Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1519/18.2T8PTG.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
DIREITO À INDEMNIZAÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
DILAÇÃO DO PRAZO
CRIME
Data do Acordão: 11/21/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE
Sumário:
I - O prazo da prescrição conta-se a partir da data em que o autor teve conhecimento do seu direito à indemnização, nos termos art. 498º, n.º1 do Código Civil, isto é, a partir da data do conhecimento dos factos constitutivos do direito indemnizatório, independentemente da consciência da valoração jurídica que sobre eles impende e da extensão integral dos danos.
II - O lesado que pretender prevalecer-se do prazo mais longo terá que alegar e provar que o facto ilícito em questão, constitui, efetivamente, crime, isto é, que na realidade se mostram, em concreto, preenchidos todos os elementos essenciais do tipo legal de crime que fundamenta o exercício do direito à indemnização.
III - Ora, no caso concreto, o Autor não alegou, nem demonstrou, que os factos que fundamentam o direito à indemnização constitui um crime de dano, de modo a poder beneficiar do alargamento do prazo prescricional.
Decisão Texto Integral:
Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I- Relatório:
BB, residente em Rua da …, nº … A, 7430-… Monte da Pedra, Portalegre, intentou a presente ação declarativa comum condenatória, contra CC, residente na Rua da …, nº …, 7430-… Monte da Pedra, peticionando a sua condenação no pagamento da quantia de €20.999,47, acrescida de juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.
Alegou para o efeito, e em síntese, que se dedica à exploração agrícola de vários prédios rústicos sitos em Monte da Pedra, Crato e que o Réu, dono de uma propriedade próxima, tinha à sua guarda e responsabilidade cerca de 250 animais de raça bovina, os quais, por não se encontrarem devidamente contidos e deixados ao abandono, se deslocavam livremente, entrando nos terrenos explorados pelo Autor, derrubando vedações, pisando e comendo pastos, destruindo árvores e causando arrelias e inquietações, causando-lhe prejuízos que concretizou.
Regularmente citado, o Réu contestou, invocando a exceção de prescrição e impugnando a matéria factual alegada pelo Autor, rejeitando responsabilidade pelos danos peticionados.
O Autor respondeu à exceção invocada pugnando pela sua improcedência.
Saneado o processo e realizado o julgamento, foi proferida a competente sentença com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, e ao abrigo das disposições legais supra mencionadas, julgo a ação parcialmente procedente por provada, e, em consequência, decido condenar o Réu, no pagamento ao Autor da quantia de 17.249,47 € (dezassete mil duzentos e quarenta e nove euros e quarenta e sete cêntimos) a título de danos patrimoniais acrescida da quantia de 1.500,00 € (mil e quinhentos euros) a título de danos não patrimoniais, num total de 18.749,47 € (dezoito mil setecentos e quarenta e nove euros e quarenta e sete cêntimos), bem como no pagamento de juros vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento, absolvendo-o quanto ao demais peticionado.
Custas a cargo de ambas as partes, na proporção dos respetivos decaimentos”.
Desta sentença veio o Réu interpor o presente recurso, alegando e concluindo nos termos seguintes:
1. Vem o RECORRIDO, através da presente ação, intentada em 27 de Novembro de 2018, peticionar a condenação do ora RECORRENTE por diversos factos praticados por animais deste no período compreendido entre 2012 e 2016.

2. O RECORRENTE, em sede de contestação, alegou a prescrição da presente ação, nos termos do n.º 1 do artigo 498.º, bem como que a prescrição também já se verificava mesmo que se entendesse ser aplicável o n.º 3 do artigo 498.º do Código Civil, uma vez que a presente ação deu entrada em Juízo em 28 de Novembro de 2018.

3. O RECORRIDO invocou para efeitos de interrupção da contagem do prazo de prescrição, a existência do processo-crime que correu termos no Juízo Local Criminal de Portalegre sob o n.º 18/15.9GEPTG.

4. Foi junto pelo próprio RECORRIDO aos autos, em 25 de Janeiro de 2019, um despacho proferido em 15 de fevereiro de 2018 no processo-crime acima identificado.

5. No aludido despacho pode ler-se que o pedido de indemnização formulado pelo RECORRIDO foi recusado por ser legalmente inadmissível.

6. Uma vez que o RECORRIDO manifestou em sede de inquérito não pretender procedimento criminal contra o RECORRENTE, e por esse facto, não constarem da acusação os factos alegados no aludido pedido de indemnização.

7. Na douta sentença ora recorrida, afirmou o douto tribunal a quo, “Compulsados os autos, verifica-se que, conforme e bem se refere no despacho de acusação proferido em 17 de Outubro de 2017 (junto a fls. 107 e ss dos autos), os factos relativos ao ofendido BB, aqui Autor, são passíveis de integrar o crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º´do Código Penal, em abstrato com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
8. Não assiste qualquer razão ao douto Tribunal a quo, uma vez que como acima se transcreveu, o despacho junto pelo RECORRIDO em 25 de Janeiro de 2019 afirma precisamente o oposto.

9. E na douta sentença ora RECORRIDA, consta ainda, “Contudo, por razões de ordem processual, o Autor não viu as sucessivas queixas apresentadas contra o Réu incorporadas nos autos de inquérito nº 18/15.9T8PTG, não tendo tais factos sido objeto de despacho de acusação e, consequentemente, não tendo sido admitido o pedido de indemnização civil que, oportunamente dirigiu aqueles autos”.

10. As supostas queixas, não foram objeto de despacho de acusação, não por qualquer razão de ordem processual, mas sim porque o RECORRIDO não quis procedimento criminal contra o RECORRENTE.

11. E pela mesma razão nem sequer foram alvo de despacho de arquivamento, uma vez que os factos reportados ao aqui RECORRIDO nunca constaram do processo criminal uma vez que este abdicou do mesmo.

12. Consequentemente, o prazo prescricional não pode começar a correr com o despacho que põe termo ao inquérito, seja de arquivamento ou acusação, como alegado pelo RECORRIDO e acolhido na douta sentença ora recorrida.

13. A redação do número 1 do artigo 498.º do Código Civil é expressa ao estatuir que, “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso”.

14. É assim irrelevante que os prejuízos se tenham produzido ao longo do tempo, até porque, a própria lei processual civil prevê, sem necessidade de acordo da outra parte, a ampliação do pedido desde que o mesmo decorra do pedido originário.

15. É certo que o n.º 3 da referida norma legal dispõe que se o facto ilícito constituir crime para o qual seja estabelecido prazo mais longo, é este o aplicável, sendo o prazo de prescrição previsto para o crime de dano de cinco anos.

16. Tendo em conta que o próprio RECORRIDO alega que teve conhecimento do direito a ser indemnizado pelo ora RECORRENTE em meados de 2012, é manifesto que o prazo prescricional mais longo, há muito que tinha expirado à data da propositura da presente ação em 27 de Novembro de 2018.
17. Para que a parte possa aproveitar o prazo de prescrição mais longo, tem que alegar factos que consubstanciam a prática de um crime, o que manifestamente o RECORRIDO não fez.

18. O RECORRIDO não alegou factos a partir dos quais se possa extrair que estamos perante um crime continuado e não de vários crimes, mormente a unidade ou pluralidade de resoluções criminosas, e tão pouco alegam quaisquer factos integradores da verificação de crime de dano, que é um crime necessariamente doloso, nem sequer da consciência de ilicitude.

19. Os factos julgados como provados no processo-crime identificado nos autos em nada dizem respeito ao ora RECORRIDO.

20. Na Petição Inicial, o RECORRIDO nada demonstra, e nem sequer consta dos factos dados como provados na douta sentença ora recorrida, quanto ao elemento subjetivo, designadamente que o RECORRENTE sabia que a sua conduta causava prejuízos ao RECORRIDO e, ainda assim, não se inibiu de a alterar, agindo livre, voluntária e conscientemente.

21. Para se aferir do carácter doloso da atuação do ora RECORRENTE, havia que ser alegada e demonstrada a atuação livre, voluntária e consciente do RECORRENTE, que saberia ser a sua conduta proibida e punida pela lei penal, para que se pudesse aferir o carácter doloso da sua atuação.

22. A falta de alegação destes pressupostos e sua não demonstração, equivale à não verificação do elemento subjetivo do tipo legal do crime de dano, cuja prática foi imputada ao RECORRENTE na douta sentença ora recorrida.

23. Bem como inexiste na Petição Inicial uma completa referência quanto ao preenchimento, por parte do RECORRENTE, do elemento subjetivo do tipo legal de crime cuja prática lhe foi imputada, consequentemente, como acima se demonstrou, sendo a verificação do elemento subjetivo indispensável para que se afirme o cometimento do crime, então devia a douta sentença ora recorrida concluir que os factos imputados ao RECORRENTE, como descritos na petição inicial, são insuscetíveis de constituir a prática do crime de dano.

24. Era assim exigível ao RECORRIDO não só alegar os factos integrantes dos elementos objetivos do tipo legal imputado, mas era também necessária uma imputação subjetiva completa dos factos.

25. Por não terem sido alegados factos que constituem um crime de dano, porquanto apenas foram alegados os elementos objetivos do tipo penal, não pode ao RECORRIDO aproveitar o prazo de prescrição mais longo.
26. Em momento algum da petição inicial, onde é delimitado o pedido do RECORRIDO, é alegado que este foi vítima de qualquer crime, continuado ou não.

27. O prazo prescricional aplicável nos presentes autos é assim de três anos, e começou a correr em meados de 2012.

28. Termos em que, mal andou o douto tribunal a quo, ao ter julgado improcedente a exceção de prescrição deduzida pelo RECORRENTE.

29. O douto Tribunal “a quo” deu como provado, que o Autor ora RECORRIDO teve de cultivar pastagens em terrenos cedidos por terceiro para alimentar o próprio gado, produzindo uma média de 350 fardos de 23kg, por hectare, por ano, num total de cerca de 25 hectares, à razão de 2,50 € por fardo, durante cinco anos, reservando o RECORRIDO 60% dos fardos para si e 40% dos fardos ao proprietário dos terrenos.

30. Conforme consta da matéria dada como provada, nomeadamente no ponto 13, o RECORRENTE viu transitar em julgado a sentença que decretou a perda dos seus animais a favor do Estado em 25 de Setembro de 2015, deixando aí de ter a posse dos mesmos.

31. Sendo o início da data dos prejuízos, meados de 2012, não podia o douto Tribunal a quo dar como provado que aqueles factos ocorreram durante cinco anos.

32. Deu igualmente como provado o douto Tribunal a quo, que durante cinco anos o RECORRIDO teve de proceder á reparação de vedações e cercas destruídas por diversas ocasiões, despendo para o efeito um total de cerca de 1.749,47 € em material e vários dias de trabalho para o efeito, e que naquele mesmo período de cinco anos, assistiu diariamente à destruição das suas propriedades, o que lhe provocou angústias, ansiedades, tristeza e sentimentos de impotência por não ver a situação resolvida.

33. Tendo os alegados prejuízos ocorrido a partir de meados de 2012 e o RECORRENTE perdido a posse dos animais em 2015, é manifesto que o RECORRENTE nunca poderia ser responsabilizado pelo prazo de cinco anos.

34. Nos presentes autos o RECORRENTE foi condenado ao pagamento do montante de € 15.000 pelos 40% de fardos de palha que o RECORRIDO entregou ao proprietário do terreno em vez de os utilizar para a alimentação dos seus animais.

35. O que contraria o pedido formulado pelo RECORRIDO nos autos, que configurava um valor que o mesmo deixou de auferir pela venda, o que foi dado como não provado – ponto B dos factos não provados.

36. No requerimento apresentado pelo próprio RECORRIDO em 25 de janeiro de 2019, é junto o pedido de indemnização cível que o mesmo apresentou junto da Procuradoria do Tribunal Judicial da Comarca de Portalegre, no âmbito do processo-crime que correu termos sob o n.º 18/15.9GEPTG.
37. No ponto 6 daquele pedido de indemnização cível pode ler-se: “Com efeito, desde meados de 2012 até final do ano de 2016…”.

38. Na Petição Inicial que dá origem aos presentes autos, é limitado o período temporal dos alegados danos igualmente a meados de 2012 e até final de 2016 – vide artigo 13.º da Petição Inicial.

39. No pedido de indemnização cível formulado no processo-crime, e junto com o requerimento de 25 de janeiro de 2019, o RECORRIDO discrimina os factos e prejuízos sofridos e que coincidem com os factos e prejuízos discriminados no artigo 26º da Petição Inicial, com exceção deste pedido em particular.

40. Atentando ao pedido de indemnização cível, o RECORRIDO tinha sido forçado, por via dos supostos prejuízos sofridos, entre meados de 2012 até final de 2016, a comprar 500 fardos de palha por ano no valor de € 7.500,00 para alimentar os seus animais – Vide artigos 10.º e 18º do pedido de indemnização cível junto aos autos em 25 de Janeiro de 2019.

41. O que alega agora nos presentes autos o RECORRIDO é que deixou de vender fardos de palha.

42. E o que o douto Tribunal a quo decidiu é que o RECORRIDO deixou de utilizar os fardos de palha.

43. Foi dado como não provado que o RECORRIDO iria vender qualquer produção de palha.

44. Não se vislumbra assim que aquele tenha tido qualquer prejuízo e muito menos qualquer dano patrimonial.

45. O pedido de indemnização cível, junto aos autos pelo próprio RECORRIDO, através do seu requerimento datado de 25 de janeiro de 2019, é completamente diferente do pedido por si agora formulado na Petição Inicial.

46. O douto Tribunal a quo, decidiu condenar o RECORRENTE, com base num testemunho, quando a Petição Inicial e o documento posteriormente junto pelo RECORRIDO alegavam uma coisa completamente diferente.

47. Existe um manifesto erro de julgamento por parte do douto Tribunal a quo, ao ter condenado o RECORRENTE no pagamento ao RECORRIDO do montante de € 15.000,00 a título de danos patrimoniais pela entrega de fardos de palha por parte do RECORRIDO a um terceiro.

48. O douto tribunal a quo, deu como não provado que o RECORRIDO (Vide facto A da matéria dada como não provada) tenha gasto cerca de € 2.250,00 em mão de obra para reparação das vedações, em 45 dias, à razão de € 50,00 dia.

49. Contudo, o douto Tribunal a quo decidido fixar uma indemnização por equidade, por este mesmo facto, ao abrigo do artigo 496.º do Código Civil, no montante de € 500,00.
50. O artigo 496.º do Código Civil, aplica-se apenas a danos não patrimoniais ou futuros, que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.

51. O que não é o caso.

52. Deve o RECORRENTE ser absolvido do montante de € 500,00 em que foi condenado a título de indemnização fixada equitativamente pelo Tribunal.

53. O douto Tribunal a quo condenou ainda o RECORRENTE no pagamento ao RECORRIDO do montante de € 1.749,47 a título de material e cercas.

54. As faturas juntas aos autos não demonstram que tais materiais foram aplicados em terrenos contíguos, ou em quaisquer outros terrenos, aos do RECORRENTE.

55. As faturas de maior valor apenas referem “artigo fora de especificação”, não tendo sido feita qualquer prova adicional em como tais artigos eram material para arranjo de cercas ou qualquer outro.

56. Cabia ao RECORRIDO demonstrar em que terrenos, em que dias e qual a extensão de cercas supostamente danificado, a fim de se poder aferir do nexo de causalidade quanto a este efeito, conforme dispõe o artigo 563.º do Código Civil.

57. Este ónus de provar cabia ao RECORRIDO ao abrigo do n.º 1 do artigo 5.º do Código do Processo Civil, o que não foi demonstrado.

58. Pelo que mal andou o douto Tribunal a quo ao ter condenado o RECORRENTE no pagamento do montante de € 1.749,47 ao RECORRIDO.

59. Condenou ainda o douto Tribunal a quo o RECORRENTE ao pagamento de uma indemnização ao RECORRIDO no montante de € 1.500,00 a título de danos não patrimoniais.

60. Fundamentou o douto Tribunal a quo esta sua decisão, segundo decorre da douta sentença ora recorrida, no depoimento da testemunha Dionísio Semedo Calado Lopes, que atestou, no entender do douto tribunal, a angústia e sofrimento de impotência do RECORRIDO.

61. Não concretiza o douto Tribunal a quo, em que consistiu a angústia e impotência do RECORRIDO e, em que se traduziu essa mesma angústia e impotência, o que aliás nem sequer foi alegado pelo RECORRIDO.

62. Conforme é referido no Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 25 de Janeiro de 2012 no âmbito do processo 4212/07.8TTLSB.

63. É unanimemente aceite pelos nossos tribunais, que só são indemnizáveis os danos que afetam profundamente os valores ou interesses da personalidade jurídica ou moral, o que resulta da redação do próprio artigo 496.º do Código Civil, que fala em danos que pela sua gravidade mereçam a tutela do direito.
64. Por não se terem alegado ou provado elementos concretos para aferir do relevo da angústia ou do sentimento de impotência do RECORRIDO, não se oferece motivo bastante para fundamentar uma condenação em indemnização por danos não patrimoniais ao abrigo do disposto no artigo 496.º do Código Civil.

65. Termos em que, se requer a V.Exas., Venerandos Desembargadores, que revoguem a douta sentença ora recorrida, substituindo-a por outra que absolva o RECORRENTE dos pedidos contra si formulados nos presentes autos.


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O Autor contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e manutenção do decidido.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil -, constata-se que as questões a decidir consistem em saber:
a) Se está prescrito o direito à indemnização peticionado pelo Autor.
b) Se devem ser mantidos os valores arbitrados a título de indemnização por danos morais e patrimoniais.
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III – Fundamentação fáctico-jurídica.
A) A matéria de facto fixada na 1.ª instância, que não vem impugnada, é a seguinte:
1 - O Autor dedica-se profissionalmente a atividades agrícolas e pecuárias, criando animais bovinos para venda;
2 - Para tanto, o Autor explora os seguintes prédios: Caminho do …, sito em Gáfete, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção I; Entrada de …, sito em Gáfete, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção J; Azinhaga de …, sito em Gáfete, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção J; Pedra da …, sito em Monte da Pedra, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob os artigos … e … da secção G; R…, sito em Monte da Pedra, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção G; Poço dos …, sito em Monte da Pedra, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção G; Vale …, sito em Monte da Pedra, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção G; Tapada …, sito em Monte da Pedra, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção G; Vale …, sito em Monte da Pedra, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob os artigos …, …, …, …, … e … da secção I; Vale …, sito em Monte da Pedra, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … e … da secção G; Penedo …, sito em Monte da Pedra, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … e … da secção G; Horta …, sito em Monte da Pedra, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção G; Chão …, sito em Monte da Pedra, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … da secção G, e F…, sito em Tolosa, inscrito na matriz predial rústica respetiva sob o artigo … e … da secção E;
3 - Desde 2012 que o Réu tinha, numa propriedade contígua às propriedades exploradas pelo Autor, cerca de 250 cabeças de gado bovino;
4 Os quais, por não se encontrarem contidos por vedações, saíam dos limites da exploração agropecuária do Réu, tanto para a estrada municipal como para os terrenos contíguos, deambulando livremente fora do terreno do Réu sem que este os controlasse;
5 - Os animais foram deixados pelo Réu num estado de completo abandono, à fome e à sede, em terrenos sem cercas, ou com cercas destruídas e deficientes, motivo pelo qual se deslocavam em busca de alimento, destruindo tudo na sua passagem;
6 - Mercê do supra exposto, os animais destruíram cercas e vedações do Autor, e comeram pastagens dos terrenos explorados pelo Autor, fazendo com que as pastagens do Autor fossem insuficientes para alimentar o próprio gado;
7 - Mercê do supra exposto, o Autor teve de cultivar pastagens em terrenos cedidos por terceiro para alimentar o próprio gado, produzindo uma média de 350 fardos de 23 Kg, por hectare, por ano, num total de cerca de 25 hectares, à razão de 2,50 € por fardo, durante cinco anos;
8 – Da produção total supra mencionada, o Autor reservava 60% dos fardos para si e entregava 40% dos fardos ao proprietário dos terrenos;

9 - Os animais destruíram ainda árvores, comendo rebentos e destruindo ramos, pelo que o Autor teve de comprar novas plantas, para substituição das antigas destruídas;

10 – Durante cerca de 5 anos, o Autor teve de proceder à reparação das vedações e cercas destruídas por diversas ocasiões, despendendo um total de cerca de 1.749,47 € em material e vários dias de trabalho para o efeito;

11 - Durante cerca de 5 anos, o Autor assistiu diariamente à destruição das suas propriedades, o que lhe provocou angústias, ansiedades, tristeza e sentimentos de impotência, por não ver a situação resolvida;

12 – O Réu foi condenado, por sentença proferida em 14 de julho de 2018, confirmada por Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Évora de 22 de fevereiro de 2019, no âmbito dos autos de processo comum singular nº 18/15.9GEPTG pela prática, em concurso efetivo, de um crime de atentado à segurança de transporte rodoviário, previsto e punido pelo artigo 290º, nº 1, al. d) do Código Penal e de dois crimes de dano, previstos e punidos pelo artigo 212º, nº 1 do Código Penal, na pena única de 18 meses de prisão, suspensos na sua execução por idêntico período na condição de proceder ao pagamento da quantia de 2.000,00 € ao demandante cível DD e na pena de 300 dias de multa, à taxa diária de 10,00 €;

13 – Por decisão proferida em 27 de Abril de 2015 e transitada em julgado em 25 de Setembro de 2015, os animais foram declarados perdidos a favor do Estado e recolhidos em Outubro de 2016.


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É de considerar ainda a seguinte factualidade, nos termos do art.º 607.º/4 aplicável ex vi art.º 663.º/2, ambos do CPC:
14 – No âmbito do processo referido em 12), em 6 de novembro de 2015, o Autor foi notificado por OPC, nos termos e para os efeitos do art.º 75.º/1 e 2 do C. P. Penal, para em 20 dias apresentar pedido de indemnização cível (doc. fls. 679 do processo eletrónico).
15 – Na sequência dessa notificação o Autor apresentou pedido de indemnização cível, pedindo a condenação do Réu, ali arguido, no pagamento da quantia total de €13.499,47, sendo €7. 500,00 relativos a 500 fardos de palha que teve de adquirir para sustentar os animais durante o período de cinco anos, € 1.749,47 despendidos com a reparação e substituição das cercas, € 2.250,00 pela mão-de-obra com essas reparações, e €2.000,00 em danos morais sofridos (doc. de fls. 429 a 434 do processo eletrónico).
16 – Por despacho proferido em 15 de fevereiro de 2018, no âmbito desse processo-crime, não foi admitido o referido pedido cível deduzido pelo Autor por não ter manifestado, em sede de inquérito, desejo de procedimento criminal contra o arguido (doc. de fls. 435 a 438 do processo eletrónico).
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B) O direito.
1. Da prescrição.
No essencial, o recorrente considera que quando a presente ação foi proposta, em 26 de novembro de 2018, já havia decorrido o prazo geral de prescrição de três anos, nos termos do art.º 498.º/1 do C. Civil, pois o recorrido alega que teve conhecimento do direito a ser indemnizado em meados de 2012, inexistindo prazo prescricional mais longo, e para poder beneficiar do prazo de prescrição mais longo tinha que alegar factos que consubstanciam a prática de um crime, o que manifestamente não o fez.
Sobre esta questão se pronunciou a 1.ª instância, na sentença recorrida, nos seguintes termos:
“Conferido contraditório, vem o Autor pugnar pela improcedência da exceção de prescrição invocada, alegando, em suma, que deve ser aplicável o prazo prescricional previsto pelo artigo 498º, nº 3 do Código Civil.
Cumpre apreciar.
Dispõe o artigo 498º, nº 1 do Código Civil que “O direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver corrido o despectivo prazo a contar do facto danoso.”
Nos termos do nº 3 do mesmo artigo “Se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.”
Ora, de acordo com o preceituado pelo artigo 118º, nº 1, al. c) do Código Penal, “O procedimento criminal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do crime tiverem decorrido… 5 anos, quando se tratar de crimes puníveis com pena de prisão cujo limite máximo for igual ou superior a um ano mas inferior a cinco anos…”.
Compulsados os autos, verifica-se que, conforme e bem se refere no despacho de acusação proferido em 17 de Outubro de 2017 (junto a fls. 107 e ss dos autos), os factos relativos ao ofendido BB, aqui Autor, são passíveis de integrar o crime de dano, previsto e punido pelo artigo 212º do Código Penal, em abstrato com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.
Contudo, por razões de ordem processual penal, o Autor não viu as sucessivas queixas apresentadas contra o Réu incorporadas nos autos de inquérito nº 18/15.9GEPTG, não tendo tais factos sido objeto de despacho de acusação e, consequentemente, não tendo sido admitido o pedido de indemnização civil que, oportunamente dirigiu àqueles autos.
Assim, dúvidas não subsistem a este tribunal que o prazo prescricional a considerar será o previsto pelo artigo 498º, nº 3 do Código Civil por os factos ilícitos objeto dos presentes autos consubstanciarem igualmente ilícito criminal, mormente, crime de dano, aplicando-se-lhe o prazo prescricional de 5 anos.
Ora, sendo o facto ilícito de verificação continuada no tempo, e tendo as vacas sido declaradas perdidas a favor do Estado por decisão proferida em 27 de Abril de 2015 e transitada em julgado em 25 de Setembro de 2015 e os animais recolhidos em Outubro de 2015, verifica-se que não se mostra ultrapassado o prazo prescricional de 5 anos, tendo o Autor interrompido o mesmo com a propositura dos autos em 27 de Novembro de 2018.
Razão pela qual e sem necessidade de ulteriores considerações, julgo a exceção de prescrição totalmente improcedente por não provada e, em consequência, determino o prosseguimento dos autos”.
A razão está do lado do recorrente.
Com efeito, de acordo com o preceituado no n.º 1, do artigo 498º, do Código Civil, o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do facto danoso.
Por seu turno, de acordo com o n.º 3, da mesma disposição, “Se o facto constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.”
Como todos os prazos de prescrição, este também se encontra sujeito a interrupção, nos termos do artº 323º do Código Civil.
Prevê o nº1 de tal normativo que a prescrição se interrompe com a citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o ato pertence e o Tribunal competente.
A interrupção inutiliza para a prescrição todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo, sem prejuízo do disposto nos nºs 1 e 3 do artº 326º. Ou seja, a prescrição está sujeita ao prazo de prescrição primitiva.
O prazo da prescrição conta-se a partir da data em que o autor teve conhecimento do seu direito à indemnização (nos termos do acima referido art. 498º, n.º1 do Código Civil), isto é, a partir da data do conhecimento dos pressupostos que indiciam a responsabilidade civil, ou seja, desde o conhecimento dos factos constitutivos do direito indemnizatório, independentemente da consciência da valoração jurídica que sobre eles impende e da extensão integral dos danos, ou, dito de outro modo, desde o conhecimento dos elementos de facto relevantes para a atribuição de responsabilidade a um terceiro [1].
Como se escreve no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 18.04.2002, acessível in www.dgsi.pt “O lesado tem conhecimento do direito que invoca – para o efeito do início da contagem do prazo de prescrição – quando se mostra detentor dos elementos que integram a responsabilidade civil, ou melhor «o início da contagem do prazo especial de 3 anos não está dependente do conhecimento jurídico, pelo lesado, do respetivo direito, antes supondo, apenas, que o lesado conheça os factos constitutivos desse direito, isto é, saiba que o ato foi praticado ou omitido por alguém – saiba ou não do seu carácter ilícito – e dessa prática ou omissão resultaram para si danos”.
E “sendo relevante o conhecimento do lesado concreto, significa isso que esse conhecimento não implica um conhecimento jurídico, bastando um conhecimento empírico dos factos constitutivos do direito, ou seja, é suficiente que o lesado saiba que foi praticado ato que lhe provocou danos, e que esteja em condições de formular um juízo subjetivo, pelo qual possa qualificar aquele ato como gerador de responsabilidade pelos danos que sofreu.
Assim, tal conhecimento do direito não terá de coincidir, nem exige, qualquer reconhecimento judicial de algum dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual dos entes públicos” (vide, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte, de 10.08.2010, acessível in www.dgsi.pt. e jurisprudência e doutrina ai citadas”).
Dispõe o n.º1 do art. 306º do Código Civil que, “O prazo da prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido (…)”.
Ora, no caso concreto, o Autor teve conhecimento da existência dos elementos/pressupostos que condicionam a responsabilidade civil como fonte da obrigação de indemnizar (facto ilícito, culpa, dano e relação de causalidade entre o facto e o dano), sabendo ter direito à indemnização pelos danos que sofreu durante o ano de 2012, data em que os animais foram deixados pelo Réu num estado de completo abandono, à fome e à sede, em terrenos sem cercas, ou com cercas destruídas e deficientes, motivo pelo qual se deslocavam em busca de alimento, destruindo tudo na sua passagem e destruíram cercas e vedações do Autor, comeram pastagens dos terrenos explorados pelo Autor, fazendo com que as pastagens do Autor fossem insuficientes para alimentar o próprio gado, independentemente da extensão dos danos.
Por isso, tendo em conta o disposto no art.º 498.º/1 do C. Civil, o prazo geral de três anos há muito que havia decorrido à data da propositura da presente ação em 26 de novembro de 2018.
É certo que no processo-crime n.º 18/15.9GEPTG, por factos idênticos, o Réu foi condenado pela prática, em concurso efetivo, de um crime de atentado à segurança de transporte rodoviário, previsto e punido pelo artigo 290º, nº 1, al. d) do Código Penal e de dois crimes de dano, previstos e punidos pelo artigo 212º, nº 1 do Código Penal, na pena única de 18 meses de prisão, suspensos na sua execução por idêntico período na condição de proceder ao pagamento da quantia de 2.000,00 € ao demandante cível Vítor Calhaço.

E no âmbito desse processo o ora Autor, em 6 de novembro de 2015 foi notificado por OPC, nos termos e para os efeitos do art.º 75.º/1 e 2 do C. P. Penal, para em 20 dias apresentar pedido de indemnização cível, o que veio a fazer, pedindo a condenação do Réu, ali arguido, no pagamento da quantia total de €13.499,47, pelos prejuízos sofridos com a sua conduta, pedido que não foi admitido, por despacho proferido em 15 de fevereiro de 2018, por não ter manifestado, em sede de inquérito, desejo de procedimento criminal contra o arguido.
Como se escreveu no Acórdão do STJ de 13/10/2009, proc. 04B3724, in www.dgsi.pt, “Aceita-se, assim, que a interrupção cesse com o desfecho do procedimento criminal. Deve, assim, reconhecer-se ao lesado a possibilidade de deduzir o seu pedido de indemnização civil no âmbito do processo penal, traduzindo este entendimento o respeito efetivo do princípio da adesão já referido que está contemplado no artigo 71.º do C.P.P e esse respeito, como vimos, impõe que ao lesado seja dada efetiva possibilidade de opção. Esta passa pela dedução de pedido de indemnização cível no seio da ação penal, pedido que pode ser efetuado, consoante haja sido ou não manifestado pelo interessado o propósito de pedir indemnização, nos momentos assinalados no artigo 77.º do C.P.P. Sem dúvida que este momento é relevante, pois seguramente a interrupção do prazo prescricional não deveria, desde logo por esta razão, considerar-se cessada, pendente inquérito, em momento anterior; se assim fosse, então, prosseguindo a ação penal, retirava-se ao lesado a possibilidade de utilização do amplo regime probatório que a lei processual faculta. Logo daqui resulta que o termo da interrupção da prescrição não se deve ter por verificado sem que ao lesado seja facultado deduzir o pedido cível na ação penal (…).”
Ora, como foi entendido no Acórdão desta Relação de 27/06/2019, proferido no Proc. n° 2383/18.7T8STR.E1 [2], “Como tem vindo a ser decidido de forma consensual pela jurisprudência e doutrina o alongamento do prazo prescricional não depende do exercício do direito de queixa, nem a amnistia do crime, o perdão, o arquivamento do processo - crime, etc., se reflete negativamente na sua verificação (são inúmeros os acórdãos sobre esta questão, pelo que, exemplificativamente, apenas referenciamos os acórdãos do STJ, de 20.02.2001, proc. 00A3621 e de 12.11.2009, proc. 258/04.6TBMRA.E1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt.).
E quanto ao alargamento do prazo de prescrição a que alude o n.º3 do art.º 498.º do C. Civil, escreveu-se no Acórdão do STJ de 23-10-2012 [3]:
«(…) a aplicação do alargamento do prazo prescricional a que se refere o n.º 3 do preceito em análise, não está dependente de, previamente, ter corrido processo-crime, e muito menos da existência de condenação penal, assim como não impede a ação cível, o facto de o processo-crime ter sido arquivado, ou amnistiado.
O lesado, apesar disso, pode sempre intentar a ação cível para além do prazo normal de 3 anos, desde que alegue e prove, na ação civil, que a conduta do lesante constitui, no caso concreto, determinado crime, cujo prazo de prescrição é superior aos 3 anos consignados no n.º 1 do preceito.
Tal alegação e prova é pressuposto essencial e necessário da improcedência da exceção de prescrição que o R. tenha suscitado, como no caso suscitou» [4].
Como se escreveu, entre outros, nos acórdãos do STJ de 31/01/2007 e de 22/05/2013 [5]: «Segundo o nº1 do art. 498.º do C. Civil “ o direito de indemnização prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o lesado teve conhecimento do direito que lhe compete … .
Porém, se o facto ilícito constituir crime para o qual a lei estabeleça prescrição sujeita a prazo mais longo, é este o prazo aplicável.( cf. nº3 do art. 498 do C. Civil)
Desde que se admita a possibilidade de o facto para efeito de responsabilidade penal, ser apreciado em juízo para além dos três anos transcorridos sobre a data da sua verificação, nada justifica que análoga possibilidade se não ofereça à apreciação da responsabilidade civil ( cf. Antunes Varela in Das Obrigações em geral , 9ª ed. Pág. 651.
Tanto mais que segundo o próprio art. 73.º nº1 do CPP podem e devem ser demandados em sede de ação civil enxertada no processo-crime as pessoas civilmente responsáveis, sejam elas os agentes de crime ou não.
Significa que, no caso em apreço, o prazo de prescrição para a presente ação cível segue o prazo da prescrição do crime em conformidade com o nº3 do art. 498 do CC”.
Ora, o Autor não estava impedido de formular pedido cível em separado nos termos da alínea c) do n.º1 do art.º 72.º do C. P. Penal, razão pela qual não pode beneficiar da decisão proferida em 15 de fevereiro de 2018, que lhe indeferiu esse pedido cível, justamente porque não apresentou queixa contra o arguido.
Donde, inexiste fundamento legal para que a contagem do prazo de prescrição se iniciasse a partir da notificação desse despacho, porque o Autor podia e devia ter exercido o seu direito autonomamente dentro do prazo geral de três anos.
Acresce que, como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, 3ª edição revista e atualizada, p. 477., o lesado que pretender prevalecer-se do prazo mais longo terá que alegar e provar que o facto ilícito em questão, constitui, efetivamente, crime, isto é, que na realidade se mostram, em concreto, preenchidos todos os elementos essenciais do tipo legal de crime em referência.
Ora, no caso concreto, o Autor não alegou, nem demonstrou, que os factos que fundamentam o direito à indemnização constitui um crime de dano, de modo a poder beneficiar do alargamento do prazo prescricional.
Mas, ainda que beneficiasse do prazo prescricional de 5 anos, nos termos do n.º3 do art.º 498.º do C. Civil, a verdade é que o exercício do direito à indemnização se mostra prescrito, tendo em conta a data de propositura da presente ação e a data em que teve conhecimento de todos os pressupostos desse direito – 2012.
Resumindo, mostra-se prescrito o direito à peticionada indemnização, pelo que a sentença não pode ser mantida.
Procedente a exceção, fica prejudicado o conhecimento da segunda questão colocada – art.º 608.º/2 do CPC.
Procede, pois, a apelação.
Vencido no recurso e na ação, suportará o apelado as custas respetivas – art.ºs 527.º/1 e 2 do C. P. Civil.
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IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
1. O prazo da prescrição conta-se a partir da data em que o autor teve conhecimento do seu direito à indemnização, nos termos art. 498º, n.º1 do Código Civil, isto é, a partir da data do conhecimento dos factos constitutivos do direito indemnizatório, independentemente da consciência da valoração jurídica que sobre eles impende e da extensão integral dos danos.
2. O lesado que pretender prevalecer-se do prazo mais longo terá que alegar e provar que o facto ilícito em questão, constitui, efetivamente, crime, isto é, que na realidade se mostram, em concreto, preenchidos todos os elementos essenciais do tipo legal de crime que fundamenta o exercício do direito à indemnização.
3. Ora, no caso concreto, o Autor não alegou, nem demonstrou, que os factos que fundamentam o direito à indemnização constitui um crime de dano, de modo a poder beneficiar do alargamento do prazo prescricional.

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V. Decisão.
Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar procedente a apelação e revogar a sentença recorrida, julgando a ação improcedente e absolvendo o Réu do pedido.
Custas da apelação e na 1.ª instância pelo apelado.

Évora, 2019/11/21
Tomé Ramião
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro

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[1] Neste sentido, Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, p. 625-626; Almeida e Costa, Direito das Obrigações, pp. 515 e 610; e Acórdãos do STJ de 18/04/2002 (Araújo de Barros); de 22/09/2009 (Alves Velho); e de 23/06/2016 (Abrantes Geraldes); e Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 8/2/2018 (Purificação Carvalho), entre outros, disponíveis em www.dgsi.pt.
[2] Relatado por Manuel Bargado, em que o ora relator interveio como 2.º adjunto.
[3] Proc. 198/06.4TBFAL.E1.S1, in www.dgsi.pt.
[4] É esta a orientação doutrinária e jurisprudencial que julgamos unanime - cf., por todos, o Acórdão do STJ de 02.12.2004. proc. 04B3724, in www.dgsi.pt.
[5] Processos 06A4620 e 2024/05.2TBAGD.CL.C1, respetivamente.