Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
734/18.3T8MMN-A.E1
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE MÚTUO
EXIGIBILIDADE DA OBRIGAÇÃO
RESOLUÇÃO DO CONTRATO
Data do Acordão: 12/05/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I - Os contratos de mútuo dados à execução pela exequente CGD, designadamente nos termos do mencionado artigo 9.º, n.º 4, do DL 287/93, constituem título executivo, sem necessidade de outras formalidades, aferindo-se a legitimidade de exequente e executados pelos outorgantes daqueles contratos.
II - Tendo exequente e executados legitimidade processual para a execução, são igualmente parte legítima nos embargos que daquela acção constituem um apenso, com estrutura declarativa, ainda que tenha existido transmissão do direito litigioso, por acto entre vivos, como é o caso da cessão de créditos.
III - Na contestação aos embargos, a Exequente pode suprir o que haja omitido no requerimento executivo com base em título complexo, o que fez, invocando o incumprimento pelos mutuários das cláusulas contratuais, mercê da insolvência do marido e da doação por este efectuada do imóvel hipotecado a favor dos filhos, com reserva de usufruto, o que determinou a sua resolução, com a consequência do vencimento imediato de todas as prestações.
IV - “Quando se pretenda dar à execução contrato de mútuo garantido por hipoteca, abrangido pela alª c) do nº 2 do artigo 550º do CPC, e o vencimento da obrigação exequenda dependa apenas da sua resolução, é necessária a junção, para além do contrato, do documento comprovativo da efectivação da resolução, ou seja, do documento comprovativo da comunicação à contraparte da declaração resolutória, bem como da sua recepção por esta – ou de que a carta de resolução foi enviada para o domicílio ou sede do devedor (artº 224º nº 2 CC)”.
V - Assim, ainda que tal incumprimento do clausulado contratual esteja demonstrado, não tendo a exequente, previamente à instauração da acção executiva, exercido o direito potestativo à sua resolução, não estão verificados os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda, pelo que, aquando da entrada da presente execução em juízo, a exequente não possuía título executivo válido contra os embargantes, ora Apelantes.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 734/18.3T8MMN-A.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Évora[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I – Relatório
1. BB, CC e DD[3] deduziram embargos à execução para pagamento de quantia certa, que a CAIXA EE, S.A., contra eles moveu, alegando, em suma, que não foram tidos nem achados na decisão que fundamenta a execução, que pagaram as prestações mensais até Fevereiro de 2018 (data em que a embargada bloqueou a conta bancária), apenas não tendo pago as restantes porque a embargada recusou os pagamentos, tendo passado a fazê-los por depósito autónomo na EE, motivos pelos quais a execução deve ser extinta.
Mais aduziram que sempre estiveram disponíveis para renegociar a divida com a embargada, pelo que só num caso de incumprimento se justificaria o recurso à presente execução. Assim, consideram que os títulos executivos que serviram de base à execução não existem, porque não se verifica nenhuma situação de incumprimento definitivo que justificasse a consequente resolução dos contratos, não podendo agora a Embargada/Exequente intentar a presente execução por falta de título executivo.
Terminaram pedindo que sejam julgados procedentes os presentes embargos, com a consequente extinção da execução.

2. A Embargada foi devidamente notificada e contestou, aduzindo, em síntese, que a embargante BB não pode invocar o desconhecimento da situação de insolvência em que o mutuário FF (seu marido) se encontra, até pelos constrangimentos legais que essa situação implica para si enquanto cônjuge. Acresce que, sempre foi do seu conhecimento enquanto mutuária e subscritora da escritura e documentos complementares que a insolvência do mutuário determinaria que a exequente automaticamente considerasse a dívida antecipadamente vencida e exigível, pelo que, a resolução dos contratos se encontra justificada e legitimada, atenta a situação do mutuário insolvente.
Acresce ainda que o mutuário FF procedeu à doação de bem dado em garantia das obrigações emergentes do contrato, sem o prévio acordo, escrito, da exequente/embargada, o que nos termos clausulados determina a violação automática do contrato conferindo a esta o direito de considerar imediatamente vencidas e exigíveis as dívidas, conforme o que veio a suceder.
Concluiu dizendo que os embargos deduzidos deverão ser julgados improcedentes.

3. Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador, com identificação do objecto do litígio e enunciação dos temas da prova.

4. Realizada a audiência final, foi proferida sentença, na qual foram julgados improcedentes os embargos, e foi determinado o prosseguimento da execução.

5. Inconformados, os executados apelaram, terminando a minuta recursória com as seguintes conclusões[4]:
«A. A douta Sentença violou a regra processual da legitimidade da Recorrida, enquanto parte legítima para o prosseguimento da execução;
B. Desde o momento da cessão de créditos até ao momento da notificação da Sentença, não se verificou a habilitação da Cessionária, por forma a que os autos reunissem todas as condições necessárias e indispensáveis à sua prossecução da execução;
F. A Recorrida não é mais, à data presente e desde a realização da cessão de créditos, detentora dos créditos peticionados nos presentes autos contra os Recorrentes e que anteriormente lhe pertenciam;
G. Não tem a Recorrida legitimidade para prosseguir com os autos de execução, na sua qualidade de Exequente;
K. A falta de legitimidade da ora Recorrida dita assim a impossibilidade do prosseguimento da instância executiva;
M. Seria deveras atentador contra os Recorrentes a prossecução da instância executiva pela Recorrida, mesmo após a ocorrência total da cedência de créditos e agora sem legitimidade para tanto, quando a mesma, ainda antes da instauração da execução e durante os termos da mesma se recusou a celebrar qualquer acordo de pagamento com os Recorrentes;
N. Os Recorrentes sempre manifestaram a sua vontade de efectuarem os pagamentos, tal como tinham feito, até então;
O. Os Recorrentes sempre se disponibilizaram para realizar acordo de pagamento com a Recorrida;
P. A instância executiva, decidida prosseguir pelo douto Tribunal de 1ª instância, salvo o devido respeito, não tem a menor base legal, não só pela questão da ilegitimidade, supra mencionada, mas também pelo facto dos Recorrentes manterem a posição de que não houve resolução dos contratos, nem vencimento das prestações vincendas;
Q. Tal representa um claro abuso de direito;
R. O recurso à via judicial, tal como aconteceu, pode redundar num incumprimento definitivo e na venda em leilão, por qualquer preço, de um bem muito valioso, como é o caso da Herdade do P…;
S. A decisão do douto Tribunal, ora Recorrida, parece conduzir, inevitavelmente a esse desfecho, de venda de um bem muito valioso a um preço muito reduzido, que não é capaz de satisfazer, na sua totalidade, o valor do crédito».

6. A exequente apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

7. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[5], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, vistos os autos, as questões colocadas no recurso, são as de saber se a exequente tem ou não legitimidade para o prosseguimento da execução; e se existiu ou não resolução automática dos contratos, e consequente vencimento das prestações vincendas.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto:
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
«1) A exequente/embargada propôs contra os executados/embargantes Sabine BB,CC e DD, a acção executiva à qual os presentes autos correm por apenso apresentando como título executivo os documentos constantes dos autos principais, intitulados de “Mútuo com Hipoteca”.
2) Consta desses documentos, além do mais que se dá por reproduzido, que a primeira outorgante Caixa EE, S.A é credora das quantias de € 350.000 (trezentos e cinquenta mil euros) e € 250.000 (duzentos e cinquenta mil euros) referentes a empréstimos de capital aos segundos outorgantes - FF e BB celebrados em 22 de agosto de 2005 e 31 de agosto de 2005.
3) A concessão dos empréstimos estava sujeita, além do mais que se dá por reproduzido, às seguintes cláusulas (comuns a ambos os empréstimos):
(…)
(Finalidade do empréstimo)
O empréstimo destina-se a, liquidação de empréstimo contraído junto do Banco Comercial Português, S.A para efeitos de construção no imóvel atrás hipotecado e que se destina a habitação própria permanente da parte devedora.
(…)
(Forma de Pagamento)
1 – Todos os pagamentos a que a parte devedora fica obrigada por este contrato serão efectuados através de débitos na conta de depósito à ordem atrás referida ou noutra que a parte devedora venha a indicar, contas que a parte devedora se obriga a manter com provisão para o efeito.
2 - A credora poderá, no entanto, debitar qualquer outra conta de que a parte devedora seja ou venha a ser titular, no caso de a conta referida no número anterior não se encontrar devidamente provisionada.
(…)
(Outras obrigações da parte devedora)
A parte devedora obriga-se:
a) Não dar ao imóvel hipotecado destino diferente do que ficou indicado, nem o desvalorizar por qualquer forma;
b) Pagar pontualmente as contribuições por ele devidas;
c) Tê-lo seguro à vontade da credora e a só por intermédio desta e com o seu acordo alterar o referido seguro;
d) Reforçar a garantia prestada se a credora o exigir».
4) No que respeita à escritura celebrada em 22-08-05, o documento complementar associado, prevê, além do mais que se dá por reproduzido, que: (…)
Cláusula 14.º
(Incumprimento/Exigibilidade Antecipada)
1 – A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente:
a) Incumprimento pela parte devedora ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato; (…)
c) Venda, permuta, arrendamento, cedência de exploração ou qualquer outra forma de alienação ou oneração, sem o prévio acordo, escrito, da Caixa, dos bens que sejam ou venham a ser dados em garantia das obrigações emergentes do presente contrato e, bem assim, a sua desvalorização que não resulte de uso corrente;
d) Alienação ou oneração pela parte devedora, sem consentimento da Caixa, de quaisquer bens imóveis que integrem ou venham a integrar o seu património; (…)
f) Insolvência de qualquer dos devedores, ainda que não judicialmente declarada, ou diminuição das garantias do crédito.».
2 - Caso ocorra qualquer uma das situações referidas no número anterior, a Caixa fica com o direito de considerar imediatamente vencidas e exigíveis quaisquer obrigações da parte devedora emergentes de outros contratos com ela celebrados».
5) Por seu turno, no que se refere à escritura celebrada em 31-08-05, o documento complementar associado, prevê, além do mais que se dá por reproduzido, que (…)
Cláusula 16.º
(Incumprimento/Exigibilidade Antecipada)
1 – A Caixa poderá considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de, designadamente:
a) Incumprimento pela parte devedora ou por qualquer dos restantes contratantes de qualquer obrigação decorrente deste contrato; (…)
c)Venda, permuta, arrendamento, cedência de exploração ou qualquer outra forma de alienação ou oneração, sem o prévio acordo, escrito, da Caixa, dos bens que sejam ou venham a ser dados em garantia das obrigações emergentes do presente contrato e, bem assim, a sua desvalorização que não resulte de uso corrente; (…)
e) Insolvência de qualquer dos devedores, ainda que não judicialmente declarada, ou diminuição das garantias do crédito.».
2 - Caso ocorra qualquer uma das situações referidas no número anterior, a Caixa fica com o direito de considerar imediatamente vencidas e exigíveis quaisquer obrigações da parte devedora emergentes de outros contratos com ela celebrados».
6) Os documentos referidos nos pontos anteriores foram objecto de autenticação.
7) Para garantia do aludido «contrato de mútuo com hipoteca» celebrado no dia 22 de agosto de 2005, os mutuários constituíram a favor da ora exequente/embargada hipoteca voluntária sobre o prédio rústico, situado na Herdade do P…, freguesia de …, concelho de Évora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o número …, da dita freguesia, inscrito na matriz sob o artigo … da Secção L.
8) A referida hipoteca encontra-se registada na indicada Conservatória através da inscrição Ap. 21 de 2005/08/16, para garantia de empréstimo no valor de € 350.000,00, a título de capital sendo o montante máximo assegurado de € 429.583,00.
9) Igualmente para garantia do «contrato de mútuo com hipoteca» celebrado em 31 de agosto de 2005 os executados/embargantes constituíram a favor da ora embargada hipoteca voluntária sobre o prédio rústico, situado na Herdade do P…, freguesia de …, concelho de Évora, descrito na Conservatória do Registo Predial de Évora sob o número …, da dita freguesia, inscrito na matriz sob o artigo … da secção L.
10) A referida hipoteca encontra-se registada na indicada Conservatória através da inscrição Ap. 22 de 2005/08/16, para garantia de empréstimo no valor de € 250.000,00, a título de capital sendo o montante máximo assegurado de € 351.845,00.
11) O direito detido por FF no imóvel hipotecado foi transmitido, por doação, a favor dos filhos CC e DD estando a respectiva aquisição registada na Conservatória do Registo Predial pela AP. 2607 de 2012/12/27.
12) Por sentença proferida nos autos de insolvência de pessoa singular que, sob o n.º 5107/18.3T8LSBR, correm termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa – Juízo de Comércio de Lisboa - Juiz 3, foi o mutuário FF declarado insolvente.
13) A embargante BB encontra-se casada com FF no regime de casamento da separação de bens.
14) A embargante BB liquidou, sem interrupções as prestações a que estava obrigada desde a primeira prestação em Agosto de 2005, até Fevereiro de 2018, no total de € 185.000,00.
15) Em Fevereiro de 2018 a exequente/embargada bloqueou a conta bancária dos mutuários e recusou os pagamentos permanecendo em dívida as quantias de € 289.310,62 (trezentos e oitenta e nove mil trezentos e dez euros e sessenta e dois cêntimos) e € 206.820,03 (duzentos e seis mil oitocentos e vinte euros e três cêntimos).
16) No seguimento dessa recusa, a embargante BB contactou pessoalmente com o gerente da embargada de Évora, Carlos M…, no sentido de retomar os pagamentos.
17) O gerente Carlos M… informou a embargante que para a resolução do assunto, seria necessário enviar uma carta aos serviços centrais da exequente/embargante a propor o pagamento.
18) A embargante enviou carta registada intitulada de «Proposta de Regularização n.º operação 003502970117797 85 e 00350297011780085» no dia 25/05/2018 onde se pode ler:
«Exmos. Srs.
Com os meus cumprimentos e na qualidade de mandatária da minha constituinte BB, com o NIF n.º …, venho por este meio propor a V. Exas., o seguinte:
A minha constituinte é casada no regime de separação de bens, por via de casamento celebrado na Bélgica, no qual o regime de casamento supletivo é o da separação de bens.
Nessa qualidade, foram contraídos dois empréstimos para aquisição de habitação permanente e obras.
As prestações foram pontualmente liquidadas, desde a data da sua celebração em 31/08/2005 até Fevereiro p.p., data em que o seu marido foi decretado insolvente.
No início deste ano, o casal separou-se, tendo ficado a residir na Herdade do P… a minha constituinte e os filhos do casal.
O marido, Osteopata, montou clínicas em Lisboa de Osteopatia, tendo ficado a residir em Lisboa.
A minha constituinte, não pretende, adiar o pagamento das prestações da sua casa, sendo essencial para a sua Paz de Espírito e bem-estar, que o empréstimo seja religiosamente cumprido, por essa razão, vem solicitar a V. Exas., que autorizem o pagamento imediato das prestações em atraso, bem como, o pagamento mensal das prestações vincendas.
Na expectativa das vossas prezadas notícias.».
19) A embargada nunca respondeu à carta remetida pela embargante no dia 25/05/2018.
20) A embargante BB procedeu ao pagamento das prestações que foi impedida de liquidar desde Fevereiro 2018 até Setembro no montante de € 10.000 em depósito autónomo na CGD»
Do processo principal[6] resulta ainda que:
21) O requerimento executivo foi apresentado em 12.05.2018, com base nos acima identificados contratos de mútuo, e a invocação, para cada um dos contratos de que “a partir de Fevereiro de 2018, os mutuários deixaram de cumprir com as obrigações pecuniárias emergentes do aludido contrato, permanecendo em dívida” as quantias referidas em 15).
E, por acordo[7], de harmonia com os artigos 607.º, n.º 4, e 663.º, n.º 2, do CPC, encontra-se provado que:
22) Previamente à instauração da acção executiva, a exequente não comunicou aos mutuários a resolução dos contratos de mútuo.
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III.2. – O mérito do recurso
III.2.1. – Da (i)legitimidade da exequente
Atenta a ordem lógica do seu conhecimento, importa primeiramente atentar na questão suscitada a respeito da (i)legitimidade da Exequente/Apelada, que agora foi invocada pelos Apelantes em alegações de recurso, com o fundamento de que «no decurso dos presentes autos, tomaram os Recorrentes conhecimento, através de carta registada, da cessão de créditos realizada a favor da GG Company, cessão essa, que contempla todos os créditos e garantias associados aos créditos cedidos, cfr. documento já junto aos autos, através do requerimento com a referência 31418834», que incluiu todos os créditos devidos pelos Recorrentes à Cedente. Acontece que, «desde o momento da cessão de créditos até ao momento da notificação da Sentença (ou, até mesmo, até à presente data), não se verificou a habilitação da Cessionária, por forma a que os autos reunissem todas as condições necessárias e indispensáveis à sua prossecução», concluindo que «a falta de legitimidade da ora Recorrida dita assim a impossibilidade do prosseguimento da instância executiva».
Por seu turno, a Apelada, concretizando que «os créditos aqui em discussão foram cedidos a entidade terceira em 04 de Outubro de 2018», conclui que tal «pedido carece de qualquer fundamento legal, sendo certo que o facto alegado tão pouco retira a legitimidade da recorrida agir na qualidade de Exequente».
Vejamos.
Como é sabido, a ilegitimidade singular é uma excepção dilatória (artigo 577.º, alínea e), do CPC), que constitui um dos fundamentos de oposição à execução (artigo 729.º, alínea c), do CPC). Porém, no caso, não poderia ter então sido arguida porquanto o requerimento inicial de oposição à execução, por embargos, data de 24.09.2018, e a cessão ocorreu posteriormente, mais concretamente em 04.10.2018.
Assim, tal não obsta a que ainda se conheça da invocada excepção, porquanto estamos perante excepção dilatória, não sanável, de conhecimento oficioso (artigo 578.º do CPC), em qualquer fase do processo até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados (artigo 734.º, n.º 1, do CPC), significando isso que, a verificar-se após o despacho liminar, determina a absolvição do executado da instância (artigos 576.º, n.º 2, do CPC, e 726.º, n.º1, alínea b), do CPC), e a consequente extinção da execução (artigo 734.º, n.º 2, do CPC).
Porém, o lugar próprio para o seu conhecimento não é este apenso, mas antes, a acção executiva, onde, aliás, se verifica que foi entretanto conhecida e decidida de harmonia com os preceitos legais aplicáveis, dos quais resulta que a resposta à questão suscitada não pode deixar de ser, como foi, negativa.
Na espécie, foram dados à execução dois contratos de mútuo celebrados por documentos autenticados entre a Exequente e os mutuários ali identificados, a ora executa e o marido. Estes contratos constituem título executivo por força do disposto no artigo 703.º, n.º 1, alínea b) do CPC, na sua redacção actual, como já constituíam anteriormente na vigência do artigo 46.º, n.º 1, alínea b) do CPC[8].
No caso, acresce ainda salientar o disposto no artigo 9.º, n.º 4, do DL n.º 287/93, de 20 de Agosto, diploma que estabeleceu o regime jurídico da Caixa EE, S.A., de acordo com cuja estatuição «os documentos que, titulando acto ou contrato realizado pela Caixa, prevejam a existência de uma obrigação de que a Caixa seja credora e estejam assinados pelo devedor revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades».
Conforme se considerou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28.04.2015[9], «o referido preceito legal não foi objecto de revogação expressa, nomeadamente, pelo art. 4º da Lei nº 41/2013, de 26/6, e, por tal razão, afigura-se-nos que os documentos particulares em causa, por titularem actos/contratos realizados pela Caixa, preverem a existência de obrigações por parte da mutuária e estarem assinados pelos devedores (mutuária e fiador), cabem na previsão do art. 703º, nº 1, d), do NCPC, e revestem-se de força executiva, sem necessidade de outras formalidades»[10].
Significa isto que os contratos de mútuo dados à execução pela exequente EE, designadamente nos termos do mencionado artigo 9.º, n.º 4, do DL 287/93, constituem título executivo, sem necessidade de outras formalidades, aferindo-se a legitimidade de exequente e executados pelos outorgantes daqueles contratos.
Na realidade, é consabido que a acção executiva tem na sua base a existência de um título executivo pelo qual se determinam o seu fim e os respectivos limites subjectivos e objectivos (artigo 10.º, n.º 1 e 5, do CPC), concretizando o artigo 53.º, n.º 1, do CPC - que rege sobre a legitimidade de exequente e executado - que a execução tem que ser promovida, como foi, pela pessoa que figure no título como credor, no caso a EE, e deve ser instaurada contra a pessoa que no título tenha a posição de devedor, ou lhe suceda, nos termos prevenidos no artigo 54.º, como ocorreu com os filhos, ora executados, a quem o mutuário doou a sua parte na aquisição do imóvel.
Nestes termos, tendo exequente e executados legitimidade processual para a execução, são igualmente parte legítima nos embargos que daquela acção constituem um apenso, com estrutura declarativa, tanto mais que, ao abrigo do disposto no artigo 263.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, no caso de transmissão do direito litigioso, por acto entre vivos, como é o caso da cessão de créditos, o transmitente continua a ter legitimidade para a causa enquanto o adquirente não for, por meio de habilitação, admitido a substituí-lo, produzindo a sentença efeitos em relação ao adquirente, ainda que este não venha ao processo.
Pelo exposto, improcede a invocada excepção de ilegitimidade do exequente/embargado, para consigo prosseguirem os autos.
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III.2.2. – Da (in)existência de título executivo
Invocam ainda os Apelantes que a instância executiva não pode também prosseguir porque não houve resolução dos contratos e, por consequência, vencimento integral das prestações.
Vejamos, pois, se a oposição deduzida pelos Embargantes à execução, da qual emergiu parte da matéria de facto acima elencada, tem ou não a virtualidade de determinar a extinção da execução, por via da inexigibilidade ou inexistência do direito, a alegar e provar pelos executados.
Como é consabido, o título executivo é “a peça necessária e suficiente à instauração da acção executiva ou, dito de outra forma, pressuposto ou condição geral de qualquer execução. Nulla executio sine titulo”[11]. Por isso, o mesmo tem que ser documento de acto constitutivo ou certificativo de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia para servir de base ao processo executivo[12].
Efectivamente, o título executivo não se confunde com a causa de pedir na acção executiva, pois esta é um facto e o título executivo é o documento ou a obrigação documentada[13].
Na verdade, os “títulos executivos são os documentos (escritos) constitutivos ou certificativos de obrigações que, mercê da força probatória especial de que estão munidos, tornam dispensável o processo declaratório (ou novo processo declaratório) para certificar a existência do direito do portador”, sendo “constitutivo da relação obrigacional quando a obrigação tem no acto documentado a sua fonte” e “certificativo da obrigação quando, procedendo a constituição da dívida de um outro acto, o título apenas confirma a existência dela”. Concluindo, “o título executivo reside no documento e não no acto documentado, por ser na força probatória do escrito, atentas as formalidades para ele exigidas, que radica a eficácia executiva do título (quer o acto documentado subsista, quer não”[14].
Ou, por outras palavras, o título executivo é “o invólucro sem o qual não é possível executar a pretensão ou o direito que está dentro. Sem invólucro não há execução, embora aquilo que vai realizar-se coactivamente não seja o invólucro mas o que está dentro dele”[15].
Significa o que vem de afirmar-se que, dos contratos assinados pelos executados - posto que estes constituem o título executivo -, tem de constar a obrigação pelos mesmos assumida por forma a que possa ser dispensável o processo declaratório.
Porém, quando a obrigação exequenda seja complexa, o título executivo também o pode ser. De facto, em várias situações o legislador veio admitir a existência jurídica de títulos executivos complexos a par dos títulos simples.
Conforme é sabido, estamos perante títulos executivos simples quando a obrigação esteja incorporada num só documento ou num conjunto de documentos de idêntica natureza (de que constitui exemplo ilustrativo a execução fundada em várias letras de câmbio ou cheques, situação em que cada um dos títulos incorpora uma das prestações exequendas e todos eles juntos titulam a globalidade do crédito reclamado pelo exequente); e perante títulos executivos complexos quando a obrigação exequenda exija cumulativamente vários documentos para a sua demonstração, podendo tais documentos ter natureza diversa, complementando-se entre si e nos seus conteúdos para demonstração da existência do crédito exequendo (a título meramente exemplificativo deste tipo de título complexos, veja-se o título executivo previsto pelo artigo 15.º n.ºs 1 e 2 do Novo Regime do Arrendamento Urbano).
Nestas últimas situações, em que o exequente tem que fazer a prova complementar do título, mormente relativamente aos factos que integram o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação assumida, tem-se entendido que, não tendo o exequente efectuado tal prova no requerimento executivo, e sendo deduzida oposição pelo executado, pode o Exequente na contestação suprir o que ali faltou[16], considerando-se igualmente que, nestes casos quando tal junção não for efectuada pelo exequente, ao invés de ser liminarmente indeferido o requerimento executivo, deve a parte ser convidada a aperfeiçoá-lo[17].
Revertendo o que vimos de dizer ao caso em presença, temos que a Exequente juntou aos autos os contratos de mútuo, e invocou o seu incumprimento, referindo apenas que «a partir de Fevereiro de 2018, os mutuários deixaram de cumprir com as obrigações pecuniárias emergentes» dos mesmos.
No requerimento de oposição à execução, por embargos, os executados invocaram, e, grosso modo, demonstraram, que «desses contratos derivava o pagamento mensal da quantia de € 1250,00; quantia a qual foi religiosamente liquidada, sem interrupções desde a primeira prestação em Agosto de 2005, até Fevereiro p.p., no total de € 185.000,00 data em que a EMBARGADA bloqueou a conta bancária e recusou os pagamentos; No seguimento dessa recusa, a embargante BB contactou pessoalmente com o gerente da EMBARGADA de Évora, Dr. Carlos M…s, no sentido de retomar os pagamentos, ao que o gerente respondeu que iria resolver o assunto, sendo necessário enviar uma carta a propor o pagamento; Nunca o gerente da EMBARGADA, alvitrou a possibilidade de o banco resolver os contratos e executar a divida; A referida carta registada foi remetida no dia 25/05/2018; cfr. copia da mesma que se junta como doc nº 2; A embargada nunca respondeu à carta supra; A embargada respondeu apenas com a instauração da presente execução; A embargada, nunca notificou os embargantes da resolução dos contratos, nem tão pouco qualquer advogado os interpolou para o pagamento; Não havendo resolução não há vencimento das rendas vincendas».
Se a embargada não contestasse, a prova dos factos acima transcritos de 14. a 20. poderia determinar a extinção da execução, posto que a Executada demonstrou que deixou de cumprir porque a conta foi bloqueada, e, não obstante, tentou regularizar a situação junto da exequente, não tendo obtido resposta, pelo que até procedeu ao depósito da indicada quantia.
Porém, a Embargada contestou invocando que «contrariamente ao referido pelos executados nos seus embargos, designadamente no art. 26, o imóvel em causa era da titularidade de FF, marido da executada BB; razão pela qual é expressamente referido nas escrituras realizadas- e juntas com o requerimento executivo sob. Doc.1 e 2- que “o segundo outorgante marido constitui hipoteca sobre o prédio rústico situado na Herdade do P…”; acresce ainda que aquando da realização da doação do imóvel pelo pai em favor dos filhos, foi realizada a reserva de usufruto em seu favor; ou seja, o imóvel em causa não é, nem nunca foi, pertença da executada BB, conforme resulta da certidão junta aos autos pela exequente com o requerimento executivo sob. Doc. 1; com efeito, a intervenção da embargante Sabine no contrato realizado com a exequente, foi apenas na qualidade de mutuária; e a garantia prestada era da titularidade exclusiva do seu marido; por outro lado, e não obstante a alegada separação entre a executada e o marido, não poderá a mesma invocar o desconhecimento a situação de insolvência em que aquele se encontra, até pelos constrangimentos legais que essa situação implica para o cônjuge; sendo certo que a insolvência do marido FF, foi expressamente mencionada pela exequente no seu requerimento executivo; insolvência essa que foi determinada em 06-02-18, pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa-Juízo de Comércio de Lisboa-J3, e que corre seus termos sob o nº 510/08.3T8LSB; e que, nos termos do contratualmente estipulado entre a exequente e os mutuários, nomeadamente nos documentos complementares associados ás escrituras de mútuo com hipoteca acima mencionadas, determinou o incumprimento do contrato e a exigibilidade antecipada da dívida (… reprodução das cláusulas já transcritas na matéria de facto); em face do exposto, a insolvência do mutuário FF, nos termos do acordado entre os mutuários e a ora exequente, determinou que esta última automaticamente, considerasse a dívida antecipadamente vencida e exigível. (…)
A resolução dos contratos encontra-se justificada e legitimada, atenta a situação do mutuário insolvente. (…)
No que respeita á doação mencionada no art. 23º dos embargos deduzidos, cumpre esclarecer que esse acto realizado sem o consentimento do Banco, nos termos das cláusulas 14º nº1 al. c) e 16º nº1 al. c) dos documentos complementares associados ás escrituras realizadas e nos quais se prevê que “ A venda, permuta, arrendamento ou outra qualquer forma de alienação ou oneração, sem o prévio acordo, escrito, da Caixa, dos bens que sejam ou venham a ser dados em garantia das obrigações emergentes do presente contrato e, bem assim, a sua desvalorização que não resulte de uso corrente; “também determina a violação do contrato” e nos termos do nº2 confere á Caixa o direito de considerar imediatamente vencidas e exigíveis as dívidas, conforme veio a suceder. Ou seja, a atuação dos mutuários no âmbito da vigência dos contratos, contrariamente ao alegado pela embargante BB, não se pautou em conformidade com o acordado com o banco. Pelo que, não podem agora os embargantes, vir alegar surpresa e desconhecimento das razões subjacentes á resolução dos mesmos, com as inerentes consequências legais».
Significa o que que vimos de referir que, na contestação aos embargos, a Exequente supriu o que havia omitido no requerimento executivo, invocando que o incumprimento pelos mutuários das cláusulas contratuais, mercê da insolvência do marido e da doação por este efectuada do imóvel hipotecado a favor dos filhos, com reserva de usufruto, determinou a sua resolução, com a consequência do vencimento imediato de todas as prestações.
Assim sendo, cabe apreciar se pode ou não ter-se a resolução como automaticamente efectuada, já que, não tendo sido contestado, deve entender-se ter sido admitido pela Exequente, por acordo, não ter procedido à comunicação da mesma previamente à instauração da acção executiva.
Na sentença recorrida foram tecidas judiciosas considerações, com apoio em pertinente doutrina e jurisprudência, para concluir que «a doação do imóvel hipotecado aos embargados CC e DD e a declaração de Insolvência do mutuário FF se apresentam como válidas causas de resolução automática dos contratos de empréstimo por parte da embargada/exequente, pelo que se releva legal e legítimo o recurso à acção executiva».
Subscrevemos integralmente a fundamentação a este respeito expressa na sentença recorrida, considerando ainda que «o acordo (a que acima se fez referência entre a exequente/embargante e os mutuários) era precisamente no sentido de a EE poder considerar antecipadamente vencida toda a dívida e exigir o seu imediato pagamento no caso de designadamente de alienação das garantias e insolvência do devedor. Pelo que tratando-se de factos pessoais - a doação do imóvel dado em garantia e a ocorrência da declaração de insolvência do mutuário FF – tais factos consubstanciam causa expressa (do conhecimento dos devedores) para a credora EE considerar imediatamente vencidas e exigíveis as obrigações da parte devedora»
Porém, significa o que vimos de afirmar igualmente concluímos pela «bondade da actuação da exequente/embargante que ao lançar mão da acção executiva mais não fez do que fazer valer validamente os seus direitos»?
A questão contende com a da perda do benefício do prazo.
A este respeito pronunciou-se o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11.07.2019[18], para cuja fundamentação se remete e de cujo sumário se extrai que:
«I - O vencimento das prestações a que se refere o artigo 781º do Código Civil é um benefício concedido por lei ao credor que, querendo beneficiar dele, deverá manifestar a sua vontade nesse sentido, interpelando o devedor para cumprir imediatamente a totalidade da obrigação.
II - Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas. O vencimento imediato significa exigibilidade imediata, mas não dispensa a interpelação do devedor.
III - A resolução, enquanto declaração receptícia ou recipienda – que é aquela que carece de ser dada a conhecer a um destinatário – à luz do disposto no artigo 224º do Código Civil, é eficaz nos casos seguintes: (i) quando chegue ao poder do destinatário ou seja dele conhecida (nº 1 do citado normativo); (ii) quando seja enviada, mas só por culpa do destinatário não tenha sido oportunamente recebida (nº 2).
IV - Sendo a declaração recipienda, não pode ser considerada eficaz pela sua simples emissão, competindo à exequente alegar e provar que efectivamente emitiu as correspondentes declarações de resolução, o que não aconteceu, e não invocou sequer o conhecimento das mesmas, por parte dos executados, através de uma outra qualquer forma.
V - Quando se pretenda dar à execução contrato de mútuo garantido por hipoteca, abrangido pela alª c) do nº 2 do artigo 550º do CPC, e o vencimento da obrigação exequenda dependa apenas da sua resolução, é necessária a junção, para além do contrato, do documento comprovativo da efectivação da resolução, ou seja, do documento comprovativo da comunicação à contraparte da declaração resolutória, bem como da sua recepção por esta – ou de que a carta de resolução foi enviada para o domicílio ou sede do devedor (artº 224º nº 2 CC). É igualmente necessária a junção aos autos do documento comprovativo da interpelação para o cumprimento, em todos os casos em que não se esteja perante uma obrigação com prazo certo, sob pena de faltar um dos requisitos da obrigação exequenda (artº 713º)».
Tal como no caso que nos ocupa, não houve na situação tratada naquele aresto a comunicação prévia da resolução do contrato, afirmando-se na fundamentação respectiva que «apesar de estar demonstrado o incumprimento das obrigações pelos executados, a exequente (…) teria de ter demonstrado que exercitou o seu direito potestativo, traduzido na competente interpelação ao pagamento do montante total que fez constar da execução.
Isto porque, só com o exercício do direito potestativo, a efectuar mediante interpelação para o pagamento, por via da resolução dos contratos, é que esse montante total se tornava exigível, pois só então se operaria o vencimento. O que, como já se referiu, não aconteceu».
É certo também, tal como no aresto do Supremo Tribunal de Justiça que vimos referindo, que «vale como interpelação a citação para a acção executiva, como interpelação judicial que é».
Porém, como ali afirmado, «a interpelação extra-judicial do devedor, antes de iniciada a instância executiva, não se mostra efectuada e teria de ser antecedente à instauração da execução.
O que significa que, podemos concluir, não estão verificados os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda (…).
Quando deu entrada da presente execução, a exequente, (…) não possuía título executivo válido contra os recorridos.
Mas poderá a execução prosseguir quanto aos valores vencidos?
Já deixámos dito que não estão verificados os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda tal como pretendido pela exequente, ora recorrente. E ainda que, quando deu entrada da presente execução, a exequente não possuía título executivo válido contra os embargantes, ora recorridos.
Sendo assim, são inteiramente válidos e aqui aplicáveis tais argumentos, pelo que não é admissível a redução da quantia exequenda».
Em conclusão, o nosso mais Alto Tribunal confirmou a apelação, que havia julgado os embargos procedentes e determinado a extinção da execução.
Assim sendo, concluindo-se na situação em presença, pelo incumprimento de obrigações contratualmente assumidas que são fundadoras da resolução dos contratos de mútuo celebrados entre Exequente e Executada, mas não tendo aquela, previamente à instauração da acção executiva, exercido o direito potestativo à sua resolução, não estão verificados os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda, pelo que, aquando da entrada da presente execução em juízo, a exequente não possuía título executivo válido contra os embargantes, ora Apelantes.
Nestes termos, na procedência da apelação, julgam-se procedentes os embargos de executado, determinando-se a extinção da acção executiva.
Vencida, a Recorrida, deverá suportar as custas em primeira instância e as do recurso interposto, aqui na vertente de custas de parte, de acordo com o princípio da causalidade vertido nos artigos 527.º, n.ºs 1 e 2, e 529.º, n.ºs 1 e 4, do CPC.
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III.3. Síntese conclusiva
I - Os contratos de mútuo dados à execução pela exequente CGD, designadamente nos termos do mencionado artigo 9.º, n.º 4, do DL 287/93, constituem título executivo, sem necessidade de outras formalidades, aferindo-se a legitimidade de exequente e executados pelos outorgantes daqueles contratos.
II - Tendo exequente e executados legitimidade processual para a execução, são igualmente parte legítima nos embargos que daquela acção constituem um apenso, com estrutura declarativa, ainda que tenha existido transmissão do direito litigioso, por acto entre vivos, como é o caso da cessão de créditos.
III - Na contestação aos embargos, a Exequente pode suprir o que haja omitido no requerimento executivo com base em título complexo, o que fez, invocando o incumprimento pelos mutuários das cláusulas contratuais, mercê da insolvência do marido e da doação por este efectuada do imóvel hipotecado a favor dos filhos, com reserva de usufruto, o que determinou a sua resolução, com a consequência do vencimento imediato de todas as prestações.
IV - “Quando se pretenda dar à execução contrato de mútuo garantido por hipoteca, abrangido pela alª c) do nº 2 do artigo 550º do CPC, e o vencimento da obrigação exequenda dependa apenas da sua resolução, é necessária a junção, para além do contrato, do documento comprovativo da efectivação da resolução, ou seja, do documento comprovativo da comunicação à contraparte da declaração resolutória, bem como da sua recepção por esta – ou de que a carta de resolução foi enviada para o domicílio ou sede do devedor (artº 224º nº 2 CC)”.
V - Assim, ainda que tal incumprimento do clausulado contratual esteja demonstrado, não tendo a exequente, previamente à instauração da acção executiva, exercido o direito potestativo à sua resolução, não estão verificados os requisitos de exigibilidade da quantia exequenda, pelo que, aquando da entrada da presente execução em juízo, a exequente não possuía título executivo válido contra os embargantes, ora Apelantes.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação, na procedência da apelação, em julgar procedentes os embargos, e determinar a extinção da acção executiva.
Custas na Relação e em primeira instância, pela Exequente/embargada.
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Évora, 5 de Dezembro de 2019
Albertina Pedroso [19]
Tomé Ramião
Francisco Xavier

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[1] Juízo de Execução de Montemor-o-Novo.
[2] Relatora: Albertina Pedroso; 1.º Adjunto: Tomé Ramião; 2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Sendo este último, menor, encontra-se devidamente representado por BB e FF.
[4] Que se transcrevem parcialmente, na medida necessária à compreensão do objecto do recurso, expurgando-as de desnecessárias repetições.
[5] Doravante abreviadamente designado CPC.
[6] Cujo seguimento electrónico foi solicitado.
[7] Que melhor referiremos infra.
[8] Para maior desenvolvimento a este respeito, cfr. o Acórdão desta conferência de 14.02.2019, proferido no processo n.º 1672/14.4TBFAR-A.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[9] Proferido no processo n.º 2186/14.8TJCBR.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[10] Neste mesmo sentido, e conforme indicado no citado aresto, entre os exemplos de documentos particulares que podem constituir título executivo, LEBRE DE FREITAS enumera, precisamente, o documento de contrato de mútuo concedido pela CGD, nos termos do art. 9º, nº 4, do DL 287/93 - A Acção Executiva à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 6ª Ed., pág. 80.
[11] Cfr. AMÂNCIO FERREIRA, in Curso de Processo de Execução, 13.ª Edição, Almedina, 2010, pág. 23, citando Chiovenda..
[12] Cfr. MANUEL DE ANDRADE, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora 1979, pág. 58.
[13] Cfr. Ac. STJ de 05.05.2011, proferido no processo n.º 5652/9.3TBBRG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[14] Cfr. ANTUNES VARELA et Alii, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora 1985, págs. 78 e 79.
[15] Cfr. Ac. STJ de 19-02-2009, proferido no processo n.º 07B4427, e disponível em www.dgsi.pt.
[16] Cfr. Ac. STJ de 04-02-2010, proferido no processo n.º 5943/07.8YYPRT-A.P1.S1 - 2ª SECÇÃO, disponível em www.dgsi.pt.
[17] Cfr. citado Ac. STJ de 05-05-2011, proferido no processo n.º 5652/9.3TBBRG.P1.S1, proferido no processo n.º disponível em www.dgsi.pt.
[18] Proferido no processo n.º 4739/16.0T8LOU-A.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[19] Texto elaborado e revisto pela Relatora.