Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
235/13.6GBSRT-A.E1
Relator: GILBERTO CUNHA
Descritores: SEGREDO PROFISSIONAL
INCIDENTE
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 06/17/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: INCIDENTE DE LEVANTAMENTO DE SIGILO PROFISSIONAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário: I- Só perante a recusa em prestar informação e se esta tiver sido fundada em segredo profissional ou em qualquer outro sigilo protegido por lei, é que fica legitimado o recurso ao incidente previsto no art. 135.º, do CPP, com vista ao seu levantamento.
II- A falta desse pressuposto inviabiliza o incidente.
Decisão Texto Integral:
Proc.nº235/13.6GBSRT-A.E1

Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

RELATÓRIO.

Nos autos de inquérito nº235/13.6GBSRT, dos Serviços do Ministério Público da Comarca de Albufeira, em que se investiga a prática dos crimes de burla e falsificação de documento, pp. pelos arts.217º e 256º, nºs 1 e 3, ambos do Código Penal, por alegadamente no dia 8 de Agosto de 2012, pelas 5h15m, um veículo ostentando abusivamente a matrícula (…), atribuída a um outro veículo, circulou pela A2 e transpôs a barreira de portagem da Via Verde, em Paderne PV, não tendo sido paga a taxa de portagem devida.
O Ministério Público pretende obter informação sobre a marca e modelo do veículo que à data da infracção ostentava a matricula (…), a que se reporta a descrição sumária documentada a fls. 9 dos presentes autos.
Solicitada essa informação à Via Verde Portugal - Gestão de Sistemas Electrónicos de Cobrança, SA, esta respondeu pelo ofício junto a fls.15 pedindo que lhe fosse enviado cópia do despacho da Autoridade Judiciária que ordena à Via Verde a prestar aquele informação.
Subsequentemente o Ministério Público, na suposição errada de que aquela entidade se recusou a prestar a informação escudando-se no dever de sigilo profissional, requereu ao Mº Juiz de Instrução que julgasse legitima a escusa e suscitasse junto deste Tribunal da Relação o levantamento do sigilo profissional (e não bancário como por lapso consta de fls.16).
O Senhor Juiz de Instrução, também no pressuposto errado de que aquela entidade teria recusado prestar a informação refugiando-se na protecção do segredo profissional, julgou essa suposta recusa como legítima e suscitou a intervenção deste Tribunal a fim de se decidir da quebra do sigilo profissional para obtenção da referida informação, reputada imprescindível à investigação.
O Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto nesta Relação emitiu douto parecer, promovendo o deferimento da quebra do sigilo profissional, ponderando que perante os interesses em conflito deve ser dada prevalência ao interesse público da realização da justiça.
Colhidos os vistos teve lugar a conferência.
Cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO.

A Via Verde Portugal - Gestão de Sistemas Electrónicos de Cobrança, SA enquanto entidade responsável pelo tratamento de dados pessoais, tem a sua base de aderentes registada junto da Comissão Nacional de Protecção de Dados, estando os seus funcionários que no exercício das funções tenham conhecimento de dados pessoais tratados, obrigados a sigilo profissional, nos termos do art.17º, nº1 da Lei nº67/98, de 26 de Outubro, que dispõe o seguinte: «Os responsáveis do tratamento de dados pessoais, bem como as pessoas que, no exercício das suas funções, tenham conhecimento dos dados pessoais tratados, ficam obrigados a sigilo profissional, mesmo após o termo das suas funções».
Nos termos do nº3 o disposto no nº1 «não exclui o dever do fornecimento de informações obrigatórias, nos termos legais, excepto quando constem de ficheiros organizados para fins estatísticos» (negrito e sublinhado nosso).
Por outro lado, o art. 3º, al. a) da Lei 67/98 de 26/10 estabelece que, se entende por «‘dados pessoais': qualquer informação, de qualquer natureza e independentemente do respectivo suporte, incluindo som e imagem, relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável ('titular dos dados'); é considerada identificável a pessoa que possa ser identificada directa ou indirectamente, designadamente por referência a um número de identificação ou a um ou mais elementos específicos da sua identidade física, fisiológica, psíquica, económica, cultural ou social» e a al.b) do mesmo preceito que, «'Tratamento de dados pessoais' ('tratamento'): qualquer operação ou conjunto de operações sobre dados pessoais, efectuadas com ou sem meios automatizados, tais como a recolha, o registo, a organização, a conservação, a adaptação ou alteração, a recuperação, a consulta, a utilização, a comunicação por transmissão, por difusão ou por qualquer outra forma de colocação à disposição, com comparação ou interconexão, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição».
Não oferece qualquer dúvida que as pessoas obrigadas ao dever de segredo profissional, nos termos atrás mencionados, podem recusar a prestação de informação a que tenham acesso em resultado das suas funções se invocarem segredo profissional.
Todavia, só perante a recusa fundada na protecção do segredo profissional é que a autoridade judiciária, se tem de pronunciar sobre a legitimidade ou ilegitimidade da recusa e se concluir pela ilegitimidade, ordena – no caso do juiz – ou requer que seja ordenado – caso do Ministério Público - a prestação da informação (art.135º, nº2 do CPP).
Concluindo-se pela legitimidade, o tribunal de 1ª Instância remete para o tribunal imediatamente superior a apreciação e decisão sobre a quebra do sigilo (art.135º, nº3 do CPP).
Com efeito, só se o tribunal de 1ª Instância considerar que a escusa é legítima mas, mesmo assim entender que, no caso concreto, a quebra do sigilo se mostra justificada face às normas e princípios aplicáveis da lei penal, nomeadamente face ao princípio da prevalência do interesse preponderante, então e só então, tem de solicitar a intervenção do tribunal imediatamente superior, nos termos do que dispõe o art.135º, nº3 do CPP (cfr. ARL, de 96-12-04, CJ, Ano XXI, Tomo 5º, pp.152).
Haver ou não segredo é matéria sindicável pela via do recurso ordinário.
A montante ou previamente à indagação sobre se a informação solicitada está ou não coberta pelo segredo profissional e à avaliação sobre se a preservação deste deve ou não prevalecer sobre o outro interesse conflituante – o da realização da justiça – importa examinar se a mencionada entidade recusou prestar a informação solicitada, escudando-se no segredo profissional.
No caso de que aqui nos ocupamos, como já deixámos consignado no relatório à solicitação do Ministério Público feita através de oficio subscrito por técnico de justiça (cfr.fls.14), respondeu a Via Verde Portugal - Gestão de Sistemas Electrónicos de Cobrança, SA, pelo ofício junto a fls.15 pedindo que lhe fosse enviado cópia do despacho da Autoridade Judiciária que ordena à Via Verde que preste aquele informação.
Daqui não decorre de forma alguma, nem explicita nem implicitamente, que essa entidade tenha sequer recusado prestar a informação solicitada e por conseguinte também que tivesse invocado o segredo profissional.
É, assim, por demais evidente, que foi indevidamente precipitado e prematuro o impulso processual conducente a desencadear este incidente de levantamento do segredo profissional, que julgamos ter ficado a dever-se a uma mera desatenção do impulsionador que depois por simpatia impeliu ao erro os outros intervenientes que foram chamados a pronunciar-se (abyssus abyssum invocat).
Assim, a ausência de recusa de prestação da informação fundada na invocação do segredo profissional, consubstancia a falta de um pressuposto do incidente suscitado perante este tribunal, inviabilizando-o.
Só perante a recusa em prestar a informação e se esta tiver sido fundada no segredo profissional ou em qualquer outro sigilo protegido, é que fica legitimado o recurso ao incidente previsto no art.135º, do CPP com vista ao seu levantamento.
Na verdade, pelo motivo apontado e de acordo com o disposto no art.135º, do CPP, foi prematuro e intempestivo o recurso a este meio - incidente para quebra de sigilo profissional – com vista à obtenção da informação pretendida pelo Ministério Público.
Por todo o exposto, e sem mais desenvolvidas considerações por supérfluas, entendemos dever ser indeferido o incidente suscitado.

DECISÃO.

Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os Juízes desta Secção em julgar improcedente o incidente suscitado, indeferindo em consequência, o pedido de levantamento do sigilo profissional.
Sem custas.

Évora, 17 de Junho de 2014.
(Elaborado e revisto integralmente pelo relator).

Gilberto Cunha
Martinho Cardoso