declaração” pelo qual o mesmo refere que “…autoriza D. Evelina Dias a proceder a obra de beneficiação do prédio sito na Rua da Figueira nº 15, o qual lhe foi cedido a título de casa emprestada. A obra essa que será de picar e rebocar as paredes interiores e exteriores, pintura das mesmas, limpeza e substituição de algumas telhas no telhado, colocação de pisos e arranjo de janelas, mantendo-as de madeira.”
6 – Na sequência da autorização supra referida, a Autora encarregou Silvestre Belacorça de proceder às referidas obras;
7 – Antes da intervenção levada a cabo pela Autora, o prédio melhor identificado em 2 apresentava degradação acentuada das paredes, que apresentavam humidades e salitres, infiltrações ao nível da cobertura, em pré-ruina devido à existência de telhas partidas e deslocadas que levaram ao apodrecimento das madeiras; os pavimentos estavam degradados e em alguns casos eram mesmo inexistentes; não havia instalação eléctrica; não havia cozinha nem casa de banho; não havia instalação de água canalizada ou esgotos e as portas e janelas estavam totalmente destruídas;
8 – Na sequência da autorização referida em 5, a Autora procedeu às seguintes intervenções no imóvel melhor identificado em 2: picagem e reboco das paredes da habitação, colocação de azulejos cerâmicos na cozinha e casa de banho, picagem, reboco e pintura da fachada exterior, substituição de telhas partidas e madeiras podres ao nível do telhado, pintura de paredes e tectos e colocação de tectos falsos bem como de pavimentos e instalação de redes eléctricas, água e de esgotos em toda a casa, construção de uma casa-de-banho e substituição de janelas e portas;
9 – Pelas obras referenciadas em 8 despendeu a Autora a quantia de 10.860,64 €;
10 – A Autora mandou executar os trabalhos melhor referidos em 8 na expectativa de poder residir no imóvel melhor identificado em 2;
11 – Em data não concretamente apurada, o Réu começou a pressionar a Autora a abandonar o prédio melhor identificado em 2;
12 – Na sequência dos desentendimentos entre Autora e Réu, a Autora celebrou contrato de arrendamento com DD e dele tomou de arrendamento o prédio inscrito na matriz sob o artigo …, sito no Largo …, com efeitos a partir de Setembro de 2012, para onde removeu os seus pertences;
13 – Desde Outubro de 2012 que a Autora não mais acedeu ao prédio melhor referido em 2.
***
III. Nos termos do disposto nos art.ºs 635º, n.º 4, e 639º, n.º 1, ambos do C.P.Civil, o objecto do recurso acha-se delimitado pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo do disposto na última parte do n.º 2 do art.º 608º do mesmo Código.

As questões a decidir resumem-se, pois, a saber:
a) Se a decisão sobre a matéria de facto deve ser alterada em conformidade com a pretensão do Apelante;
b) Qual a solução a dar ao pleito.

No que respeita à impugnação da matéria de facto, o Apelante censura a sentença recorrida em três vertentes, a saber:
a) O Tribunal “ a quo” não se pronunciou sobre a matéria que elenca, por considerar tratar-se de de impugnação motivada, matéria conclusiva, de direito ou irrelevante para a boa decisão da causa”;
b) Deve ser alterada a matéria de facto constante do Ponto 9 dos Factos Provados;
c) Devem ser aditados diversos factos, que enumera, à matéria dada como provada.

No que respeita à primeira sub-questão, invoca o Apelante que o Tribunal “a quo” não se pronunciou sobre a seguinte matéria:
“40: O prédio estava então em muito mau estado de conservação, e sujo.
41: A porta e janelas estavam muito usadas, danificadas, com o verniz a saltar, sendo em certas zonas mesmo inexistente – Doc.s nºs3 e 4
42: As paredes e suas pinturas estavam muito usadas, deterioradas, salitrosas, com a tinta a saltar, e com imensos buracos onde a Autora pendurou pertences seus que dali retirou; as forradas a azulejos, logo os azulejos, ainda o estão (com imensos buracos) – Doc.s nºs 5 a 20.
43: O telhado estava avagado junto à chaminé, tinha inúmeras telhas partidas, outras estavam deslocadas, e quando foi alvo de intervenção pela Autora ficou com desnível, este rematado a cimento – Doc.s nºs 21 a 29.
44: Também, quando o Réu tomou posse do imóvel chovia no seu interior e, uma das madres, alguns barrotes e algumas ripas do soalho do 1º andar, estavam parcialmente podres.
57: Em virtude do exposto, o Réu quando tomou posse do imóvel viu-se obrigado a efectuar as seguintes obras urgentes no mesmo:
a) picou e rebocou as paredes do r/c e 1º andar – Doc.s nºs 40 e 41;
b) pintou todas as paredes do prédio, interiores e exteriores;
c) suportou preventivamente sobre viga de ferro, a madre, os barrotes, e as ripas de soalho do 1º andar que estavam apodrecidos, demoliu as paredes de alvenaria construídas no 1º andar em volta do acesso às escadas, e eliminou as partes podres da madre, barrotes e soalho – Doc.s nºs 42 a 45;
d) intervencionou o telhado, substituiu as telhas partidas, recolocou e alinhou as deslocadas, e procedeu à limpeza do mesmo – Doc.s nºs 21 a 29.
69: Além do mais, ocorreram nos anos de 2000 e 2001 (na sequência do artº61 referindo-se às obras).
70: Entretanto, o imóvel foi usado, degradou-se pelo uso e pelo tempo, como assim as obras e materiais que as integram.”

Pelo que “Considerando o regime legal que se deixou vertido no ponto I das presentes alegações, mormente o do instituto do enriquecimento sem causa, afigura-se ao Recorrente que tais factos por si alegados na contestação revestem manifesta pertinência, sendo essenciais, para a boa decisão da causa, porquanto, uma vez mais, para o direito que a A. se arroga na acção é determinante o apuramento da medida do locupletamento.”

Sem prejuízo do que adiante diremos, quando definirmos a solução que preconizamos para os autos, importa sublinhar que o Apelante pese embora faça considerações sobre os factos que elenca, não peticionada qualquer solução para a omissão de pronúncia quanto a esses factos, pelo que a sua apreciação, no domínio da análise da impugnação da matéria de facto, apenas será efectuada quantos aos factos que o Apelante pretende que sejam dados como provados, o que mais abaixo apreciaremos.

Pretende ainda o Apelante que este Tribunal altere a matéria dada como provada sob o Ponto 9 “ Pelas obras referenciadas em 8 despendeu a Autora a quantia de 10.860,64 €”, dando-se apenas como provado que “Pelas obras referenciadas em 8 despendeu a Autora a quantia de 4.110,43€”

Louva-se para o efeito, no facto do Apelante não descortinar “, qualquer fundamento, e a sentença não o verte, para se terem em consideração a totalidade dos documentos juntos pela A. aos autos, e cuja soma cifra nos 10.960,64€ peticionados pela mesma.
É que, os documentos de fls 31, 32, 33 a 43, 45, 46 da P.I. titulam aquisição de bens em data anterior a 3/10/2000, logo à da aludida autorização de obras emitida pelo Réu, e que nos termos da matéria de facto dada como provada as antecedeu.
Também, do documento de fls. 32 da P.I. resulta que não se reporta o mesmo a prestação de serviços no imóvel em causa nos autos, outrossim a imóvel sito no Largo 28 de Janeiro, nº2 – 1º andar, em Portalegre.
Por sua vez, no que concerne aos documentos de fls 53, 56, e 79, os mesmos foram alvo de impugnação especificada e fundamentada pelo R., não tendo sido objecto de qualquer meio adicional de prova, e o seu teor é peremptório quanto à inocuidade para os autos, no de fls 56 o Sr. António ... declara que pagou a si próprio a quantia de 155.000$00 pela aplicação de tectos falsos, e o de fls 79 não possui qualquer identificação de emitente, destinatário...; razões pelas quais o R. não alcança, e uma vez mais a sentença recorrida não o esclarece, com que fundamento foram valorados.”

O que se pretende apurar nestes autos é valor das benfeitorias úteis a que a Autora procedeu no prédio do Réu, que lhe foi cedido, pouco importando, para esse efeito, saber se os bens incorporados no prédio e os atinentes trabalhos, foram adquiridos e efectuados antes do Réu ter dado a autorização a que alude o doc. de fls. 12.
Por outro lado, verifica-se que, quanto ao documento de fls. 28v, se trata de mero lapso de escrituração do documento, pois as testemunhas ouvidas, afirmam que um terceiro colocou tectos falsos no prédio em apreço.
Quanto ao documento de fls. 40v (documento n.º 45), pese embora não tenha identificação, o que aliás é normal neste tipo de obras particulares, mostra-se adequado ao valor dos trabalhos realizados no prédio em apreço, que as testemunhas arroladas ela Autora relataram, pelo que este Tribunal atém ao seu valor, como valor da mão de obra utilizada na remodelação do prédio.
Consequentemente mantem-se o teor do Ponto 9 da matéria de facto.

E, por fim, que seja aditada ainda à matéria provada a seguinte matéria:
a) As intervenções levadas a cabo pela A. melhor identificadas em 8 tiveram a duração aproximada de 6 a 7 meses, com início no ano de 2000 e termo no ano de 2001.
b) No último trimestre de 2013, em data não concretamente apurada, o R. tomou posse do imóvel melhor identificado em 2.
c) Quando o Réu tomou posse do imóvel o mesmo estava degradado, a porta e janelas estavam usadas e com o verniz a saltar, no telhado existiam telhas partidas, e o mesmo estava avagado junto à chaminé, no interior chovia junto à chaminé, as paredes estavam com humidade e buracos, a pintura estava usada e suja, as paredes do R/C estavam muito salitrosas e com áreas sem tinta, e uma viga estava em más condições;
d) O R. quando tomou posse do imóvel procedeu às seguintes intervenções, reparação e pintura das paredes interiores do prédio, reparação do telhado com substituição das telhas partidas.

Funda o Apelante a sua pretensão, nesta parte, no depoimento das testemunhas Silvestre …, Palmira …, Maria …, Humberto …, Manuel … e Benvindo …, e ainda que “ o R., para prova de tais factos por si alegados, juntou à contestação os documentos nºs 3 a 45, e nos mesmos expressamente mencionados.
Ainda, no que se reporta à data da posse pelo R. do imóvel em causa nos autos, e além do que resulta da referida prova gravada, a A. no artº 39 da P.I. alude ao dia “23 de Outubro de 2013” e, o R. no artº 34 da contestação menciona o final do ano de 2013.
Do confronto de todos os referidos elementos surge ao R. que, por acordo, se terá como assente, que em data concretamente não apurada, mas situada no último trimestre de 2013, tomou o mesmo posse do imóvel.”

No que respeita à matéria da alínea b), parece-nos evidente, em face do alegado art.º 43º da P.I aperfeiçoada e do vertido no art.º 34º da Contestação, que o Réu tomou posse do prédio em apreço no último trimestre de 2013, pelo que se adita o seguinte facto, à matéria provada:
14- O Reú tomou posse do prédio em apreço no último trimestre de 2013.

Quanto aos demais factos (a), c) e d)), tendo em conta a configuração jurídica que adiante definiremos quanto à pretensão dos Autores, para a qual as partes aparentemente não estavam despertas, serão objecto de apreciação pela 1ª Instância, aquando da repetição parcial do julgamento que abaixo decidimos.

Resta equacionar a solução a dar ao pleito

O contrato de comodato, figura jurídica em que pacificamente se enquadra o acordo em apreço, é, na definição do art.º 1129º do Cód. Civ., um “contrato gratuito pelo qual uma das partes entrega à outra certa coisa, móvel ou imóvel, para que esta se sirva dela, com a obrigação de a restituir”.
Cabendo ao comodatário, entre o mais, guardar e conservar a coisa emprestada (alínea a) do art.º 1135º do Cód. Civ.).
Tendo o comodatário realizado benfeitorias na coisa emprestada é equiparado, quanto a benfeitorias, ao possuidor de má fé (art.º 1138º do Cód. Civ.).
Compulsado o disposto nos art.ºs 1273º e 1275º, ambos do Cod. Civ., o possuidor de má fé apenas tem direito a ser indemnizado das benfeitorias necessárias que tenha realizado na coisa emprestada e ainda, não sendo possível o seu levantamento sem detrimento da coisa emprestada, a ser compensado do valor das benfeitorias úteis, segundo as regras do enriquecimento sem causa.
Importa aqui dizer que, incumbe ao comodatário, nos termos do n.º1 do art.º 342º do Cód. Civ., por serem factos constitutivos do seu direito à indemnização por benfeitorias úteis, alegar e provar que as benfeitorias a que procedeu na coisa emprestada, para além de acrescentarem valor à mesma, não podem ser levantadas sem que causem dano à coisa benfeitorizada.
Definindo o conceito de benfeitorias, dispõe o n.º1 do art.º 216º do Cód. Civ., que se consideram como tal, todas as despesas feitas para conservar ou melhorar a coisa, que se podem classificar como necessárias, úteis ou voluptuárias (n.º2 do mesmo preceito).
Sendo as “necessárias as que têm por fim evitar a perda, destruição ou deterioração da coisa; úteis as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação, lhe aumentam, todavia, o valor; voluptuárias as que, não sendo indispensáveis para a sua conservação nem lhe aumentando o valor, servem para recreio do benfeitorizante.” (n.º3 do citado dispositivo).
Definindo o conceito de enriquecimento sem causa, como fonte das obrigações, diz-nos o n.º 1 do art.º 473º do Cód. Civ. que aquele que, sem causa justificativa, enriquece à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo que injustamente se locupletou”., o que pressupõe a existência de um enriquecimento por uma parte, à custa de outra parte, sem que haja causa justificativa para o efeito.
Acolhendo a tese do Prof. Meneses Leitão quanto à divisão do instituto do enriquecimento sem causa, em conformidade com a diferente tipologia das situações de enriquecimento sem causa (Menezes Leitão, Direito das Obrigações, 12ª Ed., Vol. I, págs. 380 e sgs. e O Enriquecimento, reedição, págs. 925 e sgs.), no caso do enriquecimento sem causa adveniente de benfeitorias úteis realizadas pelo comodatário na coisa emprestada, estamos perante uma sub-categoria do enriquecimento resultante de despesas efectuadas por outrem, que se caracteriza pelo incremento de valor de coisa alheia.
Caracteriza-se este tipo de enriquecimento sem causa quando aplicado ao regime do comodato, pelo aumento do valor da coisa emprestada, que assim enriquece o património do comodante, à custa do património do comodatário, que assim vê o seu património empobrecido, nomeadamente pela incorporação de materiais sua pertença ou adquiridos por si, com as inerentes despesas para os aplicar.
No entanto, e acompanhando aqui as palavras do Prof. Menezes Leitão na obra citada, e aplicando-as ao comodato, o enriquecimento sem causa do comodante, por benfeitorias úteis realizadas pelo comodatário na coisa emprestada, é um enriquecimento imposto ao comodante pelo comodatário, na medida em que aquele, normalmente, não é tido nem achado, aquando da realização das benfeitorias úteis à coisa emprestada.
E por isso o locupletamento injusto, na definição do n.º1 do art.º 473º, aqui tem que ser entendido cum grano salis, porque, muitas das vezes, é um enriquecimento imposto pelo próprio empobrecido ao enriquecido, que, na maioria dos casos, foi levado a cabo por aquele para a sua própria utilidade da coisa emprestada.
Dito isto, resta apurar como calcular a indemnização devida pelo enriquecimento sem causa do comodante, à custa do comodatário.
No dizer do n.º1 do art.º 479º do Cód. Civ., “a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa, compreende tudo quanto se tenha obtido à custa do empobrecido ou, se a restituição não for possível, o valor correspondente.”
O que deverá ser entendido, a nosso ver, no caso do contrato de comodato, e tendo em vista o disposto no n.º2 do art.º 479º e no art.º 480º, ambos do Cód. Civ., na data em que a coisa foi restituída ou o comodante tomou posse da mesma.
Pois é no momento da restituição da coisa ao comodante que se pode aferir, em que medida as benfeitorias úteis realizadas pelo comodatário vieram trazer acréscimo de valor à coisa emprestada.
A não ser assim, bens incorporados e obras realizadas pelo comodatário, na constância do empréstimo da coisa, e que na vigência do comodato tenham acrescentado valor à coisa emprestada, que, pelas suas características, se deterioraram ou mesmo desapareceram por completo, poderiam ter que ser valoradas para efeitos do cálculo da indemnização devida pelo comodante para efeitos do seu enriquecimento sem causa, sem que a coisa emprestada, à data da sua restituição ao comodante, se visse valorizada por efeito daquelas benfeitorias.
Estamo-nos a lembrar, por ex. do telhado do prédio emprestado, que foi colocado de novo pelo comodatário na constância do empréstimo da coisa, acrescentando valor ao prédio pois o que então aí se encontrava colocado estava completamente danificado, mas que, por via do decurso do tempo na utilização da coisa emprestada, se veio a degradar, não acrescentando à coisa emprestada, à data da sua restituição ao comodante, o valor que tinha à data da sua colocação, ou mesmo não tendo já qualquer valor, porque entretanto também se deteriorou, ou por exemplo a pintura de um prédio que aquando da sua entrega ao comodatário não tinha qualquer pintura e, por isso, à data em que foi efectuada acrescentou valor ao prédio, mas volvidos, por ex. 20 anos, já está completamente degrada ou mesmo já saltou, ou ainda um soalho novo que foi colocado pelo comodatário quando lhe foi entregue o prédio, que tinha então um piso completamente degradado, acrescentando-lhe valor, mas que com o desenrolar dos anos se foi degradando estando em péssimo estado.
Resta-nos definir como efectuar o cálculo do valor da indemnização por enriquecimento sem causa, relativo às benfeitorias úteis efectuadas pelo comodatário e existentes à data da restituição do bem ao comodante.
Em síntese, e no que ao caso em apreço interessa, diz-nos o Acórdão do STJ, de 27/09/2012, proferido no Proc. n.º 1696/08.0TBFAR.E1.S2 (Cons. Fernando Bento) “Para conhecer o valor da indemnização devida por benfeitorias úteis, calculada segundo as regras do enriquecimento sem causa, importa apurar o valor que a coisa teria, sem as benfeitorias, na data em que deveria ser restituída (valor hipotético ou eventual) e o que tinha nessa mesma data com as benfeitorias (valor real ou objectivo); no caso de a indemnização se fundar no aumento de valor causado pelas benfeitorias úteis, impossíveis de ser levantadas, o crédito indemnizatório não deve ser calculado mediante a diferença entre o valor que coisa tinha quando chegou às mãos da pessoa obrigada a restituí-la e o que tem quando é devolvida, mas sim através da diferença entre o valor que a coisa teria sem as benfeitorias e o que tem com elas no momento da restituição (cfr. Diez-Picazo, L., Fundamentos del Derecho Civil Patrimonial, III, 5ª ed., 2008, p. 768-769).
Pois que a medida dessa diferença entre o valor que a coisa teria sem as benfeitorias na data da restituição e o valor da mesma coisa com as benfeitorias na mesma data corresponde ao valor que o enriquecido obtém à custa do empobrecido (art. 479º nº1 CC).”
Estando em causa um prédio urbano, o valor a atender é o relativo à diferença entre o valor do mesmo à data da sua restituição ao comodante com as benfeitorias realizadas e sem as mesmas, não podendo exceder, dizemos nós, a medida do empobrecimento do comodatário ao realizar as benfeitorias úteis, então existentes, e que acrescentaram valor ao prédio.

No entanto, não havendo outro fundamento para suportar o pedido indemnizatório, ou seja, não havendo outra causa em que o empobrecido possa alicerçar a sua pretensão indemnizatória, nomeadamente na existência de contrato de comodato, pode deitar mão, directamente, ao instituto do enriquecimento sem causa, para levar a bom porto a sua pretensão (art.º 474º do Cód. Civ.)

Perante este quadro, o que dizer quanto à solução a dar ao pleito?

Embora os Autores tenham sido convidados a apresentar nova Petição Inicial, esta nova P.I. mostra-se ainda parca na sua fundamentação, nomeadamente quanto à configuração jurídica da factualidade alegada, não dando cabal cumprimento ao disposto na segunda parte da alínea d), do n.º1 do art.º 552º do NCPC “Expor … as razões de direito que servem de fundamento à acção.
Na verdade, relativamente ao pedido principal, os Autores não invocam um único fundamento de direito para suportar a sua pretensão indemnizatória fundada no arrazoado dos art.º 1º a 59º desse seu articulado.
É certo que a falta de fundamentação de direito não é sancionada, por certo por a existir a falta, esta não condicionar a decisão a proferir nos autos, mas é necessária até para que o Tribunal possa, em face do enquadramento jurídico dado pela parte à sua pretensão, poder convidá-la a completar o seu articulado, por forma a que os factos que fundamentam o petitório, sejam os necessários para que, uma vez provados, possam levar a bom porto a pretensão trazida a juízo.
E sem enquadramento jurídico, o cumprimento do disposto no art.º 590º, n.º 2º, b) e 4, do NCPC, pode-se tornar mais complexo, em detrimento da parte a que aproveitaria o convite ao aperfeiçoamento do seu articulado.

Como se retira da Petição Inicial aperfeiçoada, os Autores, embora tenham invocado a cedência do prédio à Autora, pelo ora Réu, terem realizado obras no referido prédio, e a razão pelo que o fizeram, e o valor dessas obras, não qualificam juridicamente o acordo de cedência, não tipificam, por alusão à respectiva norma jurídica, o tipo de benfeitorias realizadas e o fundamento dessa classificação jurídica, não alegam porque pretendem receber uma indemnização pelas benfeitorias realizadas se as mesmas forem qualificadas como úteis, nem aduzem qualquer raciocínio jurídico para concluir que o valor das obras realizadas seja o valor da indemnização peticionada.
Remetendo assim o fardo dessa apreciação jurídica para o Tribunal “a quo”.

Realizado a audiência final, veio o Tribunal “a quo” a proferir a atinente sentença, em que, no que resumidamente interessa ao caso, qualificando o contrato existente entre Autora e Réu como de comodato, classificando as benfeitorias realizada pelos Autores como úteis, e chamando à colação o disposto no art.º 1138º, n.º1, por remissão para o art.º 1273º, n.º1, e o disposto 473º e 479º, todos do Cód. Civ., veio a concluir pela procedência da acção no que respeita ao pedido indemnizatório de €10.860,64, condenando o Réu a pagar tal quantia.

Impugnando a sentença, na vertente da decisão de direito, veio o Réu alegar como questão prévia, que o Tribunal ao considerar que “Nestes termos, e não tendo sido demonstrado que as benfeitorias realizadas pela Autora possam ser levantadas sem prejuízo da coisa benfeitorizada, deve a mesma ser indemnizada pelos montantes despendidos de acordo com as regras do enriquecimento sem causa, nos termos preceituados pelo artigo 1273º, nº 1 do CC.” violou o disposto no art.º 342º, n.º2 do Cód. Civ., uma vez que cabia aos Autores, alegar e provar, que as benfeitorias úteis realizadas no prédio cedido à Autora, não podem ser levantadas sem detrimento da coisa emprestada.
Em termos metodológicos, diremos que a questão em apreço não é matéria de “questão prévia”, mas de erro de julgamento, pois trata-se de errada interpretação do direito que suporta a decisão condenatória, pelo que a apreciamos só agora.

Como acima dissemos, a alegação e prova da impossibilidade do levantamento das benfeitorias úteis sem detrimento da coisa benfeitorizada, como facto constitutivo do direito exercido pelo comodatário à indemnização pelas benfeitorias úteis efectuadas na coisa emprestada, pertence a quem invoca o direito à indemnização pelas ditas benfeitorias, no caso os Autores, que não o alegaram tão pouco nos seus articulados.
“… sendo constitutivo o direito ao valor das benfeitorias úteis, a prova do facto de que o seu levantamento pode causar detrimento à coisa cabe aquele que o invoca.
Pretendendo o autor das benfeitorias ser indemnizado pecuniariamente, deve alegar e demonstrar, para alem dos valores do seu empobrecimento (e correlativo enriquecimento do proprietário), que o levantamento das benfeitorias provocará detrimento na coisa principal, como facto constitutivo do seu direito (art. 342º nº1 CC); de outro modo, pretendendo o levantamento das benfeitorias, competirá ao proprietário opor-se, invocando o detrimento da coisa, defesa esta que constituirá matéria de excepção (art. 342º nº2 CC).” (Citado Acórdão do STJ)
Em face da qualificação jurídica dada ao contrato celebrado entre a Autora e o Réu, a não alegação e prova de que benfeitorias úteis levadas a cabo pelos Autores, no prédio do Réu, não podem ser levantadas sem detrimento da coisa benfeitorizada, conduz à improcedência do pedido principal (art.º 1273º, n.º2 por remissão do art.º 1138º, n.º1, e art.º 342º, n.º1, todos do Cód. Civ.).
Concluindo, não tendo os Autores alegado um facto constitutivo da sua pretensão indemnizatória, vertida no pedido principal, com base no regime jurídico do comodato, tem esse pedido que improceder.

Improcedente o pedido principal, resta apurar se o pedido subsidiário formulado com base no enriquecimento sem causa, tout court, deve proceder.
Como atrás referimos, no regime do comodato, a indemnização relativa a benfeitorias úteis efectuadas pelo comodatário na coisa emprestada, será calculada em função do regime do enriquecimento sem causa, por força do disposto no n.º1 do art.º 1138º, que remete para os n.ºs 1 e 2 do art.º 1273º, ambos do Cód. Civ..
No entanto, para que tais benfeitorias úteis sejam indemnizáveis no âmbito do regime do contrato de comodato, é necessário, para além do mais, que o comodatário alegue e prove que tais benfeitorias não podem ser levantadas da coisa benfeitorizada sem detrimento desta.
Provado esse requisito, dever-se-á deitar mão do regime do enriquecimento sem causa para apurar da indemnização devida.

No entanto, se o pedido formulado a título subsidiário, se basear, como é o caso, apenas no regime do enriquecimento sem causa, tout court, o que se terá que apurar, grosso modo, será tão só a medida em que a coisa emprestada foi valorizada à custa do património do comodatário.
Apesar do regime jurídico aplicável ser, em abstracto, diverso, como vimos, no que respeita ao apuramento do quantum indemnizatório, o quadro será o que acima definimos para apurar o quantum da indemnização das benfeitorias úteis no contexto do comodato, uma vez que o que se pretende apurar é o valor respeitante à diferença entre o valor da coisa emprestada à data da sua restituição ao comodante com as benfeitorias realizadas e sem as mesmas.
Ou seja, o incremento do valor na coisa emprestada, à data da sua restituição, devido a despesas efectuadas por outrem.

Conforme o que acima expendemos, adaptando-o agora à situação do enriquecimento sem causa, tout court, o valor da indemnização a apurar é o relativo à diferença entre o valor da coisa emprestada à data da sua restituição ao seu dono, com as benfeitorias realizadas (existentes) e sem as mesmas, não podendo exceder a medida do empobrecimento de quem realizou as benfeitorias úteis.
Pelo que importa apurar, no caso em apreço, entre as benfeitorias levadas a cabo pela Autora no prédio que lhe foi cedido pelo Réu, as que valorizavam tal prédio, e na medida que o faziam, à data em que o Réu tomou posse do mesmo após os desentendimentos tidos com a Autora.
Apurada a valorização do prédio a essa data, por via das referidas benfeitorias úteis, verificar-se-á se o benefício de que Réu tirou vantagem é superior ao valor das despesas efectuadas pela Autora na prossecução dessas benfeitorias, reduzindo o valor da indemnização, se superior, ao valor do empobrecimento da Autora.
Dito isto, e apesar da deficiente articulação de factos da Petição Inicial aperfeiçoada tornar a tarefa do Tribunal “a quo” mais difícil, não nos resta senão, anular parcialmente o julgamento, para que se apure, na medida possível, o valor do prédio em apreço, à data em que o Réu tomou posse do prédio, após o desentendimento com a Autora, tendo em conta a valorização dada pelas benfeitorias então ainda existentes, e sem as ter em conta.
Para o efeito, deve o Tribunal “a quo” determinar a realização de perícia que permita apurar esses valores, prova que será sopesada com a prova testemunhal já produzida, que deverá ser novamente inquirida na medida que tenha interesse para atingir tal desiderato.

Nesse sentido, anula-se parcialmente o julgamento quanto à matéria dos seguintes factos:
Da Petição Inicial Aperfeiçoada:
34 (por refª ao art.º 33º): Tais obras traduziram-se num benefício económico para o Réu de €34.5000,00 .
Da contestação:
I)À data em que o Réu tomou posse do prédio em apreço:
41: A porta e janelas estavam muito usadas, danificadas, com o verniz a saltar, sendo em certas zonas mesmo inexistente.
42: As paredes e suas pinturas estavam muito usadas, deterioradas, salitrosas, com a tinta a saltar, e com imensos buracos onde a Autora pendurou pertences seus que dali retirou; as forradas a azulejos, logo os azulejos, ainda o estão (com imensos buracos).
43: O telhado estava avagado junto à chaminé, tinha inúmeras telhas partidas, outras estavam deslocadas, e quando foi alvo de intervenção pela Autora ficou com desnível, este rematado a cimento.
44: Também, quando o Réu tomou posse do imóvel chovia no seu interior e, uma das madres, alguns barrotes e algumas ripas do soalho do 1º andar, estavam parcialmente podres.
II) 57: Em virtude do exposto, o Réu quando tomou posse do imóvel viu-se obrigado a efectuar as seguintes obras urgentes no mesmo:
a) picou e rebocou as paredes do r/c e 1º andar;
b) pintou todas as paredes do prédio, interiores e exteriores;
c) suportou preventivamente sobre viga de ferro, a madre, os barrotes, e as ripas de soalho do 1º andar que estavam apodrecidos, demoliu as paredes de alvenaria construidas no 1º andar em volta do acesso às escadas, e eliminou as partes podres da madre, barrotes e soalho;
d) intervencionou o telhado, substituiu as telhas partidas, recolocou e alinhou as deslocadas, e procedeu à limpeza do mesmo .
***
IV. Decisão
Pelo acima exposto, decide-se:
a) Declarar improcedente o pedido principal, dele absolvendo o Réu;
b) Aditar o facto acima elencado sob o n.º 14 à matéria de facto provada;
c) Anular parcialmente o julgamento, para que o Tribunal “a quo” proceda em conformidade com o acima expendido, pronunciando-se sobre a matéria de facto que aí elencámos, e decidindo de seguida o pedido subsidiário.
Custas por AA e Réu, na proporção de ½ para cada parte.
Registe e notifique.
Évora, 12 de Julho de 2016
Silva Rato
Assunção Raimundo
Mata Ribeiro