Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
878/16.6T8FAR.E1
Relator: TOMÉ DE CARVALHO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
DANO MORTE
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Em caso de morte provocada em acidente de viação, para além do dano resultante da morte da vítima, é de relevar, para efeitos de indemnização ao cônjuge sobrevivo, a perda do contributo para as lides domésticas que, em vida, o cônjuge proporcionava ao agregado familiar.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo nº 878/16.6T8FAR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central de Competência Cível – J3
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
Na presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, proposta por Oksana (…) contra “Seguradoras (…), SA” (anteriormente “…– Companhia de Seguros, SA”), a Ré não se conformou com a sentença proferida nos autos e interpôs recurso dessa decisão.
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A Autora pediu a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 325.600,00 € (trezentos e vinte e cinco mil e seiscentos euros), a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência de acidente de viação.
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Em benefício da sua posição, alegou, em síntese, que ocorreu um acidente de viação do qual resultou a morte do marido, que lhe provocou danos de natureza patrimonial e não patrimonial e cuja verificação imputa a culpa da outra condutora interveniente no mesmo. A responsabilidade civil por danos causados a terceiros encontrava-se transferida para a Ré.
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No articulado de contestação, a Ré impugnou a generalidade dos factos alegados na petição inicial relacionados com o embate ocorrido e os danos sofridos.
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Foi deduzido incidente de intervenção acessória provocada da condutora do veículo seguro. Admitido o referido incidente, a interveniente impugnou a versão apresentada pela Ré quanto à dinâmica do acidente.
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Foi citada a instituição de segurança social da qual era beneficiário o falecido, a qual não apresentou qualquer articulado.
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Foi dispensada a realização da audiência prévia, proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, sem que tenha sido apresentada reclamação.
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Realizada a audiência final, o Tribunal «a quo» decidiu condenar a Ré “Seguradoras (…), SA” a pagar à Autora Oksana (…) a quantia de € 47.500,00 (quarenta e sete mil e quinhentos euros), a título de danos patrimoniais e de € 67.500,00 (sessenta e sete mil e quinhentos euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa de juros legal de 4%, ou outra que lhe sobrevier, contados desde a data da prolação da sentença até integral pagamento, absolvendo a Ré do demais peticionado.
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A recorrente não se conformou com a referida decisão e apresentou alegações com as seguintes conclusões:
a) Da análise conjugada dos factos dados como provados nºs 15, 17, 19 verifica-se uma evidente contradição, à qual se aludiu nos pontos 1 a 5 das alegações, padecendo tais factos, nessa medida, de um erro de julgamento.
b) O facto dado como provado nº 17 deverá ser entendido, lido e interpretado, de acordo com a seguinte redacção: "No pavimento foi deixado pelo veículo ligeiro um rasto de travagem de 86,80m, desde o local do embate, até à imobilização de tal veículo", devendo ser proferida decisão nesse sentido, de acordo com o alegado no ponto 7 das alegações.
c) Igualmente, deverá ser proferida decisão que exclua o facto dado como provado sob o nº 19 do elenco de factos provados aposto na Sentença Recorrida, em consonância com o invocado no ponto 9 das alegações.
d) Quanto ao facto dado como não provado sob a al. c) da Sentença Recorrida, na esteira do mencionado nos pontos 12 a 14, subsiste uma contradição entre o mesmo e a Fundamentação de Facto, pelo que, em harmonia com o disposto no artigo 615º, nº 1, al. c), in principio, do CPC deverá ser declarada a nulidade da sentença, no que respeita à decisão que deu como não provado o facto constante da al. c) da matéria factual, com todas as consequências legais.
e) Das declarações de parte de (…) e do depoimento da testemunha (…) resulta uma versão dos factos que permite concluir que o Tribunal a quo não deveria ter dado como não provado o facto plasmado na al. c) dos factos dados como não provados, mas sim como provado, devendo ser proferida decisão nesse sentido, aditando-o ao elenco dos factos provados.
f) Relativamente ao facto dado como não provado sob a alínea e), verifica-se uma contradição entre a decisão sobre o facto em crise e a Fundamentação da Decisão, na parte concernente com a matéria de Direito, a qual, nos termos do artigo 615º, nº 1, al. c), in principio, do CPC é cominada com a nulidade da sentença, no que respeita à decisão que deu como não provado o facto constante da al. e) da matéria factual, a qual deverá ser declarada, com todas as consequências legais.
g) Ainda quanto a este facto, da conjugação das declarações de parte da Interveniente (…), com o depoimento prestado pela testemunha (…), resulta também que o condutor do velocípede terá guinado para a esquerda aquando a execução da manobra de ultrapassagem pela condutora do veículo seguro, devendo ser proferida decisão que dê o facto constante da al. e) dos factos não provados como provado, aditando-o ao elenco de factualidade provada.
h) No que respeita ao facto dado como não provado sob a al. f) verifica-se, novamente, uma contradição entre a decisão sobre a matéria de facto e a fundamentação utilizada pelo Tribunal a quo em ordem a decidir da mesma, razão pela qual, aplicando o artigo 615º, nº 1, al. c), in principio, do CPC deverá ser declarada a nulidade da sentença no que respeita à decisão que deu como não provado o facto constante da al. f) da matéria factual, com todas as consequências legais.
i) Sem prescindir, também quanto a este ponto, entendemos que terá de ser proferida decisão que dê o facto vertido na al. f) da Sentença como provado, ao invés de não provado, aditando-o ao elenco dos factos provados. j) No atinente com a Matéria de Direito, sendo a situação dos autos enquadrável no âmbito da responsabilidade civil extracontratual, para que exista obrigação, por parte da Recorrente/Ré, de indemnizar a Recorrida/Autora, é necessária a verificação cumulativa dos cinco pressupostos estatuídos pelo artigo 483º, nº 1, do CC: i) facto voluntário do agente; ii) ilicitude; iii) culpa; iv) dano e v) nexo de causalidade entre o facto e o dano.
k) Para a verificação do primeiro desses pressupostos – facto voluntário do agente – seria necessário que a conduta da condutora do veículo seguro lhe pudesse ser imputada em virtude da sua vontade.
I) Do exposto nos pontos 47 a 58 (inclusive) das Alegações, resulta que não se encontra observado o primeiro pressuposto da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, atenta a inobservância, por parte da condutora do veículo seguro, de qualquer comportamento por si dominável e a si imputável, susceptível de causar o presente sinistro, sendo certo que foi o comportamento adoptado por Mykhailo (…) que constituiu a única e exclusiva causa subjacente à ocorrência do sinistro em apreço.
m) No que respeita ao pressuposto "culpa", são excepcionais os casos de responsabilidade sem culpa, nos quais só existe obrigação de indemnizar nos casos especificados na lei, conforme, aliás, estatui o art. 483º, nº 2, do CC configurando a responsabilidade civil pelo risco, na parte relativa aos acidentes causados por veículos uma dessas situações.
n) Devendo a culpa ser entendida, em sentido normativo, como a omissão da diligência que seria exigível ao agente de acordo com o padrão de conduta que a lei lhe impõe, decorre do sufragado nos pontos 56 a 73 que tal diligência não foi omitida pela condutora do veículo seguro.
o) Dos pontos 74 a 96 das Alegações, retira-se, em suma, que a culpa subjacente à ocorrência do sinistro é imputável, na proporção de 100%, ao condutor do velocípede.
p) Estando afastado o pressuposto da culpa da lesante e demonstrada a culpa integral do lesado, inexiste, para a Recorrente, qualquer obrigação de indemnizar a Recorrida, devendo ser a decisão recorrida ser substituída por outra que absolva a Recorrente do pedido.
q) Caso se entenda pela verificação de uma concorrência de culpas da lesante e do lesado (e correspondente responsabilidade) subjacente à ocorrência do sinistro, por mera cautela de patrocínio e salvo melhor opinião, não poderá ser fixada na proporção de 60% para o condutor do velocípede e 40% para a condutora do veículo seguro.
r) A entender-se pela existência de uma concorrência de culpas na ocorrência do sinistro, considerando o dissertado nos pontos 98 a 101 das Alegações, sempre esta deverá ser fixada na proporção de 90% para o condutor do velocípede e de 10% para a condutora do veículo segurado e, nessa conformidade, ser a decisão recorrida substituída por uma outra que condene a Recorrente tendo presente a mencionada proporção e a absolva quanto ao demais.
s) Também para a eventualidade de se entender que a Recorrente terá alguma responsabilidade pela regularização do sinistro em apreço, sempre o quantum indemnizatório fixado na Sentença Recorrida relativamente à violação do direito à vida e danos morais daí decorrentes, nomeadamente o dano vida em si, o dano moral da própria vítima e os danos morais resultantes do sofrimento da Recorrida, afigura-se exacerbado.
t) Neste conspecto, cremos que o Tribunal a quo deveria ter aplicado a Portaria 377/2008, de 26/05, com as alterações constantes da Portaria 679/2009 de 25/06.
u) Da aplicação de tais Portarias e dos respectivos anexos, a que se aludiu nos pontos 104 a 117 das Alegações, verifica-se que o montante total máximo que a Recorrida teria direito a receber a título de indemnização por danos não patrimoniais, resultante do somatório dos montantes elencados nos pontos antecedentes, seria de € 73.872,00.
v) Uma vez que a Recorrente apenas responde pelo pagamento da indemnização fixada na proporção da responsabilidade fixada para o segurado deverá, neste cenário, o quantum indemnizatório ser determinado em consonância com a proporção da responsabilidade fixada para a condutora do veículo seguro na Recorrente, o que certamente será objecto de apreciação por este Tribunal ad quem.
w) Concluindo, atento o exposto, a Sentença Recorrida violou o disposto nos artigos 483º, 496º, 499º, 503º, 505º, 563º, 564º e 570º, todos do Código Civil.
Termos em que,
i) Atentos os fundamentos de facto e direito supra descritos, deve a sentença em crise ser declarada nula, nos termos do disposto no art. 615º, nº 1, alínea c), do CPC.
ii) Deve a sentença em crise ser revogada, substituindo-se por decisão que, relativamente ao facto dado como provado nº 17, lhe dê a redacção "No pavimento foi deixado pelo veículo ligeiro um rasto de travagem de 86,80m, desde o local do embate, até à imobilização de tal veículo", excluindo, igualmente, o facto dado como provado nº 19 da matéria factual dada como provada.
iii) Deve a sentença em crise ser revogada, substituindo-se por decisão que dê os factos elencados sob as alíneas c), e) e f) do elenco de factos não provados, como provados, aditando-os à factualidade dada como provada.
iv) Deve a decisão atinente à Matéria de Direito, na parte relativa à atribuição da culpa pela ocorrência do sinistro em apreço ser revogada e substituída por uma outra que fixe a imputabilidade da responsabilidade pela ocorrência do sinistro na proporção de 100% ao condutor do velocípede, absolvendo integralmente a Recorrente/Ré do pedido.
v) Caso assim não se entenda, deve a decisão atinente à Matéria de Direito, na parte relativa à atribuição da culpa pela ocorrência do sinistro em apreço ser revogada e substituída por outra que fixe a imputabilidade da responsabilidade pela ocorrência do sinistro na proporção de 90% ao condutor do velocípede, absolvendo a Recorrente/Ré do pedido quanto ao demais.
vi) Na eventualidade de se entender que a Recorrente terá alguma responsabilidade pela regularização do sinistro em apreço, deverá a decisão recorrida, na parte concernente com o quantum indemnizatório, ser revogada e substituída por uma outra que atenda aos valores previstos na Portaria 377/2008 de 26/05 (devidamente conjugada com a Portaria 679/2009 de 25/06) para a indemnização por danos não patrimoniais peticionada pela Recorrida».
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Houve lugar a resposta da Autora que pugnou pela manutenção da decisão do Tribunal «a quo».
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Admitido o recurso e observados os vistos legais, cumpre decidir.
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II – Objecto do recurso:
É entendimento uniforme que é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (artigo 635º, nº 4 e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (artigo 608º, nº 2, ex vi do artigo 663º, nº 2, do NCPC).
Analisadas as alegações de recurso, o thema decidendum está circunscrito à apreciação de:
i) Nulidade por violação do disposto na al. c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
ii) Erro na avaliação da matéria de facto.
iii) Erro de julgamento na subsunção jurídica realizada, tendo em consideração os factos apurados, quanto ao preenchimento dos pressupostos da responsabilidade civil e à fixação da indemnização. *
III – Dos factos apurados:
3.1 – Matéria de facto provada
Discutida a causa e produzida a prova, com interesse para a decisão da causa, resultam provados os seguintes factos:
1 – No dia 12/08/2012, pelas 12H30M, Mykhailo (…) conduzia um velocípede sem motor pela EM 520, no Sítio da (…), em Santa Bárbara de Nexe, Faro, no sentido Santa Bárbara de Nexe/Patacão.
2 – No mesmo sentido de marcha circulava o veículo ligeiro de mercadorias, de marca Ford, modelo Fiesta, com a matrícula 03-44-(…), conduzido por (…).
3 – Aquela via caracteriza-se por ser uma faixa de rodagem com 6 metros de largura, composta por duas hemi-faixas de rodagem, uma em cada sentido de trânsito, com 3 metros de largura cada.
4 – No local e atento o sentido de marcha dos veículos, a via configura uma recta, com ligeira curva à direita, com boa visibilidade.
5 – Os veículos circulavam dentro da localidade de (…).
6 – Naquele dia e hora não chovia, nem exista neblina, não apresentando o pavimento da via qualquer irregularidade.
7 – O veículo ligeiro circulava a uma velocidade não concretamente apurada mas superior a 50 km/hora.
8 – O velocípede circulava à frente do veículo ligeiro e o condutor conduzia-o tanto para a esquerda como para a direita, ziguezagueando na hemi-faixa de rodagem em que seguia, com um saco de compras num dos lados do guiador.
9 – A determinada altura o condutor do velocípede encostou-se mais à direita, atento o seu sentido de marcha.
10 – A condutora do veículo ligeiro decidiu iniciar manobra de ultrapassagem, tomando a hemi-faixa de rodagem do lado esquerdo.
11 – O condutor do velocípede, ao chegar perto da caixa postal nº (…), virou para a esquerda para entrar num arruamento que dava acesso à sua residência.
12 – Ao aperceber-se que o condutor do velocípede efectuava manobra de mudança de direcção a condutora do veículo ligeiro accionou os travões procurando evitar o embate.
13 – Indo embater com a parte frontal direita do veículo ligeiro no velocípede conduzido por Mykhailo (…).
14 – O embate ocorreu na hemi-faixa de rodagem de sentido oposto ao qual circulavam o veículo ligeiro e o velocípede.
15 – A condutora do veículo ligeiro não reduziu a velocidade ao aproximar-se do velocípede.
16 – Não representando que ocorresse o embate.
17 – No pavimento foi deixado pelo veículo ligeiro um rasto de travagem de 86,80m (oitenta e seis metros e oitenta centímetros).
18 – Do local de embate até ao fim dos sinais de travagem o veículo ligeiro percorreu 44,10m (quarenta e quatro metros e dez centímetros), ali se imobilizando.
19 – Eliminado[1].
20 – O condutor do velocípede foi projectado cerca de 37 metros desde o local do embate até ao local onde ficou imobilizado.
21 – No local onde este ficou imobilizado ficou uma poça de sangue.
22 – Na sequência do embate o condutor do velocípede foi socorrido no local pelo INEM e após transportado para o Hospital de Faro.
23 – Onde lhe foi realizado exame toxicológico, apresentando uma taxa de álcool no sangue de 2,25 g/litro.
24 – Em consequência do embate o condutor do velocípede sofreu contusão e edema cerebral, resultantes de traumatismo craniano, e politraumatismo.
25 – Lesões que foram causa directa e necessária da sua morte.
26 – A qual foi declarada nesse dia, pelas 13h18m, no serviço de Urgência do Hospital de Faro.
27 – O condutor do velocípede, Mykhailo (…), nasceu em 15/10/1981.
28 – Chegou a Portugal com a Autora em Fevereiro de 2010.
29 – Com quem havia contraído casamento civil em 19/02/2006.
30 – Desde que chegou a Portugal sempre trabalhou.
31 – Trabalhou primeiro na construção civil e desde Agosto de 2011 trabalhava na agricultura na empresa "(…) – Frutas Unipessoal, Lda." na categoria de trabalhador agrícola indiferenciado.
32 – Era muito trabalhador e diligente, pessoa empenhada e não faltava ao trabalho.
33 – A remuneração base contratada era de € 485,00, podendo auferir, mensalmente, com horas extra de trabalho cerca de 600,00/700,00 €.
34 – A Autora, aquando do embate, encontrava-se na sua residência, no Sítio da (…), à espera do marido.
35 – Perante o som do embate deduziu que havia ocorrido uma colisão.
36 – E deslocou-se para a via, onde teve um enorme choque ao ver o corpo do marido caído e sem reacção.
37 – Após o marido ser transportado para o Hospital dirigiu-se para o local para saber o seu estado de saúde.
38 – Onde ao chegar lhe foi dito que o marido havia falecido.
39 – Ficando em estado de choque e inconsolável.
40 – Depois da realização da autópsia o corpo de Mikhaylo (…) foi levado para a Ucrânia.
41 – Onde após celebrada missa foi sepultado.
42 – A Autora trabalhava como empregada numa empresa de agricultura.
43 – Deixou de trabalhar e deslocou-se para a Ucrânia para acompanhar o corpo do marido.
44 – Isolou-se e apenas recebia visitas em casa.
45 – Sofreu alteração no humor, falta de interesse na vida, ficou abatida, desolada, com depressão e falta de prazer no dia-a-dia, distúrbios do sono, consternação, angústia e tristeza.
46 – O que levou a que não trabalhasse durante 4 meses.
47 – O falecido contribuía com quantia monetária não concretamente apurada para as despesas do agregado familiar.
48 – A Autora trabalha nas limpezas e aufere aproximadamente € 400,00 mensais.
49 – Na sequência do embate correu termos pelo 2º Juízo Criminal Local de Faro o processo nº …/12.TAFAR no qual, em 05/06/2015, foi proferida sentença, na qual foi condenada a interveniente (…) pela prática de um crime de homicídio negligente, na pena de 180 dias de multa, à razão diária de € 5,10, num total de € 918,00, conforme documento de fls. 211-238, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
50 – A responsabilidade civil emergente da circulação do veículo ligeiro encontrava-se transferida para a Ré através da apólice nº (…), conforme documento de fls. 119-122, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
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3.2 – Matéria de facto não provada[2]:
Não se provaram quaisquer outros factos, nomeadamente que:
a) O embate ocorreu no dia 12/02/2012.
b) A condutora do veículo ligeiro circulava a velocidade instantânea de 103 km/hora.
c) Eliminado[3].
d) A condutora previu a possibilidade de que poderia embater no ciclista.
e) O condutor do velocípede guinou de forma repentina quando o veículo ligeiro o ultrapassava.
f) Com o embate o falecido ficou de imediato inconsciente.
g) Sentiu a vida a apagar-se, o que lhe causou grande aflição e dor.
h) Tinha o curso técnico de mecânico da construção civil na Escola Técnica de Ivano-(…);
i) Era pedreiro de profissão e tinha uma carreira de pedreiro à sua frente.
j) A Autora durante meses tomou fármacos para poder dormir.
k) A Autora sem ansiolíticos ficava acordada e não conseguia dormir.
1) A Autora não foi capaz de remover os pertences do falecido de sua casa.
m) No dia 18/08/2010 o corpo foi transladado para Kiev e depois para Ivano-(…).
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IV – Fundamentação:
4.1 – Nulidade por ambiguidade, obscuridade ou ininteligibilidade:
O recorrente entende que a sentença em crise deve ser declarada nula, nos termos do disposto no artigo 615º, nº 1, alínea c), do Código de Processo Civil, por existir contradição entre a fundamentação da matéria de facto e o facto não provado identificado em c), bem como no apuramento do facto não provado a que corresponde a alínea e).
É nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou quando ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que a torne ininteligível (artigo 615º, nº 1, al. c), do Código de Processo Civil).
A este propósito, Alberto dos Reis refere «dois tipos de sentença viciada: a sentença injusta e a sentença nula. A primeira enferma de erro de julgamento; a segunda enferma de erro de actividade (erro de construção ou formação»[4].
Entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica: se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa de nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta: quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação, ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento e não perante oposição geradora de nulidade; mas já quando o raciocínio expresso na fundamentação aponta para determinada consequência jurídica e na conclusão é tirada outra consequência, ainda que esta seja a juridicamente correcta, a nulidade verifica-se. A oposição entre os fundamentos e a decisão tem o seu correspondente na contradição entre o pedido e a causa de pedir, geradora de ineptidão da petição inicial[5].
Na concepção de Antunes Varela «não se inclui entre as nulidades da sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro de construção do silogismo judiciário»[6].
Está sedimentada na doutrina e na jurisprudência a ideia de que esta nulidade se verifica quando existe um vício real no raciocínio do julgador, na medida em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue direcção distinta.
A nossa lei impõe que o silogismo da decisão se ache correctamente estruturado por forma a que a conclusão extraída corresponda às premissas de que ele emerge e a desconformidade não está no conteúdo destas mas no processo lógico desenvolvido. E essa oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta, pois quando, embora mal, o juiz entende que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, encontramo-nos perante o erro de julgamento. Se, ao invés, ocorrer a assinalada desconformidade, a decisão é nula por contradição entre a fundamentação lavrada e o segmento decisório[7] [8].
Em síntese, a nulidade da sentença, por oposição entre os fundamentos e a decisão, só acontece quando aqueles conduzirem a uma decisão diferente. Analisada a estrutura da decisão e as conexões existentes entre os motivos de facto e de direito a que faz apelo e o veredicto final verifica-se que existe uma lógica na arquitectura da sentença e, dessa forma, a invocada nulidade não se verifica.
Aliás, no conjunto de factos, considerações e conclusões tiradas pela recorrente parece incontroverso que a mesma não coloca em causa o erro de construção do silogismo judiciário mas antes diverge do entendimento manifestado pelo julgador relativamente a questão da condutora do veículo segurado ter percepcionado na via o velocípede que foi interveniente no embate. Do mesmo modo que, a existir qualquer desconformidade, a forma como o sinistrado executou a manobra de mudança de direcção também não corresponde a um vício da sentença mas a uma eventual distorção das regras de apuramento da prova, cuja apreciação se fará mais adiante no ponto 4.3.2.2 do presente acórdão.
Se a interpretação e a relevância que a sentença deu a certos factos e se a conclusão que deles se extraiu foram, ou não, as mais correctas, é questão que tem a ver com o mérito da decisão e com um eventual erro de julgamento, mas que não está associada à construção lógica da sentença, a qual se mostra correctamente formulada.
Assim sendo, carece de fundamento a arguição efectuada ao abrigo do disposto na alínea c) do nº 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
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4.2 – A alteração da decisão de facto:
4.2.1 – Considerações gerais:
Diz a exposição de motivos da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho [Novo Código de Processo Civil] que «se cuidou de reforçar os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada. Para além de manter os poderes cassatórios – que lhe permitem anular a decisão recorrida, se esta não se encontrar devidamente fundamentada ou se mostrar que é insuficiente, obscura ou contraditória –, são substancialmente incrementados os poderes e deveres que lhe são conferidos quando procede à reapreciação da matéria de facto, com vista a permitir-lhe alcançar a verdade material».
Só à Relação compete, em princípio, modificar a decisão sobre a matéria de facto, podendo alterar as respostas aos pontos da base instrutória, a partir da prova testemunhal extractada nos autos e dos demais elementos que sirvam de base à respectiva decisão, desde que dos mesmos constem todos os dados probatórios, necessários e suficientes, para o efeito, dentro do quadro normativo e através do exercício dos poderes conferidos pelo artigo 662º do Código de Processo Civil.
Em face disso, a questão crucial é a de apurar se a decisão do Tribunal de primeira instância que deu como provados certos factos (e como não demonstrados outros) pode ser alterada nesta sede – ou, noutra formulação, é tarefa do Tribunal da Relação apurar se essa decisão fáctica está viciada em erro de avaliação ou foi produzida com algum meio de prova ilícito e, se assim for, actuar em conformidade com os poderes que lhe estão confiados.
O sistema judicial nacional combina o sistema da livre apreciação ou do íntimo convencimento com o sistema da prova positiva ou legal, posto que, a partir da prova pessoal obtida e da análise do teor dos documentos existentes nos autos ou doutra fonte probatória relevante, tomando em consideração a análise da motivação da respectiva decisão, importa aferir se os elementos de convicção probatória foram obtidos em conformidade com o princípio da convicção racional, consagrado pelo artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil.
A valoração da prova, nomeadamente a testemunhal, deve ser efectuada segundo um critério de probabilidade lógica, através da confirmação lógica da factualidade em apreciação a partir da análise e ponderação da prova disponibilizada[9].
A jurisprudência mais avalizada firma o entendimento que a «prova testemunhal, tal como acontece com a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais, partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência [o id quod plerumque accidit] e de conhecimentos científicos.
Na transição de um facto conhecido para a aquisição ou para a prova de um facto desconhecido, têm de intervir as presunções naturais, como juízos de avaliação, através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam, fundadamente, afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não, anteriormente, conhecido, nem, directamente, provado, é a natural consequência ou resulta, com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido»[10].
Neste enquadramento jurídico-existencial, a credibilidade concreta de um meio individualizado de prova tem subjacente a aplicação de máximas de experiência comum que devem enformar a opção do julgador e cuja validade se objectiva e se afere em determinado contexto histórico e jurídico, à luz da sua compatibilidade lógica com o sentido comum e com critérios de normalidade social, os quais permitem (ou não) aceitar a certeza subjectiva da sua realidade[11].
Nesta dimensão, apartando-nos agora das situações de prova legal[12], no ordenamento jus-processual civil vigora o princípio da livre apreciação da prova, que admite o uso, pelas instâncias – in casu, pela primeira instância – de regras de experiência comum, as quais configuram um critério de julgamento, como meio de descoberta da verdade apenas subordinado à razão e à lógica e condicionado à sua motivação e objectivação externa.
Concatenando o disposto no artigo 396º do Código Civil e o princípio geral enunciado no artigo 607º, nº 5, do Código de Processo Civil, o depoimento testemunhal é um meio de prova sujeito à livre apreciação do julgador, o qual deverá avaliá-lo em conformidade com as impressões recolhidas da sua audição ou leitura e com a convicção que delas resultou no seu espírito, de acordo com as regras de experiência[13] [14].
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4.2.2 – Da matéria controvertida e da fundamentação impressa na decisão recorrida:
A recorrente pretende a alteração da decisão de facto relativamente aos pontos 17[15] e 19[16] dos factos provados e às alíneas a)[17], e)[18] e f)[19] dos factos não provados. Em concreto, propõe a alteração da redacção do ponto 17[20] dos factos provados, a exclusão do facto 19 e a introdução dos restantes factos no elenco da factualidade demonstrada. Invoca ainda erro de julgamento na fixação do facto 15[21].
No que reporta aos pontos 17 e 19 dos factos provados (vestígios deixados pelos veículos), o Tribunal «a quo» tomou em consideração a «análise do auto de participação junto aos autos, a fls. 297/302, cujo teor não foi impugnando, documento que foi corroborado em audiência final pela testemunha (…), agente da GNR que o elaborou». A prestação probatória desta testemunha foi considerada isenta e sem contradições e baseia-se na medição dos rastos de travagem deixados pelos rodados do veículo automóvel, «os quais não foram contraditados por qualquer meio de prova».
A sobredita versão foi secundada por (…) que se deslocou ao local do acidente e visionou a existência dos rastos de travagem do veículo automóvel. A testemunha (…) também percepcionou a existência dos rastos de travagem no pavimento da via.
A demonstração do facto 15 resulta da análise integrada do auto de participação de acidente e das declarações de parte da interveniente (…) nos termos referenciados a fls. 323-328, tendo o julgador «a quo» detectado uma série de incongruências nesse depoimento que, à luz das regras da experiência e da normalidade social, permitiram concluir que «a condutora do veículo ligeiro não reduziu a velocidade ao aproximar-se do velocípede».
E quando a matéria de facto se refere a redução de velocidade deve ser entendido que, face ao carácter não estático da actividade de condução, a marcha da viatura não foi diminuída até ao momento em que se iniciou a manobra de travagem.
Quanto à alínea e) dos factos não provados, a mesma fundamenta-se na prova do facto contrário, não se considerando, por isso, que «o condutor do velocípede tivesse guinado de forma repentina quando o outro veículo o ultrapassava».
O estado do sinistrado referido em f) teve subjacente a conjugação entre os contributos das testemunhas (…) e (…) que descreveram «de forma coerente e isenta, o socorro prestado à vítima, o qual não apresentava reacção, o que a autora corroborou, embora não tivesse resultado, do relato que efectuaram, se o mesmo se encontrava ou não consciente».
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4.2.3 – Da decisão sobre a factualidade apurada:
4.2.3.1 – Da contradição entre factos apurados:
A parte activa afirmou que a condutora não viu o ciclista (artigos 22 e 25 da petição inicial) e essa matéria foi impugnada pela Ré Seguradora (artigos 24 e 25 da contestação), que assevera que «a condutora do veículo … verificou que à sua frente circulava um velocípede no meio da via». Esta versão da Ré é partilhada pela interveniente principal no articulado presente a fls. 187-193.
Sendo trazidas aos autos duas versões do mesmo facto que se excluem – total ou parcialmente – mutuamente, a consagração de uma delas pressupõe a falta de demonstração da outra, sob pena de contradição insanável[22].
Apenas ocorre um quadro de vício de contradição, quando, seguindo o fio condutor do raciocínio lógico do julgador, os factos julgados como provados ou como não provados colidem inconciliavelmente entre si ou uns com os outros ou, subsidiariamente, com a fundamentação da decisão de facto.
Na perspectiva da recorrente existe uma grosseira contradição entre o facto não provado contido em c) e a fundamentação da matéria de facto.
A Meritíssima Juíza de Direito deixou consignado que «os rastos de travagem do veículo automóvel denotam que a condutora reagiu ao surgimento do velocípede, logo conseguiu vê-lo, mas não conseguiu evitar embater». Em adição, a factualidade inscrita em 12, 17, 18 e 19 permite concluir que o ciclista foi visto pela interveniente (…) e esta também assim o assumiu no decurso da sua inquirição.
Com esta asserção, a Primeira Instância pretende afirmar que a interpretação contrária àquela que foi compreendida pela recorrente e que se traduz na circunstância da «condutora do ligeiro ter visto o ciclista». Porém, residualmente, admite-se que a formulação encontrada é susceptível de conduzir inconciliabilidade prática e hermenêutica da mesma realidade.
No entanto, com o estrito objectivo de evitar qualquer confusão nos destinatários da decisão, opta-se por eliminar a alínea c) dos factos não provados, sendo que a alteração será realizada directamente no capítulo em discussão.
Efectivamente, quando um facto positivo (viu) é apurado é inócua a consagração do facto negativo (não viu), pois a substancialidade ali contida esgota-se numa única realidade ao nível da percepção do destinatário.
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4.2.3.2 – Da factualidade atinente à dinâmica do acidente e aos rastos de travagem:
Relativamente à questão da dinâmica do acidente e dos rastos de travagem ouvida toda a prova entende-se que da avaliação conjugada do auto de participação de acidente (fls. 297-302) com os testemunhos prestados por … (militar da GNR que elaborou o referido documento), … (esta testemunha exerce as funções de agente da PSP e não tinha qualquer interesse directo na resolução da causa) e … sustentam claramente a construção jurídica que permitiu concluir pela prova positiva dos factos enunciados em 15, 17 e 19 e negativa da matéria incorporada na alínea e) dos factos provados.
O confronto crítico entre estes suportes probatórios e as declarações tomadas à condutora do veículo permitem assim validar o exame crítico efectuado na decisão recorrida. Algumas imprecisões descritivas detectadas a propósito da dinâmica do acidente aliadas à postura de auto protecção da (…) levam também o Tribunal de Segunda Instância a não modificar neste segmento a decisão de facto.
A prestação probatória de (…) também não é idónea a formular um juízo de isenção da responsabilidade estradal relativamente ao condutor do veículo automóvel, por o seu contributo não ter sido absolutamente convincente.
As respostas em causa apresentam-se como a solução mais compatível com as regras da experiência, inexistindo qualquer erro de julgamento na fixação dessa factualidade. No entanto, reconhece-se que existe uma sobreposição quase total entre o conteúdo dos pontos 18 e 19 dos factos provados e que o único factor de distintivo assenta na questão da imobilização do veículo. E, por isso, decide-se reformular a redacção da primeira resposta e eliminar o ponto 19. A referida modificação será operada directamente no ponto 3.1 deste acórdão.
Altera-se assim a resposta ao ponto dos factos provados nos seguintes termos: «do local de embate até ao fim dos sinais de travagem o veículo ligeiro percorreu 44,10m (quarenta e quatro metros e dez centímetros), ali se imobilizando».
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Por último, a matéria precipitada na alínea f) dos factos não provados também não é susceptível de ser alterada, pois não existe fundamento para considerar que o falecido ficou de imediato inconsciente. Conquanto à luz das alternativas essa fosse uma das possibilidades naturalísticas, a prova produzida não impõe decisão diversa, tal como exige o nº 1 do artigo 662º do Código de Processo Civil.
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No mais, a decisão sobre a factualidade é completa e optimiza o critério da análise crítica das provas produzidas em audiência, fazendo pertinentes associações entre a prova documental, a testemunhal e as declarações de parte. E, assim, com as anteriores ressalvas, da audição da prova pelo Tribunal Superior, resulta que não existe motivo válido para modificar a decisão de facto nos termos propostos, confirmando-se assim a opção firmada pela Primeira Instância, dado que os argumentos carreados pela recorrente não têm a virtualidade de promover injuntivamente essa alteração.
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4.3 – Da responsabilidade pela produção do acidente:
São vários os pressupostos da responsabilidade civil por actos ilícitos, como se extrai do artigo 483º, nº 1, do Código Civil:
a) o facto do agente ("um facto dominável ou controlável pela vontade, um comportamento ou uma forma da conduta humana"[23] – que se pode traduzir numa acção ou omissão);
b) a ilicitude (ou antijuridicidade) que pode revestir a modalidade de violação de direito alheio (direito subjectivo) e a violação de uma disposição legal destinada a proteger interesses alheios;
c) o nexo de imputação do facto ao lesante ou culpa do agente, em sentido amplo, o que significa que a sua conduta merece a reprovação ou censura do direito e que pode revestir a forma de dolo ou negligência;
d) o dano ou prejuízo;
e) o nexo de causalidade entre o facto praticado pelo agente e o dano sofrido pela vítima.
A culpa é apreciada, na falta de outro critério legal, pela diligência de um bom pai de família, em face das circunstâncias de cada caso (artigo 487º, nº 2, do Código Civil).
Atento o carácter perigoso da actividade de condução, aos condutores de veículos automóveis é exigível que cumpram estritamente as disposições legais reguladoras do trânsito e que não comprometam a segurança ou comodidade dos utentes das vias.
O enquadramento fáctico feito na decisão recorrida permite concluir que, na verdade, o comportamento estradal da condutora do ligeiro de passageiros viola as previsões normativas impostas pelos artigos 24º, nº 1[24], 25º, nº 1, al. b)[25], 27º, 35º, nº 1[26], e 38º[27] do Código da Estrada.
Para além da violação dos limites gerais de velocidade (que não podem exceder a velocidade instantânea de 50 km/hora dentro das localidades), o Tribunal «a quo» decidiu correctamente quando afirma que a condutora do veículo ligeiro «circulava na mesma faixa de rodagem, no mesmo sentido de marcha, sem que existisse veículo no entremeio, revelando a condução do velocípede que não manteria total equilíbrio, o que exigiria redobrado cuidado por parte da condutora do veículo automóvel.
Não foi o que sucedeu, pois resolveu confiar que nada sucederia, iniciando a manobra de ultrapassagem, circulando a velocidade que não lhe permitiu desviar-se, após se aperceber da manobra de mudança de direcção do velocípede, ou mesmo parar nesse espaço livre e visível à sua frente.
Deste modo, apurando-se que a condutora não teve estes deveres de cuidado, mais não resulta senão concluir que teve culpa na verificação do acidente de viação».
Vem-se entendendo que, provindo a lesão de um facto ilícito, seja de acolher e seguir a formulação negativa, segundo a qual o facto que actuou como condição do dano só não deverá ser considerado causa adequada do mesmo se, dada a natureza geral e em face das regras de experiência comum, se mostrar indiferente para a verificação dano. Causalidade adequada essa que se refere – e não apenas ao facto ou dano isoladamente considerado – a todo o processo factual que, em concreto, conduziu ao dano [28].
E na situação vertente a condução em velocidade excessiva não é indiferente à produção do evento danoso, pois a adopção de uma circulação prudente e conforme às regras estradais era idónea a evitar o resultado ocorrido. E isto é suficiente para desmontar a tese de que não estão preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil por acto ilícito derivado da actividade de condução, mormente por não existir qualquer facto voluntário do agente. Aliás, notoriamente a concepção jurídica de acto voluntário não tem a dimensão axiológica normativa que lhe é emprestada pela recorrente nas suas alegações de recurso.
Existe assim culpa da Ré na produção do evento rodoviário danoso. E essa culpa é repartida com o outro interveniente no acidente que, para além de conduzir em estado de embriaguez, mudou de direcção para a esquerda quando a condutora o ultrapassava, incorrendo assim em contra-ordenação ao disposto nos artigos 21º, nº 1[29] e 44º, nº 1[30], do Código da Estrada, conciliado com a imposição contida no artigo 105º, nº 4, al. d), do Regulamento da Sinalização do Trânsito.
Na perspectiva da recorrente na atribuição da culpa o Tribunal Superior deve apontar no mínimo para uma repartição de culpas na ordem de 90% ao condutor do velocípede e de 10% ao responsável pela circulação do veículo ligeiro.
Recorde-se que, na exegese da regra estabelecida pelo artigo 570º[31] do Código Civil, o Juízo Central Cível de Faro entendeu que o lesado concorreu para a produção dos danos e reduziu o montante da indemnização a 50%, tendo em atenção a gravidade da culpa de cada um e as consequências decorrentes do acidente.
Segundo Almeida e Costa «importa, antes de tudo, que o facto do prejudicado possa efectivamente considerar-se causa do dano ou do seu aumento, em concorrência com o facto do responsável – isto é, que se verifique um nexo de concausalidade. E mostra-se ainda necessário que haja culpa do prejudicado. Portanto, exige-se que o facto do prejudicado apresente as características que o tornariam responsável, caso o dano tivesse atingido um terceiro»[32].
A posição da Primeira Instância está estribada na seguinte equação fáctica: «a culpa de ambos foi de diferente gravidade, pois [que] a condutora do veículo automóvel não poderia efectuar a manobra de ultrapassagem sem se certificar que não causaria um acidente, o qual veio, efectivamente, a ocorrer, para o qual contribuiu o condutor do velocípede ao circular com uma taxa de álcool no sangue e iniciar manobra de mudança de direcção sem sinalizar e assegurar que podia fazê-lo, mas quando já se havia iniciado manobra de ultrapassagem por parte do outro condutor».
Mais adiante, no desenvolvimento do raciocínio de apoio, baseando-se nas características dos veículos e na maior potencialidade lesiva do automóvel ligeiro, o Tribunal de Primeira Instância advoga que «a culpa será maior do lesado (60%/40%) (condutor do velocípede/condutora do veículo) mas a gravidade dos danos foi potenciada pela lesante (40%/60%) (condutora do veículo/condutor do velocípede)». E, em função disso, reduziu a indemnização a 50% dos prejuízos contabilizados.
Do confronto entre o maior contributo lesivo do veículo automóvel para a ocorrência dos danos experimentados e a natureza das manobras rodoviárias em concurso, a argumentação ponderativa da Primeira Instância é acertada e os fundamentos de impugnação não são idóneos a promover qualquer alteração na divisão da responsabilidade. E nestes termos mantém-se proporção de 50% na atribuição da indemnização ao abrigo da disciplina estatuída no artigo 570º do Código Civil.
A recorrente pretende que o arbitramento da indemnização seja valorizado de acordo com os critérios provisionados na Portaria nº 377/2008, de 26/05 (devidamente conjugada com a Portaria nº 679/2009, de 25/06), designadamente na fixação do quantum indemnizatório devido pela perda do direito à vida e dos demais danos não patrimoniais peticionados. Contudo, cumpre sublinhar que é indiscutível que os Tribunais não estão vinculados à adopção da referida portaria[33].
Em caso de morte do lesado resultam habitualmente três danos não patrimoniais indemnizáveis: o da perda do direito à vida, o sofrido pela vítima antes de morrer e o experimentado pelos familiares em consequência da morte da vítima, tal como ressalta da leitura dos nºs 2 e 3 do artigo 496º do Código Civil.
A morte da vítima potencia a atribuição de uma indemnização por danos não patrimoniais que tem na sua origem este falecimento, constituindo-se na esfera jurídica dos familiares referidos no nº 2 do artigo 496º do Código Civil. De entre esses direitos não patrimoniais, conta-se a perda de vida da vítima.
No caso de a agressão ou lesão ser mortal, toda a indemnização corresponde aos danos morais (quer sofridos pela vítima, quer pelos familiares mais próximos) cabe, não aos herdeiros por via sucessória, mas aos familiares por direito próprio, nos termos e segundo a ordem do disposto no nº 2 do artigo 496º do Código Civil[34] [35].
Depois, é de atender que «deverá ter-se ainda presente que a jurisprudência deste Supremo Tribunal em matéria de danos não patrimoniais tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização, ou compensação, deverá constituir um lenitivo para os danos suportados, não devendo, portanto, ser miserabilista»[36].
Apoiando-se no entendimento firmado nos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 07/07/2009[37] e de 08/06/2017[38], o Tribunal arbitrou uma indemnização de € 80.000,00 (oitenta mil euros), de harmonia com a regra imposta pelo artigo 496º[39] do Código Civil. Nesta fixação do dano não patrimonial o decisor «a quo» recorreu ao critério da equidade.
O juízo de equidade que a que lei faz menção determina que o julgador tome «em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas e da criteriosa ponderação das realidades da vida»[40]. É ainda que alertar que, tal como atesta a jurisprudência constante dos Tribunais Superiores, a referida compensação tem natureza mista, pois visa simultaneamente reparar o prejuízo mas também encerra um juízo reprovador da conduta lesiva.
O juízo de equidade das instâncias, essencial à determinação do montante indemnizatório por danos não patrimoniais, assente numa ponderação, prudencial e casuística, das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que, numa perspectiva actualística, generalizadamente vêm sendo adoptados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade.
Todavia, nesta situação, entende-se que, em nome dessa segurança na aplicação do direito e na optimização do princípio da igualdade, de forma a conferir estabilidade estruturada ao orçar das indemnizações arbitradas em sede de acidente de viação, o núcleo maioritário da jurisprudência estabilizou num valor ligeiramente inferior para compensar a perda do direito à vida, devendo ser a decisão em causa ser corrigida para o montante de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros)[41] [42] [43].
Como já se assinalou, há que distinguir entre o dano não patrimonial que antecede cronologicamente a morte – a título exemplificativo, aqui se integram a angústia perante a iminência da morte, o nível de consciência da debilidade provocada pelo evento, a qualidade e a extensão das dores sofridas ou a duração do período de internamento entre o acidente e o falecimento da vítima – e o dano da morte.
Neste caso, o valor do dano próprio da vítima foi fixado no montante de € 20.000,00 (vinte mil euros). Neste campo, para além da natureza das lesões sofridas, nada mais se apurou que pudesse ter influência decisiva no arbitramento da indemnização. Efectivamente, não se ignorando a circunstância de não se ter alterado o facto contido na alínea f) da factualidade não provada, de relevante apenas se apurou que o acidente ocorreu pelas 12h30M e que a morte foi declarada pelas 13h18m no serviço de Urgência do Hospital de Faro.
Não se descortina que a vítima tenha tido qualquer percepção dolorosa ou que haja compreendido a situação crítica em que se encontrava. E, desse modo, o curto tempo que mediou entre o evento danoso e o momento da morte justificam que a indemnização seja reduzida a € 10.000,00 (dez mil euros).
Salvo raras e anómalas excepções, a perda do lesado é para os seus familiares mais próximos causa de sofrimento profundo, sendo facto notório o grave dano moral que a perda de uma vida humana traz aos seus familiares, às pessoas que lhe são mais chegadas[44].
Trata-se assim de um dano não patrimonial natural, cuja indemnização se destina a compensar desgostos[45]. Entre outra, a factualidade integrada nos pontos 34 a 46 dos factos provados justifica claramente que nesta valência indemnizatória seja atribuída a verba de € 35.000,00 (trinta e cinco mil euros) pelos danos não patrimoniais próprios experimentados pelo cônjuge do falecido em função do decesso deste.
Em acréscimo, em caso de morte provocada em acidente de viação, é de relevar, para efeitos de indemnização ao cônjuge sobrevivo, a perda do contributo para as lides domésticas que o cônjuge, entretanto falecido, dantes proporcionava ao agregado familiar, ao abrigo do disposto no nº 3 do artigo 495º[46] do Código Civil[47].
Para além de não integrarem o objecto imediato do recurso, os critérios de fixação desta indemnização não merecem reparo e é justo e adequado à resolução do caso concreto a atribuição de um montante reparador no valor de € 95.000,00 (noventa e cinco mil euros).
Deste modo, em síntese, a Autora tem direito a receber a quantia de € 120.000,00 (cento e vinte mil euros) a título de danos não patrimoniais e a quantia de € 95.000,00 (noventa e cinco mil euros) a título de perdas patrimoniais.
O resultado total da indemnização deve ser assim sujeito à redução decorrente da quota de culpa do lesado pela produção do acidente, daqui resultando que a Autora tem direito a perceber uma indemnização de € 60.000,00 (sessenta mil euros) por danos não patrimoniais e de € 47.500,00 (quarenta e sete mil e quinhentos euros) a título de danos patrimoniais.
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V – Sumário:
1. Em caso de morte do lesado resultam habitualmente três danos não patrimoniais indemnizáveis: o da perda do direito à vida, o sofrido pela vítima antes de morrer e o experimentado pelos familiares em consequência da morte da vítima.
2. Em nome da segurança na aplicação do direito e na optimização do princípio da igualdade, de forma a conferir estabilidade estruturada ao orçar das indemnizações arbitradas em sede de acidente de viação, a atribuição de montante de € 75.000,00 (setenta e cinco mil euros) mostra-se adequada a garantir a indemnização da perda do direito à vida, quando exista um contributo activo do lesado para a ocorrência do evento estradal.
3. Em caso de morte provocada em acidente de viação, para além do dano resultante da morte da vítima, é de relevar, para efeitos de indemnização ao cônjuge sobrevivo, a perda do contributo para as lides domésticas que, em vida, o cônjuge proporcionava ao agregado familiar.
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V – Decisão:
Nestes termos e pelo exposto, tendo em atenção o quadro legal aplicável e o enquadramento fáctico envolvente, decide-se revogar parcialmente a decisão recorrida, alterando-se o montante indemnizatório a atribuir à Autora em € 60.000,00 (sessenta mil euros) por danos não patrimoniais e em € 47.500,00 (quarenta e sete mil e quinhentos euros) a título de danos patrimoniais, acrescida de juros nos termos anteriormente fixados.
Custas a cargo da apelante e da apelada na proporção do respectivo decaimento, ao abrigo do disposto no artigo 527º do Código de Processo Civil.
Notifique.
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(acto processado e revisto pelo signatário nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 138º, nº 5, do Código de Processo Civil).
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Évora, 08/03/2018

José Manuel Galo Tomé de Carvalho

Mário Branco Coelho

Isabel de Matos Peixoto Imaginário

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[1] A resposta ao 19 tinha a seguinte redacção: «após o embate o veículo ligeiro imobilizou-se a 44,10 metros desde o local do embate».
[2] Na sentença ficou consignado que «não se seleccionaram quaisquer outros factos dos articulados por não revestirem interesse para a decisão a proferir, sendo certo que se encontra vedada a inclusão na matéria de facto provada ou não provada de suposições, matéria conclusiva, hipotética e/ou de direito».
[3] Foi eliminada a al. c) dos factos não provados que tinha o seguinte conteúdo: «a condutora não viu o ciclista».
[4] Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Coimbra 1984, pág. 122.
[5] Lebre de Freitas, Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, Coimbra 2001, pág. 670.
[6] Antunes Varela, Miguel Bezerra, Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra 1985, pág. 686.
[7] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/02/2005, in www.dgsi.pt.
[8] No mesmo sentido, Acórdão da Relação de Lisboa de 09/07/2014, in www.dgsi.pt.
[9] Antunes Varela, Miguel Varela e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 435-436.
[10] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de uniformização de jurisprudência de 21/06/2016, in www.dgsi.pt.
[11] Sobre esta matéria ver, em sentido próximo, o Acórdão da Relação de Lisboa de 19/05/2016, in www.dgsi.pt, que realça que «a prova dos factos assenta na certeza subjectiva da sua realidade, ou seja, no elevado grau de probabilidade de verificação daquele, suficiente para as necessidades práticas da vida, distinguindo-se da verosimilhança que assenta na simples probabilidade da sua verificação».
[12] De harmonia com o princípio da prova livre, que se contrapõe ao princípio da prova legal, as provas são valoradas livremente, sem qualquer grau de hierarquização, apenas cedendo este princípio perante situações de prova legal, nomeadamente nos casos de prova por confissão, por documentos autênticos, documentos particulares e por presunções legais.
[13] Miguel Teixeira de Sousa, A livre apreciação da prova em Processo Civil, Scientia Iuridica, tomo XXXIII (1984), pág. 115 e seguintes.
[14] Acórdão da Relação de Lisboa de 16/06/2016, in www.dgsi.pt.
[15] (17) No pavimento foi deixado pelo veículo ligeiro um rasto de travagem de 86,80m (oitenta e seis metros e oitenta centímetros).
[16] (19) Após o embate o veículo ligeiro imobilizou-se a 44,10 metros desde o local do embate.
[17] (a) O embate ocorreu no dia 12/02/2012.
[18] (e) O condutor do velocípede guinou de forma repentina quando o veículo ligeiro o ultrapassava.
[19] (f) Com o embate o falecido ficou de imediato inconsciente.
[20] No pavimento foi deixado pelo veículo ligeiro um rasto de travagem de 86,80m, desde o local do embate, até à imobilização de tal veículo.
[21] (15) A condutora do veículo ligeiro não reduziu a velocidade ao aproximar-se do velocípede.
[22] Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 18/06/2013, in www.dgsi.pt.
[23] Antunes Varela, "Das Obrigações em Geral", 4ª edição, vol. I, pág. 447.
[24] Artigo 24.º (Princípios gerais):
1 - O condutor deve regular a velocidade de modo a que, atendendo à presença de outros utilizadores, em particular os vulneráveis, às características e estado da via e do veículo, à carga transportada, às condições meteorológicas ou ambientais, à intensidade do trânsito e a quaisquer outras circunstâncias relevantes, possa, em condições de segurança, executar as manobras cuja necessidade seja de prever e, especialmente, fazer parar o veículo no espaço livre e visível à sua frente.
2 - Salvo em caso de perigo iminente, o condutor não deve diminuir subitamente a velocidade do veículo sem previamente se certificar de que daí não resulta perigo para os outros utentes da via, nomeadamente para os condutores dos veículos que o sigam.
3 - Quem infringir o disposto nos números anteriores é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600.
[25] Artigo 25.º (Velocidade moderada):
1 - Sem prejuízo dos limites máximos de velocidade fixados, o condutor deve moderar especialmente a velocidade:
a) À aproximação de passagens assinaladas na faixa de rodagem para a travessia de peões e ou velocípedes;
b) À aproximação de escolas, hospitais, creches e estabelecimentos similares, quando devidamente sinalizados;
c) Nas localidades ou vias marginadas por edificações;
d) Nas zonas de coexistência;
e) À aproximação de utilizadores vulneráveis;
f) À aproximação de aglomerações de pessoas ou animais;
g) Nas descidas de inclinação acentuada;
h) Nas curvas, cruzamentos, entroncamentos, rotundas, lombas e outros locais de visibilidade reduzida;
i) Nas pontes, túneis e passagens de nível;
j) Nos troços de via em mau estado de conservação, molhados, enlameados ou que ofereçam precárias condições de aderência;
l) Nos locais assinalados com sinais de perigo;
m) Sempre que exista grande intensidade de trânsito.
2 - Quem infringir o disposto no número anterior é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600.
[26] Artigo 35.º (Disposição comum):
1 - O condutor só pode efectuar as manobras de ultrapassagem, mudança de direcção ou de via de trânsito, inversão do sentido de marcha e marcha atrás em local e por forma que da sua realização não resulte perigo ou embaraço para o trânsito.
2 - Quem infringir o disposto no número anterior é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600.
[27] Artigo 38.º (Realização da manobra):
1 - O condutor de veículo não deve iniciar a ultrapassagem sem se certificar de que a pode realizar sem perigo de colidir com veículo que transite no mesmo sentido ou em sentido contrário.
2 - O condutor deve, especialmente, certificar-se de que:
a) A faixa de rodagem se encontra livre na extensão e largura necessárias à realização da manobra com segurança;
b) Pode retomar a direita sem perigo para aqueles que aí transitam;
c) Nenhum condutor que siga na mesma via ou na que se situa imediatamente à esquerda iniciou manobra para o ultrapassar;
d) O condutor que o antecede na mesma via não assinalou a intenção de ultrapassar um terceiro veículo ou de contornar um obstáculo;
e) Na ultrapassagem de velocípedes ou à passagem de peões que circulem ou se encontrem na berma, guarda a distância lateral mínima de 1,5 m e abranda a velocidade.
3 - Para a realização da manobra, o condutor deve ocupar o lado da faixa de rodagem destinado à circulação em sentido contrário ou, se existir mais que uma via de trânsito no mesmo sentido, a via de trânsito à esquerda daquela em que circula o veículo ultrapassado.
4 - O condutor deve retomar a direita logo que conclua a manobra e o possa fazer sem perigo.
5 - Quem infringir o disposto nos números anteriores é sancionado com coima de (euro) 120 a (euro) 600.
[28] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/06/2006, in CJ STJ XIV-II-120.
[29] Artigo 21.º (Sinalização de manobras):
1 - Quando o condutor pretender reduzir a velocidade, parar, estacionar, mudar de direcção ou de via de trânsito, iniciar uma ultrapassagem ou inverter o sentido de marcha, deve assinalar com a necessária antecedência a sua intenção.
2 - O sinal deve manter-se enquanto se efectua a manobra e cessar logo que ela esteja concluída.
3 - Quem infringir o disposto nos números anteriores é sancionado com coima de (euro) 60 a (euro) 300.
[30] Artigo 44.º (Mudança de direcção para a esquerda):
1 - O condutor que pretenda mudar de direcção para a esquerda deve aproximar-se, com a necessária antecedência e o mais possível, do limite esquerdo da faixa de rodagem ou do eixo desta, consoante a via esteja afecta a um ou a ambos os sentidos de trânsito, e efectuar a manobra de modo a entrar na via que pretende tomar pelo lado destinado ao seu sentido de circulação.
2 - Se tanto na via que vai abandonar como naquela em que vai entrar o trânsito se processa nos dois sentidos, o condutor deve efectuar a manobra de modo a dar a esquerda ao centro de intersecção das duas vias.
3 - Quem infringir o disposto nos números anteriores é sancionado com coima de (euro) 60 a (euro) 300.
[31] Artigo 570.º (Culpa do lesado):
1. Quando um facto culposo do lesado tiver concorrido para a produção ou agravamento dos danos, cabe ao tribunal determinar, com base na gravidade das culpas de ambas as partes e nas consequências que delas resultaram, se a indemnização deve ser totalmente concedida, reduzida ou mesmo excluída.
2. Se a responsabilidade se basear numa simples presunção de culpa, a culpa do lesado, na falta de disposição em contrário, exclui o dever de indemnizar.
[32] Direito das Obrigações, 6ª Ed., pág. 673.
[33] A orientação que a Portaria estabelece como medida de protecção aos lesados destina-se a apressar a reparação aos lesados ao impor às seguradoras a apresentação de propostas razoáveis, em prazo razoável, obstando ao retardamento injustificado ou não explicado na reparação, ou o oferecimento de reparações frequentemente distantes da real gravidade dos danos sofridos.
[34] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª edição, pág. 613.
[35] No mesmo sentido pode ser consultado Almeida e Costa, in Direito das Obrigações, 12ª edição, nota (1), pág. 602.
[36] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2002, DR, I-A de 27/06/2002, pág. 5062.
[37] No âmbito do processo registado sob o nº 205/07.3GTLRA.C1 foi fixada a indemnização de € 60.000,00 (sessenta mil euros) pelo dano morte, disponível em www.dgsi.pt.
[38] No âmbito do processo registado sob o nº 2104/05.4TBPVZ.P1.S1, no âmbito da responsabilidade médica, o Supremo Tribunal de Justiça entende «como justa e adequada à compensação dos danos não patrimoniais sofridos pela autora a verba de € 80.000,00».
[39] Artigo 496.º (Danos não patrimoniais):
1. Na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
2 - Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado de pessoas e bens e aos filhos ou outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem.
3 - Se a vítima vivia em união de facto, o direito de indemnização previsto no número anterior cabe, em primeiro lugar, em conjunto, à pessoa que vivia com ela e aos filhos ou outros descendentes.
4 - O montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º; no caso de morte, podem ser atendidos não só os danos não patrimoniais sofridos pela vítima, como os sofridos pelas pessoas com direito a indemnização nos termos dos números anteriores.
[40] Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 10ª Edição, Almedina, Coimbra, pág. 605, nota 4.
[41] ´No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18/06/2015, in www.dgsi.pt, é dito que «vem-se consolidando na jurisprudência o entendimento de que o dano pela perda do direito à vida – direito absoluto e do qual emergem todos os outros direitos – deve situar-se, com algumas oscilações, entre os € 50.000,00 e os € 80.000,00».
[42] No acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31/01/2012, in www.dgsi.pt, foi decidido que «considerando a juventude da vítima, com 27 anos de idade à data do acidente, e o futuro radioso que tinha à sua frente, e atendendo a que não há, no caso, que ponderar a situação económica do lesante, visto que não é o seu património, mas sim o da seguradora, que suportará o pagamento da indemnização, entende-se que é de elevar para € 75.000,00 a compensação de € 60.000,00 fixada pela 1.ª instância e mantida pela Relação, pelo dano da morte».
[43] Os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 10/01/2008, 24/06/2008, 08/09/2011, 27/09/2011, 12/09/2013, 30/04/2015 e 03/11/2016 também abordam a questão da indemnização do dano vida, todos disponíveis em www.dgsi.pt.
[44] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/04/2009, in www.dgsi.pt.
[45] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26/06/1991, in Boletim do Ministério da Justiça nº 408, pág. 538.
[46] Artigo 495.º (Indemnização a terceiros em caso de morte ou lesão corporal):
1. No caso de lesão de que proveio a morte, é o responsável obrigado a indemnizar as despesas feitas para salvar o lesado e todas as demais, sem exceptuar as do funeral.
2. Neste caso, como em todos os outros de lesão corporal, têm direito a indemnização aqueles que socorreram o lesado, bem como os estabelecimentos hospitalares, médicos ou outras pessoas ou entidades que tenham contribuído para o tratamento ou assistência da vítima.
3. Têm igualmente direito a indemnização os que podiam exigir alimentos ao lesado ou aqueles a quem o lesado os prestava no cumprimento de uma obrigação natural.
[47] Acórdão do Supremo Tribunal de justiça datado de 08/06/2017, proferido no âmbito do processo registado sob o nº 1524/10.7TBOAZ.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.