Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
2199/15.2T8SLV-B.E1
Relator: MÁRIO SERRANO
Descritores: EMBARGOS DE TERCEIRO
INDEFERIMENTO LIMINAR
EXECUTADO
CÔNJUGE
BENS COMUNS DO CASAL
Data do Acordão: 07/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
1. Em execução movida contra um dos cônjuges, por dívidas da sua exclusiva responsabilidade, pode nomear-se à penhora bens comuns, desde que seja pedida a citação do cônjuge do executado para requerer a separação de bens.
2. Com a citação do cônjuge do executado torna-se inútil a dedução de embargos de terceiro.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA:


I – RELATÓRIO:
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Por apenso aos autos de execução comum instaurada por «AA – Sociedade de Construção Unipessoal, Lda.» contra BB, que corre termos na Secção de Execução da Instância Central de Silves da Comarca de Faro, deduziu CC embargos de terceiro, invocando a qualidade de cônjuge do executado, casada com este no regime de comunhão de adquiridos, e para assim se opor à penhora, no âmbito dessa execução, de prédio urbano que constitui bem comum do casal e casa de morada de família deste.

Sobre essa petição de embargos de terceiro recaiu despacho de indeferimento liminar, em que se considerou ocorrer ilegitimidade da embargante para a dedução dos embargos, com fundamento em a mesma ter sido citada na execução para, em face da penhora sobre bem comum, requerer a separação de bens, de forma a evitar a execução da sua meação no património comum do casal, em cumprimento do artº 740º do NCPC, o que teria tido o efeito de retirar à embargante a qualidade de terceiro em relação à execução e de lhe conferir o estatuto processual previsto no artº 787º do NCPC – e, nessa base, declarou-se «verificada a excepção dilatória de falta de legitimidade para dedução de embargos» e, em consequência, indeferiu-se liminarmente a petição de embargos.

É desse despacho de indeferimento liminar do requerimento de oposição mediante embargos de terceiro que vem interposto pela oponente o presente recurso de apelação, cujas alegações culminam com as seguintes conclusões:

«1. Na origem dos presentes embargos de cônjuge executado está um fictício contrato de empreitada que teria sido celebrado entre a Exequente e o Executado, seu marido, celebrado em 1 de Janeiro de 2011, pelo valor de 28.228,50 €, e que essas obras foram todas concluídas em 1 de Janeiro de 2011.

2. O que, só pela data, dá logo para ver a ficção dos factos alegados. Petição de Injunção, junta como doc. 4, da Petição de embargos.

3. Tais factos foram todos impugnados pelo executado na oposição à injunção.

4. Porém, a sentença dada à execução, no relatório dos factos provados, sem atender ao princípio do dispositivo (artº 5º do C. P. Civil) no seu ponto 3, diz: “tais trabalhos mostram-se discriminados na fatura que é fls. 20 e 21 dos autos e têm o valor ilíquido de € 22.950,00, a que acresce o IVA de € 5.278,50”.

5. A referida fatura de fls. 20 e 21, refere trabalhos de alteração da cave da moradia e casa-de-morada-família da embargante ora recorrente, não foram feitos do modo alegado nessa injunção, e por isso impugnados.

6. Estranhamente, a fatura de fls. 20 e 21 dos autos é a “fatura pro forma 1”, de 1 de Janeiro de 2011, onde se descriminam os supostos trabalhos descritos na Injunção, estando assinada, apenas pelo sócio-gerente da Exequente, tendo sido impugnada na audiência. Pelo que, sendo uma fatura pro forma, não passa de uma proposta comercial, tipo orçamento.

7. A alegação destes factos prende-se apenas com a realidade de demonstrar que se trata de uma dívida – ainda que fictícia e inexistente – ela diz respeito a obras na casa-de-morada-de-família da embargante e do executado, além de bem comum do casal em que ela não teve intervenção, seja na contratação de tais trabalhos, seja na acção de que resultou a sentença dada à execução.

8. Razão porque, salvo melhor entendimento, esta sentença – não transitada em julgado – não reúne, salvo melhor opinião, condições para afetar a esfera jurídica pessoal como é o caso; afetação do princípio da igualdade entre os cônjuges e o princípio da imutabilidade do regime de bens do casamento (artºs 13º e 63º da C.R. Portuguesa; 1671º e 1674º, do C. Civil).

9. Daí que, tal Injunção/Acção Declarativa Especial, devesse ter sido proposta também contra a embargante, por se tratar de um caso de litisconsórcio necessário, posto que a causa de pedir tinha por objeto direto a realização de obras na dita casa-de-morada-de-família, pretendendo o pagamento do seu custo, bem sabendo que tal acção envolvia o risco de perda ou oneração dessa mesma casa, violando, pois, entre outros, o princípio da proteção do direito à habitação previsto no artºs. 13º, 65º e 67º, da C.R. Portuguesa, bem como o disposto nos artigos 33º, nºs 1 e 2; 34º, nºs 1 e 3, 619º, 620º e 621º, do C. P. Civil).

10. Não se respeitando a necessidade do litisconsórcio necessário, salvo melhor entendimento, não pode tal sentença afetar, com se disse, tão gravemente a sua esfera jurídica pessoal e patrimonial sem o exercício do contraditório pleno, com igualdade de armas e equidade de direitos processuais, pelo menos os mesmos que os facultados ao seu cônjuge, pois além de se tratar da sua casa-de-morada-de-família, respeita a um bem comum do casal, que só por intervenção de ambos pode ser onerado ou alienado (artº 1682-A, nºs 1, al. a), e nº 2, do C. Civil).

11. Em que a proteção da casa-de-morada-de-família é de tal forma protegida que, mesmo sendo um bem próprio de um dos cônjuges carece sempre da autorização do cônjuge não proprietário, e impõe a necessidade de litisconsórcio necessário “…em todas as ações que tenham por objeto, direta ou indiretamente, a casa de morada de família” (artºs. 33º, 34º, nº 1 e 3, do C. P. Civil).

12. Daí que, em nossa opinião, além de não haver sentença transitada em julgado, por virtude de recurso de apelação, pendente, por parte do demandado na acção declarativa (Injunção), em caso algum, tal sentença [pode] produzir o efeito útil de caso julgado contra a embargante.

13. Na verdade, se esta optasse pela separação de judicial de bens nos termos do artº 740º, nº 1, do C. P. Civil, estaria, mesmo sem haver uma sentença transitada em julgado, a tomar decisões sobre o seu estatuto pessoal e patrimonial que seriam irreversíveis, e sem que a mesma tivesse, como se disse, oportunidade de defesa em igualdade de condições do seu cônjuge, bem como aceitar uma intromissão judicial na sua vida pessoal e patrimonial, sem lhe ser dada a oportunidade de demonstrar que a dívida em causa não existe, permitindo uma penhora que ofende a sua posse e uma venda judicial que determina a perda da sua casa de morada de família.

14. Ora, esta oportunidade nunca poderia ocorrer na oposição à execução ou à penhora, ainda que na mesma existam ilegalidades insanáveis, com se referiu no corpo da Alegação.

15. Com efeito, pelas “dívidas da exclusiva responsabilidade de um dos cônjuges respondem os bens próprios do cônjuge devedor e, subsidiariamente, a sua meação nos bens comuns do casal, contanto que o exequente, ao nomeá-los à penhora, peça a citação do cônjuge executado”, o que, aliás decorre do princípio do dispositivo (artº 5º do C. P. Civil), nada tendo sido requerido pela exequente a este respeito.

16. De facto, a iniciativa da penhora da casa de morada de família foi da exclusiva iniciativa da Agente de Execução, porém sem qualquer decisão fundamentada, quanto ao apuramento de outros bens próprios ou equiparados (artº 1696º do C. Civil), sendo certo que o executado tem participações (quotas) em, pelo menos, três sociedades, não foram indagadas as suas contas bancárias, tem remuneração como sócio-gerente da sociedade “DD, Ldª.”, nada constando sobre o valor destes ativos, o que deveria ter sido feito para fundamentar se havia, ou não, lugar para penhorar a casa de morada de família da embargante, sendo certo que o não fez em violação ao disposto no artº 154º do C. P. Civil.

17. Temos, para nós, que esta solução interpretativa do Tribunal a quo, com o sempre devido respeito, é fazer tábua rasa da letra da Lei e da sua teleologia.

18. Na verdade, se há casos em que há justificação para embargos de terceiro da parte do cônjuge, como é doutrina comum, que são precisamente as ações cujo objeto direta ou indiretamente envolve o risco de perda ou oneração dos bens que só ambos os cônjuges podem alienar ou a perda de direitos que só por ambos possam ser exercidos, onde se incluem todas as ações que respeitem, direta ou indiretamente, à casa de morada de família (artº 34º, nº 1 e 3, do C. P. Civil).

19. Com efeito, o disposto no citado artº 787º do C. Civil não tem o mesmo alcance do processo de embargos de terceiro por parte do cônjuge (artº 343º do mesmo dispositivo legal), posto que os procedimentos de oposição à execução e à penhora estão limitados por um quadro típico, cujos limites não asseguram o direito de igualdade dos cônjuges a uma lide processual equitativa relativamente a ações que envolvam bens de que só possam dispor em conjunto, máxime a casa de morada de família.

20. Se a dívida em causa diz respeito a obras na casa de morada de família penhorada, é mister que o cônjuge ora embargante de terceiro tenha o direito de se defender na acção em que se exige essa dívida, mormente, demonstrar que a dívida à Exequente ora embargada não existe, porquanto, não foi celebrado qualquer contrato em 1 de Janeiro de 2011, não foram feitas quaisquer obras de alteração da cave da sua casa de morada de família, cujo terminus ou finalização ocorreu em 1 de Janeiro de 2011.

21. Sendo os factos alegados na injunção pura ficção, e que a sentença condenatória – ainda não transitada em julgado – além de não corresponder com a verdade, também por não ter transitado em julgado, não pode ter por efeito impor ou uma forçada e irrevogável separação judicial de bens, em atentado ao princípio da sua imutabilidade, bem como implicar perda da sua habitação familiar.

22. Sendo o embargo de terceiro o único meio ao seu alcance para poder impugnar a existência dessa suposta dívida, e impedir uma penhora que ofende a sua posse e direito de propriedade, com a execução de uma sentença em cuja acção não foi parte, devendo ter sido nela demandada, e que nem sequer transitou em julgado.

23. Uma hipótese que entendemos ser ponderada: admitamos a possibilidade de o recurso de apelação interposto ser procedente, se a embargante ora recorrente tivesse optado pelo pedido de separação judicial de bens, poderia recuperar esse estatuto jurídico patrimonial do seu casamento? A resposta só pode ser negativa.

24. Sendo esta uma hipótese jurídica insofismável, entendemos que a letra e teleologia dos artºs 33º, 34º e 343º do C. P. Civil, ficaria desprovida de efeitos práticos, sendo a interpretação de que, no caso em apreço, não pode a ora Recorrente socorrer-se, para defesa da posse e propriedade de um bem comum do casal, numa acção declarativa e numa execução em que não foi parte de pleno direito, é uma interpretação inconstitucional, por violação nomeadamente do direito a uma justiça efetiva e equitativa, do princípio da igualdade dos cônjuges e da proteção do direito à habitação.

25. Assim, contando com o venerando suprimento deste venerando Tribunal, deve ser revogada a douta decisão recorrida e admitidos os embargos de terceiro por cônjuge do executado, nos termos do artº 343º do C. P. Civil, como é de Justiça.»


A apelada contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Como é sabido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do tribunal ad quem (cfr. artos 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do NCPC), sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha (cfr. artº 608º, nº 2, ex vi do artº 663º, nº 2, do NCPC). Saliente-se, ainda, que este Tribunal apenas está obrigado a resolver as questões que sejam submetidas à sua apreciação, e não a apreciar todos os argumentos produzidos nas alegações (e suas conclusões) de recurso, além de que não tem de se pronunciar sobre as questões cuja decisão fique prejudicada, tudo conforme resulta do disposto nos artos 608º, nº 2, e 663º, nº 2, do NCPC.

Do teor das alegações da recorrente resulta que a matéria a decidir se resume, muito singelamente – e apesar da prolixidade das conclusões das alegações de recurso –, a apreciar se haveria fundamento para o indeferimento liminar da oposição mediante embargos de terceiro, fundado na ilegitimidade daquela, enquanto cônjuge do executado e citada para a execução para requerer a separação de bens, devido à penhora de bem comum do casal, ao abrigo do artº 740º do NCPC.

Cumpre apreciar e decidir.

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II – FUNDAMENTAÇÃO:

Estando assentes os elementos descritos no relatório, cabe, com base neles, aferir da ilegitimidade da embargante, enquanto cônjuge do executado, para a dedução de embargos de terceiro – o que, a verificar-se, imporia a prolação do despacho de indeferimento liminar sob recurso.

Comece-se por salientar que a questão da legitimidade da embargante, ora apelante, para a dedução de embargos de terceiro (necessariamente aferida pela relação material controvertida na configuração que dela apresenta a embargante, como impõe o artº 30º, nº 3, do NCPC), pelo seu carácter de excepção processual (prevista no artº 577º, al. e), do NCPC), precede todas as outras questões equacionadas pela apelante nas suas alegações de recurso: existência da dívida exequenda; afectação de princípios de igualdade dos cônjuges e de imutabilidade de regimes de bens; preterição de litisconsórcio necessário na acção da prolação da sentença exequenda; protecção da casa de morada de família e do direito à habitação; etc.. Se a embargante carecer de legitimidade para a dedução de embargos de terceiro, torna-se forçoso concluir que deve operar o indeferimento liminar da respectiva petição – e essa aferição da legitimidade depende tão-só da verificação da qualidade da embargante como terceiro para efeitos do incidente previsto nos artos 342º e seguintes do NCPC. E nessa aferição não interferem as questões de natureza mais substantiva mencionadas pela apelante: estas só se colocarão, eventualmente, se porventura for entendido que a embargante tem legitimidade e, assim ultrapassada a fase liminar do incidente, for determinado o prosseguimento da tramitação do respectivo apenso de embargos de terceiro. Se for confirmada aquela ilegitimidade, todas as demais questões ficarão prejudicadas na sua apreciação – e, por isso, não se compreende porque não tratou a apelante, nas alegações de recurso, de se focar na discussão dessa questão de ilegitimidade, em vez de se dispersar numa confusa mescla de questões que poderiam relevar apenas no âmbito dos próprios embargos, mas que seguramente não constituem objecto do presente recurso.

Posto isto, centremos a nossa atenção na questão nuclear assim delimitada: pode ou não a aqui embargante, na sua qualidade de cônjuge do executado, deduzir embargos de terceiro?

É certo que o artº 343º do NCPC confere, em princípio, legitimidade ao cônjuge do executado para deduzir embargos de terceiro: «O cônjuge que tenha a posição de terceiro pode, sem autorização do outro, defender por meio de embargos os direitos relativamente aos bens próprios e aos bens comuns que hajam sido indevidamente atingidos pela diligência prevista no artigo anterior». Porém, este preceito tem de ser lido no contexto mais alargado do regime processual previsto para o cônjuge do executado – e para essa leitura revestem especial relevância o disposto nos artos 740º e 787º do NCPC. O nº 1 da primeira dessas disposições legais rege do seguinte modo: «Quando, em execução movida contra um só dos cônjuges, forem penhorados bens comuns do casal, por não se conhecerem bens suficientes próprios do executado, é o cônjuge do executado citado para, no prazo de 20 dias, requerer a separação de bens ou juntar certidão comprovativa da pendência de ação em que a separação já tenha sido requerida, sob pena de a execução prosseguir sobre os bens comuns». E a segunda dessas disposições legais, sob a epígrafe «estatuto processual do cônjuge do executado», na sequência da previsão do artº 786º, nº 1, al. a), do NCPC (que consagra a citação do cônjuge do executado para a execução «quando se verifique o caso previsto no nº 1 do artº 740º»), estabelece, no seu nº 1, que «O cônjuge do executado, citado nos termos da primeira parte da alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, é admitido a deduzir, no prazo de 20 dias, oposição à penhora e a exercer, nas fases da execução posteriores à sua citação, todos os direitos que a lei processual confere ao executado, podendo cumular eventuais fundamentos de oposição à execução», acrescentando, no seu nº 2, que «Nos casos especialmente regulados nos artigos 740.º a 742.º, é o cônjuge do executado admitido a exercer as faculdades aí previstas».

Perante esta normação (que constitui sucedâneo, respectivamente, dos artos 352º, 825º, 864º e 864º-A do anterior CPC), afigura-se-nos de linear solução a questão em discussão – a qual, já na vigência desse anterior regime processual, merecia resposta genericamente convergente na jurisprudência, de que destacamos, por todos, os Acs. RL de 10/1/2008 (Proc. 9533/2007-2, in www.dgsi.pt), RE de 31/1/2008 (CJ, ano XXXIII, tomo I, pp. 245 ss.) e RP de 16/11/2010 (Proc. 2320/04.6TBOVR-B.P1, in www.dgsi.pt), que tratam da questão da possibilidade de dedução de embargos de terceiro por parte do cônjuge do executado (sendo que no primeiro desses arestos a decisão recorrida é precisamente um despacho de indeferimento liminar da petição de embargos).

No mencionado Ac. RL pode ler-se o seguinte: «O cônjuge que tenha a posição de terceiro pode, sem autorização do outro, defender por meio de embargos de terceiro os direitos relativamente aos bens próprios e aos bens comuns que hajam sido indevidamente atingidos pela diligência prevista no artigo anterior – art. 352º do CPCivil. (…) por força da alteração introduzida pelo DL n.º 329-A/95, o exequente pode nomear à penhora bens comuns, desde que peça a citação do cônjuge do executado para requerer a separação de bens. Citado o cônjuge do executado, no momento e com as garantias a que se refere o art. 864º, pode ele requerer a separação de bens, em processo de inventário, ou juntar aos autos certidão comprovativa da pendência de processo de separação de bens já instaurado. Tendo o cônjuge do executado sido citado para requerer a separação de bens, os embargos de terceiro são inúteis (…). Só caso tenha sido omitida a citação a que se reporta o n.º 1 do art. 825.º do CPCivil na execução movida apenas contra um dos cônjuges, pode o outro deduzir embargos de terceiro para defender o seu direito à meação nos bens comuns». Diz o citado Ac. RE que «a citação, ainda que indevida, do cônjuge do executado para a acção executiva confere-lhe a posição de parte principal, impedindo-o de embargar de terceiro». E naquele Ac. RP fundamenta-se o impedimento ao cônjuge do executado (já citado na execução) para a dedução de embargos de terceiro nestes termos: «(…) tendo a aqui embargante-recorrente sido citada (…) na acção executiva de que estes embargos são dependência, nos termos que se deixaram enunciados, e tendo aí assumido, por essa via, a posição de parte principal, não poderá ser considerada “terceiro” para os efeitos dos arts. 351º, nº 1, e 352º do CPC. É que, como ensina o Prof. Teixeira de Sousa [in “Reforma da Acção Executiva”, pg. 175], o cônjuge que é considerado terceiro é aquele que não foi citado nos termos do art. 864º, nº 3, al. a), do CPC [no mesmo sentido, cfr. Prof. Lebre de Freitas, in “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1º, 1999, pg. 617, que considera que “é terceiro quem não é parte na causa”; veja-se, ainda, Cons. Salvador da Costa, in “Os Incidentes da Instância”, 5ª ed., pg. 216, e Cons. Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução”, 11ª ed., pg. 298]. Temos, assim, como certo que a embargante-recorrente não podia ter deduzido estes embargos de terceiro e que, quando tal foi detectado pela 1ª instância, os autos não podiam prosseguir, como não prosseguiram».

Merecendo a nossa concordância a orientação jurisprudencial que vimos de expor, por ser a mais consentânea com a leitura harmonizada das disposições legais supra citadas, forçoso é concluir que, perante a circunstância de a embargante ter sido citada na execução nos termos do artº 740º do NCPC (correspondente ao artº 825º do anterior CPC), não podia a mesma ver aqui reconhecida a qualidade de terceiro para efeitos de dedução do incidente de embargos previsto nos artos 342º e seguintes do NCPC, não devendo assim prosseguir a tramitação desse incidente – pelo que se impunha a prolação da decisão recorrida, em termos de indeferimento liminar da petição de embargos de terceiro deduzida pela apelante.

Acolhem-se, assim, os fundamentos da decisão recorrida e não se vislumbra, pois, qualquer razão para alterar o que foi decidido na 1ª instância. E assim deverá improceder integralmente a presente apelação.

Em suma: o tribunal a quo não violou qualquer disposição legal, não merecendo censura a decisão do tribunal a quo no sentido do indeferimento liminar da petição de embargos de terceiro, pelo que deve improceder o presente recurso.
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III – DECISÃO:

Pelo exposto, decide-se julgar improcedente o presente recurso, confirmando a decisão recorrida.

Custas pela apelante (artº 527º do NCPC).

Évora, 12/07/2016
Mário António Mendes Serrano
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes (dispensei o visto)
Mário João Canelas Brás (dispensei o visto)