Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
101/20.9PFSTB.E1
Relator: EDGAR VALENTE
Descritores: CRIME DE DESOBEDIÊNCIA
CONSUMAÇÃO
Data do Acordão: 10/25/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O exame de pesquisa de álcool no sangue deve ser efetuado pelos condutores a quem as autoridades policiais o solicitem e quando estas o solicitem, e não quando os condutores entendam submeter-se a tal exame.
Não obstante inicialmente ter recusado a realização do teste quantitativo, o arguido solicitou-o posteriormente, tendo-lhe sido recusada tal possibilidade.

É certo o que o recorrente afirma, mas, consumada a recusa em submeter-se ao teste quantitativo para determinação da TAS no sangue, que levou à sua detenção, e elaborado o respetivo auto, a sua manifestação de vontade é extemporânea e, por isso, não podia deixar de ser recusada.

Com efeito, não faz parte do tipo de crime a possibilidade ou não de o agente do crime poder ainda realizar o teste, possibilidade essa, aliás, que não desapareceria com a elaboração do expediente administrativo, com a notificação ao arguido para comparecer em tribunal e mesmo após a sua libertação. Mesmo após tais eventos ainda poderia o arguido efectuar a teste, não fazendo, consequentemente, qualquer sentido que a consumação do crime de desobediência ficasse na disposição deste último realizar o aludido teste.

O crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, al. a) do Código Penal, consuma-se no momento que o arguido se recusa a realizar o exame de pesquisa de álcool.

Decisão Texto Integral: Acordam na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - Relatório.

No Juízo Local Criminal de … (J…) do Tribunal Judicial da Comarca de … corre termos o processo comum singular n.º 101/20.9PFSTB, aí tendo sido, após a realização da audiência de julgamento, proferida a seguinte decisão (transcrição):

“Nos termos acima expostos, julgando-se a acusação pública (por remissão do despacho de pronúncia) improcedente, por não provada, decide-se:

A) - Absolver o arguido AA da prática, como autor material, de um crime de desobediência (entenda-se simples), p.p. pelos artigos 348º/1, a), e 69º/1, c), ambos do Código Penal, com referência aos artigos 152º/1, a), 3, e 153º ambos do Código da Estrada; (…).”

Inconformado, o MP interpôs recurso de tal decisão, extraindo da motivação as seguintes conclusões (transcrição):

“1 - Por sentença proferida em 04/03/2022, constante da ref. citius …, foi o arguido AA absolvido da prática, como autor material, de um crime de desobediência, p.p. pelos artigos 348º, n.º 1, al. a), e 69º, n.º 1, al. c), ambos do Código Penal, com referência aos artigos 152º, n.º 1, al. a), n.º 3, e 153º ambos do Código da Estrada.

2 - O Tribunal a quo considerou que não estavam preenchidos os elementos típicos quer objectivos (não houve consumação), quer subjectivos, do referido tipo legal de crime de desobediência, dando como não provado que o arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta, desde a fiscalização que lhe foi efectuada na via pública até ao momento em que o mesmo foi libertado na Esquadra da PSP, era proibida e punível por lei criminal.

3 - Entendeu o Tribunal a quo que a consumação do crime de desobediência em casa só ocorre com a completa elaboração do auto (a conclusão do expediente administrativo) e com a consequente notificação do arguido para comparecer em Tribunal e libertação do mesmo.

4 – O Ministério Público não se conforma com a sentença proferida pelo Tribunal “a quo”.

5 - O presente recurso versa sobre matéria de facto, nomeadamente, a contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, nos termos do artigo 410º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal, bem como sobre matéria de direito, em concreto, erro de julgamento da matéria de direito.

6 – Tendo o Tribunal “a quo” dado como provado que o arguido, no momento da fiscalização, respondeu que não efetuava o referido teste e recusou submeter-se a exame para pesquisa de álcool no ar expirado ou através de colheita de sangue, tendo lhe sido dada voz de detenção e que sabia que a ordem, dada na via pública para se submeter a exame para pesquisa de álcool no ar expirado e que lhe foi pessoalmente comunicada, provinha de autoridade com competência para a proferir e que devia obediência à mesma, sob pena de cometer uma infração criminal, sendo esse o momento relevante para a consumação do crime (como mais abaixo indicaremos), devia o Tribunal “a quo” ter dado como provado a totalidade dos factos, talqualmente como surgem descritos na acusação, para a qual remete o despacho de pronúncia, ou seja, “o arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.”

7 - No acto do arguido se recusar a realizar o teste de pesquisa de álcool no ar expirado ou através de colheita de sangue, sabendo que a ordem, que lhe foi pessoalmente comunicada, provinha de autoridade com competência para a proferir e que devia obediência à mesma, sob pena de cometer uma infração criminal, assenta o seu inegável dolo directo, traduzindo o conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, a livre determinação do agente e da vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor.

8 - Da própria leitura da sentença é permitido concluir, face aos demais factos dados como provados da acusação, para a qual remetia o despacho de pronúncia, que também deveria ter sido levado à matéria de facto dada como provada que o arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

9 - A oposição lógica verificada entre a demais factualidade da acusação dada como provada, para a qual remete o despacho de pronúncia, e o facto dado como não provado, bem como entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada (uma vez que o crime se mostra consumado), é de molde a reconduzir se ao vício da decisão previsto no artigo 410º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal, existindo uma contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão.

10 - Termos em que o facto dado como não provado deve ser levado à matéria de facto dada como provada, talqualmente como surge descrito na acusação, para a qual remete o despacho de pronúncia, ou seja, “o arguido agiu livre, voluntaria e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.”

11 - Acresce que os últimos 4 pontos dos factos dados como provados pelo Tribunal a quo apurados em Audiência de Julgamento, com o devido respeito, não têm relevância jurídica para efeitos de apreciação da consumação ou não do crime. Pelo que não deviam sequer constar do elenco dos factos dados como provados, devendo ser eliminados do elenco de factos dados como provados.

12 - Tal como dispõe o artigo 124º, n.º 1 do Código de Processo Penal “Constituem objecto da prova todos os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis.”

13 – Quanto ao ao erro de julgamento da matéria de direito, o Tribunal a quo, ao entender que o crime de desobediência só ocorre com a completa elaboração do auto (a conclusão do expediente administrativo) e com a consequente notificação do arguido para comparecer em Tribunal e libertação do mesmo fez uma errada interpretação do direito.

14 - Resulta da matéria de facto dada como provada que o arguido, que conduziu um veículo automóvel, foi intimado a ordem, regularmente comunicada e proveniente de autoridade competente, para se submeter à pesquisa de álcool no sangue através de aparelho alcoolímetro ou em unidade de saúde através de colheita de sangue. O arguido entendeu o conteúdo daquela ordem e sabia que devia obediência à mesma, sob pena de cometer uma infração criminal e expressamente se recusou a realizar qualquer teste.

15 - E a outra conclusão não se pode chegar (como supra referido) a não ser que o fez, de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.

16 - Esta conduta do arguido consubstancia uma recusa à ordem que lhe foi dada, tal como prevista no artigo 152º, n.º 3 do Código da Estrada.

17 - Pelo que se mostram preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de desobediência imputado ao arguido, estando o mesmo consumado, e pelo qual deverá o mesmo ser condenado.

18 - O facto de o arguido, já depois de lhe ter sido dada voz de detenção e de ter sido conduzido ao Comando da PSP de … para elaboração do expediente, após período de tempo não concretamente apurado, ter manifestado a intenção de realizar o teste de deteção de álcool no sangue, não afasta nem a ilicitude, nem a culpa, nem a consumação do ilícito em causa, pois o arguido desobedeceu à ordem no momento da fiscalização, aquando foi verificado o exercício da sua condução.

19 - Veja-se sobre esta matéria o Acórdão não publicado da Relação de Évora, datado de 18/06/2019, proferido no âmbito do processo n.º 80/18.2GELSB.E1 do Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal – Juízo Local Criminal de Setúbal – Juiz 5, em que é Relator o Exmo. Sr. Desembargador Fernando Pina: “Pretende o arguido, que o crime apenas se encontra consumado, após o encerramento de todo o expediente, ou seja, o arguido poderá recusar-se à realização do teste de alcoolémia e estar tranquilamente à espera da elaboração do expediente, quando se apercebe do seu término poderá vir dizer agora já quero realizar o teste e, dás sem efeito o expediente elaborado e, vai-se realizar o teste em causa, que por sua vez poderá de novo sofrer as mesmas vicissitudes e, de novo recomeçar-se de novo a elaborar o expediente e, de novo, antes do seu termo pretender de novo realizar o teste, enfim, parece-nos que algum “non-sense”, existiria em tal hipótese.

E como resulta claramente da lei, o crime consuma-se no momento que o arguido se recusa a realizar o exame de pesquisa de álcool e, mesmo que porventura o agente da autoridade permitisse a realização posterior do teste de pesquisa de álcool no sangue, sem qualquer dúvida, que o crime de desobediência já havia sido consumado, mostrando-se juridicamente irrelevante para o efeito da subsunção ao tipo criminal a actuação posterior a essa consumação, (vide Ac. Rel. Lisboa, Processo n.º 1727/17.3PBOER.L1.WWW.DGSI.PT).”

20 - Termos em que deverá decidir-se que o crime de desobediência se encontra consumado e se mostram verificados todos os elementos objetivos e subjetivos do ilícito em causa, e, em consequência, ser o arguido condenado pela prática do crime de desobediência pelo qual se encontrava pronunciado, p. e p. pelos artigos 348º, n.º 1, al. a) e 69º, n.º 1, al. c), ambos do Código Penal, com referência aos artigos 152º e 153º, ambos do Código da Estrada.

21 – Quanto à alegada inconstitucionalidade por violação do direito à tomada de consciência dos atos e a uma decisão devidamente ponderada, tal questão já havia sido apreciada no despacho de pronúncia, tendo-se considerado não proceder, e para cujos considerados se concorda e se remete.

22 - Relativamente à pena a aplicar ao arguido em caso de condenação, caso colha êxito a nossa pretensão, importa atender os critérios de escolha e determinação da medida da pena enunciados nos artigos 40º, 70º e 71.º do Código Penal.

23 - O crime de desobediência, p. e p. pelo artigo 348º, n.º 1, al. a) do Código Penal é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

24 - Em primeiro lugar, importa fazer a escolha entre pena de prisão e a pena de multa. As necessidades de prevenção geral, no caso concreto, são elevadas, pelo elevado número de vezes com que se verifica o desrespeito pelas decisões das entidades públicas competentes, ainda para mais neste tipo de fiscalização rodoviária. Em termos de necessidade prevenção de especial, as mesmas são diminutas, porquanto o arguido, não tem antecedentes criminais e, como tal, se considera que o caso se compadece com a opção pela aplicação ao arguido de pena de multa.

25 - Quanto à medida da pena, ponderado que seja, por um lado, o grau de ilicitude elevado revelado na recusa de submissão de teste de álcool, o dolo intenso, porquanto directo, e por outro lado a ausência de antecedentes criminais do arguido e a sua inserção social, e a condição familiar e económica do arguido, entendemos como suficiente para as finalidades da punição que o arguido seja condenado numa pena de multa não inferior a 60 dias e à taxa diária de €6,00 (atentas as suas condições económicas dadas como provadas na sentença).

26 - O crime de desobediência é ainda sancionado com pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, nos termos do artigo 69º, n.º 1, al. c) do Código Penal. Nos termos do artigo 69º, n.º 1 do Código Penal, a pena acessória tem um limite mínimo de 3 meses e um limite máximo de 3 anos.

27 - Tendo em consideração que esta obedece aos princípios orientadores explanados no artigo 71º do CP e em face de tudo o que já referi anteriormente, deverá fixar-se a pena acessória em 4 meses.”

O recurso foi admitido.

Não houve resposta.

O Exm.º PGA neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de “que o recurso interposto pelo Ministério Público deve ser julgado procedente, revogando-se a sentença recorrida nos termos avançados pelo Ministério Público na 1.ª Instância.”

Procedeu-se a exame preliminar.

Foi cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2 do CPP (1), sem resposta.

Colhidos os vistos legais e tendo sido realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

Reproduz-se a decisão recorrida, na parte que interessa:

“2 - Fundamentação

2.1 - Factos PROVADOS

Discutida a causa, resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos:

Da Acusação Pública sob Refª … (por remissão do Despacho de Pronúncia)

- No dia 13.10.2020, o arguido decidiu conduzir o veículo automóvel com a matrícula …, por diversas vias de comunicação da Comarca de ….

- Pelas 00H10m desse mesmo dia, quando circulava pela Av. … - …, o arguido foi abordado por agentes da Polícia de Segurança Pública em ação de fiscalização de trânsito, devidamente uniformizados.

- Por via disso, aqueles agentes disseram ao arguido que teria de efetuar o teste de pesquisa de álcool no sangue através de aparelho alcoolímetro ou em unidade de saúde através de colheita de sangue.

- Nesse momento, o Arguido respondeu que não efetuava o referido teste e recusou submeter-se a exame para pesquisa de álcool no ar expirado ou através de colheita de sangue.

- Perante essa recusa, foi-lhe dada voz de detenção pelo agente autuante.

- Nesse momento, o arguido sabia que a ordem, dada na via pública para se submeter a exame para pesquisa de álcool no ar expirado e que lhe foi pessoalmente comunicada, provinha de autoridade com competência para a proferir e que devia obediência à mesma, sob pena de cometer uma infração criminal.

Apurados em Audiência de Julgamento (Requerimento sob a Refª …)

- O arguido, no dia 13.10.2020 cerca das 00H00m, dirigiu-se para a viatura modelo … que se encontrava estacionada no estacionamento central e em carregamento. Recolheu os cabos e entrou na viatura. Quando já tinha percorrido cerca de 20-30 metros foi abordado pelos agentes da PSP.

- Solicitada a realização do teste de deteção de álcool no sangue, o arguido recusou-se.

- Cerca das 00H10m, perante a recusa foi dada voz de detenção.

- O I. Mandatário do arguido chegou ao Comando da PSP a hora não concretamente apurada, mas seguramente no máximo cerca de uma hora depois da detenção do arguido.

- O I. Mandatário do arguido conferenciou com este e então o Arguido manifestou a intenção de realizar o teste de deteção de álcool no sangue.

- Pela testemunha BB, oficial em comando, tal pedido foi recusado porque, segundo palavras da mesma, “já não era possível”.

- De seguida, Arguido e seu I. Mandatário foram notificados para comparecerem em Tribunal, e o Arguido foi então restituído à liberdade.

*

Da Situação pessoal e da Condição socioeconómica do Arguido

- O arguido é divorciado e tem 2 (dois) filhos com 5 (cinco) e 7 (sete) anos de idade, os quais residem temporariamente consigo no âmbito da chamada guarda partilhada ou residência alternada. Vive em união de facto com a sua atual companheira, partilham a mesma habitação e nesta reside ainda a sua enteada com 9 – nove – anos de idade (filha da sua companheira de facto). Exerce a atividade profissional de … na área de suplementos alimentares e da restauração, mas atualmente não aufere lucros da mesma. Assegura atualmente o seu sustento com os rendimentos que lhe advieram da venda de bens próprios (fundo de maneio). Reside com o seu agregado familiar em casa tomada de arrendamento e paga a título de renda mensal o montante de cerca de € 280,00 (duzentos e oitenta euros). O arguido adquiriu o veículo acima identificado, de marca e modelo “…”, 100% elétrico e com ano de matrícula de …, através de um contrato de “leasing”. É também titular inscrito no registo de um veículo “…” com ano de matrícula de …. O arguido tem como habilitações literárias o 6º ano de escolaridade.

*

Dos Antecedentes Criminais do Arguido

- O arguido NÃO tem antecedentes criminais.

2.2 - Factos NÃO provados

Da Acusação Pública sob Refª … (por remissão do Despacho de Pronúncia)

- O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta, desde a fiscalização que lhe foi efetuada na via pública até ao momento em que o mesmo foi libertado na Esquadra da PSP, era proibida e punível por lei criminal.

- Com interesse e relevância para a decisão da causa, não foram dados como provados quaisquer outros factos que estejam em oposição com os que foram supra dados como provados, nem quaisquer outros factos que não tenham ficado desde logo prejudicados pelos que foram acima dados como provados.

2.3 – Motivação

2.3.1. Factos PROVADOS e NÃO provados

A convicção deste Tribunal filiou-se desde logo nas declarações do arguido, o qual confirmou os factos objetivos pelos quais vinha publicamente acusado (no que concerne à questão da alegada desobediência que é a única em discussão após a fase de instrução). Descreveu os factos, as circunstâncias e o contexto espácio-temporal acima dados como provados, de modo credível, convicto, verosímil e de acordo com as regras da experiência comum, da lógica e do normal acontecer. É certo, porém, que o elenco dos factos dados como provados e não provados se baseou na conjugação das declarações do próprio arguido com os demais meios de prova, pelo que é perfeitamente compreensível a existência de alguns pontos da matéria factual em causa que não correspondem exatamente ao que o arguido disse em audiência, mas que não afetam a consequência jurídico-criminal dos mesmos que este Tribunal a final retirará. Com especial relevância para a decisão da causa, o arguido declarou que na Esquadra da PSP se retratou e quis efetuar o teste de deteção de álcool no sangue, a conselho do seu I. Mandatário que aí compareceu na noite/madrugada dos factos!!! Acrescentou, com especialíssimo relevo, que um dos Srs. Agentes da PSP presentes na Esquadra (não o conseguiu identificar, mas ver-se-á à frente que se trata da testemunha BB) recusou terminantemente a possibilidade de efetuar tal teste e, consequentemente, recusou a possibilidade de desse modo deixar de desobedecer à ordem que lhe fora comunicada na via pública por agente de autoridade policial!!!

Passemos agora às declarações dos Srs. Agentes da PSP devidamente conjugadas com o “Auto de Notícia” constante dos presentes autos a fls. 4, 4verso e 5.

O Sr. Agente da PSP CC confirmou as circunstâncias em que ocorreu a fiscalização efetuada na via pública e acima dadas como provadas. Confirmou também, com especialíssimo relevo para a decisão da causa, que o I. Mandatário do arguido compareceu na Esquadra da PSP e pediu que o Arguido efetuasse de imediato o teste de deteção de álcool no sangue!!! Concretizou que tal pedido foi recusado por agente policial, concretamente a Sra. Comissária Oficial, BB!! Concluiu que o teste, pretendido pelo arguido na Esquadra, não foi efetuado!!!

Por último, a Sra. Comissária Oficial da PSP, BB, confirmou, de igual modo, as circunstâncias em que ocorreu a fiscalização efetuada na via pública e acima dadas como provadas. Confirmou também, com especialíssimo relevo para a decisão da causa, que o I. Mandatário do arguido compareceu na Esquadra da PSP e pediu que o Arguido efetuasse de imediato o teste de deteção de álcool no sangue!!! Concretizou que tal pedido foi recusado pela ora testemunha, com o fundamento de que o arguido já tinha sido detido por alegado crime de desobediência!!! Esclareceu que o teste, pretendido pelo arguido na Esquadra, não foi efetuado!!! Concluiu que, após tal recusa, por parte da ora testemunha, de o arguido efetuar o teste em apreço, este e o seu I. Mandatário foram notificados para comparecerem em Tribunal e o Arguido foi libertado!!!

No que tange às condições pessoais e à situação socioeconómica do arguido, a nossa convicção ancorou-se nas declarações do próprio arguido por as mesmas se nos afigurarem credíveis e verosímeis.

Quanto à ausência de antecedentes criminais, este Tribunal atendeu ao teor do certificado do registo criminal atualizado e relativo ao arguido, junto sob a Refª ….

3 - O Direito – Enquadramento Jurídico-Criminal

Cumpre agora subsumir o manancial fáctico supra-apurado no respetivo enquadramento jurídico-criminal.

O arguido encontra-se publicamente acusado (por remissão do despacho de pronúncia) da prática, como autor material, de um crime de desobediência, p.p. pelos artigos 348º/1, a), e 69º/1,c), ambos do Código Penal (de ora em diante CP), com referência ao artigo 152º/1,a) e 3, e 153º ambos do Código da Estrada (de ora em diante CE).

O artigo 348º/1 do CP dispõe que:

“Quem faltar à obediência devida a ordem ou a mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias se:

a) Uma disposição legal cominar, no caso, a punição da desobediência simples;

b) Na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação”.

O artigo 152º/1,3, do CE, preceitua o seguinte:

“1. Devem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção dos estados de influenciado pelo álcool (…):

a) Os condutores;

b) Os peões, sempre que sejam intervenientes em acidentes de trânsito (…).

3. As pessoas referidas nas alíneas a) e b) do nº 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool (…) são punidas por crime de desobediência”.

No que respeita à alegada recusa de realização de teste de deteção de álcool no sangue, há que tecer alguns considerandos de ordem teórico-prática.

Pretende-se, com tais dispositivos, proteger o interesse administrativo do Estado em garantir a obediência aos mandados legítimos da autoridade em matéria de serviço e ordem pública (cfr. Ac. da Rel. do Porto de 20/05/1987, CJ, XII, tomo 3, pág.225).

O crime de desobediência tem como requisitos: a)- ordem ou mandado legítimo, regularmente comunicado e emanado de autoridade competente; b)- falta à sua obediência; c)- intenção de desobedecer (cfr. Ac. da Rel. de Coimbra, de 28.03.84, CJ, ano IX, t.2, pág.70, e Ac. do STJ de 09.11.1995, BMJ, nº451, p.115).

Face ao teor da matéria de facto dada como provada, conclui-se que a abordagem ao arguido e a ordem para realizar o teste de deteção de álcool no sangue foram perfeitamente legítimas, uma vez que o mesmo já tinha iniciado a marcha do veículo numa via pública, pelo que o(s) agente policial(ais) estava(m) obrigado(s) a solicitar a realização de tal teste.

Chegados aqui, importa apreciar o momento em que o crime de desobediência ocorre ou se consuma, sendo que a Lei é omissa a esse respeito e tal momento é também pouco debatido na jurisprudência. Entendemos que a consumação ocorre quando já não for possível ao arguido realizar o teste e tal momento ocorre com a conclusão do expediente e a notificação do arguido para comparecer em Tribunal e a sua consequente libertação.

Em primeiro lugar, cita-se o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no Processo 213/16.3PFPRT.P1- Data do Acórdão: 26-10-2016:

“I – O crime de desobediência (artº 348º1 CP) é um crime de mera atividade ou formal, consumando-se com a mera execução de um comportamento humano, e integra tal crime a recusa verbalizada de submissão às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool.

II - Verbalizada tal recusa, qualquer retratação será apenas admissível se a autoridade policial tiver dúvidas em relação à natureza definitiva e perentória do comportamento desobediente.

III - A manifestação de concordância na submissão à ordem, depois de definitivamente recusada, não tem relevância no que respeita ao preenchimento do tipo legal do crime, podendo apenas, se constituir arrependimento ser valorada em sede de medida da pena”.

Deste Acórdão da Relação do Porto extrai-se que a recusa tem de ser definitiva, não bastando para a consumação a verbalização inicial da recusa.

Porém, este aresto ao referir que qualquer retratação será apenas admissível se a autoridade policial tiver dúvidas em relação à natureza definitiva e perentória do comportamento desobediente coloca a consumação do crime dependente da boa ou má vontade do agente autuante, i.e., o conceito de “dúvidas em relação à natureza definitiva e perentória do comportamento desobediente” é manifestamente ambíguo, incerto, indeterminado, vago e genérico e, por conseguinte, manifestamente inconstitucional.

Por conseguinte, não se pugna pela aplicação desse conceito à situação concreta dos presentes autos, mas aceita-se e aplica-se a esta mesma situação que não basta para a consumação a verbalização inicial da recusa!!!

Por outro lado, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, proferido no Processo 587/13.8GTABF.E1 de 08-03-2016, aborda a questão de modo indireto:

“I – O exame de pesquisa de álcool no sangue deve ser efetuado pelos condutores a quem as autoridades policiais o solicitem e quando estas o solicitem, e não quando os condutores entendam submeter-se a tal exame.

II - Consumada a recusa em submeter-se ao teste quantitativo para determinação da TAS no sangue, que levou à detenção do arguido, e elaborado o respetivo auto, a sua ulterior manifestação de vontade, no sentido de aceitar a realização do teste, é extemporânea e, por isso, não podia deixar de ser recusada.”

Das expressões acima sublinhadas, entendemos e defendemos que a consumação ocorre com a completa elaboração do auto (a conclusão do expediente administrativo) e com as consequentes notificação do arguido para comparecer em Tribunal e libertação do mesmo.

Até esse momento estão reunidas todas as condições objetivas para que o arguido possa realizar o teste, uma vez que o arguido está detido, os agentes policiais estão presentes e os aparelhos alcoolímetros estão à inteira disposição dos mesmos agentes.

O entendimento de que a recusa inicial do arguido, a qual motivou a ordem de detenção e a condução às instalações policiais, é bastante para dar como consumado o crime, é inconstitucional porquanto não permite ao arguido pensar e/ou ponderar. Sendo este um “crime artificial” porque surgiu da necessidade de combater a conduta daqueles que recusavam (e ainda recusam) o teste, convencidos de que a mesma lhes permitiria(irá) não serem condenados na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, conclui-se que o arguido que, após uma recusa inicial, é detido e no posto ou esquadra, repensada a consequência da sua recusa, pede para efetuar o teste antes de concluído o expediente administrativo, cumpre a finalidade legal e afasta a punibilidade criminal da sua recusa inicial.

Em suma, concluímos que o entendimento de que o crime de desobediência previsto e punível pelos artigos 348º/1,a), e 69º/1,c), ambos do CP, com referência aos artigos 152º/1,a),3, e 153º ambos do CE, se consuma com a recusa inicial do arguido, é inconstitucional por violação do direito à tomada de consciência dos atos e a uma decisão devidamente ponderada.

Concluímos também que o crime de desobediência, supra-identificado, se consuma com a conclusão do expediente administrativo e a notificação do arguido para comparecer em Tribunal e com a sua consequente libertação.

Acrescente-se que este entendimento tem todo o sentido lógico, até por analogia com o crime equiparado de condução de veículo em estado de embriaguez. No caso do tipo legal de crime acabado de citar, normalmente é efetuado no local de fiscalização o chamado teste qualitativo de deteção de álcool no sangue, sendo que o chamado teste quantitativo (de deteção de álcool no sangue) é efetuado no posto ou na esquadra, correspondendo a realização do teste quantitativo ao momento de consumação do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, obviamente se for registada taxa criminalmente punível (igual ou superior a 1,20 g/l de álcool no sangue). Logo e concluindo, pergunta-se: - Porque não efetuar o teste quantitativo na Esquadra após retratação do arguido ocorrida nessa mesma Esquadra? Nada na Lei impede a retratação e o arrependimento na Esquadra (ou no Posto) nem as consequentes necessidade e obrigação de os agentes policiais efetuarem o teste em apreço ao detido!!! Pergunta-se também: - Se o detido efetuar o teste qualitativo no local de fiscalização e se na Esquadra (ou no Posto) se recusar a efetuar o teste quantitativo, quando se consuma o crime de desobediência? Obviamente que a resposta é a de que o mesmo se consuma com essa recusa, a qual não ocorre no local de fiscalização (via pública) mas sim na própria Esquadra ou Posto!!! Ora, nos presentes autos foi dado como provado que o arguido quis efetuar o teste na Esquadra da PSP, pelo que ao mesmo deveria ter sido submetido!!!

Reiterando o acima expendido, o crime de desobediência tem como requisitos: a)- ordem ou mandado legítimo, regularmente comunicado e emanado de autoridade competente; b)- falta à sua obediência; c)- intenção de desobedecer (cfr. Ac. da Rel. de Coimbra, de 28.03.84, CJ, ano IX, t.2, pág.70, e Ac. do STJ de 09.11.1995, BMJ, nº451, p.115).

No caso dos presentes autos, NÃO estão verificados os requisitos b) e c).

Face ao ora exposto, conclui-se que NÃO estão preenchidos os elementos típicos quer objetivos (não houve consumação) quer subjectivos do referido tipo legal de crime de desobediência (entenda-se simples).

Acrescente-se, por último, que a tentativa não é punível (cfr. artigos 22º, 23º/1,a contrario sensu, e 348º/1,a), todos do Código Penal).”

2 - Fundamentação.

A. Delimitação do objeto do recurso.

A motivação do recurso enuncia especificamente os fundamentos do mesmo e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do seu pedido (artigo 412.º), de forma a permitir que o tribunal superior conheça das razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e que delimitam o âmbito do recurso.

As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:

Contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, nos termos do artigo 410.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal e erro de julgamento da matéria de direito.

B. Decidindo.

Contradição insanável da fundamentação e entre a fundamentação e a decisão, nos termos do artigo 410.º, n.º 1, al. b) do Código de Processo Penal e erro de julgamento da matéria de direito.

Segundo o art.º 410.º, n.º 2, alínea b), o recurso pode ter como fundamento, desde que o vício (2) resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão.

Dizem-nos Manuel Simas Santos e Manuel Leal-Henriques (3), que “há contradição insanável da fundamentação quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados; há contradição entre os fundamentos e a decisão quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada; e há contradição entre os factos quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente”.

Cumpre desde logo sublinhar que a motivação da matéria de facto provada / não provada é absolutamente omissa quanto à não prova do facto: “O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta, desde a fiscalização que lhe foi efetuada na via pública até ao momento em que o mesmo foi libertado na Esquadra da PSP, era proibida e punível por lei criminal.”

É apenas no enquadramento jurídico-criminal que se afirma que em face ao teor da matéria de facto dada como provada, conclui-se que a abordagem ao arguido e a ordem para realizar o teste de deteção de álcool no sangue foram perfeitamente legítimas, uma vez que o mesmo já tinha iniciado a marcha do veículo numa via pública, pelo que o(s) agente policial(ais) estava(m) obrigado(s) a solicitar a realização de tal teste.

Entendemos que esta fundamentação está em contradição com aquele facto não provado, uma vez que, se a ordem foi “perfeitamente legítima”, resulta claro que a sua recusa de efectuar o teste de pesquisa qualitativa de álcool é livre, voluntária e consciente.

Daí que seja notoriamente contraditório afirmar-se (como se faz na decisão recorrida) que os requisitos (i) falta à obediência a ordem ou mandado legítimo, regularmente comunicado e emanado de autoridade competente e (ii) intenção de desobedecer, não estejam verificados.

Quanto ao segundo segmento do facto não provado, dir-se-á o seguinte:

O quadro legal da fiscalização da condução rodoviária sob o efeito do álcool encontra-se recortado pelos artigos 152.º a 158.º do Código da Estrada, na Lei n.º 18/2007, de 17.05, que aprovou o Regulamento de Fiscalização da Condução sob a Influência do Álcool ou de Substâncias Psicotrópicas e na Portaria n.º 902-B/2007, de 13/04.

Considerando tal quadro, a lei prescreve um conjunto de procedimentos probatórios vinculados, constituindo a recusa quanto à observância de tais procedimentos crime de desobediência (art.º 152.º, n.º 1, alíneas a) e b) e n.º 3 do Código da Estrada).

Assim, o artigo 1º do referido Regulamento determina que a pesquisa de álcool no sangue é efectuada por meio de teste no ar expirado, inicialmente em analisador qualitativo e, posteriormente, caso se revele positiva, em analisador quantitativo ou por análise de sangue, sendo que esta última apenas é efectuada quando não for possível realizar o teste em analisador quantitativo.

Assim, o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito (art.º 153.º, n.º 1 do Código da Estrada).

Desta forma, comete o crime de desobediência o condutor a quem tiver sido transmitida uma ordem da autoridade de fiscalização rodoviária para se submeter a prova de deteção de álcool e se recusa a tal, não sendo necessário que aquela ordem seja acompanhada de cominação da prática de crime de desobediência, caso não seja cumprida.

Defende-se na decisão recorrida a tese de que “a consumação ocorre com a completa elaboração do auto (a conclusão do expediente administrativo) e com as consequentes notificação do arguido para comparecer em Tribunal e libertação do mesmo”, uma vez que “até esse momento estão reunidas todas as condições objetivas para que o arguido possa realizar o teste, uma vez que o arguido está detido, os agentes policiais estão presentes e os aparelhos alcoolímetros estão à inteira disposição dos mesmos agentes.”

Não subscrevemos tal entendimento.

Por evidentes semelhanças com o caso dos presentes autos (4), reproduzimos parcialmente a seguinte decisão deste TR:

“Diz o recorrente que “Não obstante inicialmente ter recusado a realização do teste quantitativo, o arguido solicitou-o posteriormente, tendo-lhe sido recusada tal possibilidade.”

É certo o que o recorrente afirma, mas, consumada a recusa em submeter-se ao teste quantitativo para determinação da TAS no sangue, que levou à sua detenção, e elaborado o respetivo auto, a sua manifestação de vontade é extemporânea e, por isso, não podia deixar de ser recusada.

Resulta do artigo 348.º, n.º 1, alínea a), do Código Penal que quem faltar à obediência devida a ordem ou mandado legítimos, regularmente comunicados e emanados de autoridade ou funcionário competente e uma disposição legal qualificar essa conduta como desobediência simples, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias.

Tutela-se, com esta incriminação, a autonomia intencional do Estado na vertente da não colocação de quaisquer obstáculos ao desenvolvimento da atividade administrativa das autoridades. Ou seja, trata-se de garantir que todos aqueles que executam funções públicas e detêm por isso um específico poder, sejam inequivocamente respeitados.

Nas duas dimensões típicas que o crime pode assumir, no caso dos autos está em apreciação a dimensão da «disposição legal que qualifica a conduta como desobediência».

No caso tal disposição legal decorre do disposto no artigo 152.º, n.º 1, alínea a), do Código da Estrada, onde se diz que devem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção dos estados de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas:

a) Os condutores;

E no nº 3 do mesmo diploma legal que as pessoas referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 que recusem submeter-se às provas estabelecidas para a deteção do estado de influenciado pelo álcool ou por substâncias psicotrópicas são punidas por crime de desobediência.

Cometendo, assim, o crime de desobediência, previsto no artigo 348.º nº 1 alínea a), o condutor que, quando seja sujeito de uma ordem de autoridade de fiscalização rodoviária para se submeter às provas de deteção de álcool, se recusar a tal.

(…)

Do exposto se conclui que o exame de pesquisa de álcool no sangue deve ser efetuado pelos condutores a quem as autoridades policiais o solicitem e quando estas o solicitem, e não quando os condutores entendam submeter-se a tal exame. (5) ”

Com efeito, não faz parte do tipo de crime a possibilidade ou não de o agente do crime poder ainda realizar o teste, possibilidade essa, aliás, que não desapareceria com a elaboração do expediente administrativo, com a notificação ao arguido para comparecer em tribunal e mesmo após a sua libertação. Mesmo após tais eventos ainda poderia o arguido efectuar a teste, não fazendo, consequentemente, qualquer sentido que a consumação do crime de desobediência ficasse na disposição deste último realizar o aludido teste.

Entendemos, assim, que com a recusa à ordem de efectuar o teste, se consuma o crime, sendo irrelevante (para esse efeito) qualquer comportamento ulterior, subscrevendo-se igualmente as considerações que se explanam do seguinte aresto:

“E, nem se diga, como pretende fazer valer o recorrente, que o facto do agente autuante ter aceitado que o arguido realizasse o teste de alcoolémia por via do ar expirado é, por si só, aceitação expressa da retractação do arguido o que teria como consequência não ter sido consumado o crime de desobediência, porquanto o crime em causa consuma-se com a dita recusa, mostrando-se de todo juridicamente irrelevante para o efeito da subsunção (ou não) ao tipo criminal a actuação posterior a essa consumação.

Da factualidade que se mostra assente evidencia-se que ao arguido foi intimada a ordem, regularmente comunicada e proveniente da autoridade competente, para se submeter à pesquisa de álcool no sangue por meio de teste no ar expirado.

O arguido entendeu o conteúdo da ordem, sabia que lhe devia obediência e, voluntária, livre e conscientemente (ou seja, dolosamente) estando ciente da proibição da sua conduta, expressamente se negou à realização do teste, não se tendo provado que o seu estado de saúde não lhe permitia que o efectuasse.

Esta conduta do arguido, como provada está, consubstancia uma recusa à ordem que lhe foi dada, tal como prevista no artigo 152º, nº 3, do Código da Estrada, pelo que preenchidos se mostram os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime imputado e por que foi condenado. (6) ”

Quanto à questão da “inconstitucionalidade” por violação do direito à tomada de consciência dos atos e a uma decisão devidamente ponderada derivada do entendimento de que o crime de desobediência previsto e punível pelos artigos 348.º, n.º 1, alínea a) e 69.º, n.º 1, alínea c), ambos do CP, com referência aos artigos 152.º, n.º 1, alínea a), n.º 3 e 153,º ambos do CE, se consuma com a recusa inicial do arguido, para além de, como diz o recorrente, tal questão já ter sido apreciada no despacho de pronúncia, tendo-se considerado não proceder, mostrando-se válidos os considerando ali tecidos, entende-se o seguinte:

Confessamos, salvo o devido respeito, desconhecer a sede legal ou constitucional do aludido direito à tomada de consciência dos atos e a uma decisão devidamente ponderada. Assim, sem prejuízo do entendimento (que reputamos incontestável) de que, para haver consumação do crime de desobediência, a recusa, em face da ordem, deve ser inequívoca, não se vê porque motivo esta recusa inequívoca obste, por alguma via, a uma tomada de consciência do próprio acto e não seja devidamente ponderada.

Em síntese, não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade no entendimento que seguimos.

Flui do exposto que se considera como provado o facto:

“O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta, desde a fiscalização que lhe foi efetuada na via pública até ao momento em que o mesmo foi libertado na Esquadra da PSP, era proibida e punível por lei criminal.”

Atenta a reformulação factual acima mencionada, entende-se que é possível decidir da causa, não sendo necessário determinar o reenvio do processo para novo julgamento. (art.º 426.º, n.º 1)

Mostrando-se integrados os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime em causa, importa proceder à escolha e determinação da medida da pena.

O crime de desobediência é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias.

O tribunal só não dará preferência à aplicação de pena não privativa da liberdade se esta não realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (art.° 70.° do CP), estando em causa considerações de prevenção geral e especial.

No caso em apreço há que atender que o arguido é primário, não assumindo as exigências de prevenção especial grande premência, pelo que consideramos que a aplicação de pena de multa se revela ajustada, optando-se por isso por tal pena, porque se mostra adequada às exigências de prevenção que no caso se impõem.

Como vimos, a pena de multa atinente ao ilícito criminal em causa tem como limite mínimo 10 (dez) dias e como limite máximo 120 (cento e vinte) dias. (art.º 47.º, n.º 1 e 348.º, n.º 1 do Código Penal)

Nos termos do disposto no art.º 69.º, n.º 1, alínea c) do Código Penal, a pena acessória pode ser determinada por um período entre três meses e três anos.

Como se menciona no acórdão do TRP de 26.10.2016 proferido no processo n.º 213/16.3PFPRT.P1 (Relator João Pedro Nunes Maldonado), a “manifestação de concordância na submissão à ordem, depois de definitivamente recusada, não tem relevância no que respeita ao preenchimento do tipo legal de crime, podendo apenas, se constituir arrependimento ser valorada em sede de medida da pena”.

No caso dos autos, o tribunal não considerou provado que existisse qualquer arrependimento por parte do arguido, desconhecendo-se qual a intenção que precedeu a aludida “disponibilidade” para efectuar o teste, pelo que não ponderaremos qualquer arrependimento.

Pena principal:

De acordo com o art.º 71.º, n.º 1 do C. Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

''A redacção dada ao nº 1 harmonizou esta norma com a do novo art.º 40.º: o texto anterior podia sugerir que se atribuía à culpa um papel preponderante na determinação da medida da pena, possibilitaria mesmo, contra a filosofia que era já a do Código, uma leitura que apontasse no sentido da afirmação da retribuição como fim das penas; poderia ser entendido como atribuindo às exigências de prevenção um papel secundário, meramente adjuvante, naquela determinação, que não é, de modo algum, o que agora expressamente se lhes assinala. (7)''

Deste modo, resulta expressamente do normativo citado a necessidade da consideração da díade culpa / prevenção na determinação do quantum punitivo.

Relativamente à culpa, entende-se como inequívoco que se trata de um conceito chave do Código Penal de 1982, constando do ponto 2 do respectivo preâmbulo que “toda a pena tem como suporte axiológico-normativo uma culpa concreta”. A eleição legal de um verdadeiro princípio da culpa cinde-se em duas realidades diferentes, a saber, a culpa como fundamento da pena e a culpa como fundamento da medida da pena (8), sendo desta última que agora nos ocuparemos.

De que forma pode a culpa determinar a medida concreta da pena, articulando-se harmoniosamente nessa função com as citadas exigências de prevenção?

A jurisprudência alemã (9) desenvolveu a chamada “teoria do espaço livre”: segundo esta, não é possível determinar-se de modo exato uma pena adequada à culpa, sendo apenas possível delimitar uma zona dentro da qual deve situar-se a pena para que não possa falhar a sua função de levar a cabo uma justa compensação da culpabilidade do autor; esta relação imprecisa entre a culpa e a pena pode ser aproveitada pelo tribunal para a prevenção especial, fixando a sanção entre o limite inferior e superior do “espaço livre” da culpa, de acordo com os efeitos que possam esperar-se daquela para a integração social do autor do ilícito. (10)

Para Jorge de Figueiredo Dias (11), a finalidade primordial visada pela pena há-de ser a da tutela necessária dos bens jurídico-penais no caso concreto; e esta há-de ser também por conseguinte a ideia mestra do modelo de medida da pena. Tutela dos bens jurídicos não, obviamente, num sentido retrospetivo, face a um crime já verificado, mas com um significado prospetivo, corretamente traduzido pela necessidade de tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada (prevenção geral positiva ou prevenção de integração). Esta ideia traduz a convicção de que existe uma medida ótima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena visa alcançar. Porém, tal como na anteriormente aludida “teoria do espaço livre”, esta medida ótima de prevenção geral positiva também não fornece ao juiz um quantum exato de pena. Assim, de acordo com este entendimento é a prevenção geral positiva (não a culpa) que fornece uma moldura de prevenção dentro de cujos limites podem e devem atuar considerações de prevenção especial de socialização.

Neste crime de desobediência e quanto à determinação da pena, importa assegurar um equilíbrio (complexo) entre as circunstâncias (conhecidas) previstas no art.º 71.º, n.º 2 do CP, ou seja, as circunstâncias que devem ser levadas em conta para a determinação da medida da pena (principal e acessória) e a circunstância desconhecida da taxa de alcoolemia no sangue (TAS) que o agente tinha (ou poderia ter) quando evidenciou a conduta desobediente (mantendo-a, dolosamente, desconhecida): por um lado, existe a possibilidade de, sobrevalorizando as circunstâncias conhecidas atenuantes, desvalorizar a possibilidade de sancionar o agente relativamente a uma TAS que pode ser elevada ou mesmo elevadíssima; por outro lado, seguindo o percurso inverso, sancionar o agente de forma desproporcionada, precisamente atento o desconhecimento da TAS.

A este respeito, importa sublinhar que o “que é missão do juiz é individualizar, ajustar a sanção a todas as particularidades do caso singular, na medida em que elas possam ser tomadas em linha de conta para o valor a combater penalmente, conforme aos fundamentos político-sistemáticos da lei. (12)”

Importa, assim, indagar dos aludidos “fundamentos político-sistemáticos da lei”, para, de seguida, articular a relevância do “caso singular” na sua essencial qualidade contraditória (e respetiva medida), em concreto, com aqueles fundamentos.

O bem jurídico protegido pelo crime de desobediência é, em termos matriciais, a autonomia intencional do funcionário (13).

Porém, o crime de desobediência p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 1, al. a) (e 69.º, n.º 1 alínea c)) do Código Penal e 152.º, n.º 3 do Código da Estrada também protege outro bem jurídico, ou seja, é um crime de desobediência impuro (14).

Segundo o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 418/2013 (15), “a intervenção nos (...) direitos fundamentais (16) dirige-se à salvaguarda da eficácia da pretensão punitiva do Estado, relativamente a normas sancionatórias criadas como garantia de efectiva tutela material de outros direitos fundamentais valiosos - a vida, a integridade física, a propriedade privada - abarcados pela protecção da segurança da circulação rodoviária.”

Por estarem em causa, complementarmente ao bem jurídico matricial, os mencionados bens jurídicos é que este crime “deve ser havido (...) como crime cometido no exercício da condução (em sentido lato...) traduzindo a sua prática uma grave grosseira e perigosa violação de regras do trânsito rodoviário, de rigor estabelecidas no Código da Estrada (...)”, importando que “se faça tudo para razoavelmente se desincentivar e impedir, a todo o custo, a circulação de veículos cujos condutores se encontrem sob a influência do álcool (...) além do mais através de uma melhor adequação ao facto em causa. (17)”

Não é ilegítimo deduzir que o arguido se recusou fazer qualquer teste de pesquisa de álcool no sangue para escapar ao sancionamento pelo crime de condução sob influência do álcool.

Devemos levar em conta, a favor do arguido, o facto de ser primário e estar, aparentemente, integrado, social e familiarmente.

Procurando o acima mencionado equilíbrio entre as circunstâncias (conhecidas) previstas no art.º 71.º, n.º 2 do CP (a que aludimos imediatamente supra) e o nuclear desconhecimento de uma eventual TA que é visado pela desobediência e a inerente necessidade de assegurar a efetividade da norma incriminatória, e as suas funções preventivas gerais e especiais, entendemos que a fixação da pena deve deve, por imperativo legal, de afastar-se robustamente do mínimo, não se afigurando ser de modo nenhum excessiva uma fixação que se situa acima do ponto médio da respectiva moldura punitiva. A fixação de uma pena acessória inferior à determinada na decisão recorrida seria a tradução sancionatória, no nosso entendimento, de uma atitude premial face a um comportamento de desadequação normativa consubstanciador de um determinado perigo para bens jurídicos fundamentais (18).

Pelo exposto, atenta a pretensão do recorrente, fixar-se-á a pena em 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), atentas as suas condições económicas dadas como provadas na sentença.

Pena acessória:

Sobre a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados, diz-nos Figueiredo Dias (19): “Se, como se acentuou, pressuposto material de aplicação desta pena deve ser que o exercício da condução se tenha revelado, no caso, especialmente censurável, então essa circunstância vai elevar o limite da culpa do (ou pelo) facto. Por isso, à proibição de conduzir deve também assinalar-se (e pedir-se) um efeito de prevenção geral de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa (...). Por fim, mas não por último, deve esperar-se desta pena acessória que contribua, em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano.”

Do exposto flui que a determinação da pena acessória obedece, assim, aos mesmos elementos que determinam a pena principal, referidos no art.º 71.º do CP (20).

Atento o acima exposto quanto à pena principal e considerando também o peticionado pelo recorrente, fixar-se-á a pena acessória em 4 (quatro) meses de proibição de conduzir veículos com motor.

3 - Dispositivo.

Por tudo o exposto e pelos fundamentos indicados, acordam os Juízes na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em conceder provimento ao recurso e, consequentemente, determinando-se a modificação da decisão sobre a matéria de facto nos termos supra consignados, revogando-se a sentença recorrida na parte em que absolve o arguido e condenando-se, como consequência, o mesmo, como autor material de um crime de desobediência p. e p. pelos artigos 348.º, n.º 1, a) e 69.º, n.º 1, c), ambos do Código Penal, com referência aos artigos 152.º, n.º 1, a), n.º 3 e 153.º ambos do Código da Estrada, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz € 360,00 (trezentos e sessenta euros) e na pena acessória de 4 (quatro) meses de proibição de conduzir veículos com motor.

Sem custas.

(Processado em computador e revisto pelo relator)

Évora, 25 de Outubro de 2022

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1 Diploma a que pertencerão todas as indicações normativas ulteriores que não tenham indicação diversa.

2 Que é de conhecimento oficioso: Acórdão do STJ n.º 7/95, 28.12.

3 Recursos Penais, 9.ª edição, Rei dos Livros, Lisboa, 2020, página 78.

4 Não nos parecendo, salvo o devido respeito, que, ao contrário do afirmado na decisão recorrida, aborde a questão de modo indirecto. Na situação do acórdão a recusa do arguido referiu-se à ordem para realizar o teste no alcoolímetro quantitativo, o que nos parece irrelevante para o entendimento sobre a questão da consumação do crime.

5 Acórdão do Tribunal da Relação de Évora (curiosamente referido na decisão recorrida) de 08.03.2016 proferido no processo n.º 587/13.8GTABF.E1 (relator Fernando Ribeiro Cardoso), disponível (como qualquer referência jurisprudencial ulterior) em www.dgsi.pt.

6 Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de Maio de 2018 proferido no processo n.º 1727/17.3PBOER.L1 (Relator Artur Vargues).

7 José Gonçalves da Costa, Revisão do Código Penal - Implicações Judiciárias mais Relevantes da Revisão da Parte Geral, CEJ, Lisboa, 1996, página 29.

8 Sobre esta distinção fundamental, pode ver-se Claus Roxin in Derecho Penal, Parte General, Tomo I, Editorial Civitas, Madrid, 1997, páginas 813 e 814, onde se afirma que a culpa como fundamento da pena diz respeito à imputabilidade ou capacidade de culpa, bem como à possibilidade de conhecimento da proibição, sendo que a culpa como fundamento da medida da pena é uma realidade suscetível de fixação em concreto através da consideração de circunstâncias (cfr. o n.º 2 do art.º 71.º do C. Penal).

9 A norma do C. Penal Alemão equivalente ao art.º 71º do Código Penal Português tem a seguinte estrutura: o § 46 I daquele diploma contém o enunciado de que na individualização da pena se devem tomar em consideração os fins da mesma e no nº II enumeram-se as circunstâncias que, em benefício ou em prejuízo do autor, devem ser levadas em consideração para o aludido desiderato.

10 Assim, Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend in Tratado de Derecho Penal – tradução da 5.ª Edição do ''Lehrbuch des Strafrechts, All. Teil'' - Comares, Granada, Dezembro de 2002, páginas 948 e 949. Sabemos que Eduardo Correia (com a concordância da Comissão Revisora) defendia, nas suas linhas essenciais, este conceito, ao afirmar ''é claro que que, em absoluto, a medida da pena é uma certa; simplesmente, qual ela seja exactamente é coisa que não poderá determinar-se, tendo, pois, o aplicador de remeter-se a uma aproximação que, só ela, justifica aquele #39;'spielraum'', dentro do qual podem ser decisivas considerações derivadas da pena prevenção.'' (BMJ n.º 149, página 72).

11 Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, páginas 105 a 107.

12 Zimmerl, Strafr. Arbeitsmethode, apud José de Sousa e Brito, Sentido e Valor da Análise do Crime, Direito e Justiça, vol. IV, 1989/1990, páginas 140/1.

13 Neste exato sentido, Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 3.ª edição, Lisboa, 2015, página 1103, assinalando uma divergência com Cristina Líbano Monteiro (in Comentário Conimbricense do Código Penal, Coimbra Editora, Coimbra, 2001, tomo III, página 350), que define o bem jurídico protegido pelo crime em causa como a autonomia intencional do Estado. Salvo o devido respeito, a divergência não se nos afigura especialmente relevante, pois o que é fundamental é que o funcionário aja no interesse público, assim (e só assim) se justificando a tutela penal da violação da sua autonomia intencional.

14 Assim, Cristina Líbano Monteiro (in Ob. cit. página 349), que define a desobediência impura como “aquela que for acompanhada da lesão ou perigo de lesão de outro bem jurídico”.

15 Disponível no respetivo sítio institucional (Relatora: Conselheira Catarina Sarmento e Castro).

16 No sentido da exigência de submissão aos métodos de pesquisa de álcool no sangue.

17 Victor de Sá Pereira e António Proença Fouto in Código da Estrada, Comentários, Notas e Legislação Complementar, Livraria Petrony Editores, Lisboa,1998, página 372.

18 A vida, a integridade física e a propriedade privada, cfr. acima mencionado no Acórdão do TC 418/2013. Sobre a função primordial da pena como a reafirmação da vigência da norma violada ou como tutela de bens jurídicos, vd. Figueiredo Dias in Ob. cit. página 228 (§ 303) e Günter Jakobs in Derecho Penal, Marcial Pons, Madrid, 1995, páginas 13 e 14.

19 In Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, 1993, página 165.

20 Para Paulo Pinto de Albuquerque in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 3.ª edição, Lisboa, 2015, página, páginas 340 e 348, a aplicação desta pena depende da gravidade dos critérios gerais de determinação das penas, incluindo a culpa, devendo, por isso, a pena ser graduada no âmbito dessa moldura.

Segundo Germano Marques da Silva (Crimes Rodoviários, Pena Acessória e Medidas de Segurança, Universidade Católica Editora, 1990, página 28), “A determinação da medida da pena acessória obedece aos mesmos factores da pena principal, isto é, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção , conforme dispõe o art.º 71.º do Código Penal”.