Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
66/08.5IDSTR.E1
Relator: JOÃO GOMES DE SOUSA
Descritores: BURLA TRIBUTÁRIA
ELEMENTOS DA INFRACÇÃO
NEXO DE CAUSALIDADE
Data do Acordão: 02/02/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 - A burla tributária supõe um só resultado, o enriquecimento (prescindindo do segundo resultado, o prejuízo) e consagra a desnecessidade de aquele ser ilegítimo.
2 - É aparente a renúncia ao pressuposto erro que é típico da burla, que acaba por ser aceite como um “elemento não escrito da factualidade típica da Burla tributária com a consequente redução teleológica do âmbito da incriminação”.

3 - São elementos típicos da Burla tributária (1) o erro ou engano sobre factos por meio de falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos e a (2) determinação da administração tributária ou a administração da segurança social a efectuar atribuições patrimoniais das quais resulte enriquecimento do agente ou de terceiro.

4 - Mas estão implícitos outros elementos de imputação objectiva sem os quais o tipo penal não tem vida própria. São os necessários nexos de causalidade que estão supostos na literalidade da norma pelo uso da forma verbal “determinar” e que são imprescindíveis à sua racionalidade e teleologia.

5 - Assim, haverá que aceitar um duplo nexo de causalidade entre os elementos característicos do tipo Burla tributária, ou seja, entre engano, erro e enriquecimento do agente ou de terceiro. Aqueles nexos, duplo nexo, exigem que o meio enganoso seja a causa real da situação de erro; que o erro seja a causa determinante do enriquecimento.

Decisão Texto Integral:






Acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

A - Relatório:

No Tribunal Judicial de Santarém - I. Central, S.I.Criminal, J1 - correu termos a instrução nos autos supra numerados, no qual o Ministério Público deduziu acusação para julgamento em processo comum perante Tribunal Colectivo contra:

JHCT, nascido no dia 07-11-1954, natural de Angola;

JMCC, nascido a 30.03.1951, natural de São João Batista, Campo Maior;

ASA, nascido a 26/12/1948;

VMPCO, nascido 20/11/1953, natural de S. Sebastião da Pedreira, Lisboa;

NMCB, nascido a 15/05/1972, natural de Évora;

“CD, SGPS, SA”, titular do NIPC (...);

“CBI, SGPS, SA”, com número único de matrícula na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa e de pessoa colectiva (...);

“S-CM, SA”, com número único de matrícula na Conservatória do Registo Comercial de Cascais e de pessoa colectiva (...);

imputando:

a) a cada um dos arguidos JHCT, JMCC, ASA, VMPCOe NMCB, a prática em co-autoria, um crime burla tributária, p. e p. pelo art.º 87º, n.º 1 e n.º 3 do RGIT;
b) à arguida “CD, SGPS, SA.”, a responsabilidade por um crime burla tributária, p. e p. pelos artigos 7º e 87º, n.º1 e n.º3 do RGIT;
c) à arguida “CBI, SGPS, SA”, a responsabilidade por um crime de burla tributária, p. e p. pelos artigos 7º e 87º, n.º1 e n.º3 do RGIT;
d) à arguida “S-CM, SA”, a responsabilidade por um crime burla tributária, p. e p. pelos artigos 7º e 87º, n.º 1 e n.º 3 do RGIT e 11º, n.º 2, al. a) do Código Penal.

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A final, por despacho lavrado a 8 de Junho de 2015 veio a decidir o Tribunal recorrido não pronunciar os arguidos JHCT, JMCC, ASA, VMPCO, NMCB, “CD, SGPS, SA”, “CBI, SGPS, SA” e “S-CM, SA”, da prática do crime de burla tributária agravada, p. e p. pelo art.º 87º, n.º1 e n.º3 do RGIT, que lhes é imputado na acusação pública.

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Inconformada a Digna Procuradora-adjunta em 1ª instância interpôs recurso da decisão instrutória, na parte em que não pronunciou os arguidos JMCC, ASA, NMCB, e a sociedade arguida S-CM, S.A., pela prática do crime de burla tributária, p. e p. pelo art. 87º nºs 1 e 3 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), de que vinham acusados, com as seguintes conclusões:

1) O crime de burla tributária, p. e p. pelo art. 87º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), tem como fonte o tipo de crime de burla previsto no art. 217º do Código Penal, mas apresenta em relação ao mesmo algumas diferenças que o tornam num tipo de burla especial em face ao tipo de burla comum;
2) A primeira diferença reside ao nível dos elementos objectivos do tipo, pois ao contrário da burla comum em que a lei exige que o erro ou engano seja provocado de forma astuciosa, na burla tributária tal engenho ou especial arte de enganar não é exigido, bastando que se prestem falsas declarações, se falsifique ou vicie documentos fiscalmente relevantes ou se use de qualquer outro meio fraudulento;
3) A averiguação da idoneidade do meio apenas se justificará nos casos em que a administração tributária não efectuou a atribuição patrimonial pretendida e se coloca a questão de apurar se os factos praticados configuram uma tentativa penalmente relevante, pois nas situações em que a administração tributária efectuou tal atribuição patrimonial por se encontrar em erro, como resulta suficientemente indiciados nos autos, é forçoso concluir que o meio utilizado foi, em concreto, idóneo a produzir o erro;
4) Outra diferença reside ao nível da consumação do crime, pois o crime de burla tributária fica consumado com o enriquecimento do agente ou de terceiro, independentemente de a Administração Tributária/Segurança Social sofrerem um prejuízo, e a burla comum só se consuma com o prejuízo patrimonial da vítima;
5) Quanto ao elemento subjectivo do tipo, na burla tributária, o mesmo reconduz-se ao dolo genérico, enquanto no tipo de burla comum se exige um dolo específico - a intenção de obter um enriquecimento ilegítimo;
6) O bem jurídico protegido pelo crime de burla tributária é o património tributário do Estado, ou seja, o erário público, e não o património em geral de um particular;
7) O menor grau de exigência que caracteriza o tipo de burla tributária relaciona-se com o específico contexto relacional em que o sujeito passivo da relação tributária tem obrigações legais específicas e importa proteger o erário público;
8) No crime de burla tributária exige-se um duplo nexo de causalidade, ao nível da imputação objectiva: entre a conduta enganosa do agente e a prática pela administração tributária dos actos de atribuição patrimonial, devendo o meio enganoso ser a causa efectiva pela qual a administração fiscal se encontra em erro; e entre os actos de atribuição patrimonial e o enriquecimento do agente ou de terceiro;
9) A douta decisão recorrida, proferida pelo Mmo. JIC do tribunal a quo, considerou suficientemente indiciados os factos que integram os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de burla tributária, com excepção dos seguintes: a existência de uma conduta fraudulenta apta a induzir o erro e o erro propriamente dito;
10) Porém, a decisão instrutória recorrida enferma do vício de incorrecta interpretação do direito aplicável ao caso concreto, na medida em que o tipo de crime em apreço não exige, ao contrário do que pressupôs a decisão recorrida, a utilização de um meio astucioso ou particularmente ardiloso, bastando-se com o emprego de um meio enganoso ou fraudulento, e o meio enganoso utilizado foi idóneo a ludibriar a Administração Tributária uma vez que, como resultou suficientemente indiciado nos autos, ao engano se seguiu a atribuição patrimonial da qual resultou o enriquecimento ilegítimo do agente ou de terceiro;
11) Por outro lado, a decisão instrutória recorrida também enferma do vício de incorrecta apreciação dos meios probatórios coligidos no inquérito e na instrução, na medida em que dos mesmos, ao contrário do juízo efectuado na decisão recorrida, resultam indícios suficientes de ter a Administração Tributária agido determinada pelo erro induzido pelos arguidos;
12) Com efeito, a decisão recorrida considerou suficientemente indiciados os factos que consubstanciam os meios fraudulentos usados para determinar a Administração Tributária à atribuição patrimonial e que, em síntese, são: 1) A alteração do objecto social da Inbepor previamente à fusão, visando apenas o preenchimento formal do requisito legal previsto no art. 3º nº 1 al. b) do DL nº 404/90, de 21/12, na redacção dada pela Lei nº 55-B/2004, de 30/12, exigido para a concessão do benefício fiscal requerido (cfr. arts. 72º a 74º, 88º a 90º, 93º e 94º dos factos indiciados); 2) O requerimento apresentado pelo arguido NMCB perante a Administração Tributária, em representação das sociedades requerentes I e C 1, solicitando a concessão de isenção de IMT e de Imposto de Selo, ao abrigo do mencionado art. 3º nº 1 al. b) do DL nº 404/90, de 21/12, onde são alegados factos que os arguidos bem sabiam serem falsos por não corresponderem à realidade (cfr. arts. 79º a 83º, 88º a 90º, 94º e 95º dos factos indiciados);
13) Atenta a estrutura típica da burla tributária, tanto basta para que se considere preenchido o uso de engano sobre factos por meio de falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outro meio fraudulento, exigido pelo tipo;
14) A decisão recorrida considerou também suficientemente indiciado que a Administração Tributária atribuiu o benefício fiscal pretendido pelos arguidos e que, em consequência de tal deferimento, devolveu à C 2 (resultante da fusão da I com a C 1) o montante que havia sido pago a título de IMT, no valor de 1390.851,21€, e de Imposto de Selo, no valor de 11.126,81€, resultando deste modo para aquela empresa as atribuições patrimoniais de valor correspondente, a que a mesma não tinha direito por não se encontrarem cumpridos os requisitos previstos no DL nº 404/90, de 21/12, à data do pedido de isenção, resultado que os arguidos quiseram e lograram obter (cfr. arts. 84º a 96º dos factos indiciados);
15) Não considerou, porém, suficientemente indiciado que a Administração Tributária tenha agido determinada pelo erro criado pelos arguidos porquanto concluiu que a decisão de conceder o benefício fiscal em causa à Inbepor foi tomada, não porque estivesse convicta da verificação de todos os requisitos para tal necessários, mas porque confiou que, ainda que assim não fosse, a decisão sempre poderia ser revertida num controlo a posteriori;
16) Nesta parte, afigura-se que o Mmo. JIC não procedeu a uma correta apreciação dos meios probatórios coligidos, no inquérito e na instrução, designadamente dos depoimentos das testemunhas FUB (cfr. fls. 367 e ss do Vol. I da investigação), APC (cfr. fls. 364 e ss do Vol. I da investigação) e JJAT, (cfr. auto de inquirição de fls. 669 do vol. XI, datado de 28/11/2012, minutos 7:44 a 9:20, 22:00 a 23:05 do depoimento) à data Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que deferiu o pedido de isenção aqui em apreço;
17) De tais depoimentos, se interpretados de forma crítica e concatenada, resultam indícios suficientes de que a Administração Tributária agiu em erro induzido pelos arguidos dado ter concedido o benefício fiscal apenas por estar erradamente convencida, por força do declarado pelos mesmos no requerimento e nos documentos que o instruíram, que a I exercia efectiva e directamente a mesma actividade económica que a C e com esta compartilhava canais de comercialização dos seus produtos, conforme os arguidos pretendiam fazer crer;
18) Donde se nos afigura que a decisão recorrida também devia ter considerado como suficientemente indiciado o facto descrito na al. c) dos factos não indiciados: “Desconhecedor de tais factos e crendo que a Inbepor exercia de facto uma actividade operacional produtiva, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais emitiu o despacho nº 1262/2006-XVII, através do qual deferiu o pedido de isenção de IMT e de Imposto de Selo”;
19) Diferentemente, se nos afigura que a decisão recorrida não devia ter considerado como suficientemente indiciados os factos descritos nos arts. 99º a 101º da decisão instrutória, em virtude dos mesmos não se puderem extrair dos depoimentos supra referidos;
20) Resultando assim suficientemente indiciado nos autos que os arguidos, através da conduta fraudulenta descrita, criaram na Administração Tributária uma convicção desconforme à realidade, conforme previram e quiseram, que a determinou a efectuar-lhes atribuições patrimoniais, das quais resultou para os mesmos um enriquecimento ilegítimo a que sabiam não ter direito, mostram-se preenchidos todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de burla tributária;
21) Acresce que não importa apurar se a Administração Tributária agiu com o grau de diligência desejado tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, designadamente solicitando informações adicionais ou indagando sobre a efectiva verificação dos requisitos legais invocados pelos arguidos, uma vez que a eventual culpa da vítima não exclui a relevância jurídico-penal da conduta do agente, sem a qual o resultado típico não teria lugar;
22) De todo o modo, não resulta dos autos que a Administração Tributária tenha agido sem a diligência que se lhe impunha, porquanto parece ser o próprio DL nº 404/90, no seu art. 4º nº 1, a atribuir às informações prestadas e aos elementos fornecidos pelos requerentes, destinados a comprovar as condições exigidas pelo art. 3º do mesmo diploma, um valor probatório bastante do cumprimento daquelas condições, razão pela qual a Administração Tributária as aceitava como fidedignas e credíveis;
23) Donde, devia o Mmo. JIC do tribunal a quo ter proferido decisão no sentido de considerar suficientemente indiciados não só os factos como tal descritos nos arts. 1º a 98º da decisão instrutória recorrida mas também o facto descrito na al. c) dos factos não indiciados, e, em consequência, por se mostrarem preenchidos os respectivos elementos objectivos e subjectivos do tipo, proferir decisão de pronúncia dos arguidos JMCC, ASA e NMCB, pela prática, em co-autoria, do crime de burla tributária, p. e p. pelo art. 87º nºs 1 e 3 do RGIT, de que vinham acusados, sendo o mesmo imputável à sociedade arguida S-CM, SA por via do disposto no art. 7º do RGIT e art. 11º nº 2 al. a) do Código Penal;
24) Ao proferir decisão de não pronúncia, o Mmo. JIC do tribunal a quo violou o disposto no art. 87º, nºs 1 e 3 do RGIT e, bem assim, o preceituado nos arts. 283º nº 2 e 308º nºs 1 e 2 do Código de Processo Penal;
25) Nestes termos e nos melhores de direito, deverá a decisão instrutória recorrida, que não pronunciou os arguidos pela prática, em co-autoria material, de um crime de burla tributária, p. e p. pelo art. 87º, nºs 1 e 3 do RGIT, ser revogada e substituída por outra que os pronuncie pelo cometimento do citado ilícito nos termos supra descritos.


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Os arguidos JMCC, NMCB e ASA (não foi junto ficheiro informático) responderam ao recurso interposto, defendendo a improcedência do mesmo.

JMCC nos seguintes termos:


I – Do recurso interposto – as matérias a tratar
1. No recurso interposto, o Ministério Público divide o tratamento das matérias abordadas em duas grandes partes:
a) Incorrecta interpretação do direito, subdividida esta em:
a.1) Saber se o crime de Burla tributária exige meio astucioso ou particularmente ardiloso para enganar e que o meio seja abstractamente idóneo a ludibriar a Administração Tributária quando há efectiva atribuição patrimonial;
a.2) Saber se a culpa da Administração Tributária exclui a responsabilidade criminal do agente;
b) Incorrecta apreciação dos meio probatórios, subdividida esta em:
b.1) Saber se dos autos resultam indícios suficientes que permitam concluir que a Administração Tributária agiu determinada pelo erro induzido pelo arguidos;
b.2) Saber se os autos contêm indício suficientes do preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do crime de Burla tributária.
II – Do recurso interposto – as conclusões
2. Quanto à referida Incorrecta interpretação do direito, em especial quanto a a.1, defende-se no recurso, maxime na conclusão n.º 10, que a decisão instrutória recorrida errou porque a Burla tributária “não exige, ao contrário do que pressupôs (...), a utilização de um meio astucioso ou particularmente ardiloso, bastando-se com o emprego de um meio enganoso ou fraudulento”.
3. Assim, na conclusão n.º 2, que “Ao contrário da burla comum em que a lei exige que o erro ou engano seja provocado de forma astuciosa, na burla tributária tal engenho ou especial arte de enganar não é exigido, bastando que se prestem falsas declarações, se falsifique ou vicie documentos fiscalmente relevantes ou se use de qualquer outro meio fraudulento”.
4. Continuando, na conclusão n.º 3 que, “a averiguação da idoneidade do meio apenas se justifica nos casos de tentativa pois quando a Administração Tributária efectivamente efectua a atribuição patrimonial em erro, como resulta suficientemente indiciado nos autos, é forçoso concluir que o meio foi, em concreto, idóneo a produzir o erro” e, neste mesmo sentido, a conclusão n.º 10 (sendo não parecer ter qualquer sentido o escrito na conclusão n.º 7) nos termos da qual, “o meio enganoso utilizado foi idóneo a ludibriar a Administração Tributária uma vez que, como resultou suficientemente indiciado nos autos, ao engano se seguiu a atribuição patrimonial da qual resultou o enriquecimento ilegítimo do agente ou de terceiro”.
5. Já quanto a a.2, relevam as conclusões n.º 21 e 22: nos termos da primeira, “não importa apurar se a Administração Tributária agiu com o grau de diligência desejado tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, designadamente solicitando informações adicionais ou indagando sobre a efectiva verificação dos requisitos legais invocados pelos arguidos, uma vez que a eventual culpa da vítima não exclui a relevância jurídico–penal da conduta do agente, sem a qual o resultado típico não teria lugar”; nos termos da segunda, defende-se que a Administração Tributária foi diligente porque a própria lei (DL n.º 404/90, no artigo 4.º/1) atribui às informações prestadas e aos elementos fornecidos pelos requerentes um valor probatório bastante do cumprimento das condições, razão pela qual elas foram aceites pela Administração Tributária como fidedignas e credíveis.
6. Em um outro prisma, quanto ao vício de incorrecta apreciação dos meios probatórios, conclui-se que:
Conclusão n.º 9 – a decisão recorrida considerou suficientemente indiciados todos os elementos objectivos e subjectivos do tipo com excepção da existência de uma conduta fraudulenta apta a induzir o erro e o erro propriamente dito;
Conclusão n.º 11 – “ao contrário do juízo efectuado na decisão recorrida, resultam indícios suficientes de ter a Administração Tributária agido determinada pelo erro induzido pelos arguidos”;
Conclusão n.º 15 - a decisão recorrida não considerou indiciado que a “Administração Tributária agiu determinada pelo erro criado pelos arguidos porquanto concluiu que a decisão de conceder o benefício fiscal em causa à Inbepor foi tomada, não porque estivesse convicta da verificação de todos os requisitos para tal necessários, mas porque confiou que, ainda que assim não fosse, a decisão sempre poderia ser revertida num controlo a posteriori”;
Conclusões n.os 16 e17 - o Mm. JIC não apreciou correctamente os depoimentos de FUB, APC e JJAT, à data secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que deferiu o pedido de isenção em apreço. Estes depoimentos demonstram que a Administração Tributária agiu em erro induzido pelos arguidos dado ter concedido o benefício fiscal apenas por estar erradamente convencida, por força do declarado pelos mesmos no requerimento e nos documentos que o instruíram; e
Conclusão n.º 19 - a decisão instrutória não devia ter considerado suficientemente indiciados os factos descritos a 99 e 101 pois os depoimentos não o permitem concluir.
7. Por facilidade de exposição, a presente resposta procederá à análise das matérias descritas de forma também ela dividida.
III – Do Decisão Recorrida – a matéria de direito
8. De forma simples, a decisão recorrida deverá considerar-se inatacável, quer atenta a forma como aborda a matéria de direito quer atenta a motivação de facto.
9. Quanto àquela (matéria de direito), a que neste ponto se analisará, ainda que de forma necessariamente breve em função da inegável correcção da decisão instrutória e para a qual bastaria, segundo nosso modesto entendimento, remeter, há dois aspectos que devem ser considerado:
a) Por um lado (por referência a a.1), fazer equivaler a zero a necessidade de se afirmar a verificação de o engano ser produzido de forma astuciosa, retirando-a do tipo objectivo, não parece ser o melhor entendimento, nem numa perspectiva dogmática nem numa perspectiva de política criminal considerada que seja a Burla tributária na sua globalidade. Além disso, tal contraria a esmagadora maioria dos entendimentos acolhidos pela doutrina e jurisprudência. Como se analisará. Aqui está em causa o meio, ou seja, se astucioso ou não.
b) Por outro lado (por referência a a.2), e com igual ou até superior importância, porque mesmo que se pudesse considerar que o meio não tem de assumir aquela característica, sempre se terá de concluir, como exemplarmente o faz a decisão recorrida, que não se pode afirmar in casu a existência/verificação de um erro tipicamente relevante, atentas precisamente as circunstâncias concretas que conformam toda a matéria em análise.
10. Também ao ora Respondente parece inteiramente correcto que, como defendido na decisão instrutória, “esta qualificação, que vincula a conduta do agente, implica que o cometimento do crime de burla (incluindo a burla tributária), exige o uso de especial astúcia ou artifício fraudulento do agente, sendo precisamente nessa astúcia que reside a adequação entre a conduta do agente e o erro do ofendido”.
11. Daí a correcta transcrição constante da decisão recorrida do entendimento propugnado no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26-01-2011. Encontrando-se o sumário transcrito, vale a pena atentar no texto da decisão do Acórdão quando expressamente atesta que: “escrevem Jorge Lopes de Sousa e M. Simas Santos, in Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, 2.a Edição, pag. 547, aproxima-se este tipo legal do crime de burla previsto no art. 217 do Código Penal, no entanto, não refere expressamente o erro ou engano provocado, elementos que, não obstante, estão presentes na referência aos meios fraudulentos, os susceptíveis de provocar astuciosamente o tal erro ou engano. De acordo com a configuração do tipo, exige-se o uso de um meio fraudulento “activo” ou seja uma conduta astuciosa comissiva que directamente induziu o erro ou engano e não uma mera conduta omissiva do agente”.
12. Também neste sentido escreve Jorge Gasalho[1] que: “Pode colocar-se em questão a necessidade de averiguação da idoneidade dos meios fraudulentos, quando o engano produzido se traduz no consequente enriquecimento do agente. A lei nada dispõe expressamente a este respeito, embora a jurisprudência citada, assim como Germano Marques da Silva, sublinhem que tais meios devem ser idóneos. Já têm um entendimento diverso Jorge Lopes de Sousa e Simas Santos, que defendem que não importa averiguar a idoneidade do meio empregue, desde que se produza o resultado. Tal esforço só teria cabimento frente a factos que poderiam constituir eventualmente tentativa de burla tributária. Compreendemos perfeitamente os argumentos dos Doutos Conselheiros, mas a verdade é que consideramos também necessária a averiguação da idoneidade dos meios utilizados para a consumação do crime, na esteira da jurisprudência e do defendido por Germano Marques da Silva. É que ao adoptar uma posição diversa, arriscamo-nos a punir de forma igual condutas que, apesar de precederem o resultado que a lei pretende evitar, à partida não seriam aptas para enriquecer o agente e causar prejuízo ao Estado. Em tais hipóteses é vislumbrável não só a culpa daquele como também, de modo flagrante, a negligência grosseira da Administração Tributária ou da Segurança Social. Devemos distinguir condutas às quais não subjaz uma especial astúcia no meio e cujo enriquecimento se deve mais ao descuido da Administração do que ao procedimento do agente, de comportamentos que constituem esquemas habilmente ardilosos e defraudatórios, que merecem verdadeiro alarme. Claro que com isto não se quer dizer que estas condutas deixem de ser censuráveis. É evidente que o continuam a ser; simplesmente, na nossa opinião, não devem ser puníveis à luz do crime em questão”.
13. Quanto à principal jurisprudência atente-se, a título meramente exemplificativo, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 22-04-2015, que veio expressamente acolher o entendimento segundo o qual, “para a verificação do crime de burla, é necessário que o estado de erro ou engano do sujeito passivo tenham sido provocados astuciosamente pelo agente da infracção, isto é usando de um meio enganoso ou fraudulento para enganar ou induzir um erro, caso verificado na conduta do arguido”.
14. Ou o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 21-03-2013, que transcreve e toma como correcta a posição defendida por Rui Pereira e que, segundo o qual, “tal como no crime comum de burla releva o erro como meio de execução da burla e, além dele, o engano. Mas não é qualquer erro ou engano que serve para este propósito. Parece-nos ser necessário que tal erro ou engano tenha sido provocado astuciosamente pelo agente da infracção, ou seja, usando de um meio engenhoso para enganar ou induzir em erro. Este requisito acresce ao dolo especificamente incluído no tipo, tendo em conta que se exige a intenção de enriquecimento ilegítimo muito embora parece não exigir-se uma relação efectiva do agente com a Administração Tributária. Assim, é plausível entender o cometimento do crime de burla tributária quando o agente cria uma falsa aparência quanto à existência da referida relação, tendo em vista a obtenção de um enriquecimento ilegítimo” – cfr. Rui Ribeiro Pereira in “O Crime Fiscal no Contexto Ibérico”, pág. 22.”.
15. As conclusões n.ºs 2 e 10 do recurso interposto baseiam-se no Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 07-02-2006 e na doutrina aí relevada, em especial a que defende que a idoneidade do meio apenas terá que ser aferida no caso da tentativa.
16. Porém, não se poderá olvidar que também este Venerando Tribunal da Relação de Évora se pronunciou já por diversas vezes no sentido acolhido pela decisão instrutória:
Acórdão de 08-11-2005: “3. De acordo com a configuração do tipo, exige-se o uso de um meio fraudulento “activo” ou seja uma conduta astuciosa comissiva que directamente induziu o erro ou engano e não uma mera conduta omissiva do agente. (...) 5. Parece-nos necessário para verificação do crime de burla tributária que o estado de erro ou engano do sujeito passivo tenham sido provocados astuciosamente pelo agente da infracção, isto é, usando de um meio enganoso ou fraudulento para enganar ou induzir um erro. (...) Como escrevem Jorge Lopes de Sousa e M. Simas Santos, (...), aproxima-se este tipo legal do crime de burla previsto no art. 217 do Código Penal, no entanto, não refere expressamente o erro ou engano provocado, elementos que, não obstante, estão presentes na referência aos meios fraudulentos, os susceptíveis de provocar astuciosamente o tal erro ou engano. (...) De acordo com a configuração do tipo, exige-se o uso de um meio fraudulento “activo” ou seja uma conduta astuciosa comissiva que directamente induziu o erro ou engano e não uma mera conduta omissiva do agente”.
Acórdão de 07-12-2012: “Neste sentido, veja-se o Ac. da Relação de Évora de 08.11.2005, disponível in http://www.dgi.pt, com o qual concordamos na íntegra, e que, perante situação fáctica idêntica, decidiu que:“(...)”
Parece-nos necessário para verificação do crime de burla tributária que o estado de erro ou engano do sujeito passivo tenham sido provocados astuciosamente pelo agente da infracção, isto é, usando de um meio enganoso ou fraudulento para enganar ou induzir um erro”. E ainda que, “afigura-se-nos que o crime aqui em causa resiste a esse entendimento , pois exige actos positivos do agente, ou seja, (como se afirma no Acórdão acima mencionado) «meio fraudulento “activo”», ou seja, uma conduta astuciosa comissiva que directamente induziu o erro ou engano (...). Neste sentido também se dirige o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.01.2011, proferido no processo no 370/06.7TACBR.C1 e os Acórdãos desta Relação de 31.01.2006, (relator Domingos Duarte), in CJ, Ano XXXI, pág.257 e 258, e de 13.01.2009, (relatora Maria José Nogueira), in CJ, Ano XXXIV, tomo I, pág.277 e 278”.
Acórdão de 28-01-2014: “Exige-se, como se referiu, a prática de falsas declarações, de falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos de idêntico teor. A utilização de meio fraudulento pressupõe, cremos, uma conduta activa do agente, o «uso de um meio fraudulento “activo”, ou seja, uma conduta astuciosa comissiva que directamente induziu o erro ou engano e não uma mera conduta omissiva do agente», como bem se observa no Ac. RE de 8/11/2005, supra aludido. E a verdade é que, como refere a Digna Magistrada do MP na resposta que ofereceu em 1a instância, «o silêncio dos arguidos não é um “meio fraudulento”. Não é “meio” porque, para isso, tinha que ser uma conduta activa e não é “fraudulento” porque, para isso, teria que ser minimamente elaborado, o que não acontece». (...) Na realidade, como já se decidiu nesta Relação de Évora (Ac. de 13/1/2009, CJ ano XXXIV, t. I., 277 e segs.), não são idênticas, no que diz respeito ao processo típico de execução, «as normas contidas nos artos 217o do C. Penal e 87o, no 1 do RGIT, sendo certo que dúvidas parecem não subsistir de que ambos constituem crimes de resultado e de execução vinculada. Contudo, o legislador tributário, diferentemente do legislador do C. Penal, concretizou a “matriz” dos meios fraudulentos tendentes a induzir o erro ou engano, e ao fazê-lo, fê-lo com referência a condutas astuciosas comissivas activas e não já a meras condutas omissivas do agente, aspecto que obsta à tese defendida pelos recorrentes da equiparação da omissão à acção, nos termos do arto 10o do C. Penal, o que encontra fundamento no último (trecho) do no1 do citado preceito “salvo se outra for a intenção da lei”»”.
Acórdão de 30-10-2014: “Tem sido entendimento de alguma jurisprudência - vide acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 01.02.2006, in CJ, T.I, 2006, p. 258 - que a burla tributária, contrariamente ao que sucede com a burla comum não se exige o uso de erro ou engano sobre os factos, astuciosamente provocado, ou seja, uma qualquer actuação astuciosa, sendo bastante para a sua verificação o uso de falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos. Todavia, sempre se dirá, que tal ideia permanece, pelo menos, subjacente na referência aos meios fraudulentos. (...) Não se desconhecendo as posições veiculadas por alguma jurisprudência e doutrina acerca do cometimento de alguns crimes de burla por omissão, (...), afigura-se-nos que o crime aqui em causa resiste a esse entendimento, pois exige actos positivos do agente, ou seja, (como se afirma no Acórdão acima mencionado [o de 08.11.2005, proferido no processo no 1598/05-1 – introdução nossa cabal esclarecimento]) «meio fraudulento “activo”», ou seja, uma conduta astuciosa comissiva que directamente induziu o erro ou engano e não uma mera conduta omissiva do agente, que, aproveitando-se da circunstância da vítima desconhecer a nova realidade, continua a receber as prestações que lhe foram atribuídas. Neste sentido também se dirige o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 26.01.2011, proferido no processo no 370/06.7TACBR.C1 e os Acórdãos desta Relação de 31.01.2006, (relator Domingos Duarte), in CJ, Ano XXXI, pág.257 e 258, e de 13.01.2009, (relatora Maria José Nogueira), in CJ, Ano XXXIV, tomo I, pág.277 e 278”.
17. Com o devido respeito, propugnar que a idoneidade do meio apenas tem de ser aferida no caso da tentativa, com base na ideia de que sempre que há consumação então é porque o meio se revela sempre idóneo, parece ao Respondente uma assumpção dogmática frágil e perigosa de presunção iuris et de iure de idoneidade e que tratará de forma igual e indiscriminada todas as situações de facto, desde logo mesmo aquelas em que a atribuição foi efectuada pela Administração Tributária em decorrência de grave erro ou incúria desta.
18. A ser assim, então ficaria esvaziada de sentido dogmático e até político-criminal toda a arquitectura do crime de Burla, seja a comum seja a especial, que assenta em uma autolesão inconsciente determinada pelo engano, sendo que a representação da realidade pela vítima do crime surge deturpada precisamente porque há uma divergência entre a realidade que é representada e a realidade real, e essa representação ocorre por efectivo engano e não por desleixo ou incúria da vítima.
19. Se a lógica da incriminação, como defendido no recurso interposto, for tão-somente: engano (falsas declarações)---atribuição = presunção idoneidade do meio, então, naqueles casos em que a Administração Tributária nem sequer avalia a bondade do requerido, por falta de meios, por incúria, leviandade ou grave negligência, e procede à atribuição patrimonial requerida, como dizer nestes casos que a Administração actuou determinada pelo engano e que este foi a causa da deslocação patrimonial, tendo actuado a vítima em erro?
20. Tal só seria possível nos casos em que a “determinação” da Administração Tributária, em função do requerido pelo agente, resultaria da decorrência directa da lei sem mediação de juízos de oportunidade.
21. Pelo que, nos casos em que se impõe um juízo de oportunidade pela Administração Tributária, ou seja, por exemplo, nos casos em que nem sequer é aceite a figura do deferimento tácito por decorrência do tempo, a presunção iuris et de iure da idoneidade do meio não se aceita quando a vítima do crime nada representa e se limita a aceitar como devido/legítimo o requerido (transformando uma situação em que se impõe o seu juízo de oportunidade mas a mesma é transformada, ao invés, em uma situação como se a atribuição fosse um caso de decorrência directa da lei).
22. Nestas situações, claramente não há actuação determinada pelo engano, porque de forma simples, nada é analisado: quer o requerido seja verdadeiro quer seja erróneo, o resultado é sempre o mesmo, pelo que não existe determinação, erro e atribuição patrimonal no sentido dogmático e político criminal tipicamente relevante e que se impõe.
23. E, nestas situações, afirmar que a avaliação do requerido pode ser sempre feita a posteriori (até aos limites dos prazos de caducidade ou prescrição) não configura actuação que se aceite a uma Administração Tributária própria de um Estado de direito material.
24. Em suma, e como se sintetiza em parecer junto aos autos, no 3.º Volume Tramitação, “E é assim pela razão simples mas decisiva de que a concessão dos benefícios fiscais não decorria de forma automática ex lege, antes dependia de juízos de oportunidade da Administração Fiscal. Nunca, por isso, se podendo dizer que, com a sua actuação supostamente enganosa, os agentes teriam determinado a Administração Fiscal a realizar a deslocação patrimonial (conceder os benefícios) se tal fosse uma decorrência directa e cogente da lei, sem a mediação dos juízos de oportunidade. Só então a simples representação errónea da realidade corresponderia à fattispecie das normas que regulam os benefícios fiscais e determinaria, sem mais, a outorga do regime especial com a consequente deslocação patrimonial. Assim: supondo que os agentes enganaram a Administração fiscal (e não enganaram); e provocassem na Administração fiscal um erro (e não provocaram), a verdade é que eles não determinaram a Administração fiscal à deslocação patrimonial. Porque esta não era a consequência normativa, legal e coercivamente vinculada à representação da realidade (supostamente errada) pela Administração. É a conclusão irredutível e dirimente pela insuprível falta de um momento estrutural da factualidade típica”.
25. O ora Respondente não transcreverá a bondade e correcção do entendimento defendido e acolhido na decisão recorrida, mas sempre se afirmará que bem andou tal decisão na argumentação expendida nas páginas 34 e 36 a 39.
26. Tendo correctamente concluído que: “Falecem assim dois elementos essenciais do crime em causa, que são: a) a existência de uma conduta fraudulenta apta a induzir o erro ; e b) o erro propriamente dito”.
27. Em uma outra perspectiva de análise radicalmente diferente, cumpre ter em consideração que o recurso interposto também não considera correctamente a relação existente entre a Burla comum e a Burla tributária, sendo esta crime especial perante aquele.
28. Nestes termos, apesar de o recurso correctamente considerar que embora o tipo de burla tributária se tenha inspirado no tipo de burla comum, reitera-se que estes crimes são distintos entre si e, como já referimos, o primeiro apresenta-se como um tipo de burla especial em relação ao segundo (página 8), não se retiram daqui as consequências dogmáticas correctas de tal configuração.
29. Isto porque, em boa verdade, como se refere no já aludido parecer, “A Burla tributária veio criminalizar condutas que, se não houvesse RGIT, sempre seriam punidas pela incriminação homónima da lei penal comum. Na convergente e clarificadora formulação de Germano Silva, autor do projecto sobre que veio assentar o RGIT: na Burla tributária estará “reproduzido no essencial o tipo de burla, previsto e punível pelos artigos 217º e 218º do Código Penal”. Ditas as coisas em termos de categorização doutrinal, a Burla da lei penal comum configura um crime fundamental de que a Burla tributária constitui uma forma dependente ou derivada. Esta relação pressupõe que o crime dependente ou especial reproduza os momentos estruturais da factualidade típica e do ilícito material do crime fundamental. (...) Nesta linha, ao pôr de pé a Burla tributária, o legislador quis desenhá-la como uma forma específica do ilícito da Burla da lei penal comum. Quis, noutros termos, que ela reproduzisse a estrutura da factualidade típica da infracção comum. Por ser assim, a aproximação à factualidade típica da Burla tributária postula, num primeiro momento, a determinação da factualidade típica da Burla da lei penal comum. Para, num segundo momento, sinalizar as notas específicas da incriminação tributária.
30. E, neste sentido, o que há de diferente, como bem sintetiza a decisão recorrida, elencando os elemento que traduzem tal diferença – e, em abono da verdade, o recurso interposto, quanto a alguns desses elementos, também não deixa de o fazer, como por exemplo sucede quanto ao bem-jurídico ou à vítima do crime –, não tem que ver com a especial astúcia ou artifício fraudulento do agente, como bem se defende na página 33 da decisão recorrida.
31. Daqui se remetendo e voltando à análise de tudo o que sumariamente ficou referido nos pontos anteriores da presente resposta.
32. Já no que mais directamente diz respeito a a.2), ou seja, saber se a culpa da Administração Tributária exclui a responsabilidade criminal do agente, entende o Respondente que a argumentação do recurso, também aqui, passa por cima de toda a sedimentada construção dogmática do crime de Burla, seja ela a comum seja a tributária.
33. Relembre-se que, nos termos das conclusões n.ºs n.º 21 e 22 do recurso, “não importa apurar se a Administração Tributária agiu com o grau de diligência desejado tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, designadamente solicitando informações adicionais ou indagando sobre a efectiva verificação dos requisitos legais invocados pelos arguidos”.
34. Eis o que não se pode aceitar, atenta toda a aludida sedimentação dogmática que, ao longo de vários anos, doutrina e jurisprudência conseguiram paulatinamente construir.
35. Tudo o que na decisão recorrida se refere a:
- aplicação a este nexo causal do critério geral da “causalidade adequada”;
- a pessoa que se pretende enganar;
- a diligência mínima que lhe é exigida em função do caso concreto;
- especiais exigências à Administração Tributária neste plano e sua imposição legal;
- Princípio do inquisitório – artigo 58.º e al. c) do n.º 1 do artigo 54.º da LGT;
- Montante do benefício fiscal em causa e diligência acrescida;
- Eliminação do deferimento tácito dos requerimentos em causa, com o consequente aumento de tempo para correcta ponderação do requerido;
- Perguntas que podiam e deveriam ter sido efectuadas;
- Perplexidade sobre os motivos que levaram ao deferimento deste benefício fiscal;
- Demissão de funções, controlo “meramente declarativo” e acrítico, grau de negligência e leviandade da Administração Tributária; (páginas 34, 36-37 )
está correctamente formulado e decidido.
36. Quanto a esta matéria, cumpre remeter também para o aludido parecer, no 3.º Volume Tramitação, em especial o exposto a fls. 836.
37. Se, contudo, quanto a este ponto subsistirem ainda dúvidas, o que apenas por mero dever de patrocínio se concebe, analisemos de forma mais detalhada o recurso quanto a esta específica matéria.
38. Nestes termos, considere-se que é ainda no entendimento doutrinal de Almeida Costa que pretende também o recurso interposto ancorar a defesa da tese segundo a qual o descuido ou leviandade da vítima não excluem a responsabilidade criminal do agente quando, em todo o caso, se verifica uma efectiva lesão do património: “Sufraga-se igualmente o entendimento de que o descuido ou a falta de diligência da vítima não excluem a relevância jurídico-penal de uma conduta que, em todo o caso, consubstancia uma efectiva lesão do património, que sem a actuação do agente não teria lugar, como bem nota Almeida Costa, in Comentário Conimbricence do Código Penal, Tomo II, pág. 295 e ss.”.
39. Com, de novo, o devido respeito, nada mais errado, como de forma breve se demonstrará. Não é claramente essa a posição defendida assim como não pode esquecer a Recorrente o contexto em que tal posição apareceria supostamente defendida.
40. Nestes termos:
41. A Recorrente remete para pág. 295 e ss. da obra consultada. A ser assim, então a Recorrente expressamente referencia o § 15.º (comentário Burla comum). Este parágrafo analisa o elemento típico “astuciosamente”. E analisa-o, como imposto, desde logo em uma perspectiva de evolução histórica.
42. Por isso mesmo o Autor refere a profunda alteração por referência à técnica legislativa então utilizada no art. 451.º do CP de 1886. Que restringia a aplicação da Burla a um núcleo muito restrito de casos. Assim, informa o Autor que é preciso comparar a redacção actual do n.º 1 do artigo 217.º com o n.º 3 do artigo 451.º do CP 1886 pois este referia a expressão “artifício fraudulento”. Com base neste conceito, o Autor vem dar conta de que no século 19 existiam duas orientações divergentes: uma que se ligava a manouvres fraududuleuses que se identificavam com a prática de (e exigiam) actos materiais; e outra que identificava naquele conceito uma “mentira qualificada”, o que lhe permitia punir a burla por actos concludentes e por omissão. Continua o autor afirmando que hoje, quanto ao conceito de “astuciosamente”, deve afastar-se a orientação de Beleza dos Santos (mentira qualificada – “particular perigosidade do agente”). E porquê? Porque, segundo Almeida Costa, “na vida corrente (...) compete, em primeira linha, às pessoas adoptar as cautelas necessárias à defesa dos seus interesses”.
43. O que parece pôr em causa o afirmado no recurso interposto.
44. Quanto à concreta menção do Autor ao descuido e leviandade da vítima, o que se pretende claramente referir, pág. 298, é que de forma geral e abstracta não se pode afirmar que tais situações, desde logo, automaticamente, determinam a exclusão da relevância criminal de uma conduta (dando inclusive o exemplo do furto). Mas, releve-se, de forma geral e abstracta, isto porque, em desenvolvimento da sua tese, e em suma, o que o Autor de facto defende é, textualmente, que há um “entendimento, hoje pacífico, de que a idoneidade do meio enganador utilizado pelo agente se afere tomando em consideração as características do concreto burlado”.
45. No caso concreto, este suposto burlado seria, recorde-se, com todas as referidas implicações dogmáticas, a Administração Tributária, valendo aqui todas as considerações sobre esta matéria vertidas na decisão recorrida e que, por serem as que se devem ser acolhidas, para a qual se remete.
46. Mais se deve aludir, em abono da argumentação aqui exposta, às importantes considerações, decisivas mesmo, relativas ao conceito de “domínio-do-erro”, como pressuposto da responsabilização criminal do agente pelo crime de Burla. Que, claramente, inexiste in casu pela razão simples mas decisiva de que do outro lado, do lado do suposto enganado está a Administração Tributária, com tudo o que significa.
47. Um genuíno “domínio-do-erro” que é fundamento da imputação do resultado à conduta. No caso concreto os supostos agentes claramente não actuam com o domínio-do-erro dado tratar-se de um caso em que, por um lado, a suposta enganada Administração Tributária não se encontra em posição de inferioridade perante o agente e, por outro lado, conjugadamente, o benefício requerido tem de ser analisado pela Administração Tributária e concedido, não existindo qualquer deferimento tácito assim como o requerido não resulta atribuído de forma automática da lei, como, aliás, sucede com outro tipo de benefícios.
48. Acresce que a tese defendida pelo Ministério aplica-se, especialmente, para a burla por actos concludentes ou por omissão, e não claramente in casu em que os benefícios a atribuir sempre dependeriam do juízo de oportunidade da Administração Tributária.
49. Por fim, entende o Respondente que bastará mesmo que uma leitura superficial do comentário conimbricense do crime de Burla previsto no artigo 217.º do Código Penal, da responsabilidade do autor a que se tem referido, para facilmente se perceber que o então defendido em 1991 no Acórdão do STJ citado pelo recurso em causa não é mais válido à luz da evolução dogmática, doutrinal e jurisprudencial que se registou quanto a este tipo legal de crime. Basta, pois, para o efeito, voltar a reler o que aí se escreve sobre os conceitos de “bem jurídico”, “conceito jurídico-penal de património”, “conceito objectivo-individual de dano patrimonial”, “conduta típica e nexo de imputação objectiva” distinção entre “burla por palavras ou declarações expressas”, “burla através de actos concludentes” e “burla por omissão”, evolução histórica relativa ao conceito “astuciosamente”, “domínio-do-erro” em contraposição ao “domínio-sujeição” e “crime com participação da vítima” para assim se concluir.
50. Concluindo, bem andou a decisão recorrida na análise da matéria de direito que os factos convocaram, pelo que não deve proceder a argumentação e o peticionado em sede de recurso.
III – Do Decisão Recorrida – a matéria de facto
51. Também quanto à matéria de facto a decisão recorrida não parece merecer qualquer reparo.
52. O recurso interposto baseia esta sua impugnação em Incorrecta apreciação dos meio probatórios e, como se sintetizou, subdivida esta em: b.1) a Administração Tributária agiu determinada pelo erro; e b.2) os autos contêm indício suficientes do preenchimento dos elementos objectivos e subjectivos do crime de Burla tributária.
53. Como também sintetizado na presente Resposta, as conclusões que suportam o recurso nesta parte são a Conclusão n.º 9, n.º 11 – “ao contrário do juízo efectuado na decisão recorrida, resultam indícios suficientes de ter a Administração Tributária agido determinada pelo erro induzido pelos arguidos”; n.º 15, 16/17 – não foram considerados correctamente os depoimentos de FUB, APC e JJAT – e n.º 19 – a decisão instrutória não devia ter considerado suficientemente indiciados os factos descritos a 99 e 101 pois os depoimentos não o permitem concluir.
54. Por seu turno, por um lado, considerou a decisão recorrida indiciado que: “99º A Administração Tributária não efectuou nenhuma diligência no sentido de tentar apurar a real actividade da “I” previamente à concessão do benefício fiscal em causa”, “100º Adoptando uma postura de aceitar sem questionar as declarações da “I” e da “C” na pessoa do seu mandatário, o arguido NMCB, como era prática corrente na concessão desses benefícios”; e “101º Com a justificação de que à posteriori poderia controlar a veracidade dessas declarações e, caso não correspondessem à verdade, revogar o beneficio fiscal concedido”.
55. Por outro lado, não tendo considerado indiciado que ““b) que tenham sido praticados quaisquer actos por quaisquer arguidos (...) com o objectivo de induzir em erro a administração tributária e desse modo obter benefícios ilegítimos”; e “c) que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais tenha sido fraudulentamente induzido em erro e que, devido a esse mesmo erro, tenha decidido como se refere no ponto 84.º dos factos indiciados”.
56. Duas notas do Respondente:
- uma para assinalar que, perante a divergência exposta, é permitida a conclusão segundo a qual a Recorrente, atenta a forma como recorre, limita-se apenas a apresentar – em substituição da convicção do julgador – a sua própria convicção.
- Outra, complementar daquela, para perguntar: o que está em causa no presente recurso? Um erro reconduzível à categoria do erro na apreciação da prova? Um erro reconduzível (de forma adaptada) à categoria da insuficiência da matéria de facto indiciada? Um erro reconduzível à categoria (de forma adaptada) de erro de julgamento?
57. E tudo isto porquê?
58. Porque, como nos últimos anos se tem assistido, é patente por parte dos Tribunais de Relação um esforço no sentido de fazer sobressair aquelas diferentes formas de recurso tal como previsto no Código de Processo Penal (CPP).
59. O que, naturalmente, ainda que de forma adaptada – dado tratar-se de indícios e não de prova produzida em audiência de julgamento –, tem todo o sentido transpor para o recurso de decisões instrutória, porque submetido às normas constantes do CPP que se reportam a tal instituto.
60. Neste exacto sentido, são conhecidas as formulações jurisprudências tais como:
61. Quanto ao erro de julgamento: “a reapreciação só determina uma alteração à matéria fáctica provada quando o reexame realizado dentro das balizas legais, se concluir que os elementos probatórios impõem uma decisão diversa, mas já não assim quando esta análise apenas permita uma outra decisão”.
62. Quanto ao erro na apreciação da prova: “Quanto aos vícios previstos no n.º 2 do 410.º do CPP o tribunal de recurso apenas pode apreciá-los com base no texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras de experiência comum. Para além do mais, tais vícios têm de ser flagrantes e indiscutíveis, uma vez que a lei exige que sejam de tal forma patentes que não escapem à observação do homem médio”. E ainda, “Assim, para apreciação de tais vícios, o tribunal ad quem, por um lado, não pode socorrer-se do conteúdo de qualquer depoimento gravado (uma vez que é exterior ao texto), mas tão-somente ao que ficou vertido em sede de factos provados e não provados e fundamentação da convicção do julgador e, por outro, que não servem como fundamento para a sua verificação a mera possibilidade de um determinado acervo probatório permitir outra convicção alternativa”.
63. Perante esta realidade, e analisando o recurso interposto, perguntar-se-á legitimamente: o que pretende a Recorrente? Ainda que do recurso nada conste expressamente quanto a esta indicação, sem referência a normas, parece inequívoco que o pretendido é, precisamente, invocar o erro na apreciação da prova, ou seja, na perspectiva da Recorrente (e nas suas palavras Incorrecta apreciação dos meio probatórios), o Juíz de Instrução errou porque:
64. Considerou não indiciados factos que deveriam ter sido considerados indiciados e, reversamente, considerou indiciados factos que deveriam ter sido considerados não indiciados. Para o que concorre, na perspectiva da Recorrente, que não foram “considerados correctamente os depoimentos de FUB, APC e JJAT”.
65. Ora, perante o exposto, e olhando tão-somente para o texto da decisão recorrida, que foi elaborado considerando também as regras de experiência comum, não se descortinam aí:
- Contradições insanáveis entre a prova considerada e o decidido;
- Vícios flagrantes ou indiscutíveis ou patentes;
66. Relembrando que, para estes efeitos, o tribunal ad quem, por um lado, não pode socorrer-se do conteúdo de qualquer depoimento gravado (uma vez que é exterior ao texto), logo non est in mundo.
67. Haveria, como pretende a Recorrente uma outra versão alternativa? Possivelmente, eventualmente sim, como sucede na maioria dos casos controvertidos, mas as regras técnico-jurídicas têm de ser cumpridas, o que claramente sucede na decisão recorrida e não sucede com o recurso interposto.
68. Assim, se a Recorrente quisesse ter invocado uma situação semelhante à de erro de julgamento, a exigir do Tribunal ad quem uma nova valoração da totalidade da prova produzida em sede de instrução, então a Recorrente não se podia limitar a alguns excertos de alguns depoimentos assim como teria de considerar também o depoimento de todos os restantes intervenientes em instrução que foram ouvidos.
69. De todo o modo, e mesmo que assim não se entenda, deverá manter-se a avaliação da matéria de facto que consta da decisão instrutória e que foi, em boa verdade, analisada correctamente, em especial nas páginas 30-32 e 37-38.
70. De notar que a decisão recorrida, analisando as matérias de facto e de direito com o exigido rigor técnico-jurídico, procede a fundamentação clara e precisa e que claramente contraria a acusação que fora deduzida pelo Ministério Público, simplificando, na medida do possível, a plêiade de factos diversos e em certa medida complexos sobre os quais foi chamada a pronunciar-se.
71. Mesmo atenta a prova carreada e analisada em sede de instrução não é, pois, possível considerar preenchidos todos os elementos constitutivos do tipo legal de Burla tributária.
72. Pelo que, analisando agora a decisão recorrida e a correspondente decisão de não pronúncia, e analisando com rigor o recurso interposto, o ora Respondente pretende, também desde já, deixar claro que tal recurso não tem a virtualidade de poder pôr em causa a decisão recorrida.
73. Desde logo, e como constitui jurisprudência absolutamente pacífica, o recurso da matéria de facto vem concebido pela lei como remédio jurídico e não como instrumento ao serviço da realização de um novo julgamento. No caso concreto, de uma nova instrução. Pelo que a apreciação só determinará a alteração da matéria de facto dada como assente se a Relação concluir que os elementos de prova indicados, mais do que permitirem uma outra decisão, impõem uma decisão diversa da recorrida. E, como se analisará, no caso concreto não se vê como a globalidade dos elementos de prova impõem outra decisão.
74. A procedência do recurso interposto configura, pois, uma impossibilidade processual e uma clara violação do princípio da livre apreciação da prova. Mas também, do princípio da legalidade criminal em processo penal e em direito penal.
75. Daí que, uma vez mais conscientemente – mas com toda a segurança que lhe dá a fundamentação acolhida pela decisão recorrida em análise –, o ora Respondente se limita aqui a remeter para essa fundamentação constante das várias páginas já elencadas.
76. Em conclusão, é pois irrepreensível a argumentação – à luz, entre outros, do princípio da livre apreciação da prova – acolhida pela decisão recorrida, assim como é inequívoco o respeito por todas as regras e princípios processuais que se relacionam com a prova.
77. Ainda assim, mesmo que assim não se entenda, o dever de patrocínio exige que sejam aqui tecidas algumas considerações sobre os excertos das declarações que foram transcritas em sede de recurso.
78. O Recurso apoia-se no depoimento de JJAT, à data dos factos Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (SEAF), APC e FB, técnica tributária.
79. Afirmando-se existir erro na apreciação de facto em virtude:
a) Conjugados os três depoimentos – e tão-só estes escolhidos pela Digna Magistrada do MP – concluiu-se que os pedidos de isenção eram apreciados com base nas informações prestadas pelos requerentes;
b) Que aceitavam como boas e fidedignas as informações prestadas;
c) Pelo que não se realizavam diligências para as confirmar, pelo que a análise era meramente declarativa.
80. Quanto ao então SEAF, transcreve-se no recurso ter deposto o mesmo nos seguintes termos:
- “análise efectuada em função... era uma análise declarativa em função daquilo que era apresentado pelos proponentes em relação à operação, aquilo que não pudesse ser verificado, que era o caso, a questão de não ter dívidas ao Fisco e à Segurança Social, etc. Em relação à questão da actividade económica (...) o entendimento que era dado era que esse controlo era ex post, (...) e então era a posteriori que se verificava se essa entidade reunia as condições, isto é se a actividade que exercia, a actividade operacional, era aquela que tinha dito ou não... se não fosse, os serviços de inspecção iriam propor a revogação dos incentivos e foi isso que aconteceu neste caso concreto, em que, a posteriori, num controlo ex post, se verificou (...)”.
- No caso de uma empresa nova o que se vai fazer é um controlo ex post até porque se é nova é porque nem sequer tem passado, é uma empresa nova que vai surgir, “portanto, aceita-se como fidedigna, como boa a informação que a empresa declarou e mais tarde vai-se verificar efectivamente o que é que a empresa tem” (22:00: a 23:05).
81. Deste depoimento retira a Recorrente as seguintes conclusões: i) o requisito do exercício efectivo era condição para a atribuição do beneficio e que ii) a Administração Tributária conferia credibilidade suficiente às declarações dos requerentes. Acrescentando o Ministério Público que é impossível à Administração Tributária verificar a veracidade de todas as declarações prestadas por todos os contribuintes.
82. Quanto a i) não se percebe onde foi a Recorrente retirar tal conclusão. Quanto a ii) tal não é minimamente correcto. Senão vejamos, o que a testemunha refere, ex-SEAF, é claramente a negação da possibilidade de prática de Burla em situações como a analisada nos presentes autos.
83. Porque, segundo o mesmo, nunca a Administração Tributária estaria em situação de engano ou erro, com ou sem astúcia, tão simplesmente porque independentemente do que fosse afirmado pelos contribuintes, o facto é que o controlo só e sempre ocorreria a posteriori e aí se veria.
84. É, não há forma mais simples de o dizer, a negação da capacidade de a suposta vítima ser enganada.
85. E a negação do que vem escrito na acusação, ou seja, que o SEAF creu que as informações....
86. O SEAF, por sinal, nada creu...
87. Relembre-se que no recurso a que se responde conclui-se que o entendimento da decisão recorrida é errado, afirmando que, em concreto, o SEAF, “ao deferir o pedido de concessão do benefício fiscal, agiu na convicção de que eram verdadeiras as declarações apresentadas no requerimento (...) por as reputar credíveis, como era procedimento habitual nestes casos, e só por lhes reconhecer essa credibilidade, concede a isenção fiscal requerida”.
88. Nada mais errado, como demonstrado.
89. Acrescentar, como o faz o recurso, que é impossível à Administração Tributária verificar a veracidade de todas as declarações prestadas por todos os contribuintes é, no contexto do benefício em questão, para dizer pouco, insólito e uma afirmação que não merece, com o devido respeito, credibilidade.
90. Metodologicamente, o ora Respondente poderia analisar e escalpelizar detalhadamente todo o depoimento do então SEAF para desta forma demonstrar a incorrecta argumentação do MP e a correcção da decisão instrutória. Contudo, não o fará, e, por economia de esforços, apela que este Venerando Tribunal o analise nos termos em que vêm descritos em tal decisão instrutória porque aí tudo se analisa – e não apenas alguns excertos – e no sentido técnico-jurídico correto.
91. Já quanto ao depoimento da testemunha APC, o excerto transcrito, apesar de terminar com a declaração de que o seu parecer seria obviamente negativo, é totalmente contraditório e imperceptível.
92. Além disso, é totalmente contraditório com outro excerto não transcrito pelo MP. De forma clara: “extraí de todo esse expediente que a fusão das empresas visava a concentração entre marca C e a S, pois, na minha perspectiva, era a única situação que faria sentido, e que se mostraria competitivamente viável” e até contraditório com a aquela ideia de que o parecer seria obviamente negativo.
93. Acresce que defende o recurso que foi com base neste parecer positivo que o benefício fiscal foi deferido. Nada mais errado na medida em que este seria sempre “objecto de posterior despacho (de deferimento ou de indeferimento) pela Directora do Gabinete de Planeamento e Política Agro-Alimentar”.
94. Finalmente, quanto ao depoimento da testemunha FeUB, técnica da administração fiscal, regista-se que neste caso a Recorrente não optou por apenas transcrever alguns excertos do seu depoimento. A Recorrente nada transcreveu e limita-se a expor a sua convicção pessoal sobre a prova, diferente da do Juiz decisor, afirmando que: “concatenando os depoimentos das aludidas testemunhas, resulta que ....”. Sem nada transcrever quanto ao mesmo que, assim como sucedeu com o depoimento analisado anteriormente, foi prestado perante órgão de polícia criminal (a Polícia Judiciária) e não perante qualquer magistrado, do Ministério Público ou Judicial.
95. Ainda assim, de qualquer forma, uma leitura do resumo das declarações desta testemunha permite concluir que, com relevo e no sentido da argumentação propugnada pela Recorrente, nada se regista. Aliás, o que ali vem referido é a confirmação de que o já referido controlo era efectuado a posteriori e que no caso concreto nada pôde a testemunha atestar por estar “o parecer já ao nível do SEAF
96. Em suma, dos depoimentos analisados, e apenas destes porque os referidos pela Recorrente, não se podem extrair as conclusões que a mesma pretende impor agora a este Venerando Tribunal.
97. E, para finalizar, o Respondente sempre poderá legitimamente questionar-se porque não foi considerada a prova indiciária até aqui produzida na sua globalidade, ou seja, porque foram desconsiderados outros depoimentos?
98. Se ao recurso tivessem sido trazidos também outros depoimentos com relevo, seria a mesma a conclusão da Recorrente? Estamos certos que não.
99. Alude-se, pois, a título meramente exemplificativo, aos seguimentos depoimentos e passagens: (…)
100. Mais ainda, porque não foi considerado e transcrito o depoimento do então SEAF na sua globalidade, dado que se o tivesse sido, claramente se perceberia tudo o que vem defendido na decisão recorrida.
101. Em suma, atenta a forma como a matéria de facto é analisada em sede de recurso, e atentos inclusive apenas os depoimentos aí analisados, não é possível concluir, em termos técnico-jurídicos rigorosos e que possam ser aceites, tal como pretende a Recorrente.
102. Atento tudo o que sumariamente fica respondido, estando a presente resposta limitada pelo objecto do recurso, terá necessariamente de concluir-se pela correcção e manutenção no ordenamento jurídico da decisão instrutória recorrida.
103. O que se requer, desde já.

NMCB nos seguintes termos:


· O tipo de crime de burla tributária, à semelhança do crime da burla comum, exige o emprego de um meio astucioso, o qual será concretamente definido tendo em conta o concreto interlocutor;
· O tipo de crime de burla tributária, tanto em casos de tentativa, como em casos de consumação, à semelhança de todos os crimes, exige sempre a apreciação da concreta idoneidade da ação, pois essa mesma averiguação resulta diretamente da conceção de ilícito penal, por um lado, e da adoção da teoria da causalidade adequada, por outro;
· Não foram recolhidos indícios de que, em concreto, tenha existido, por parte dos Arguidos e, especificamente, por parte do Arguido NMCB, a mobilização de um meio astucioso e idóneo a induzir a Administração Tributária em erro, seja porque se considera que o descuido ou a negligência do burlado exclui a relevância jurídico-criminal da conduta dos Arguidos, seja porque se reconhece ser essa a única solução possível nos termos de uma correta aplicação da teoria da causalidade adequada, tendo em conta o dever do inquisitório que sobre a Administração Tributária, por imperativo legal, impende.
A) Sobre a (suposta) atuação em erro por parte da Administração Tributária
No ponto 3.2. das Motivações de Recurso apresentadas pelo Ministério Público (pp. 13 e ss.), vem referir-se, em suma, o seguinte:
1. O requerimento apresentado pelos Arguidos com vista à concessão de benefícios fiscais era dotado de uma aparente fundamentação e coesão, conferindo-lhe credibilidade, razão pela qual a Administração Tributária, na análise declarativa que (supostamente) leva a cabo neste tipo de casos, tomou tais informações como verdadeiras, concedendo o benefício;
2. O pedido de parecer prévio apresentado referia que as empresas desempenhavam a mesma atividade, o que foi reputado de fidedigno pelo Ministério da Agricultura para efeitos da emissão de parecer prévio positivo.
3. Assim sendo, e em suma, «a testemunha APC [pessoa que elaborou o parecer da Tutela], ao proferir parecer positivo sobre a operação de fusão, quer a testemunha JJAT [Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais], ao deferir o pedido de concessão do benefício fiscal, agiram com a convicção errónea, induzida pelos meios fraudulentos utilizados pelos arguidos, que a Inbepor exercia efectiva e directamente uma actividade económica compreendida na actividade exercida pela Compal 1» (cf. Motivações de Recurso, p. 17).
Decorre da precedente citação que a posição do Ministério Público se encontra inquinada ab initio por considerar que in casu existiu, de facto, um meio fraudulento bastante para efeitos da consumação do crime de burla tributária.
Viu-se no inciso anterior que o tipo de crime da burla tributária exige, não qualquer meio fraudulento, mas um “meio fraudulento qualificado” – a saber: astucioso e idóneo.
Também aí se considerou que, in casu, nem sequer ficou indiciada a existência do assinalado meio fraudulento que o tipo de crime em apreço verdadeiramente exige.
Será, pois, escusado replicar, no presente ponto de análise, toda argumentação aí expendida a propósito dos requisitos que o meio fraudulento deve preencher, em concreto, para o efeito desejado pelo Recorrente – argumentação para a qual se remete, sob pena de repetição.
Assim sendo, de momento, importará apenas perceber se a Administração Tributária, ao conceder os benefícios fiscais em apreço, atuou ou não num estado de erro juridicamente relevante.
À questão de saber se a Administração agiu em erro (tout court), responde o próprio Ministério Público na afirmativa e isso não pretende o Arguido contestar,
Porquanto, para o direito penal, o que importa não é saber se o burlado agiu em erro (nesse tipo “simples” de erro!), mas sim se esse mesmo erro deveria ter tido lugar,
Ou seja e por referência ao caso concreto: importa saber se o “erro” em que a Administração Tributária incorreu ainda pode ou não pode ser tutelado pela ordem jurídica.
Assim,
O Recorrente assenta toda a sua construção na ideia de que, no caso concreto, nada mais do que uma mera “apreciação declarativa” era exigida ao Ministério da Tutela e, para o que mais aqui interessa, ao Ministério das Finanças.
Nesses termos, considera perfeitamente razoável que se presumisse que (i) as declarações dos Arguidos eram credíveis e fidedignas e que, (ii) na sequência disso, tivesse lugar a posterior atribuição “cega” de parecer prévio positivo (pelo Ministério da Tutela) e a ulterior concessão de benefícios fiscais (pelo Ministério das Finanças).
Assim sendo, e se bem se compreende, no seu recurso, o Ministério Público acaba por não contradizer, de modo absoluto, a Decisão Recorrida.
Com efeito, dessa forma, o Recorrente acaba por assumir que a apreciação levada a cabo pelos vários polos decisórios assentou em presunções – tal como concluiu a Decisão Recorrida, na p. 31 –, por ser esse, segundo diz, o «procedimento habitual» neste tipo de casos (cf. Motivações de Recurso, p. 16).
Onde o Ministério Público diverge do Juiz a quo – e do Arguido NMCB – é quando “deixa no ar” a ideia de que tal apreciação é a expectável, não sendo nada mais exigível por parte da Administração.
Mas, e uma vez mais com o respeito devido, é errada esta ideia.
Com efeito, a este propósito, e remetendo para os artigos 130.º e ss. do Requerimento de Abertura de Instrução apresentado pelo Arguido NMCB, há que observar que:
Em primeiro lugar, ao contrário daquilo que é sugerido pelo Ministério Público, é inequívoco que o princípio do inquisitório é um princípio geral da Administração Pública, e que, pese embora deva ser sempre respeitado, não o foi em concreto, tanto pelo Ministério da Agricultura, como pelo Ministério das Finanças.
Em segundo lugar, e como decorrência do que antecede, mesmo em face de um parecer positivo por parte do Ministério da Agricultura, devia a Administração Tributária ter efetivamente “verificado” os pressupostos dos benefícios, tal como determina, expressamente, o artigo 3.º, n.º 1, do DL 404/90 – o que não aconteceu –.
Tanto mais porque é ponto assente que «não são vinculativos os pareceres emitidos pelo Ministério da Tutela ou pela Direcção-Geral de Concorrência e Preços, sendo apenas um elemento de apreciação do Ministério das Finanças»[2]
E que «[a]tento esse carácter não vinculativo, a decisão final caberá sempre ao Ministério das Finanças, e deverá pautar-se pelo exame da conformidade do acto projectado com os objectivos enunciados pelo legislador»[3] (com destaques nossos).
Em terceiro lugar – e se dúvidas restassem –, o Grupo de Trabalho de Reavaliação dos Benefícios Fiscais (GTRBF), no seu Relatório de Setembro de 2005, recusou a possibilidade de se prever uma “concessão automática de benefícios”, pela razão de este tipo de benefício ser concebido como um “benefício dinâmico” ou seletivo[4], que efetivamente «justifica a intervenção ex ante do órgão aplicador com a margem de discricionariedade que lhe é autorizada na definição normativa dos pressupostos do benefício»[5].
Com efeito, segundo confirma o próprio GTRBF, da Lei apenas resulta o ónus dos Arguidos de instrução do procedimento tendente à concessão dos benefícios fiscais[6], cabendo à Administração Fiscal a obrigação de verificação, por todos os meios ao seu dispor dos pressupostos de facto e de direito de que a Lei faz depender a efetiva concessão (!).
Em quarto lugar, e como argumento adicional que, aliás, corrobora tudo o que se disse acerca da efetiva vigência do princípio do inquisitório no seio da Administração Pública, recorde-se o comportamento (desejavelmente) ativo, inquisitório e, por isso mesmo, diligente adotado pelo Ministério da Economia[7], que considerou a documentação entregue insuficiente, exigindo esclarecimentos – reação que se afasta totalmente daquela verificada (rectius: não verificada!) junto da Administração Tributária!
Numa palavra:
Era expectável – porque legalmente exigido – outra atitude, tanto por parte da Tutela, como por parte da Administração Tributária.
Ora,
Foi precisamente abordando a temática desta forma que a Decisão Recorrida concluiu – e bem – pela postura de total indiferença da Administração Tributária em face do requerimento co-apresentado pelo Arguido NMCB, por não ter existido, em momento algum, um real apuramento dos factos, seja por indagação direta dos serviços, seja através de pedidos de esclarecimento/informações adicionais.
Com efeito, sublinha a Decisão: «tivesse a AT agido com o mínimo de diligência que lhe era exigível, teria exigido informações adicionais à Inbepor (como por exemplo o seu balanço) ou teria mesmo utilizado as bases de dados ao seu dispor (por exemplo a base de dados dos Serviços do IVA) para facilmente concluir que esta sociedade não tinha actividade económica efectiva e directa» (cf. Decisão Recorrida, p. 38).
É pois firme convicção do Arguido que o Juiz a quo decidiu corretamente ao referir que «a Administração Tributária não foi enganada, antes tomou uma decisão consciente de tomar por boas as declarações dos requerentes» (cf. Decisão Recorrida, p. 31),
E ao vincar que «[s]e a AT não agiu com a diligência mínima que lhe é exigida e se conclui que, se o tivesse feito, o erro não teria sucedido, então está afastada a prática deste crime» (cf. Decisão Recorrida, p. 34).
Assim sendo,
Concedendo-se que a Administração tenha agido em erro (tout court) – o que, sempre se sublinhe, se concede em tese, para efeitos de raciocínio (atendendo a que só o Ministério Público parece estar convicto do erro da Administração Tributária, já que esta, até hoje, nunca agiu enquanto tal – vide, por exemplo, fls. 2782 e ss, de onde resulta que o ato em apreço nunca foi revogado, pese embora o direito que assistia à Administração Tributária, fosse ela verdadeira “burlada”),
Certo é que a mesma não atuou em erro juridicamente relevante.
Ora, e como é bom de ver, a presente discussão não se consegue afastar daquela que foi desenvolvida atrás e que contendia com a avaliação da concreta idoneidade do meio para induzir a Administração em erro,
Pois é por demais evidente que só será relevante o erro que, em concreto, tenha na sua base uma causa “normal” e “expectável”, tendo em conta as circunstâncias do caso, aí incluídas, para efeito da burla, as características do interlocutor (maxime: do burlado).

***
Ora, por tudo quanto foi exposto, e a acrescer à síntese já supra exposta, importa sublinhar o seguinte:
· Em concreto, não foram recolhidos indícios de que a Administração Tributária tenha agido em erro juridicamente relevante, porque uma Administração Tributária inquisitória e diligente, que analisasse criticamente – e não “declarativamente” – a documentação apresentada pelos Arguidos (como o fez o Ministério da Economia!), teria lançado mão de meios que a teriam permitido obviar o desconhecimento da factualidade com base no qual atuou.
Nestes termos e nos demais de Direito cujo douto suprimento de V. Exas. se invoca, deve o Recurso ora sob resposta ser julgado totalmente improcedente
*

O Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal da Relação emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso.

Deu-se cumprimento ao disposto no artigo 417º n.º 2 do Código de Processo Penal e foi apresentada resposta por NMCB.


*

B - Fundamentação:

B.1.1 - O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos:

1º - Em meados do ano de 2005, a N, holding do Grupo M para o sector agro-alimentar, anunciou a intenção de proceder à venda integral das participações sociais que detinha nas empresas C S.A e N S.A.
2º - A C S.A tinha o NIPC 000.000.000 (doravante designada por Compal 1 por facilidade de exposição) e a N o NIPC 000.000.001
3º - A C 1, tinha sede na Estrada Nacional e operava com o CAE 15320 – fabricação de sumos de frutos e de produtos hortícolas, sendo detentora das marcas C, um B, B, F, todas avaliadas em 31.12.2005, por entidade independente, em 373,9 milhões de euros. (fls. 6 1º vol. tramitação; fls. 161 seg. apenso G)
4º - À data, eram membros do Conselho de Administração da C1:
- MACJM
- AMRS;
- AMPL;
- JBR. (fls. 6 1º vol. tramitação; fls. 161 seg. apenso G)

5º - Ao tomarem conhecimento da intenção do Grupo M acima referida, a CD, SGPS, SA, sociedade pertencente ao Grupo, e a S S.A. decidiram consorciar-se com o intuito de adquirirem os referidos activos e delinearam que tal operação de aquisição seria feita através de uma sociedade detida por ambas e a ser constituída para o efeito.

6º - A S S.A., que tem o NIPC 000.000.002 e sede na Estrada, operava com o CAE 15982 – fabricação de refrigerantes e de outras bebidas não alcoólicas, passando posteriormente a operar com o CAE 46382 – Comércio por grosso de outros produtos alimentares, bebidas e tabaco. (fls. 687 seg. 3º vol. tramitação)
7º - Era presidente do Conselho de Administração da Sumolis, à data, ASBPE e vogal, entre outros, JTJGP. (fls. 687 seg. 3º vol. tramitação)
8º - A CD, SGPS, SA, com o NIPC 000.000.003, é uma sociedade de cariz financeiro, holding do Grupo, vocacionada para a aquisição e detenção de participações de carácter estratégico no âmbito das actividades do grupo na área do capital, correspondendo a sua actividade ao CAE 74150 – actividades das sociedades gestoras de participações sociais, actualmente CAE 64202 – actividades das sociedades gestores de participações sociais não financeiras. (fls. 731 a 742 – 1º vol. tramitação)
9º - Nos exercícios de 2005 a 2007, o Conselho de Administração da CD, SGPS, SA foi composto pelos arguidos:
- ASA (presidente);
- JMCC (vogal).
- VMPCO (vogal); (fls. 731 a 742 – 1º vol. tramitação)
10º - A CD, SGPS, SA. é uma sociedade indirectamente controlada pela C SA, através do Banco SA. (fls. 731 a 742 – 1º vol. tramitação)
11º - O Banco SA tem o NIPC (...)
12º - Até 01.01.2008 esteve cadastrado pelo exercício da actividade correspondente ao CAE 65120 – seguros não vida, operando actualmente com o CAE 64190 – outra intermediação monetária.
13º - Nos exercícios de 2006 e 2007, integraram o Conselho de Administração do Banco SA:
- o arguido JHCT,
- AMMG,
- ACBM,
- LLL,
- GVGCMB e
- CJRSF. (fls. 745 – 3º vol. tramitação)
14º
Em 24.10.2005 a Banco SA apresentou à sua associada C, SGPS, SA e à S (doravante designadas por consórcio), nas pessoas do arguido AA e de ASBPE, uma proposta de prestação de serviços de assessoria financeira para compra da totalidade do Capital Social da C1 e da N, a cujos termos e condições a C, SGPS, SA e a S deram o seu acordo. (fls. 57 a 64, 1º volume tramitação)
15º - Os serviços a prestar pelo Banco SA situavam-se no âmbito da avaliação económico-financeira da C e da N e no apoio ao processo negocial e estruturação das operações subjacentes. (fls. 57 a 64, 1º volume tramitação)
16º - O consórcio formado pelas supra identificadas empresas do Grupo C e do Grupo S apresentou uma proposta vinculativa para aquisição das participações sociais da C1 e da N pelo montante de € 426.000.000, deduzido do montante da dívida líquida destas sociedades à data da transmissão das acções.
17º - Tal proposta foi aceite e culminou com a celebração de diversos contratos no dia 2.11.2005, de entre os quais se destacam os contratos de compra e venda de 100% do capital social da C SA. e da N S.A., celebrados, respectivamente, entre a Cinvest SGPS S.A. e a Ninveste SGPS S.A., como vendedoras, e a C, SGPS, SA e a S, como compradoras, estas na proporção de 80% e 20%.
18º - Na mesma data foram celebrados contratos de abertura de crédito em conta corrente através dos quais a Cconcedeu à C, SGPS, SA e à S crédito em regime de conta corrente, à primeira até ao montante de 250.960.000,00€ (duzentos e cinquenta milhões e novecentos e sessenta mil euros) e à segunda até ao montante de 62.740.000,00€ (sessenta e dois milhões setecentos e quarenta mil euros), destinando-se tal crédito a financiar a aquisição das acções representativas do capital social das supra mencionadas sociedades. (fls. 66 a 84 e 86 a 105 – 1º vol. tramitação)
19º - Ainda no mesmo dia, 02.11.2005, a sociedade S fez uma divulgação à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários na qual dá conta de que, em grupamento com a C S.A., celebrou contratos que visam a aquisição, por intermédio de sociedade a constituir para o efeito, da totalidade do capital social das sociedades “C S.A.” e “N S.A.”
20º - No dia seguinte (3.11.2005) a S efectuou nova comunicação ao mercado, via CMVM, onde consta, além do mais: “Estima-se que até ao final do primeiro semestre de 2006 a sociedade a constituir e a C sejam objecto de fusão, mantendo a S e a C, SGPS, SA, SGPS SA, a mesma percentagem nas participações sociais”.
21º - Em 16.11.2005, nos termos do art. 9º e 31º da Lei 18/2003, a C, SGPS, SA apresentou à Autoridade da Concorrência, a notificação Prévia da operação de Concentração de empresas, já que a aquisição efectiva das referidas empresas, pelo consórcio formado pela C, SGPS, SA e pela S dependia da declaração de não oposição da Autoridade de Concorrência.
22º - Da referida notificação, consta o seguinte: “ …a presente operação configura uma aquisição de controlo exclusivo sobre a C pela C” “a concentração objecto da presente notificação consiste numa aquisição de controlo exclusivo, pela C, SGPS, SA sobre a C, no sentido que a este termo é dado para os efeitos da Lei nº 18/2003…”
“Assim, desde logo, está estabelecido que, após a concretização da aquisição das acções objecto dos contratos celebrados com a Ninveste, se procederá a uma fusão a C com a NW [CONFIDENCIAL], a qual não afectará de todo a estrutura de participações existente, isto é, a relação 80/20 entre os accionistas”.
23º - Em concretização da operação previamente delineada, no dia 16.12.2005, é celebrado o contrato de constituição da sociedade In SGPS, S.A., a qual é detida em 80% pela C, SGPS, SA. e em 20% pela S e por outras três empresas do Grupo S (fls. 108-124 – 1º vol. tramitação; fls. 620-657 – 2º vol. tramitação)
24º - A In fixou a sua sede e foi-lhe atribuído o NIPC 000.000.004. (fls. 108-124 – 1º vol. tramitação; fls. 620-657 – 2º vol. tramitação)
25º - Esta sociedade foi cadastrada pelo exercício da actividade correspondente ao CAE 74150 – actividades das sociedades gestoras de participações sociais - e tinha por objecto exclusivo a gestão de participações sociais noutras sociedades. (fls. 108-124 – 1º vol. tramitação; fls. 620-657 – 2º vol. tramitação)
26º - Por deliberação de 23.12.2005, o Conselho de Administração da In para o triénio 2005/2006, era composto por:
Presidente: o arguido ASA,
Vogais: - o arguido JMCC,
- JTJGP. (doc. 10 apenso G)
27º - O contrato de tal sociedade, ao abrigo do disposto no art.º 19º do Código das Sociedades Comerciais, ratificou expressamente os diversos negócios jurídicos concluídos antes da sua escritura de constituição e que visaram a aquisição do capital social da C1 e da N.
28º - Assim, a In assumiu expressamente os direitos e obrigações emergentes designadamente dos contratos de compra e venda do capital social das mencionadas sociedades, antes celebrados pela C, SGPS, SA e pela S com a Cinveste e com a N, e os contratos de abertura de crédito em conta corrente celebrados por aquelas com a C.
29º - Na realidade, a In foi criada com o intuito exclusivo de permitir ao consórcio constituído pela C, SGPS, SA e pela S a aquisição, por seu intermédio, do capital social da C e da N, funcionando como aquilo que comummente é denominado, no mundo financeiro, por “sociedade veículo”.
30º - Enquanto Sociedade Gestora de Participações Sociais (SGPS), a In ficou obrigada ao cumprimento do regime jurídico das SGPS’s (DL 495/88, de 3 de Dezembro), das sociedades de capital de risco e investidores de capital de risco e ao Estatuto dos Benefícios Fiscais.
31º - Posteriormente, em 30 de Dezembro de 2005, a C, SGPS, SA transmitiu ao Fundo de Capital de Risco para Investidores Qualificados Grupo (abreviadamente designado por “FIQ Grupo”) 12.500 (doze mil e quinhentas) acções representativas de 25% do capital social da In, reduzindo assim a sua participação para 55% do capital social.
32º - O FIQ Grupo é um fundo de capital de risco gerido pela C S.A. em 92,3% e pela Direcção Geral do Tesouro em 7,7%.
33º - Entretanto, no desenvolvimento da operação delineada, e ainda enquanto aguardava a autorização da Autoridade da Concorrência, em meados de Dezembro de 005, a C, SGPS, SA, na pessoa do seu administrador o arguido JMC, solicitou à D & Associados SROC S.A., a realização de um estudo tendente a avaliar o impacto fiscal da planeada operação de aquisição da C1 e da N pela C, SGPS, SA e pela S, enquanto accionistas indirectos, através de uma sociedade detida por ambas e a ser constituída para o efeito (designada por NW).
34º - Com o intuito de definir o âmbito dos serviços solicitados, realizou-se uma primeira reunião, no dia 6 de Dezembro de 2005, nas instalações do Banco em que estiveram presentes da parte da C, SGPS, SA o arguido JMC, acompanhado de MBF, director administrativo e financeiro da Capital –Sociedade de Capital de Risco S.A. (sociedade responsável pela área operacional da C, SGPS, SA, a qual não tem qualquer estrutura operacional) e, da parte da D & Associados, os consultores LB e LM.
35º - Aí logo ficou definido que se pretendia que a análise do impacto fiscal incidisse não só sobre a planeada operação de aquisição da C1 e da N pela C, SGPS, SA e pela S, através de uma sociedade detida por ambas e a ser constituída para o efeito, mas também sobre eventuais operações subsequentes, designadamente alienação da N e a fusão da empresa a constituir para deter o património da C e da N (designada por NW) com a C1.
36º - Nessa sequência, e após a recolha de diversos documentos relativos à operação que se pretendia realizar e às sociedades envolvidas, a D & Associados emitiu um documento em versão “powerpoint”, intitulado “Grupo - Optimização fiscal da planeada operação de aquisição da C e da N”, datado de 10 de Janeiro de 2006” e elaborado pelos referidos consultores LM e LB, o qual foi remetido ao arguido JMC. (fls. 407 a 427, 1º vol. investigação)
37º - O conteúdo desse documento foi discutido pelos intervenientes atrás identificados no artigo 34º em reunião que se realizou ainda em Janeiro de 2006, nas instalações do Banco de Investimento.
38º - Nesse documento são, além do mais, analisados os possíveis cenários de uma futura operação de fusão entre a C e a empresa que viesse a ser constituída para a deter, considerando as duas modalidades possíveis para a sua concretização: a fusão por incorporação da C na NW (fusão directa) ou a fusão por incorporação da NW na C (fusão inversa). (fls. 407 a 427, 1º vol. investigação)
39º - Os referidos consultores equacionaram a fusão inversa como sendo aquela que melhor optimizaria, no plano fiscal, a integração das referidas sociedades, uma vez que neste caso não haveria lugar à tributação em sede de Imposto Municipal sobre as transmissões (IMT) e de Imposto de Selo, ao contrário do que sucederia no cenário da fusão directa em que se operaria a transferência do património imobiliário da esfera da C1 para a da empresa que a detinha. (fls. 407 a 427, 1º vol. investigação)
40º - No dia 22.12.2005 a Autoridade de Concorrência declarou a sua não oposição à operação de aquisição da N pelo consórcio formado pela C, SGPS, SA e pela S e no dia 9.01.2006 no que concerne à aquisição da C1 pelo mesmo consórcio.
41º - E, face àquela não oposição, no dia 31.01.2006 a sociedade In concretiza a aquisição da totalidade do capital social da C1 e da N, indo, contudo, a alienar o capital social desta última no dia 31 de Março do mesmo ano.
42º - Naquele mesmo dia 31.01.2006, em resultado da alteração da sua estrutura accionista, os membros do Conselho de Administração da C1 cessaram funções, sendo substituídos por: Presidente: a arguida C, SGPS, SA, representada pelo arguido VMPCO; Vogais:
i) S, representada por JTJGP, vogal do Conselho de Administração
ii) OHTC
iii) ARLF
43º - Terminada a operação de aquisição do capital social da C, importava, então, proceder à perspectivada operação de fusão da mesma com a In.
44º - Para o efeito, a “Capital – Sociedade de Capital de Risco SA” solicitou à XXXX e Associados – Sociedade de Advogados RL, uma proposta de honorários para a elaboração de um parecer sobre as implicações fiscais decorrentes da planeada operação de fusão. (fls. 176-191 vol. 1 tramitação)
45º - Em resposta ao solicitado, no dia 2 de Março de 2006 a XXXX apresentou aos arguidos JHCT e JMCC uma proposta de honorários para a prestação dos mencionados serviços de assessoria jurídica, em especial na área fiscal, relacionados com a operação de concentração empresarial entre a In e a C. (fls. 176-191 vol. 1 tramitação)
46º - A assistência jurídica seria prestada pela XXXX à Capital Sociedade Capital de Risco S.A., na área fiscal, a qual compreendia a prestação dos seguintes serviços:
“(i) Análise, planeamento e selecção do modelo que se revelar fiscalmente mais eficiente, quer na óptica das sociedades intervenientes, quer dos respectivos sócios, tendo em vista a realização da operação de concentração da Inbepor com a C1, com a ênfase no cenário já discutido da concretização de uma fusão.
(ii) Acompanhamento fiscal da implementação do modelo que vier a ser seleccionado, incluindo, caso o mesmo envolva a transmissão do património imobiliário da C para a IN, o estudo, a preparação e acompanhamento de eventuais processos de concessão de benefícios fiscais à mesma, em particular à luz do Decreto-Lei n.º 404/90, de 21 de Dezembro”. (fls. 176-191 vol. 1 tramitação)
47º - Os honorários fixados para a prestação dos referidos serviços foram de Eur. 25.000,00 para os serviços descritos no subponto (i) e, adicionalmente, de Eur. 20.000,00 para os serviços descritos no subponto (ii). (fls. 176-191 vol. 1 tramitação)
48º - No entanto, refere-se na mencionada proposta que “no caso de em resultado dos serviços previstos no ponto 1.1. (ii) virem a ser concedidos às sociedades intervenientes benefícios fiscais relativos à transmissão dos imóveis da C, o valor dos honorários referido em b) supra”, (Eur. 20.000,00) “será de Eur. 45.000,00”. (fls. 176-191 vol. 1 tramitação)
49º - Em tal proposta é, ainda, referido que o trabalho fiscal será realizado pelo Professor Doutor DLC (sócio sénior da XXXX) e pelo Dr. MNCB (Associado Sénior da XXXX), arguido nestes autos, pertencendo a coordenação geral do trabalho ao Professor Doutor DLC. (fls. 176-191 vol. 1 tramitação)
50º - A proposta apresentada foi aceite e, em consequência, no dia 28 de Março de 2006, foi subscrito pelos advogados da XXXX, o arguido MNCB e DLC, um parecer jurídico e fiscal relativo à matéria em apreço, intitulado “Memorando – Reorganização In/C”, o qual foi levado ao conhecimento dos arguidos JHCT e JMCC.
51º - Analisando a viabilidade, no plano jurídico-fiscal, da realização de uma operação de fusão entre a In, SGPS, SA e a C1 e considerando as duas modalidades possíveis para a sua concretização: (1) Fusão por incorporação da C na In (fusão directa), ou (2) Fusão por incorporação da In na C (fusão inversa), os autores do mencionado parecer concluem que uma das vantagens fiscais da fusão, se realizada em determinadas circunstâncias, é poder beneficiar do regime especial de neutralidade fiscal em sede de IRC, à luz do qual a sua realização não envolve o apuramento de qualquer resultado fiscal, quer na esfera das sociedades intervenientes, quer ao nível dos respectivos sócios. (doc. 7 apenso G)
52º - Ora, os autores do mencionado parecer, entre os quais o arguido MNCB, defendem que ao contrário da fusão directa, na fusão inversa o regime especial de neutralidade fiscal não seria aplicável e os juros dos financiamentos obtidos pela Inbepor para a aquisição da participação na C, sendo transferidos para esta sociedade em resultado da fusão, dificilmente seriam fiscalmente aceites, dado que deixariam de poder considerar-se indispensáveis à obtenção de proveitos sujeitos a IRC. (doc. 7 apenso G)
53º - E na fusão directa, ao invés, já tal dedutibilidade dos encargos financeiros poderia ser sustentada com base no raciocínio de que recebendo a Inbepor, por efeito da fusão, todos os activos e passivos da sua participada, para a In esta operação traduzir-se-ia na troca de um activo de 2º grau (a participação) por um activo de 1º grau (os activos e passivos que tal participação representava economicamente). (doc. 7 apenso G)
54º - No entanto, tal parecer alerta expressamente para o facto desta modalidade de fusão implicar um impacto fiscal significativo, em sede de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) e de Imposto de Selo, em resultado da transmissão dos imóveis da C para a In, sendo ambos devidos por esta nte da fusão. (doc. 7 apenso G)
55º - Uma vez que o valor devido, em sede de IMT e de Imposto de Selo, por aquela transmissão de imóveis poderia ascender a um total de €1.517.172,85 (um milhão quinhentos e dezassete mil cento e setenta e dois euros e oitenta e cinco cêntimos) os autores do mencionado parecer analisam a possibilidade da fusão vir a beneficiar da concessão dos benefícios fiscais para as operações de reorganização empresarial, previsto no regime do Decreto-Lei nº 404/90, de 21 de Dezembro, com a redacção actual dada pelo artigo 39º da Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento de Estado para 2005).
56º - Contudo, nos termos do disposto no artigo 3º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº404/90, os benefícios aí previstos só poderão ser concedidos caso: as sociedades envolvidas na operação (requisito 1) exerçam, efectiva e directamente a mesma actividade económica ou actividades económicas integradas na mesma cadeia de produção e distribuição do produto, (requisito 2) compartilhem canais de comercialização ou processos produtivos ou, ainda, (requisito 3) quando exista uma manifesta similitude ou complementaridade entre os processos produtivos ou os canais de distribuição utilizados, o que afastaria a possibilidade de a In, enquanto SGPS, aceder ao regime aí previsto, conforme é expressamente mencionado no referido parecer.
57º - Por tal motivo, considerando que o objecto da In era a gestão das participações sociais, portanto o exercício indirecto de uma actividade económica, os autores do mencionado parecer afirmam que esta sociedade não cumpria, então, com nenhum dos referidos requisitos. (doc. 7 apenso G)
58º - E alertam para o facto de que aquele primeiro requisito não seria preenchido ainda que a In alterasse o seu objecto de forma a poder passar a exercer uma actividade económica directa, uma vez que nos termos da citada norma, não basta o exercício “directo”, tendo este que ser também “efectivo”. (doc. 7 apenso G)
59º - No que concerne aos outros dois requisitos exigidos alternativamente pelo citado artigo 3º, nº 1, alínea b), do Decreto-Lei nº404/90, defendem que embora já não se exija a efectividade do exercício da actividade económica, bastando que as sociedades envolvidas, por exemplo “compartilhem” canais ou processos ou que estes revistam “manifesta similitude ou complementaridade”, deve continuar a entender-se que “pressupõem em qualquer situação, que a actividade das sociedades seja directamente produtiva”. (doc. 7 apenso G)
60º - Por tal motivo, referem que seria de conceber uma situação em que “por exemplo uma das sociedades contratasse a outra para a fabricação e distribuição de determinado produto, eventualmente com base numa marca cuja exploração comercial lhe tivesse sido atribuída”, situação que teria cabimento tanto na letra como no espírito da norma citada, e concluem que “para que a IN seja susceptível de lhe ser concedida isenção de IMT e de Imposto do Selo na transmissão dos imóveis da C, no âmbito da fusão entre as duas sociedades, será necessário alterar o seu objecto, cessando a sua actividade económica directa, no contexto de um quadro social e contratual que permita demonstrar que as sociedades, por exemplo, compartilhem canais de comercialização ou processos produtivos.” (doc. 7 apenso G)
61º - Atendendo a que o parecer elaborado pelo arguido MNCB e pelo Prof. LC era manifestamente divergente do apresentado pela D & Associados, com o intuito de clarificar as opções defendidas, os arguidos JMC e JHCT diligenciaram pela realização de duas reuniões com os autores do parecer elaborado pela D & Associados, LM e LB e com os representantes da XXXX, Prof. LC e o arguido MNCB, as quais se realizaram no dia 30 de Março 2006 e no dia 3 de Abril de 2006, nas instalações do BI. (fls. 160-161, 1º vol. tramitação)
62º - Depois de várias reuniões e deliberações, a C, SGPS, SA e o Banco de Investimento optaram por realizar a fusão na modalidade sugerida pela XXXX, ou seja através da incorporação da C na In, uma vez que o financiamento contraído por esta para a aquisição da C tinha sido de cerca de 240 milhões de euros, o que corresponderia a cerca de 11 milhões de euros por ano de encargos financeiros, e aquela modalidade de fusão, no entender dos representantes da XXXX, permitiria, com maior segurança, a sua inclusão nos custos fiscalmente dedutíveis. (doc. 7 apenso G)
63º - Nessa sequência, aquela sociedade de advogados foi contratada para prestar serviços na área do acompanhamento fiscal da implementação do modelo de fusão seleccionado e para o estudo, preparação e acompanhamento do processo de concessão de benefícios fiscais, em particular à luz do Decreto-Lei n.º 404/90, de 21 de Janeiro.
64º - Nessa sequência, no dia 17 de Abril de 2006, realizou-se uma reunião do Conselho de Investimentos da Capital – sociedade de Capital de Risco S.A., órgão consultivo, que tinha como função dar pareceres não vinculativos sobre investimentos po
65º - Nessa reunião, onde estiveram presentes os arguidos JHCT, ASA, VMPCO e JMCC, foi analisada uma informação assinada pelo arguido JMCC onde se conclui apenas que: “Nestes termos, a opção pela fusão directa implicará principalmente que:
- não sejam recuperados os prejuízos registados em 2005 pela In, o que corresponderá a uma perda fiscal de cerca de 500 mil euro;
- (…)
- os juros de financiamento contraídos pela In possam ser fiscalmente aceites, o que possibilitará a inclusão nos custos fiscalmente dedutíveis de 11 milhões de euros/ano;
- haja lugar ao pagamento de IMT, pela transmissão dos imóveis da C (cerca de €1,5 milhões, propondo-se a XXXX vir a desenvolver esforços com o objectivo de tentar promover a sua recuperação), situação menos gravosa da que poderia resultar, caso se optasse pela fusão inversa”. (doc. 7 apenso G)
66º - Tal informação determinou que aquele Conselho de Investimentos, presidido pelo presidente, CSF, tivesse dado o seu acordo à opção pela fusão directa, “dado ser a que envolve menos custos, apesar do pagamento de IMT (cerca de 1,5M€)”. (doc. 7 apenso G)
67º - Tomaram tal decisão, por unanimidade, CSF (Presidente), AMMG (Vice-Presidente) e os arguidos JHCT, ASA, VMPCO e JMCC. (doc. 7 apenso G)
68º - De forma a afastar os condicionalismos societários para o acto em apreço e executar a decisão tomada, os Conselhos de Administração da C1 e da In reuniram e aprovaram por unanimidade proceder à realização da fusão por ncorporação total da C1 na In, através da transferência global da totalidade do património da C para a In.
69º - Tal sucedeu, em relação à C1, em reunião do Conselho de Administração que teve lugar no dia 21 de Abril de 2006 e em que deliberaram o arguido VMPCO, em representação da arguida C, SGPS, SA, JTJGP, em representação da S, JCF, OHTC e ARLF.
70º - No que concerne à In, tal deliberação ocorreu em reunião do Conselho de Administração que teve lugar no dia 27.04.2006 e em que deliberaram JTJGP e os arguidos ASA e JMCC.
71º - Em seguida, as administrações das referidas sociedade elaboraram em conjunto um projecto de fusão que submeteram a deliberação dos sócios de ambas as sociedades, em assembleias gerais que decorreram no dia 12 de Junho e em que tal projecto foi aprovado por unanimidade.
72º - No dia 24.04.2006, de forma a lograr preencher formalmente os requisitos exigidos para a concessão à Inbepor dos benefícios fiscais previstos no DL 404/90, de 21 de Dezembro, a In alterou a sua firma para “In S.A.” e o objecto social para “exploração da indústria de derivados de frutos, produtos hortícolas e quaisquer outras espécies, bem como produtos de origem animal; pesquisa, prospecção e exploração de águas minerais ou de nascente, assim como na respectiva industrialização, engarrafamento e comercialização; desenvolvimento de outras actividades conexas ou afins às referidas nas alíneas anteriores”. (doc. 10 apenso G)
73º - Todavia, a In não estava dotada até então, nem se dotou desde aí, de qualquer estrutura produtiva, comercial ou de distribuição relacionada com o objecto desse modo adoptado, nem exerceu efectivamente essa actividade, facto que era do conhecimento de todos os arguidos.
74º - A alteração do objecto social da In, da forma descrita, visou apenas concretizar a operação de fusão com a C1, ab initio planeada, e alterar simultaneamente o regime fiscal até então aplicado, ao afastar-se da natureza jurídica de SGPS.
75º - No dia 28.06.2006 é celebrada escritura de fusão por incorporação da C na In, mediante a transferência global do património daquela para a incorporante, extinguindo-se a sociedade incorporada e transferindo-se os respectivos direitos e obrigações para a sociedade incorporante. (fls. 342 a 396 vol 1 tramitação)
76º - Nesse acto, a In alterou novamente a sua firma, adoptando a da incorporada, passando a designar-se C – Companhia Produtora S.A. (doravante designada por C 2), a que foi atribuído o NIPC 000000005, e fixou como objecto social a “a) Exploração da indústria e comércio de derivados de frutos, produtos hortícolas e quaisquer outras espécies vegetais, bem como produtos de origem animal;
b) Pesquisa, prospecção e exploração de águas minerais ou de nascente, assim como na respectiva industrialização, engarrafamento e comercialização; c) desenvolvimento de outras actividades conexas ou afins às referidas nas alíneas anteriores”. (fls. 342 a 396 vol 1 tramitação)
77º - Intervieram nesta escritura de fusão e alteração do contrato, o arguido ASA, em representação da arguida C, SGPS, SA, JTJGP, da parte da S, ambos administradores da In, JFCF e o arguido VMPCO, na qualidade de administradores da C. (fls. 342 a 396 vol 1 tramitação)
78º - No âmbito da transferência para a In de todos os direitos da incorporada, transmitiram-se todos os direitos de propriedade sobre os 43 imóveis que faziam parte do património da C1 e a In procedeu ao pagamento dos montantes de €1.390.851,21 (um milhão trezentos e noventa mil oitocentos e cinquenta e um euros e vinte e um cêntimos) a título de IMT e de €11.151, 81 (onze mil cento e cinquenta e um euros e oitenta e um cêntimos), a título de Imposto de Selo.
79º - No dia seguinte, 29 de Junho de 2006, o arguido MNCB, ainda em representação da In S.A, e da C-Companhia Produtora S.A, com o NIPC 000000005 (C 1) - uma vez que o registo da operação de fusão apenas ocorreu no dia 30.06.2006 -, apresentou à Administração Fiscal um documento por si subscrito dirigido ao Exm.º Sr. Ministro das Finanças, onde requer, ao abrigo do disposto no DL 404/90, a concessão às mesmas, da isenção de pagamento do Imposto Municipal sobre as transmissões onerosas de Imóveis (IMT), relativamente à transmissão dos imóveis que, em resultado da fusão projectada, seriam transmitidos da C para a In, bem como do Imposto do Selo devido pela transmissão desses mesmos imóveis, que consta de fls. 2985 a 2997 e que aqui se dá por integralmente reproduzido.
80º - Nesse requerimento, alegam os arguidos que:
“ (…)
A IN foi constituída no dia 16 de Dezembro de 2005 com o duplo objectivo de, no imediato, efectuar a aquisição do capital social da C e da N e, posteriormente, em conjunto com estas sociedades, viabilizar a estratégia comercial definida para o novo grupo resultante dessa aquisição, estratégia essa que assentava na uniformização dos respectivos processos produtivos e gestão integrada dos canais de distribuição dos seus produtos.
No entanto, por razões que se prenderam com a incerteza inicial quanto ao timing da decisão da Autoridade da Concorrência (AdC) sobre a aquisição do capital social da C e da N (…) a In foi constituída como Sociedade Gestora de Participações Sociais, ficando os seus accionistas a aguardar a decisão de não oposição à operação da AdC (que apenas ocorreu a 9 de Janeiro de 2006) para proceder à alteração da respectiva denominação e objecto da sociedade no sentido de a habilitar legalmente ao exercício da actividade que estava estrategicamente prevista.
Assim, o objecto social da In consiste na: “Exploração da industria de derivados de frutos, produtos hortícolas e quaisquer outras espécies, bem como produtos de origem animal; pesquisa, prospecção e exploração de águas minerais ou de nascente, assim como na respectiva industrialização, engarrafamento e comercialização; e o desenvolvimento de outras actividades conexas ou afins às referidas nas alíneas anteriores”.
Por seu turno o objecto social da C, sendo substancialmente coincidente com o da In consiste na “Exploração da indústria e comércio de derivados de frutos, produtos hortículas e quaisquer outras espécies vegetais, bem como produtos de origem animal; pesquisa, prospecção, e exploração de águas minerais ou de nascente, assim como na respectiva industrialização, engarrafamento e comercialização; e o desenvolvimento de outras actividades conexas ou afins às referidas nas alíneas anteriores”
A identidade de objectos sociais das Requerentes é, desde logo, indiciadora do exercício de funções complementares entre si, correspondendo ao objectivo inicial dos accionistas que as sociedades desenvolvessem, em conjunto a actividade na exploração e desenvolvimento dos canais de distribuição comercial dos produtos da marca “C”, com base no critério da segregação geográfica dos mercados (nacional/internacional).
Nesse quadro a função assumida pela Inbepor no seio do grupo corresponde ao desenvolvimento e aperfeiçoamento dos canais de distribuição internacional.
Tal, à luz da estratégia comercial definida pelos accionistas – que passava pela concentração tendencial do know-how comercial numa única entidade, ao nível intermédio do grupo – justificava o posicionamento da In um degrau acima da C e N e um degrau abaixo dos accionistas na cadeia de participações.
Adicionalmente, o facto de a In, ao contrário da C e da N, não acumular a distribuição com a produção própria, conjugado com a titularidade das marcas que foi mantida ao nível destas últimas aconselhavam uma gestão separada e, logo, a existência de sociedades distintas.
Porém, em 31 de Março de 2006, na sequência de diversas propostas de aquisição do capital social da N entretanto apresentadas à In e das condições apresentadas em tais propostas, consideradas favoráveis, a I alienou a sua participação na N.
A alienação da N levou as requerentes a repensar a racionalidade económica da cadeia/estrutura de participações, com a preocupação de evitar a duplicação/repetição de funções orgânicas no seu seio, quer assimiladas às dos Accionistas, ou seja, a detenção/rentabilização de participações sociais, quer às da C, na vertente da exploração e desenvolvimento de canais de distribuição.
Tendo concluído, numa análise custo-beneficio que, a médio prazo as vantagens esperadas da eliminação de um nível na cadeia de participações do grupo, através da concentração das actividades da C e da I numa única sociedade (com ênfase para a supressão dos custos directos e indirectos associados à manutenção das duas sociedades), superavam as eventuais dificuldades com que o grupo se viesse a deparar, no plano comercial, em resultado da necessidade de reajustar a sua estratégia comercial a um universo empresarial mais reduzido do que o inicial.
Com efeito, a extinção de uma das duas sociedades no novo contexto societário, i.e., após a “saída” do grupo da N, permitirá ao grupo evitar, desde logo, os custos directos e indirectos inerentes (…)
Pelas razões expostas, as Requerentes entendem que doravante já não se justifica a manutenção de duas entidades jurídica e economicamente distintas para desempenhar, ainda que parcialmente, numa parte as suas funções e noutra parte funções operacionais similares, pretendendo, portanto, extinguir uma através da realização de uma operação de fusão.
(…)”
81º - Anexo a tal requerimento, e fazendo parte integrante do mesmo, o arguido MNCB, sempre com o conhecimento e acordo dos restantes arguidos, juntou um documento intitulado “Estudo Demonstrativo das Vantagens da Operação Projectada e das Condições estabelecidas no artigo 3º do Decreto Lei 404/90 de 21.12”, (junto a fls. 3003 a 3017 e que aqui se dá por reproduzido) onde, ao analisar o preenchimento dos requisitos legais previstos no artigo 3º, n.º1, do Decreto Lei 404/90 de 21 de Dezembro, afirma expressamente que:
“As sociedades envolvidas na operação, exercem efectiva e directamente, a mesma actividade económica e, ainda, compartilham canais de comercialização.
(…)
As duas sociedades objecto da fusão desenvolvem a mesma actividade económica. Com efeito, numa perspectiva económica, o negócio desenvolvido pelas referidas sociedades é o mesmo, ou seja, a exploração da indústria de derivados de frutos, produtos hortícolas e outras espécies, bem como produtos de origem animal, a pesquisa, a prospecção e exploração de águas minerais ou de nascente, assim como a respectiva industrialização, engarrafamento e comercialização e o desenvolvimento de outras actividades, conexas com o mesmo mercado alvo”.
Além de se tratar da mesma actividade económica, a C compartilha com a In os canais de comercialização/distribuição dos produtos que produz e comercializa ”.
82º - Porém, como era do conhecimento de todos os arguidos, até àquela data a Inbepor:
- não teve qualquer estrutura administrativa, produtiva, comercial ou de distribuição de bebidas;
- não celebrou qualquer contrato de trabalho e, consequentemente, não teve qualquer funcionário;
- os seus proveitos , concretamente juros de depósitos a prazo e venda das acções da Nutricafés, foram os decorrentes da actividade financeira, de acordo, aliás, com o regime jurídico das SGPS’s (comprovando a sua verdadeira natureza – a de SGPS – e o respectivo regime jurídico);
- à data da fusão a Inbepor apenas detinha a participação financeira da Compal, não possuindo quaisquer activos corpóreos que lhe permitissem exercer uma actividade comercial ou de prestação de serviços;
- a In foi constituída com o objectivo único de servir de sociedade veículo para a aquisição da participação social na C, nunca tendo assumido qualquer actividade de desenvolvimento e aperfeiçoamento dos canais de distribuição internacional dos produtos da marca C, nem nunca tendo tido como escopo essa ou qualquer outra actividade operacional.
83º - Tal conhecimento adveio ao arguido MNCB não só das informações que lhe foram prestadas pelos seus clientes, e das quais fez uso para elaborar o parecer supra indicado onde expressamente conclui que naquele momento a Inbepor não reunia os pressupostos necessários à concessão dos benefícios fiscais previstos no mencionado diploma legal por não desenvolver uma actividade económica directa, como das próprias regras da experiência comum que permitem concluir que, dificilmente, no espaço de dois meses (período que mediou entre a alteração do objecto social da Inbepor e o requerimento apresentado à administração fiscal) a referida sociedade se dotaria dos meios humanos e técnicos necessários ao desenvolvimento efectivo de uma actividade económica semelhante à desenvolvida pela C.
84º - Em 20.10.2006, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais emitiu o despacho n.º 1262/2006- XVII, através do qual deferiu o referido pedido de isenção de IMT e de Imposto de Selo.
85º - Em consequência de tal deferimento, em Janeiro de 2007, a Administração Fiscal, procedeu à devolução do montante que havia sido pago a título de IMT, através da emissão à ordem da Compal2 de 43 cheques, pelo montante total de € 1.390.851,21 (um milhão, trezentos e noventa mil, oitocentos e cinquenta e um euros e vinte e um cêntimos).
86º - E em Novembro de 2009, devolveu o montante que havia sido pago a título de Imposto de Selo, no montante total de €11.126, 81 (onze mil cento e vinte e seis euros e oitenta e um cêntimos).
87º - Devido à conduta supra descrita, resultaram para a C2 atribuições patrimoniais no montante de €1.390.851,21 (um milhão trezentos e noventa mil oitocentos e cinquenta e um euros e vinte e um cêntimos), a título de IMT, e de €11.126, 81 (onze mil cento e vinte e seis euros e oitenta e um cêntimos) a título de imposto de selo (fls. 251-253 e 388-391 – 1º vol. investigação;
88º - De facto, a In nunca exerceu a actividade da C1 – exploração da indústria de derivados de frutos, produtos hortícolas e outras espécies -, nem compartilhou com a mesma quaisquer canais de comercialização/distribuição dos produtos que aquela produzia e comercializava.
89º - Com efeito, a In foi criada apenas para concretizar a aquisição da C1 por parte da C, SGPS, SA e da S e sempre foi objectivo dos adquirentes proceder à sua posterior fusão com a C, logo que concretizada a venda da N e obtida a decisão de não oposição pela Autoridade da Concorrência, facto amplamente divulgado e que era do conhecimento de todos os arguidos.
90º - Aliás a In foi constituída como SGPS e assim permaneceu até à concretização da transmissão da N, SA, alterando o seu objecto social apenas para permitir a sua fusão com a C1, sem contudo alguma vez ter exercido a actividade desta.
91º - Por escritura de fusão outorgada em 23.12.2008 a sociedade C-Companhia Produtora S.A. (C2), titular do NIPC 000.000.005, foi sujeita a um novo processo de fusão empresarial, desta feita através da sua fusão por incorporação na S Gestão de Marcas S.A., alterando-se a denominação desta última para S-CM, SA, detentora do NIPC (...), aqui arguida, e para a qual foram transferidos todos os direitos e obrigações daquela. (fls. 687-705, 3º vol. tramitação; 268-358, 1º vol. investigação)
92º - Na verdade, por via daquela fusão a arguida S-CM, SA sucedeu à C – Companhia Produtora, S.A (C2), a qual por sua vez havia sucedido à C, (C1), e à In SGPS S.A.
93º - Ao alterarem a firma e o objecto social da In, nos termos supra expostos, os arguidos, ASA e JMCC pretenderam criar a aparência à administração fiscal que a In exercia de facto a mesma actividade que a C1, o que sabiam não ser verdade, e desta forma, determinar aquela a restituir-lhe quantia equivalente à que havia pago em sede de IMT e imposto de selo, que sabiam não lhe ser devida, resultado que lograram obter.
94º - Por seu turno, o arguido MNCB, tinha conhecimento de que os restantes arguidos, ao alterarem a firma e o objecto social da In, nos termos supra expostos, pretenderam fazer crer à administração fiscal que tal sociedade preenchia os requisitos necessários para que lhe fosse atribuído o benefício fiscal previsto no DL 404/90, de 21 de Dezembro, o que sabia não ser verdade.
95º - E ao fundamentar o requerimento que apresentou com factos que sabia não corresponderem à verdade, o arguido MNCB quis determinar a Administração Fiscal a restituir à Inbepor, na pessoa da C2, sua sucessora, quantia equivalente à que a mesma havia pago em sede de IMT e imposto de selo e que sabia não lhe ser devida, resultado que logrou obter.
96º - Os arguidos ASA e JMCC e MNCB sabiam que com a mencionada conduta causavam à Fazenda Pública um prejuízo equivalente ao montante que receberam correspondente ao que haviam pago em sede de IMT e de Imposto de Selo, resultado que quiseram e lograram obter.
97º - Agiram sempre os arguidos JHCT, ASA e JMCC e MNCB de forma voluntária, livre e consciente.
98º - Já no decurso dos presentes autos, em 25.07.2011 a arguida S-CM, SA procedeu à devolução à Administração Fiscal dos montantes recebidos pela C2 a título de devolução do que havia sido pago em sede de IMT e de Imposto de Selo no âmbito da operação de fusão por incorporação da C na In, acrescido de juros compensatórios. (fls. 976 a 1000, 4º vol. tramitação)
Mais se indiciou que:
99º A Administração Tributária não efectuou nenhuma diligência no sentido de tentar apurar a real actividade da “In” previamente à concessão do benefício fiscal em causa;
100º Adoptando uma postura de aceitar sem questionar as declarações da “In” e da “C” na pessoa do seu mandatário, o arguido MNCB, como era prática corrente na concessão desses benefícios;
101º Com a justificação de que à posteriori poderia controlar a veracidade dessas declarações e, caso não correspondessem à verdade, revogar o benefício fiscal concedido.

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B.1.2 - Não se indiciaram outros factos relevantes para a decisão, designadamente que:

a) Os arguidos JT e VMPCO tenham tido qualquer intervenção na alteração do objecto social da “In” referida no artigo 72º dos factos indiciados, bem como em qualquer plano destinado a criar erro na administração tributária, nomeadamente na elaboração e apresentação do requerimento destinado a obter benefícios fiscais referido nos factos indiciados;

b) Que tenham sido praticados quaisquer actos por quaisquer arguidos, na qualidade de legais representantes das arguidas “C, SGPS, SA” e “BI, SGPS, SA”, com o objectivo de induzir em erro a administração tributária e desse modo obter benefícios ilegítimos;

c) Que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais tenha sido fraudulentamente induzido em erro e que, devido a esse mesmo erro, tenha decidido como se refere no ponto 84º dos factos indiciados.


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B.1.2 - Convicção do Tribunal e exame crítico das provas:

“O Tribunal respondeu à matéria de facto relevante tendo em conta a globalidade da prova produzida, analisada à luz das regras da experiência comum.

Para além dos documentos já supra mencionados na exposição de factos, que demonstram os factos concretos aí mencionados, diremos que os factos referidos nos artigos 1º a 25º, 26º (eliminando-se o arguido VMPCO do rol dos administradores da In, como resulta da prova documental) e 33º a 71, resultam do teor da globalidade da prova e não foram postos em causa.

Tais factos relevam de resto apenas para enquadrar a conduta posteriormente referida e para estabelecer a natureza da “Inbepor” como mera sociedade veículo, o que resulta globalmente da prova e não é questionado.

Começaremos pois por fazer algumas simples notas introdutórias ao nível do direito, a fim de centrar a discussão de facto nos pontos relevantes.

O crime imputado aos arguidos é o de burla tributária agravada cujo tipo está previsto no artigo 87º, n.º 1, do RGIT, o qual estatui “Quem, por meio de falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos, determinar a administração tributária ou a administração da segurança social a efectuar atribuições patrimoniais das quais resulte enriquecimento do agente ou de terceiro é punido com prisão até três anos ou multa até 360 dias.”.

Interessa pois atentar nos factos referidos na acusação que demonstram:

a) a existência de falsas declarações (nomeadamente ao nível do requerimento de concessão de benefícios fiscais e documentos que o acompanham);

b) e existência de outras condutas fraudulentas (nomeadamente a alteração do objecto social e natureza jurídica da Inbepor).

Os factos anteriores, nomeadamente a decisão sobre a modalidade de fusão e a contratação da D & Associados e da XXXX para emitirem pareceres sobre as consequências fiscais da operação não são relevantes, relevando no entanto saber se os arguidos que tiveram participação nos actos integradores do tipo tinham ou não conhecimento do parecer da XXXX e das opiniões aí vertidas, pois tal terá naturais consequências ao nível do dolo.

De facto, à excepção do arguido MNCB, não se demonstrou que qualquer dos demais arguidos pessoas singulares tivesse quaisquer conhecimentos jurídicos para além dos conhecimentos fragmentários que resultam da normal experiência profissional de um administrador.

Por outro lado, a responsabilização das arguidas sociedades depende da verificação dos requisitos do artigo 7º, n.º 1, do RGIT, ou seja:

a) que a infracção seja cometida por um seu órgão ou representante;

b) em seu nome;

c) e no interesse colectivo.

Desde logo se nota que a alteração do objecto social da “Inbepor” foi praticada pelos respectivos administradores – entre os quais os arguidos ASA e o arguido João Manuel Carreiras Carrilho, actuando enquanto membros do seu conselho de administração, em seu nome e no seu interesse.

O requerimento de concessão de benefícios fiscais foi apresentado pelo arguido MNCB, em representação das sociedades “In” (mandatado pelos arguidos AA e JC) e “C” (C1 – mandatado por JFCF) – cfr. procurações de fls. 2940 e 2943.

Desde logo notamos assim que os arguidos JT e VMPCO não tomaram parte em qualquer acto material de execução do putativo crime, e não existe qualquer prova com um mínimo de solidez que permita concluir que os mesmos tomaram parte na elaboração de um plano conjunto para a prática destes actos, com a finalidade de ludibriar a administração tributária. Afirmá-lo seria apenas especular.

Por outro lado, se está documentada a alteração do objecto social da “In”, previamente à fusão, coloca-se a questão de facto de saber qual o motivo que presidiu a esta decisão.

Terá sido de facto fazer criar a aparência formal de que as sociedades a fundir exerciam de facto a mesma actividade.

Tudo indicia que sim até porque não vemos outro motivo relevante para que assim seja. De facto a “In” foi constituída como sociedade gestora de participações sociais. Naturalmente que com a sua fusão com a C1, a sociedade incorporante passaria a exercer directamente a actividade da sociedade incorporada e, portanto, não poderia continuar a manter o mesmo objecto social e natureza jurídica (de SGPS).

No entanto, nada impediria que essa alteração de objecto social e natureza jurídica se realizasse no próprio acto de fusão, não tendo sido adiantado qualquer motivo convincente para que esta alteração fosse realizada em momento anterior.

Note-se que o momento em que essa alteração de objecto social é levada ao registo ocorre após o conhecimento do parecer da XXXX onde se conclui que:

a) a fusão directa é a que mais garantias dá da dedutibilidade dos encargos financeiros da operação (sendo por isso a opção fiscalmente mais segura);

b) tal opção implica o pagamento de IMT e Imposto de Selo, em virtude da transmissão dos imóveis da C1 para a In;

c) A possível isenção destes impostos ao abrigo do DL 404/90 de 21/12 só é possível se ambas as sociedades exercerem a mesma actividade, pelo que nunca seria possível se à data da fusão a Inbepor se mantivesse como SGPS.

Tendo em conta que esta sociedade era manifestamente uma “sociedade veículo” assim tendo sido pensada desde o início, apenas para viabilizar a leverageded buy-out da C1 pelo grupo “S”, é pois manifesto que esta não iria exercer qualquer actividade produtiva própria.

Também não se demonstrou que a mesma tivesse exercido qualquer actividade de distribuição, comercialização, ou mesmo actividade acessórias, como realização de estudos de mercado ou realização de contactos com parceiros comerciais para viabilizar negócios futuros, não tendo sido produzida qualquer prova relevante a este respeito.

Também é claro que os arguidos ASA e JMCC sabiam da necessidade da “In” ter uma actividade económica directa e efectiva, para poder beneficiar do regime previsto no DL 404/09, pois tiveram acesso ao parecer da XXXX com o teor descrito nos artigos 54 a 60 dos factos indiciados e cujo teor não deixa margem para dúvidas.

Já em sede de instrução o arguido MNCB adoptou uma interpretação deste regime manifestamente diversa da defendida nesse parecer, do qual foi co-subscritor. Afirma agora (e afirmou quando ouvido em instrução) que deve entender-se que o “exercício efectivo” da actividade ou a compartilha de canais de comercialização ou distribuição, pode implicar tão somente actos preparatórios do exercício da actividade, como deliberações sociais, estudos de mercado, projecções, contactos pré negociais, etc…

No entanto, as mais elementares regras da experiência comum dizem-nos que, à falta de outro motivo, esta “inversão” na sua doutrina apenas se pode justificar pelo emergir deste processo e pela sua necessidade que aqui se defender.

Indicia-se assim também, e em consequência, que não só foi a alteração do objecto social da “Inbepor” um acto vazio de conteúdo destinado apenas a ficcionar o exercício efectivo de uma actividade económica, mas também, em consequência, que o requerimento posterior elaborado e subscrito pelo arguido MNCB serviu para dar seguimento a esse propósito e, servindo-se dessa alteração de objecto social, apresentar à Autoridade Tributária requerimento onde afirma que os requisitos previstos no DL 404/90 estão cumpridos.

Sabiam pois necessariamente os arguidos ASA e JMCC que tal não correspondia à verdade, em face das funções que desempenhavam, bem como o sabia o arguido MNCB, pois havia participado na análise da operação e conhecia a natureza da “In” como sociedade veículo.

Coloca-se por outro lado a questão de saber se o órgão decisor foi “enganado” de forma fraudulente e se foi com base nesse engano que decidiu a concessão do benefício fiscal em causa.

Para aferir desse putativo “engano” nada melhor do que atender às declarações do decisor que, surpreendentemente, apenas foi ouvido já nesta fase de instrução.

Afirma pois JJAT, à data Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, que a decisão do processo de concessão de benefícios fiscais o principal factor a atender era o parecer do Ministério da Tutela relativo às potenciais vantagens económicas da operação. Quanto à verificação dos demais requisitos legais para esta operação, existia uma apreciação “formal” do requerimento (ou seja, saber se vinha instruído com todos os documentos necessários) e no mais existia apenas uma “análise declarativa” ou seja a administração limitava-se a tomar por boas as declarações dos er diligência no sentido de averiguar os factos. Tal é confirmado pelas declarações de FUB, técnica da tração todos os elementos que a lei exige.

Já a testemunha APC, que elaborou o parecer do Ministério da Tutela (no caso o Ministério da Agricultura), foi ouvido a fls. 364 (1º vol investigação) e afirmou que:

- não efectuou quaisquer diligências para averiguar da verificação efectiva dos requisitos legais, nomeadamente o “exercício efectivo e directo” da actividade económica, prática que era normal;

- presumiu que estava em causa a fusão das empresas titulares das marcas C e S, pelo simples facto de que o grupo “S” tinha uma participação de 20% na In;

- e por isto presumiu que a “In” exercia efectivamente uma actividade económica.

Em face destas considerações e “presunções” o dito funcionário elaborou parecer favorável à concessão de benefícios fiscais.

Note-se que esta “presunção” de que a “In” detém ou explora a marca “S” apenas porque o grupo S tem nela uma participação de 20% é, no mínimo temerária, e não encontra suporte nem no requerimento apresentado pelo arguido MNCB, nem no Estudo Demonstrativo a ele anexo, que não fazem qualquer referência à marca Sumol.

Tudo isto implica pois que a Administração Tributária não foi enganada, antes tomou a decisão consciente de tomar por boas as declarações dos requerentes “In” e “C1” sem sequer as pôr em causa, e ainda para mais presumindo factos que nem tão pouco foram invocados pelos requerentes.

A testemunha JJAT explica também o motivo desta atitude de fé cega nas declarações dos requerentes. Afirma pois que sempre existiria um controlo “à posteriori” pelos serviços dos requisitos invocados e, caso se viesse a comprovar ter sido o benefício concedido indevidamente, então seria revogado.

A corroborar tudo isto está o facto de que no Ministério das Finanças, não existe de facto qualquer prova de que tivesse sido feita qualquer diligência de apuramento dos factos, quer por indagação directa dos serviços, quer seja pedindo informações adicionais aos requerentes.

Tal levou a que por um lado não se tenha dado como indiciado que a AT tenha sido fraudulentamente induzida em erro e que tenha sido esse erro que tenha determinado a decisão.

Pelo contrário a AT adoptou uma postura de total indiferença quanto à veracidade das declarações dos requerentes, pois agiu convicta que caso não fossem verdadeiras, poderia vir a detectar isso mais tarde e revogar o benefício concedido.

Naturalmente que esta atitude não pode deixar de ter consequências ao nível jurídico penal, que serão exploradas infra».


***

Cumpre conhecer.

B.2 - O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso, designadamente a verificação da existência, ou não, dos vícios indicados no art. 410°, n.° 2, do Código de Processo Penal de acordo com a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Plenário das secções do STJ de 19/10/95 in D.R., I-A de 28/12/95.

Em concreto suscita o recurso as seguintes questões, em síntese:

a) - Da integração dos factos apurados no tipo penal de burla tributária – conclusões 1ª a 10ª;

b) - Da incorrecta apreciação dos meios probatórios ao considerar-se que a administração tributária não agiu em erro – conclusões 11ª a 18ª;

c) – Da incorrecta apreciação dos meios probatórios ao não se considerar indiciado o que consta dos factos 99º a 101º - conclusões 19ª e 20ª;

d) – Da conduta da Administração Tributária e exclusão da responsabilidade criminal do agente - conclusões 21ª e 20ª;

Esta a ordem de arguição. No entanto as questões b) e c) têm prioridade metodológica de conhecimento pois que se exige a definição prévia dos factos a apreciar.

E estes, os factos, estão postos em causa pelo recorrente [os provados de 99º a 101º e o não provado sob c)], sendo certo que o acrescento da al. b), de lavra do tribunal, tem em vista acautelar a possibilidade de existência de contradição factual.

Assim, a matéria de facto em questão é a seguinte:

Indiciada:
99º A Administração Tributária não efectuou nenhuma diligência no sentido de tentar apurar a real actividade da “Inbepor” previamente à concessão do benefício fiscal em causa;
100º Adoptando uma postura de aceitar sem questionar as declarações da “Inbepor” e da “Compal” na pessoa do seu mandatário, o arguido Nuno Cunha Barnabé, como era prática corrente na concessão desses benefícios;
101º Com a justificação de que a posteriori poderia controlar a veracidade dessas declarações e, caso não correspondessem à verdade, revogar o benefício fiscal concedido.

*
Não indiciada:
b) Que tenham sido praticados quaisquer actos por quaisquer arguidos, na qualidade de legais representantes das arguidas “CD, SGPS, SA” e “CBI, SGPS, SA”, com o objectivo de induzir em erro a administração tributária e desse modo obter benefícios ilegítimos;
c) Que o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais tenha sido fraudulentamente induzido em erro e que, devido a esse mesmo erro, tenha decidido como se refere no ponto 84º dos factos indiciados.

*

B.3 – Da incorrecta apreciação dos meios probatórios ao considerar-se que a administração tributária não agiu em erro – conclusões 11ª a 18ª.

Sendo a decisão recorrida um despacho não lhe é aplicável directamente o regime de conhecimento de vícios de facto constantes dos artigos 410º e 412º do Código de Processo Penal.

Pese embora na apreciação de um despacho judicial o intérprete se veja obrigado a criar norma de idêntico teor e análogo alcance que complete – hodiernamente, “densifique” – o regime do artigo 97º, nº 5 do Código de Processo Penal e do artigo 205º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa.

Com apoio no princípio da livre apreciação probatória – como enquadramento geral – e por apelo necessário à existência de vícios de apreciação probatória.

Como é sabido surge como adequada a consideração de três patamares necessários de análise na motivação de facto; a relação das provas carreadas para o processo e que sejam pertinentes; a análise crítica e racional das razões que conduziram a que se atribuísse relevância (ou não) a essa prova; a ponderação lógica dos factos e das provas com vista à decisão de facto.

É assim que num sistema da livre convicção – o consagrado no ordenamento jurídico português - a apreciação probatória deva ser racionalista, porque assente na razão, nas regras de experiência social comprovada e em presunções probatórias racionalmente fundadas.

Lida a decisão recorrida é entendimento deste tribunal que a mesma, para além de fazer o elenco lógico das provas carreadas para os autos e que foram relevantes para a apreciação factual, procedeu à análise crítica e racional das razões que conduziram a que se atribuísse relevância (ou não) a essa prova, assim como fez uma ponderação lógica dos factos e das provas com vista à decisão de facto.

Não lhe é assacado qualquer vício que ganhe a natureza de “notório” para efeitos de integração numa evidente necessidade de a reverter. Nem a sua leitura o determina. Ou seja, inexistindo matéria de conhecimento oficioso ou um vício que seja patente na decisão recorrida, o ónus de demonstração recai sobre o recorrente.

Neste ponto é sabido que o sistema de recursos no processo penal português visa corrigir o que de errado ocorreu na primeira apreciação judicial sobre o objecto do processo, quer na vertente de facto, quer na vertente do direito aplicado. Ou seja, o recurso é um meio de corrigir o que de menos próprio foi decidido pelo tribunal a quo. Por isso se lhe atribua a qualidade de “remédio jurídico”.

Devido a isso recai sobre o recorrente o ónus de demonstrar perante o tribunal ad quem que algo de errado ocorreu na decisão de primeira instância, aqui se incluindo a matéria relativa à ou às provas apreciadas. Isso resulta na necessidade prática de uma impugnação especificada com a devida fundamentação da discordância no apuramento factual, em termos de permitir concluir que a prova produzida, as regras da lógica e da experiência comum impõem diversa decisão.

O tribunal recorrido chegou a uma convicção após análise da prova, atribuindo um carácter de verdade provisória a um conjunto de factos que eram controvertidos. Incumbia ao recorrente indicar, de forma precisa, as razões que inquinam aquela verdade provisória e assim criar um espaço de impossibilidade racional (por apelo a elementos de prova, regras de lógica, de experiência comum, por presunção hominis) que determinassem o regresso ao estado anterior à certeza judicial daquela convicção, tendo em vista criar nova convicção.

É que, convém recordar, o recurso tem como pressuposto a existência de prévia convicção, de existência de uma decisão judicial, válida enquanto não revogada. E o tribunal de recurso tem que saber qual o caminho que o recorrente pretende percorrer.

Há, pois, uma referência obrigatória no recurso: a decisão recorrida e sua fundamentação de facto e de direito. O recorrente, ao manifestar a sua inconformidade relativamente à decisão de facto do tribunal recorrido, tem que a concretizar balizado pelo que se decidiu e pelo que quer ver decidido.

E o recorrente tentou tal pela indicação de três “meios” de prova, os depoimentos de FUB, APC e JJAT, este à data Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que deferiu o pedido de isenção que é objecto de conhecimento, a primeira técnica da administração fiscal responsável pela organização e preparação dos processos de isenção e o segundo técnico que elaborou o parecer do Ministério da Agricultura.

Quanto à primeira o recurso não indica nenhum excerto de depoimento da dita.

Quanto à segunda nada é transcrito que tenha relevo para além da emissão de um parecer positivo.

Quanto à terceira – que decidiu – afirmou não ter agido em erro, aceitando que nestes processos o controlo das declarações – um das actividades inerentes à existência dos serviços – é feito a posteriori.

E aquilo que se transcreve do depoimento desta testemunha não invalida aquele facto simples: a testemunha não decidiu em erro; a testemunha decidiu ciente que as declarações seriam controladas posteriormente pelos serviços e que a decisão era reversível.

Isto é, o recorrente não demonstra a existência de uma errada apreciação probatória. Bem pelo contrário, o que se evidencia é que os indicados factos foram adequadamente apreciados pelo tribunal recorrido.

E, necessariamente, mal apreciados pelo Ministério Público que deduziu acusação sem ouvir o decisor, bastando-se com a inquirição de técnicos. Uma visão excessivamente chã, horizontal, de uma administração pública de raiz napoleónica, não obstante com manifestações pós-modernistas.

Ou seja, como aquilo que se punha em causa neste capítulo de inconformidade recursória era o teor da alínea c) dos factos dados como não indiciados e como o motivo de inconformidade é improcedente, mantém-se a natureza e o teor do facto.


*

B.4 – Da incorrecta apreciação dos meios probatórios ao não se considerar indiciado o que consta dos factos 99º a 101º - conclusões 19ª e 20ª.

Este outro motivo de inconformidade do recorrente assenta no “espelho”, melhor se diria, no “negativo”, do afirmado quanto à al. c) dos factos não indiciados.

Com uma especialidade. Nenhuma prova é indicada para suportar a impugnação para além dos depoimentos indicados no ponto anterior, para o qual remete, com uma visão já ali negada.

Acresce que, como se faz notar na decisão recorrida, a administração assumiu – a nosso ver adequadamente, face ao anteriormente explanado e à natureza meramente formal da exigência legal – uma postura de controlo formal e indiferença de fiscalização substancial prévia, o que confirma aqueles factos que se pretendem impugnar.

Não há, pois, razão para os alterar. Incluindo o facto constante da al. b) dos não indiciados.

Improcede, igualmente, esta razão de desacordo.


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B.5 – Da integração dos factos apurados no tipo penal de burla tributária.

B.5.1 – É esta a fonte do desentendimento, o artigo 87º do RGIT:

“1 - Quem, por meio de falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos, determinar a administração tributária ou a administração da segurança social a efectuar atribuições patrimoniais das quais resulte enriquecimento do agente ou de terceiro é punido com prisão até três anos ou multa até 360 dias.
(…)
4 - As falsas declarações, a falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou a utilização de outros meios fraudulentos com o fim previsto no n.º 1 não são puníveis autonomamente, salvo se pena mais grave lhes couber.
5 – (…).”

O pragmatismo e a consideração de que um processo judicial não se destina a resolver todas as questões teóricas que se podem colocar a propósito de um tipo penal surgido em 2001 para resolver um problema, o do concurso da Fraude fiscal do RJIFNA com o tipo clássico de burla, que não é objecto do presente recurso, levam-nos a reduzir a fundamentação ao essencial.

A decisão recorrida afiança que os arguidos apresentaram requerimento sabendo que um facto determinante para a concessão de isenção fiscal não estava preenchido mas conclui que isso não implicou erro na decisão.

Isso é patente na respectiva fundamentação, a fls. 33-35 deste acórdão, terminando, em jeito conclusivo nestes dois últimos parágrafos, como segue:

Indicia-se assim também, e em consequência, que não só foi a alteração do objecto social da “In” um acto vazio de conteúdo destinado apenas a ficcionar o exercício efectivo de uma actividade económica, mas também, em consequência, que o requerimento posterior elaborado e subscrito pelo arguido MNCB serviu para dar seguimento a esse propósito e, servindo-se dessa alteração de objecto social, apresentar à Autoridade Tributária requerimento onde afirma que os requisitos previstos no DL 404/90 estão cumpridos.
Sabiam pois necessariamente os arguidos ASA e JMCC que tal não correspondia à verdade, em face das funções que desempenhavam, bem como o sabia o arguido MNCB, pois havia participado na análise da operação e conhecia a natureza da “Inbepor” como sociedade veículo.

Ou seja, tribunal recorrido e Ministério Público estão de acordo em afirmar a existência de um requerimento com informação desconforme com um formalismo legal.


*

B.5.2 – Assim, a primeira questão a resolver centra-se no saber dos elementos do tipo penal em presença. Essa a questão essencial para o caso sub iudicio, que se deve determinar com prioridade.

Neste ponto, iniciando a aproximação pelos contributos doutrinais, nada como recordar o escrito do Prof. Manuel da Costa Andrade que apesar de reconhecer o propósito do legislador de “aproximar e quase identificar a Burla tributária com a Burla da lei penal comum” não deixa de lhe apontar “descontinuidades e diferenças”. [8]

A Burla tributária, por outro lado, além de um só resultado, o enriquecimento (prescindindo do segundo resultado, o prejuízo), consagra a desnecessidade de aquele ser ilegítimo.

Mas, determinante, a aparente renúncia ao pressuposto erro que é típico da burla acaba por ser aceite como um “elemento não escrito da factualidade típica da Burla tributária com a consequente redução teleológica do âmbito da incriminação”. [9]

E aqui, apesar da discordância do Ministério Público, cabe afirmar que este tipo penal nasceu com pouca ambição de preenchimento de espaço jurídico-penal e a prática judicial tem consagrado a sua reduzida aplicabilidade.

Aceitando até aquele ilustre professor (e aceitando nós) o recurso à analogia in bonam partem para inserir o erro da Burla do Código Penal nas situações a subsumir ao artigo 87º do RGIT e com o significado que ali lhe é dado. [10]

O que, tudo, nos reconduz para a afirmação de que a Burla tributária, com esta configuração, reduz o seu campo incriminatório através da expressão “… determinar a administração tributária ou a administração da segurança social a efectuar atribuições patrimoniais…” que, neste tipo penal, insere o momento de auto-lesão inconsciente típico da Burla. [11]

Ou seja, há certo acordo doutrinal na conformação dos elementos típicos da Burla tributária, como se deduz igualmente da posição do Prof. Germano Marques da Silva. [12]

Serão eles (1) o erro ou engano sobre factos por meio de falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos e a (2) determinação da administração tributária ou a administração da segurança social a efectuar atribuições patrimoniais das quais resulte enriquecimento do agente ou de terceiro.

Do lado subjectivo o dolo é genérico.

Ou seja, é muito relevante a mentira sobre os factos, definindo o tipo, de feição assaz clara – como sempre seria exigível num tipo de execução vinculada - a forma que essa mentira deve revestir, falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante ou outros meios fraudulentos.

O adjectivo fraudulento – dizemos nós - não se pode limitar, portanto, aos outros não especificados, pois que as falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante também devem revestir essa característica.

Ou seja, a simples inconformidade de declarações com a realidade pode não ser fraudulenta, assim como um parecer jurídico não pode ser visto – em normais circunstâncias – como uma falsa declaração ou um meio fraudulento.

Do lado da jurisprudência tem esta Relação vindo a concluir no mesmo sentido, ao menos desde 2005.

É certo que na vertente da possibilidade de configurar um crime de burla tributária por omissão, concluindo na maioria das vezes pela negativa. Ou a diferenciar o tipo penal do tipo contra-ordenacional.

Mas, como passo prévio, a definir os elementos do tipo comissivo.

Estão neste caso os acórdãos desta Relação de:

- 08-11-2005 (rel. Fernando Ribeiro Cardoso1598/05-1):

1. (…)
2. São elementos constitutivos deste crime de burla tributária os seguintes:
- Uso de erro ou engano sobre os factos, provocado por meios fraudulentos, como falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante;
- Que sejam aptos ou idóneos a determinar a administração tributária ou a administração da segurança social a efectuar atribuições patrimoniais das quais resulte enriquecimento do agente ou de terceiro.
3. De acordo com a configuração do tipo, exige-se o uso de um meio fraudulento “activo” ou seja uma conduta astuciosa comissiva que directamente induziu o erro ou engano e não uma mera conduta omissiva do agente.
4. (…).
5. Parece-nos necessário para verificação do crime de burla tributária que o estado de erro ou engano do sujeito passivo tenham sido provocados astuciosamente pelo agente da infracção, isto é, usando de um meio enganoso ou fraudulento para enganar ou induzir um erro.
(…).
- de 28-01-2014 (rel. Sénio Alves, proc.16/12.4TDEVR.E1), em fundamentação:

«São elementos constitutivos do crime de burla tributária, p.p. pelo artº 87º, nº 1 do RGIT, (i) o uso de erro ou engano sobre factos, provocado por meios fraudulentos como falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante, (ii) que sejam aptos a determinar a administração tributária ou a administração da segurança social a efectuar atribuições patrimoniais das quais resulte enriquecimento do agente ou de terceiro».
- de 13/01/2009 (rel. Maria José Nogueira, proc. 2.400/08-1, CJ ano XXXIV, t. I, 277-279):

“1 - A burla tributária exige o uso de um meio fraudulento activo e não só o aproveitamento de um erro”.
2 – (…).
E da Relação de Coimbra de 26-01-2011 (rel. Eduardo Martins, proc. 370/06.7TACBR.C1):

1. O crime de burla tributária, está estruturado como um crime de resultado, aparecendo como um verdadeiro tipo de burla especial, em que o processo típico é de execução vinculada (e não livre), mas, simultaneamente, estabelece elementos integradores mais formais.
2. São elementos constitutivos deste crime de burla tributária - Uso de erro ou engano sobre os factos, provocado por meios fraudulentos, como falsas declarações, falsificação ou viciação de documento fiscalmente relevante; - Que sejam aptos ou idóneos a determinar a administração tributária ou a administração da segurança social a efectuar atribuições patrimoniais das quais resulte enriquecimento do agente ou de terceiro.
3- Na configuração do tipo, exige-se o uso de um meio fraudulento “activo” ou seja uma conduta astuciosa comissiva que directamente induziu o erro ou engano e não uma mera conduta omissiva do agente.


*


B.5.3 – Mas é evidente que nestas afirmações estão implícitos outros elementos de imputação objectiva que não são habitualmente declarados mas sem os quais o tipo penal não tem vida própria.

Referimo-nos aos necessários nexos de causalidade que estão supostos na literalidade da norma pelo uso da forma verbal “determinar” e que são imprescindíveis à sua racionalidade e teleologia.

Assim, adaptando as considerações feitas a propósito do tipo de Burla clássica (ou de lesado em bem de propriedade individual) quanto à existência de, ao menos, um duplo nexo de causalidade ou de imputação, entre os elementos objectivos daquele – engano, erro, deslocação patrimonial e prejuízo patrimonial [13] - haverá que aceitar tal duplo nexo de causalidade entre os elementos característicos do tipo Burla tributária, ou seja, entre engano, erro e enriquecimento do agente ou de terceiro.

Elementos de imputação objectiva aceites sem discussão na Burla clássica mas por referência central ao prejuízo patrimonial, que aqui deve ser abandonado em favor do enriquecimento, enquanto elemento objectivo determinante, pois que o tipo tributário prescinde da causação de prejuízo.

Aqueles nexos, duplo nexo, exigem que o meio enganoso seja a causa real da situação de erro; que o erro seja a causa determinante do enriquecimento.

Aqui o meio enganoso não seria o objecto declarado de uma sociedade comercial, algo que pode coexistir licitamente com a inexistência de actividade correspondente, sim uma omissão ou falsidade declarativa quanto à existência de real e efectiva actividade correspondente a esse objecto, tendo em vista a isenção.

Algo que, numa perspectiva substancial e não formal ou burocratizada da actividade económica, gera dificuldades de definição e articulação societária quando nos deparamos com dois grupos de empresas do mesmo ramo de actividade industrial o que, aliás, justifica a aquisição.

Desde logo porquanto o fortalecimento de um grupo industrial, considerações de mercado e concorrência, mesmo de manutenção ou não de postos de trabalho, sempre assumiriam valor acrescido, até para uma administração fiscal mais perspicaz e menos intrusiva, que se não limitasse à literalidade da lei, ela própria vesga e decrépita. Por isso que, nesta perspectiva substancial, seja muito duvidosa a qualificação do pedido como “meio enganoso”.

Mas admitindo que prevaleça a perspectiva burocrática e formal, certo é que o decisor não agiu em erro.

E se o decisor não agiu em erro falha também o respectivo nexo de imputação objetiva entre o dito comportamento “enganoso” e o erro. E falha identicamente o nexo entre o erro e o enriquecimento.

Ou seja, falha um elemento objectivo do tipo, o erro, e falha igualmente o duplo nexo de causalidade entre engano, erro e enriquecimento do agente ou de terceiro.

Falhando todos não se mostra preenchido o tipo penal secundário de Burla tributária. E assim sendo não é passível de crítica o douto despacho recorrido.

De onde resulta que as restantes questões suscitadas no recurso se mostrem prejudicadas.


***

C - Dispositivo

Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso interposto.

Sem tributação.

Évora, 02 de Fevereiro de 2016 (elaborado e revisto pelo relator antes de assinado)

João Gomes de Sousa

António Condesso

__________________________________________________

[1] Jorge Gasalho, A Burla Tributária:a Norma Incriminadora, as Relações de Concurso com a Fraude Fiscal e Outras Considerações, Faculdade de Direito de Lisboa, Universidade Católica Portuguesa, Janeiro 2013, págs. 7-8. E assim também Nuno Pombo, A Fraude Fiscal. A Norma Incriminadora, a Simulação e Outras Reflexões, Almedina, 2007, págs. 248-249.

[2] Cf. Luís Menezes Leitão, «Benefícios Tributários à Concentração e Cooperação de Empresas», in Ciência e Técnica Fiscal, n.º 366, Ministério das Finanças, p. 36.

[3] Cf. Luís Menezes Leitão, «Benefícios Tributários…», p. 37.

[4] Cf. Relatório do GTRBF, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 198, Ministério das Finanças, p. 184

[5] Quanto ao modo de funcionamento social dos benefícios fiscais «(…) por um lado, há benefícios fiscais que se dirigem a tutelar situações já consumadas, actuando em termos estáticos, e que designamos por benefícios fiscais, em sentido restrito, e, por outro benefícios que, pelo contrário, actuam como um “ante” causal, face a situações futuras que pretendem estimular, aos quais a doutrina chama incentivos ou estímulos fiscais ou ainda medidas de fomento fiscal, isto é, medidas que actuam, portanto, em termos dinâmicos» – Nuno Sá Gomes, Teoria Geral dos Benefícios Fiscais, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal nº 165, Ministério das Finanças, p. 131.

[6] Cf. Relatório do GTRBF, Cadernos…, p. 185.

[7] A quem, previamente, havia sido enviado requerimento e estudo em tudo idênticos àquele remetido ao Ministério das Finanças.

[8] - “A Fraude fiscal – Dez anos depois, ainda um crime de resultado cortado”, in «Direito Penal Económico Europeu: Textos Doutrinários», vol. III, pag. 289, Coimbra Editora, 2009.

[9] - Idem, ibidem.

[10] - Idem, ibidem.

[11] - Idem, pag. 290.

[12] - In “Direito Penal Tributário – Sobre as responsabilidades das sociedades e dos seus administradores conexas com o crime tributário”, pags. 190-191, Universidade Católica Portuguesa, 2009.

[13] - Prof. Costa Andrade, obra citada, pag. 282 e nota 38 a propósito dos nexos de causalidade.