Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2648/15.0T8FAR.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
SECTOR BANCÁRIO
Data do Acordão: 12/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: PROCEDENTE
Sumário: I - A cláusula 142.ª do ACT celebrado entre diversas instituições bancárias e o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários, publicado no BTE n.º 8, de 29-02-2012, estabelece os requisitos (substantivos) para que o unido de facto seja beneficiário da pensão de sobrevivência;
II – Tais requisitos são: (i) a situação de união de facto com o falecido; (ii) a união por mais de dois anos à data do falecimento; (iii) não se encontrar o trabalhador falecido ou a pessoa que com ele vivia no estado civil de casado ou, estando alguns deles, ter sido declarada a separação judicial de pessoas e bens.
III – Por sua vez, a cláusula 142.ª-A do mesmo ACT regula os requisitos procedimentais a observar para que o interessado possa beneficiar da presunção da união de facto;
IV – Todavia, não observando o interessado tais requisitos, o mesmo é dizer não entregando o interessado os elementos e no prazo previstos nesta cláusula, embora deixe de beneficiar da presunção de união de facto, não fica impedido de provar, por outra forma, que vivia em união de facto há mais de dois anos com o falecido;
V – O tribunal só deve conhecer de mérito no despacho saneador se, para tanto, o processo já contiver os elementos necessários (artigo 61.º do Código de Processo do Trabalho);
VI – Tal não ocorre se o unido de facto alegou nos articulados os requisitos previstos na cláusula 142.º do referido ACT para ser beneficiário da pensão de sobrevivência e aqueles dependem de prova a produzir.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2648/15.0T8FAR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
BB (Autora/recorrente) intentou na Comarca de Faro a presente acção declarativa, sob a forma comum, contra CC (Réu/recorrido), pedindo a condenação do Banco Réu a:
a) reconhecer o direito daquela a pensão de sobrevivência pelo falecimento de DD e, consequentemente, a proceder ao pagamento mensal da pensão enquanto se mantiverem os pressupostos para a sua atribuição;
b) pagar as mensalidades em dívida já vencidas e com efeitos a Agosto de 2012, no valor de € 18.994,05, bem como os juros de mora vencidos e vincendos, sendo os vencidos no montante de € 1.278,93.
Alegou para o efeito, muito em síntese, que viveu em união de facto com o referido DD, desde Julho de 2005 até à data do óbito deste, em 30 de Agosto de 2012, sendo que no referido período se encontravam no estado civil de divorciados e que DD era trabalhador do Réu, e anteriormente de outras instituições bancárias que nele foram incorporadas.
Acrescentou que à relação laboral entre o Banco Réu e o DD se aplicava o ACTV do sector bancário, publicado no BTE n.º 20, de Maio de 2011, com alterações subsequentes, o qual prevê o pagamento de pensão de sobrevivência ao unido de facto, não tendo, contudo, a Autora, requerente de tal pensão, observado o prazo de 180 dias previsto no referido ACTV para comunicação da união de facto, uma vez que desconhecia a necessidade de cumprir tal formalidade.
No entanto, concluiu, tal facto não é impeditivo do seu direito a receber a pensão de sobrevivência, sendo que preenche todos os requisitos para a mesma.

Tendo-se procedido à audiência de partes, e não se tendo logrado obter o acordo das mesmas, contestou o Banco, sustentando, também muito em síntese, que a Autora não observou a formalidade prevista no ACT do sector bancário para poder beneficiar da pensão de sobrevivência, mais concretamente não comunicou (ou, em vida, o seu companheiro) no prazo de 180 dias após a entrada em vigor daquele instrumento de regulamentação colectiva de trabalho que vivia em união de facto.
Além disso, encontrando-se a Autora a receber uma pensão por acidente de trabalho sofrido por DD não pode cumular tal pensão com uma (pensão) de sobrevivência, uma vez que ambas provêm do mesmo evento, sendo certo que aquela sempre seria de valor superior.
Em conformidade, concluiu pela improcedência da acção.

Respondeu a Autora, a reafirmar o constante da petição inicial e a concluir, mais uma vez, pela procedência da acção.

Foi proferido saneador-sentença, que julgou a acção improcedente, absolvendo o Banco Réu do pedido.

Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs recurso para este tribunal, tendo desde logo arguido no respectivo requerimento a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.
E terminou as alegações mediante a formulação das seguintes conclusões:
«1 – A Recorrente recorre da sentença proferida pelo Tribunal a quo, a qual deverá ser declarada nula por omissão de pronúncia; Sem prejuízo,
2 – A Recorrente recorre também da sentença proferida pelo Tribunal a quo, quer quanto à decisão aí proferida sobre a matéria de facto, quer quanto à solução da questão de Direito, que julgou totalmente improcedente por não provada a presente ação, absolvendo a Ré do pedido;
3 – Em concreto, e quanto à matéria de facto, a Recorrente discorda da decisão recorrida quer quanto ao facto assente D) quer quanto a outros factos essenciais e pertinentes para a boa decisão da causa e que não foram incluídos no acervo fáctico;
4 – A matéria do facto assente D), deve ser reformulada, atendendo a que o falecido era filiado no Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários (cfr. facto E)) e não no Sindicato dos Bancários do Norte, associações outorgantes de um IRCT idêntico mas distinto. Propondo-se, por conseguinte, a seguinte redação:
D) Entre o R. e outros e o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários foi celebrado ACT publicado no BTE n.º 16, de 29 de abril de 2001 e igualmente no BTE n.º 4 de 29/01/2005, n.º 32 de 29/08/2007, n.º 45 de 08/12/2008, n.º 20 de 29 de maio de 2011 e n.º 8, de 29 de fevereiro de 2012;
5 – Por sua vez, face à prova documental junto aos autos, em concreto, documentos 1, 8 e 15 da petição inicial, não impugnados pela Ré, entre os quais o auto de tentativa de conciliação no âmbito do processo de acidente de trabalho que dá como assente que o falecido e a Autora viviam em união de facto, necessariamente há mais de dois anos, dado a mesma ter sido reconhecida como única beneficiária da indemnização, para além da filha do sinistrado,
6 - e porque se trata de um facto relevante e absolutamente essencial face ao pedido da Autora, deverá o mesmo ser aditado, para o qual se propõe a seguinte redação:
H) À data do acidente de trabalho, que vitimou o trabalhador DD, o falecido e a Autora viviam, há mais de dois anos, em união de facto.
7 – Um segundo e último facto essencial a ser aditado, com vista a tomar-se em consideração todos os factos relevantes, à luz das várias soluções possíveis de direito, prende-se com o cumprimento das formalidades previstas no n.º 4 do art. 2.º-A da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, comprovadas através do Doc. 9 junto com a petição inicial, não impugnado pela Ré, sendo que a Autora defende ser-lhe aplicável o referido preceito legal.
Em conformidade, propõe-se a seguinte redação:
I - Em 31 de outubro de 2012, a Autora comunicou, por escrito, à Ré que, à data do falecimento de DD, vivia em união de facto com o mesmo, juntando declaração emitida pela junta de freguesia atestando que residiam juntos há mais de dois anos bem como declaração de rendimentos conjunta de 2010, 2011 e 2012 e declaração da Autora, sob compromisso de honra, da vivência em união de facto.
8 – Quanto à matéria de direito, a mesma restringe-se, no entender da recorrente, a dar resposta a três questões:
8.1 Saber se a inobservância do prazo de 180 dias, constante do n.º 2 da cláusula 142.ª-A do ACT afasta, perentoriamente, o direito à atribuição da pensão de sobrevivência;
8.2 Saber se as formalidades estabelecidas na cláusula 142.ª-A do ACT são ad substantiam e, mesmo sendo assim consideradas, se aquelas afastam, integralmente, o regime legal, constante da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio;
8.3. Saber se, respondendo afirmativamente às duas questões antecedentes, a perda definitiva do direito global a todas as prestações da pensão de sobrevivência, não ofende o princípio da proporcionalidade conjugado com o disposto no n.º 3 do art. 63.º da CRP;
9 – O n.º 3 da cláusula 142.ª-A, na qual se prevê o prazo de 180 dias para entrega da documentação exigível, é um preceito de natureza transitório, tendo em vista as situações de união de facto já consolidadas à data da publicação do novo regime, com dispensa do período de carência de dois anos para reconhecimento da união de facto;
10 – O disposto no n.º 3 da cláusula 142.ª-A não afasta a regra geral prevista no n.º 1 da mesma cláusula, podendo os unidos de facto fazer prova, a todo o momento, dessa condição, sem prejuízo de ficarem sujeitos ao prazo de dois anos de carência;
11 – A Meritíssima Juíza, ao decidir que o prazo de 180 dias preclude, perentoriamente, a possibilidade de comprovar a existência da união de facto, consubstancia uma interpretação errónea do disposto no n.º 3 da cláusula 142.ª-A do ACT do sector bancário;
12 - As formalidades exigidas pela cláusula 142.ª-A do ACT não são ad substantiam, podendo ser substituídas por outros meios de prova;
13 – Mesmo que assim não se entendesse, nunca estaria afastada a possibilidade do unido sobrevivo se socorrer do previsto no n.º 4 do art. 2.º-A, da lei n.º 7/2001, de 11 de maio, para prova da união de facto, eventualidade omissa, mas não afastada, no regime convencional;
14 – A lei n.º 7/2001, de 11 de maio é aplicável aos trabalhadores bancários, abrangidos pelo regime especial de proteção social do sector bancário;
15 – A Recorrente não defende, nem exige, a aplicação do regime geral de segurança social em detrimento do regime especial do sector bancário mas apenas e tão só a aplicação do regime legal de proteção das uniões de facto, mormente no que for omisso do regime convencional do ACT;
16 – A Autora, ora Recorrente, fez prova de todos os requisitos exigidos pela lei, para prova da união de facto, previstos no n.º 4 do art. 2.º-A da lei n.º 7/2001, de 11 de maio;
17 – O tribunal a quo ao não reconhecer o direito da Autora à atribuição e pagamento da pensão de sobrevivência, fez uma errada interpretação da cláusula 142.ª-A do ACT, conjugado com o regime legal de proteção das uniões de facto;
18 – A interpretação defendida pela Ré e sufragada pelo tribunal, no sentido da preclusão definitiva do direito global a todas as prestações por morte (pensão de sobrevivência) por inobservância do prazo de 180 dias, é materialmente inconstitucional por violação do princípio da proporcionalidade conjugado com o disposto no n.º 3 do art. 63.º da CRP;
19 – A douta sentença recorrida deve ser considerada inválida por materialmente inconstitucional, quando interpretada no sentido da inobservância do prazo de 180 dias para os unidos de facto provarem a existência da união de facto determinar a irremediável preclusão do direito global a todas as prestações a que o beneficiário teria direito.
Termos em que deve ser concedido provimento ao recurso, ser revogada a douta sentença, devendo o Recorrido ser condenado no pedido peticionado pela Recorrente.
Assim, se fará JUSTIÇA!».

Contra-alegou a recorrida, concluindo nos seguintes termos:
«A. A Sentença recorrida não padece de qualquer nulidade.
B. Não se verifica qualquer omissão de pronúncia quanto à questão sobre se a A. vivia em união de facto com DD e desde quando, pois por força da solução dada à questão sobre «se foram cumpridas pelos unidos de facto as formalidades exigidas para comunicação à Ré de tal união de facto», a resposta à questão de saber se existia união de facto fica prejudicada, carecendo de qualquer relevância a sua apreciação.
C. O Tribunal a quo, não obstante, responde a esta segunda questão direta e claramente no ponto 2. da Sentença, ao concluir que «Se a própria A. reconhece o não cumprimento desta formalidade, não se pode presumir a existência de união de facto.»
D. Não procede a alegação de nulidade por falta de pronúncia sobre se as formalidades constantes da cláusula 142.ª-A do Acordo Coletivo de Trabalho do Sector Bancário são ad substantiam ou ad probationem ou quais as consequências resultantes da inobservância do prazo de 180 dias, previsto nessa cláusula e a alegada inerente inconstitucionalidade decorrente da preclusão definitiva do direito global a todas as prestações por morte.
E. Embora não se utilize a nomenclatura desejada pela Recorrente, o Tribunal entendeu (assim se pronunciando) que a falta de cumprimento da formalidade de comunicação, nos termos previstos no nº. 3 da cláusula 142º.-A do ACT do Sector Bancário, determina a impossibilidade de fazer operar a presunção de existência de união de facto; ou seja constitui uma formalidade ad substatiam, sem a qual não é possível invocar a existência de qualquer direito que possa daí decorrer.
F. Não se verifica dever de pronúncia sobre a questão colocada pela Recorrente ao nível da constitucionalidade, pois a mesma carece de relevância para decisão.
G. Em sede de petição inicial, a Recorrente coloca a questão de alegada inconstitucionalidade, invocando que o incumprimento do prazo de 180 dias em causa não visa precludir o direito do unido de facto à pensão de sobrevivência, no pressuposto de que existe, portanto, um direito, que apenas não pode ser exercido porque determinado prazo não foi respeitado.
H. A pretensa preclusão não se verifica e muito menos se encontra ferida de inconstitucionalidade, pois a situação dos autos não é comparável, com a possibilidade de o direito à perceção de subsídio de desemprego poder ser precludido integralmente em virtude de atraso na apresentação do requerimento para o exercício desse direito.
I. Na situação pretensamente paralela, existe um direito à perceção de tal subsídio, o pedido para a sua concretização é que é tardio, sendo assim posto em causa por facto posterior ao nascimento desse direito, ou seja, posterior à verificação dos pressupostos para a sua existência (desemprego involuntário, prazo de garantia, etc).
J. No caso dos autos não se trata da preclusão de um direito porque não foi cumprido um formalismo subsequente à verificação deste direito, mas sim da inexistência de um direito por incumprimento de requisitos que fariam operar uma presunção que daria lugar á existência desse mesmo direito.
K. Trata-se de situações totalmente distintas, pois a questão dos autos coloca-se a montante (no cerne e no nascimento do direito) e não a jusante, nos formalismos necessários para o exercício desse mesmo direito, não existindo assim qualquer dever de pronúncia sobre esta questão, por ser a sua apreciação totalmente irrelevante para a decisão da causa.
L. No facto assente D) verifica-se um mero lapso de escrita na Sentença ora recorrida, dado que, apesar das referências de publicação do ACT e o conteúdo transcrito ao longo da sentença (mormente, das cláusulas 142.ª e 142.ª-A) se encontrar correto por referência ao ACT entre o Recorrente e outros e o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos do Setor Bancário, é feita menção não ao Sindicato outorgante, mas ao Sindicato dos Bancários do Norte, que deverá ser corrigido, não decorrendo daí qualquer alteração ou questão de conteúdo quanto à decisão em crise, pois foi aplicado corretamente o devido ACT.
M. Os dois «factos» que a Recorrente pretende acrescentar à matéria de facto assente encerram conclusões de direito, integralmente no caso do primeiro e parcialmente no caso do segundo, sendo que a parte factual deste último não foi alegada e muito menos provada, pelo que não podem ser levados à matéria de facto assente.
N. O primeiro facto que a Recorrente pretende ver acrescentado à matéria de facto assente («à data do acidente de trabalho que vitimou o trabalhador DD, o falecido e a Autora viviam, há mais de dois anos, em união de facto»), constitui uma conclusão de direito, pois a «união de facto» corresponde a um conceito jurídico, que apenas é passível de conformar uma realidade, mediante a verificação de factos concretos. Embora se construa a partir de uma realidade material, não pode, contudo, confundir-se com a mesma, convolando-se ela própria num facto.
O. A Recorrida não reconhece ou aceita a existência de uma união de facto e a documentação junta aos autos pela Recorrente, bem como o reconhecimento de existência de uma situação de união de facto em sede de processo de acidente de trabalho (que segue procedimento diferente e se fundamenta em pressupostos distintos), em nada relevam para a decisão da causa ou para prova do «facto» que a Recorrente pretende que seja dado como provado.
P. O segundo facto que a Recorrente pretende que seja integrado na matéria de facto assente, não corresponde à comunicação constante do doc 9 junto pela mesma com a petição inicial.
Tal comunicação tem outro teor e comunica outros factos, que a Recorrente pretende agora subsumir num conceito jurídico (mais uma vez, a união de facto) que não pode ser levado à matéria de facto assente.
Q. A Recorrida não aceitou o facto em causa em qualquer momento, limitando-se a aceitar que foi feita a comunicação constante do referido documento 9, cujo teor não corresponde ao ora pretendido pela Recorrente.
R. Os factos que são levados à matéria de facto assente são os factos que relevam para a decisão da causa e para a decisão da causa releva saber se se encontram ou não cumpridos os requisitos previstos na Cláusula 142.ª-A do ACT. (saber se a situação de união de facto foi comunicada à instituição bancária nos prazos aí previstos).
S. Provando-se que tais requisitos não se encontram cumpridos, é irrelevante saber quais as comunicações levadas a cabo pela Recorrente após tais prazos expirarem, devendo, também nesta sede, ser julgada improcedente a pretensão da Recorrente.
T. No que respeita ao recurso referente à decisão sobre o mérito da causa e na resposta à questão de saber se a inobservância do prazo de 180 dias constante do n.º 3 (refere-se o n.º 2, nas alegações, por lapso ostensivo) da Cláusula 142.ª-A do ACT afasta, perentoriamente, o direito à atribuição de pensão de sobrevivência, a resposta afigura-se de extrema simplicidade, não se vislumbrando qual a razão de ser da sua colocação, pois, ao contrário do entendimento da Recorrente, não decorre da sentença recorrida que se entenda que após o decurso do prazo de 180 dias previsto no n.º 3 da Cláusula 142.ª-A do ACT seja afastado o direito à atribuição de pensão de sobrevivência.
U. Decorre da sentença (bem como do n.º 3 daquela cláusula) que, se a declaração prevista no n.º 1 da mesma Cláusula 142.ª-A do ACT não for apresentada dentro daquele prazo de 180 dias, a existência de uma união de facto não é considerada desde o eventual início da situação da união de facto, nos termos alegados pelos declarantes.
V. A Recorrente insiste em ignorar que para que um unido de facto tenha direito à dita pensão após o decurso daquele prazo de 180 dias, a situação de união de facto haveria que ter perdurado há mais de dois anos, contando-se este prazo a partir da data da entrega na instituição bancária da declaração a que se refere o n.º 1 da Cláusula 142.ª-A do ACT.
W. Se tal declaração for entregue após o decurso de 180 dias após a data de óbito de um dos unidos de facto, a verdade é que, tal período de dois anos nem sequer se inicia, sendo irrelevante a apresentação de uma tal declaração após o óbito.
X. A inobservância do prazo de 180 dias não preclude qualquer direito à atribuição de pensão de sobrevivência, preclude apenas a possibilidade de se fazer valer do período de existência de união de facto anterior à data de entrada em vigor da Cláusula 142.ª-A do ACT, para efeitos de contabilização do período mínimo de dois anos, durante os quais a situação de união tem de se ter verificado nos termos da alínea a) do n.º 3 da Cláusula 140.º do ACT.
Y. Na apreciação das formalidades previstas na Cláusula 142.ª-A do ACT (ad substatiam ou ad probationem), afigura-se totalmente irrelevante a questão de saber se o que consta do n.º 1 da Cláusula 142.ª-A do ACT, constitui uma presunção de jure tantum ou de jure et de jure, pois, a considerar-se que o procedimento a seguir permite que opere uma presunção meramente de jure tantum, tal qualificação operaria em desfavor da própria Recorrente.
Z. Para que uma presunção (de jure tantum, segundo alega a Recorrente) seja ilidível, a mesma teria de, primeiro que tudo, ser acionada, ou seja, em primeiro lugar, sempre teria que se verificar uma comunicação, a qual a Recorrente reconheceu não ter efetuado em conjunto com DD (antes ou depois do referido prazo de 180 dias) e, assim, cumprir os requisitos previstos no n.º 1 ou mesmo no n.º 3 da Cláusula 142.ª- A do ACT.
AA. Operando tal presunção, a ilisão desta presunção competiria não à Recorrente mas, necessariamente, à instituição bancária, ou seja à Recorrida, no sentido de demonstrar que não obstante o cumprimento de tais requisitos, não existia efetivamente uma situação de união de facto (há mais de dois anos), pelo que a apreciação da natureza das presunções constantes da Cláusula 142.ª-A do ACT carece de qualquer consequência e, portanto, de relevância.
BB. A apreciação da natureza das formalidades em causa (ad substatiam ou ad probationem) na Cláusula 142.ª-A do ACT, ao contrário do alegado pela Recorrente, não se coloca relativamente à situação de união de facto, mas relativamente à formalidade em si, a saber, relativamente à própria declaração.
CC. A norma em causa (tanto no n.º 1, como no n.º 3 para o reconhecimento de existência de união de facto) exige que seja entregue declaração sob compromisso de honra dos dois unidos de facto, acompanhada de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles, não se inferindo de qualquer ponto daquele normativo (muito menos claramente) que a exigência de tal declaração apenas se destina à prova de que tal declaração for feita.
DD. A apresentação de tal declaração constitui assim uma formalidade ad substatiam que não pode ser substituída por qualquer via.
EE. Mesmo que tal documento se destinasse a mera prova de que a declaração foi produzida, a verdade é que a Recorrente confessou (mediante confissão aceite pela Recorrente) que não havia procedido a tal comunicação. Não produzindo assim prova de que tal formalidade foi cumprida e, inclusivamente, reconhecendo que não a cumpriu.
FF. Encontra-se integralmente afastada a possibilidade de o unido de facto se socorrer do previsto no n.º 4 do art. 2.º-A da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, no caso concreto, pois não existe qualquer lacuna na norma quanto à prova a apresentar em caso de morte de um dos membros da união de facto.
GG. Ao contrário do alegado pela Recorrente, esta pretende e exige, por via da alegação de pretensa lacuna (que não se aceita), a aplicação do regime geral da segurança social em detrimento de um regime especial de proteção social aplicável.
HH. Até se poderia contemplar a possibilidade de existência de uma lacuna, caso se verificasse que a morte havia ocorrido antes de expirado o prazo de 180 dias previsto no n.º 3 da Cláusula 142.ª-A do ACT. Mas não foi isso que sucedeu, pois tal prazo terminou no dia 27.08.2012, antes da morte de DD, a qual apenas ocorreu em 30.08.2012.
II. Mesmo aceitando-se que a declaração nos termos do n.º 4 do art. 2.º-A da Lei n.º 7/2001, de 11 de maio, seria possível, tal não pode, de forma alguma, permitir à Recorrente substituir uma declaração que deveria ter sido apresentada dentro daquele prazo e assim, inclusivamente, permitir-lhe o reconhecimento de todo o período de duração da união de facto (o qual, aliás, nunca se aceitou).
JJ. Tal equivaleria a uma violação do princípio igualdade completamente inaceitável, permitindo àqueles cujo unido de facto faleceu após aquele prazo, fazer-se valer de um alegado período de duração de união de facto; quando para os demais trabalhadores bancários que tivessem optado por não cumprir aquele prazo e relativamente aos quais não se verificou qualquer óbito, tal período nunca seria reconhecível devendo cumprir o período de carência previsto no n.º 2 da Cláusula 142.ª-A do ACT.
KK. Não existe qualquer erro interpretativo da cláusula 142.ª-A, pois a mesma é autónoma e não padece de qualquer lacuna, pelo que não se verifica qualquer necessidade de recorrer a caso paralelo.
LL. O sistema previdencial bancário é autónomo, devendo o mesmo ser integralmente acolhido e não fazendo qualquer sentido complementá-lo onde ele, eventualmente seja mais desfavorável, seguindo neste sentido a jurisprudência, nomeadamente, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.12.2010, onde a propósito da não atribuição de pensão de sobrevivência a cônjuge casado há menos de um ano (situação que permite um paralelo direto com a situação dos autos), se decidiu, pelos motivos invocados, que deveria ser aplicada a cláusula correspondente do ACT, mesmo que a demandante preencha os requisitos previstos no regime geral.
MM. A Recorrida (cfr. artigos 10º e 11º e Doc. N.º 8 da p.i.) recebe uma pensão anual e vitalícia na sequência do acidente de trabalho sofrido por DD, a qual não pode ser acumulada ao recebimento da pensão de sobrevivência que se reclama, nos termos do n.º 2 do artigo 17º do Regime de Reparação de Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (cfr. Lei n.º 98/2009 de 04.09) onde se estabelece a impossibilidade de cumulação de indemnizações / prestações quando o fundamento de pagamento das mesmas decorra do mesmo evento.
NN. A pensão por morte atribuída no âmbito do processo de acidente de trabalho é superior à pensão de sobrevivência reclamada nos presentes autos e, face à impossibilidade de cumulação e ao facto de a pensão de sobrevivência ser inferior à pensão por morte, a Recorrida teria em qualquer caso de se considerar desonerada do pagamento de qualquer quantia, por não haver qualquer diferencial a liquidar.
OO. A perda definitiva do direito global a todas as prestações de pensão de sobrevivência, por inobservância de formalismo não ofende o princípio da proporcionalidade conjugado com o disposto no n.º 3 do art. 63.º da CRP.
PP. A Recorrente, nesta sede, mais uma vez confunde conceitos e pressupostos de existência de direito, com mecanismos para fazer operar direitos já existentes o que não se pode, de modo algum aceitar.
QQ. É totalmente desadequado, o paralelo levado a cabo pela Recorrente entre a situação dos autos e o direito à perceção de subsídio de desemprego, relativamente ao qual o atraso na apresentação do requerimento para o exercício desse direito determina a perda das prestações de subsídio de desemprego até essa data e não da integralidade do mesmo subsídio.
RR. No caso dos autos, totalmente distinto, não existe qualquer direito, pois os pressupostos para a existência do mesmo foram preenchidos e, portanto, nem haverá que avaliar se o direito ao mesmo pode começar a ser exercido mais tarde ou não, não se colocando nesta sede qualquer questão de constitucionalidade.
NESTES TERMOS e nos demais de Direito, Deve ser julgado totalmente improcedente o recurso interposto pela Recorrente, assim se fazendo Justiça!».

O recurso foi admitido na 1.ª instância, como de apelação, com subida imediata, nos autos, e efeito meramente devolutivo.
A exma. julgadora a quo pronunciou-se sobre a arguida nulidade, a negar a mesma, «(…) uma vez que a sentença refere claramente que se a própria A. reconhece o não cumprimento da formalidade que consistia na comunicação da união de facto, não se pode presumir a existência da mesma, justificando a razão de tal entendimento».

Remetidos os autos a este tribunal, e aqui recebidos, neles a Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, nos termos do artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, no qual concluiu nos seguintes termos: «Entende-se, assim, relativamente ao caso sub judice que, por um lado, deveria ser considerada a situação de união de facto, há mais de dois anos, entre a ora recorrente e o falecido DD.
No então, entende-se, salvo melhor entendimento, não haver lugar à aplicação do referido ACT uma vez que a morte daquele proveio de acidente de trabalho, cuja pensão já foi fixada».
Ao referido parecer respondeu a recorrente, a refirmar que ao caso é aplicável o ACT do sector bancário em referência.

Com a anuência dos Exmos. juízes desembargadores adjuntos foram dispensados os vistos.
Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II. Objecto do recurso
Sabido que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho, aplicável ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso colocam-se à apreciação deste tribunal as seguintes questões:
1. saber se a sentença é nula, por omissão de pronúncia;
2. saber se existe fundamento para alterar a matéria de facto;
3. saber se a recorrente tem direito à pensão de sobrevivência, o que envolve as sub-questões de saber se (i) a aqui recorrente vivia em união de facto com DD e, em caso afirmativo, desde quando, (ii) se se mostram reunidos os pressupostos para a atribuição da pensão, designadamente quanto à comunicação da união de facto à aqui recorrida, (iii) e se a atribuição à recorrente de uma pensão anual e vitalícia por morte de Carlos Henriques a impede de receber a pensão peticionada nos autos por aquela ser de valor superior a esta.

III. Factos
A 1.ª instância deu como provada a seguinte factualidade:
A) DD faleceu em 30 de Agosto de 2012;
B) A Autora e o falecido DD apresentavam o estado civil de divorciados;
C) DD foi trabalhador bancário desde 15 de Julho de 1980, tendo sido admitido a 08 de Janeiro de 1991 no Banco…, instituição que, em 2004, foi objecto de fusão/incorporação na Companhia de … e, juntamente com o Banco…, veio a dar origem ao Banco CC;
D) Entre o R. e outros e o Sindicato dos Bancários do Norte e Outros foi celebrado ACT publicado originalmente no BTE N.º 48, 29.12.2001, e igualmente no BTE, N.º 4 de 29/01/2005, BTE n.º 33, de 08/09/2006, BTE n.º 3 de 22/01/2009, BTE Nº. 20, de 29 de Maio de 2011 e BTE Nº. 8, de 29.02.2012);
E) O falecido DD era filiado no Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários;
F) DD veio a falecer no dia 30 de Agosto de 2012, vítima de um acidente de trabalho, enquanto trabalhava por conta do R., sendo a A. beneficiária de pensão na sequência do mesmo, por acordo homologado;
G) A Autora e o falecido DD não entregaram no R. declaração sob compromisso de honra da existência da união de facto dos dois unidos, acompanhada de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles.

IV. Fundamentação
1. Da (arguida) nulidade da sentença
Como já se deixou referido, a recorrente arguiu a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.
Para tanto sustentou que «uma das duas questões a resolver, de acordo com a douta sentença, consistia em apurar se “a A. vivia em união de facto com DD e desde quando”, questão e, acrescentaríamos, facto essencial, sobre a qual a sentença é absolutamente omissa.
E mesmo que, porventura, se pudesse entender que a mesma se encontra prejudicada por força da solução dada à segunda questão enunciada pela Meritíssima Juíza, sempre se dirá que, não se encontrando esclarecido se as formalidades constantes da cláusula 142.ª-A do Acordo Coletivo de Trabalho do Sector Bancário são ad substantiam ou ad probationem ou quais as consequências resultantes da inobservância do prazo de 180 dias, previsto na mesma cláusula, e tendo a Autora suscitado a eventual inconstitucionalidade perante a preclusão definitiva do direito global de todas as prestações por morte, sempre seria exigível a apreciação, e decisão, desse facto relevante e das suas inerentes consequências».
Vejamos.

É pacífico que face ao disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, a sentença é nula, entre o mais, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, entendidas estas, tendo em conta o que dispõe o artigo 608.º, n.º 2, como pontos de facto ou de direito relevantes em face do pedido, causa de pedir e excepções deduzidas.
Como resulta do presente relatório, a Autora pediu na acção, no essencial, a condenação da Ré a pagar-lhe uma pensão de sobrevivência, uma vez que vivia em união de facto com DD, falecido em 30 de Agosto de 2012.
E na sentença recorrida identificaram-se como questões a decidir (i) apurar se a Autora vivia em união de facto com DD, em caso afirmativo, desde quando, e (ii) se foram cumpridas pelos unidos de facto as formalidades exigidas para comunicação à Ré/recorrida tal união de facto.
Está em causa, quanto à arguida nulidade, a questão equacionada na 1.ª instância em 1.º lugar.
Relacionado com a mesma, escreveu-se na sentença recorrida:
«Até 2012 o IRCT aplicável [ACT outorgado entre a Ré e Outros e o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários] não previa a concessão de pensão de sobrevivência a unidos de facto, mas com a publicação no BTE n.º 8 de 29.02.2012 a atribuição da pensão de sobrevivência a pessoas que vivessem em união de facto passou a estar prevista, designadamente na cláusula 142ª do ACT do Sector Bancário.
Ora, dispõe a Cláusula 142.ª., nº. 3 do supra referido Acordo Colectivo de Trabalho que: “São beneficiários da pensão de sobrevivência, do subsídio de Natal e do 14.º mês: a) O cônjuge sobrevivo ou pessoa que, à data da morte do trabalhador, viva com ele em união de facto há mais de dois anos, não estando qualquer deles casado ou, estando algum deles casado, se tiver sido decretada a separação judicial de pessoas e bens;”
Dispõe a Cláusula 142.ª -A (introduzida em 2012 e publicada no BTE Nº. 8, de 29.02.2012), sob a epígrafe “União de facto”, que:
“1 — Para os efeitos da cláusula 142.ª, presume-se a existência da união de facto mediante a entrega à instituição de declaração sob compromisso de honra dos dois unidos, acompanhada de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles.
2 — O prazo de dois anos previsto no n.º 3, alínea a), da mesma cláusula é contado da data da entrega na instituição da declaração referida no número anterior.
3 — Relativamente às situações de união de facto existentes à data da publicação da presente cláusula no Boletim do Trabalho e Emprego, o prazo referido no número anterior será contado desde o início dessas situações se, nos 180 dias a contar da mesma data, for entregue a declaração nos termos previstos no n.º 1 da presente cláusula, contendo ainda a indicação da data do início da união de facto.
4 — Presume -se a subsistência da união de facto na data da morte do trabalhador mediante apresentação de certidão de cópia integral do registo de nascimento com o averbamento do seu óbito, de certidão de cópia integral do registo de nascimento do beneficiário, emitida após o mesmo óbito, e de documento comprovativo de que a última nota de liquidação fiscal relativa ao imposto sobre o rendimento foi enviada para o domicílio fiscal comum dos unidos de facto.
Conforme resulta inequívoco dos factos considerados assentes, manifestamente não se verificam os requisitos elencados na norma.
Efectivamente, quer a Autora, quer o falecido DD, à data do falecimento deste, eram ambos divorciados.
No entanto, a própria A. refere que não cumpriram o prazo de 180 dias para comunicação da união de facto, previsto no nº. 3 da cláusula 142º.-A do ACT do Sector Bancário por desconhecerem que tinha de cumprir tais formalidades.
A entrega à instituição de declaração sob compromisso de honra dos dois unidos, acompanhada de certidões de cópia integral de registo de nascimento de cada um deles faz presumir a existência de união de facto.
E é a partir da data desta entrega que é contado o prazo de dois anos previsto no nº. 3, alínea a) da cláusula 142º. do ACT.
Porém, para situações já existentes o prazo referido no número anterior será contado desde o início dessas situações se, nos 180 dias a contar da mesma data, for entregue a declaração nos termos previstos no n.º 1 da presente cláusula, contendo ainda a indicação da data do início da união de facto.
Se a própria A. reconhece o não cumprimento desta formalidade, não se pode presumir a existência da união de facto.
De 29.02.2012, data da publicação da alteração no BTE até à data do falecimento de DD (30 de Agosto de 2012), decorreu um período de 180 dias em que tal comunicação deveria, por ambos, ter sido feita.
Sendo a união de facto há mais de dois anos condição essencial para que a A. possa ser beneficiária da pensão de sobrevivência que reclama, não pode este pedido deixar de improceder».
Da referida transcrição extrai-se que a sentença recorrida concluiu que não se verificou a união de facto há mais de dois anos entre a Autora e DD, porquanto, em síntese, estes não terão comunicado o facto ao Banco Réu no prazo de 180 dias a contar da publicação da alteração ao ACT pelo BTE n.º 8, de 20-02-2012.
Assim, decidiu a questão que equacionou – não importa agora se correcta ou incorrectamente –, no sentido da não verificação da união de facto por mais de dois anos.
É quanto basta para concluir que não se verifica a arguida nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.
Improcedem, por consequência, nesta parte, as conclusões das alegações de recurso.

2. Da impugnação da matéria de facto
2.1. Nesta matéria a recorrente pretende, desde logo, que seja alterada a alínea D) da matéria de facto provada, no sentido de aí ficar a constar que um dos outorgantes do ACT foi o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários e não o Sindicato dos Bancários do Norte.
E, efectivamente, assim é: encontra-se aceite pelas partes e resulta do próprio ACT que um dos seus outorgantes é o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários e não o Sindicato dos Bancários do Norte, pelo que só por manifesto lapso se terá feito referência na alínea em causa a este Sindicato como subscritor do ACT.
Assim, a alínea D) da matéria de facto passará a ter a seguinte redacção:
«Entre a Ré e outros e o Sindicato Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários foi celebrado o ACT publicado no BTE n.º 48, de 29-12-2001, e alterações superiores, designadamente no BTE n.º 20, de 29 de Maio de 2011 e BTE n.º 8, de 29-02-2012».

2.2. Arrimando-se na prova documental, maxime nos doc. n.ºs 1, 8 e 15 juntos com a petição inicial, pretende também a recorrente que seja dado como provado que à data do acidente que vitimou DD, este e a Autora viviam, há mais de dois anos, em união de facto.
De acordo com a alínea a) do n.º 3 da cláusula 142.ª do ACT, na redacção introduzida pelo BTE n.º 8, de 29-02-2012, são beneficiários da pensão de sobrevivência o cônjuge sobrevivo ou pessoa que, à data da morte viva com ele em união de facto há mais de dois anos, não estando qualquer deles casado ou, estando algum deles casado, se tiver sido decretada a separação judicial de pessoas e bens.
E o que deve entender-se por união de facto?
Será, como parece extrair-se da sentença recorrida, de acordo com o que consta da cláusula 142.ª-A do mesmo ACT, designadamente de acordo com os prazos procedimentais ali previstos?
Não cremos que assim seja.
Expliquemos porquê.
A cláusula 142.ª do ACT determina os requisitos (substantivos) para que o unido de facto seja beneficiário da pensão de sobrevivência:
i. situação de união de facto com o falecido;
ii. duração da união por mais de dois anos à data do falecimento;
iii. não se encontrar o trabalhador falecido ou a pessoa que com ele vivia no estado civil de casado ou, estando alguns deles, ter sido declarada a separação judicial de pessoas e bens.
A referida cláusula não define o que deve entender-se por união de facto.
Todavia, é comummente sabido, e aceite, que a união de facto consiste na vivência de duas pessoas em comum em condições análogas às dos cônjuges, o mesmo é dizer duas pessoas viverem juntas, partilhando a mesma mesa, cama e habitação, de forma idêntica à dos cônjuges (vide, por todos, Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito de Família, Vol. I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 84).
A Lei n.º 7/2001, de 11 de Maio, adoptou medidas de protecção das pessoas que vivam em união de facto; e embora na sua redacção originária não definisse expressamente o que deve entender-se por “união de facto”, com a alteração introduzida pela Lei n.º 23/2010, de 30 de Agosto, expressamente consagrou no n.º 2 do artigo 1.º que «[a] união de facto é a situação jurídica de duas pessoas que, independentemente do sexo, vivam em condições análogas às dos cônjuges há mais de dois anos».
Mas independentemente da referida lei que adoptou medidas de protecção das uniões de facto, o certo é que, como se disse, a noção de união de facto consiste na vivência de duas pessoas em comum em condições análogas às dos cônjuges.
Questão diversa prende-se com a prova dessa união de facto, matéria sobre que versa a cláusula 142.ª-A do ACT em causa.
Com efeito, consta do n.º 1 da referida cláusula:
«Para os efeitos da cláusula 142.ª, presume-se a existência da união de facto mediante a entrega à instituição de declaração sob compromisso de honra dos dois unidos, acompanhada de certidões de cópia integral do registo de nascimento de cada um deles».
Ou seja, a união de facto prevista na cláusula 142.º presume-se (cfr. artigos 349.º e 350.º do CC) desde que haja uma declaração nesse sentido dos dois unidos, acompanhada de determinados documentos: nesta situação, beneficiando os unidos da presunção, recai sobre a outra parte ilidir a mesma.
E nos termos do n.º 2 da referida cláusula 142.ª-A, o prazo de dois anos de união de facto previsto na alínea a), do n.º 3 do artigo 142.º, para que o unido de facto possa ser beneficiário da pensão de sobrevivência conta-se da data da entrega da referida declaração.
Mas, realce-se, este n.º 2 terá que ser interpretado em articulação com o n.º 1: verifica-se a presunção da união de facto com a declaração dos dois unidos e com a entrega da documentação respectiva, contando-se a partir dessa declaração o prazo de dois anos; no entanto, estamos sempre no âmbito da prova da união de facto, mais concretamente da presunção da união de facto, pelo que nada impede que a parte possa provar por outra via que vivia em união de facto, independentemente da referida presunção.
E também o n.º 3 da mesma cláusula terá que ser interpretado em articulação com os n.ºs anteriores da mesma: assim, de acordo com o referido n.º 3, em relação às situações de união de facto que existiam à data da publicação do BTE (em 29-02-2012), verifica-se a presunção da união de facto prevista no n.º 1 com a entrega da declaração dos unidos e os documentos respectivos, contando-se o prazo de dois anos da união de facto para efeitos de benefício da pensão de sobrevivência desde o início dessa situação (de união de facto) se nos 180 dias a contar da data da publicação do BTE, os unidos entregarem, para além dos elementos referidos no n.º 1, também a indicação da data do início da união de facto.
Isto é, após a entrada em vigor do BTE para beneficiarem da presunção da existência de união de facto os unidos dispunham de um prazo de 180 dias para entregarem a declaração de que viviam em união de facto e documentos respectivos (n.º 1 da cláusula) e para que o prazo do início da união de facto se contasse desde o início dessa mesma união era necessário que na referida declaração mencionassem a data do início dessa união de facto.
Procurou-se acautelar por esta via situações de união de facto anteriores à publicação do BTE, tendo em conta que o regime estabelecido no mesmo é inovador quanto à atribuição da pensão de sobrevivência aos unidos de facto há mais de dois anos.
Mas, volta-se a sublinhar, na mencionada cláusula 142.ª-A estamos sempre no âmbito da prova da união de facto, mais concretamente, da presunção quanto a esta, pelo que ainda que a parte não entregue os elementos aludidos na cláusula e no prazo aí previsto nada impede que prove a união de facto por outra forma: deixa é de beneficiar da presunção de união de facto prevista na cláusula.
Aliás, significativo disso mesmo é que também no n.º 4 da mesma cláusula se estabelece a presunção da união de facto na data da morte do trabalhador desde que sejam apresentados determinados documentos.
Por isso, não podemos acompanhar a decisão recorrida quando inscreve nos requisitos (substantivos) da união de facto os meios de prova desta previstos na cláusula 142.ª-A: como se deixou analisado, enquanto esses requisitos constam da cláusula 142.º, os requisitos procedimentais a observar para que o interessado possa beneficiar da presunção de união de facto constam da cláusula 142.º-A: todavia, não observando o interessado estes últimos requisitos, o mesmo é dizer não entregando o interessado os elementos e no prazo previstos nesta cláusula, embora deixe de beneficiar da presunção de união de facto, não fica impedido de provar, por outra forma, que vivia em união de facto há mais de dois anos.
Ora, no caso em apreciação a Autora alegou na petição inicial os requisitos da união de facto previstos na cláusula 142.ª: assinale-se que ainda que se considere que a Autora alegou de forma conclusiva a situação de união de facto, sempre, ao abrigo do disposto no artigo 27.º, alínea b), do CPT, o tribunal a quo poderá convidar a parte a concretizar os factos.
Ainda relacionado com esta matéria, impõe que se diga que para prova dos factos alegados a Autora juntou alguns documentos, sem força probatória plena, bem como prova testemunhal, pelo que, salvo o devido respeito por diferente posição, não se afigura que este tribunal apenas com base na prova documental possa dar como provados os factos pretendidos pela recorrente e, assim, que os autos dispusessem (disponham) na fase do saneador dos elementos necessários que permitissem (permitam) a decisão de mérito.
Nesta sequência, somos a concluir que os autos não dispõem de elementos que permitam uma decisão de mérito, pelo que se impõe a revogação da sentença, com a subsequente tramitação do processo (cfr. artigo 61.º, n.º 2, a contrario, do CPT).
Face à conclusão alcançada, quedam prejudicadas as restantes questões equacionadas, designadamente quanto a não ser devida à Autora a pensão por ela peticionada por se encontrar a receber uma pensão anual e vitalícia por morte de DD de valor superior àquela, uma vez que tendo em conta as várias soluções plausíveis de direito o processo não contém nesta fase os elementos necessários a essa decisão (cfr. artigo 608.º, n.º 2, do CPC).

V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em revogar a sentença recorrida, ordenando, em consequência, o prosseguimento dos autos para apuramento dos factos controvertidos descritos.
Atento o disposto no artigo 527.º, n.º s 1 e 2, do Código de Processo Civil, as custas serão suportadas pela parte vencida a final.
*
Évora, 07 de Dezembro de 2016
João Luís Nunes (relator)
Alexandre Ferreira Baptista Coelho
Moisés Pereira da Silva