Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
912/22.0T8BJA.E1
Relator: MÁRIO BRANCO COELHO
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO LABORAL
CONTRA-ORDENAÇÕES LABORAIS
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CÚMULO JURÍDICO
ESTALEIRO TEMPORÁRIO OU MÓVEL
PLANO DE SEGURANÇA E SAÚDE
PSS
Data do Acordão: 05/11/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário:
1. O cúmulo por contra-ordenações em concurso forma-se perante aquelas pelas quais o auto de notícia (ou a participação) foi levantado, e perante eventuais processos cuja conexão tenha sido ordenada, verificadas que estejam as condições estritas dos arts. 24.º e 25.º do Código de Processo Penal, sendo que este último apenas admite a conexão para processos na mesma comarca, e não a nível nacional.
2. O conceito de estaleiro temporário ou móvel, contido no art. 3.º n.º 1 al. j) do DL 273/2003, envolve não apenas os espaços onde se efectuam os trabalhos de construção, mas também os locais onde, “durante a obra”, se desenvolvem as actividades de apoio directo.
3. O DL 273/2003 não estabelece o requisito de continuidade territorial entre o local da obra e os locais de apoio directo à obra.
4. Cabe ao plano de segurança e saúde em projecto regular a gestão e organização geral do estaleiro, definindo, entre outra matéria, quais as “instalações e equipamentos de apoio à produção” e o modo de “difusão da informação aos diversos intervenientes, nomeadamente empreiteiros, subempreiteiros, técnicos de segurança e higiene do trabalho, trabalhadores por conta de outrem e trabalhadores independentes.”
(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo do Trabalho de Beja, AA, Lda., na qualidade de arguida, e BB e CC, na qualidade de representantes legais daquela e responsáveis solidários, impugnaram a decisão da ACT que condenou a primeira por:
a) uma contra-ordenação leve, p.p. pelo art. 15.º n.º 6 e pelo art. 27.º do DL 273/2003, de 29 de Outubro (falta de afixação da comunicação prévia da abertura do estaleiro), à qual foi aplicada a coima parcelar de 7 UC (€ 714,00);
b) uma contra-ordenação grave, p.p. pelo art. 9.º n.º 5 e pelo art. 26.º al. c) do mesmo diploma (falta de afixação das declarações de nomeação e aceitação do CSO), a qual foi aplicada a coima parcelar de 16 UC (€ 1.632,00);
c) uma contra-ordenação muito grave, p.p. pelos arts. 13.º n.º 3, 11.º n.ºs 1 e 2, 20.º al. a) e 25.º n.º 3 al. c) do dito diploma (ausência de plano de segurança e saúde em estaleiro), à qual foi aplicada a coima parcelar de 92 UC (€ 9.384,00); e,
d) em cúmulo jurídico, na coima única de 111 UC (€ 11.322,00).

Após julgamento, a sentença decidiu julgar improcedente a impugnação, pelo que a arguida e os responsáveis solidários recorrem e concluem:
1. Não tendo a autoridade administrativa (ACT) ponderado a existência de eventual concurso de infracções a nível nacional, omitiu diligências essenciais à aplicação de coima, violando o comando normativo do art. 19º do RGCO, aplicável “ex vi” do art. 60º da Lei n.º 107/2009, de 14/09.
2. Os trabalhos (ainda e sempre nas condições de espaço e tempo aqui em apreço) que eram efectuados pela primeira recorrente não caem (nos termos densificados supra) na previsão do DL n.º 273/2003, de 29/10, motivo pelo qual se afiguram insusceptíveis de conformar a existência de conduta censurável a título de contra-ordenação.
3. No local em causa (Rua das Papoilas, Castro Verde) não se podia afirmar a existência de uma obra, de um estaleiro móvel, mas antes de um dos vários e simultâneos pontos em que se desenvolvia a empreitada (denominada de “Reforço de Adução a Castro Verde”, a qual era executada ao longo de mais de 12 kms, com diferentes, diversas e longínquas frentes de obra - simultâneas), sendo que o estaleiro (entendido como lugar de apoio aos ditos trabalhos) se situava noutro local -e aí estavam afixados os documentos em causa.
4. Aliás, é a própria decisão revidenda que expressamente diz que «mostra-se provado que, nas folhas de comunicação prévia concernentes à obra de reforço de adução a Castro Verde, consta como endereço completo do estaleiro, local diverso da aludida frente de obra, mas não muito distante do mesmo, já que se situava na mesma Vila (Castro Verde), onde estavam escritórios com vista a dar apoio administrativo às várias frentes de obra, conjuntamente com a fiscalização da obra, onde eram distribuídos os trabalhos pelos trabalhadores e onde se encontravam afixados e disponíveis para consulta os documentos em causa.»
5. E também por isto se afigura não se verificar “in casu” comportamento merecedor de sancionamento contra-ordenacional.
6. A Sentença revidenda violou, entre outras, as normas dos arts. 19º do RGCO, aplicável “ex vi” do art. 60º da Lei n.º 107/2009, de 14/09; arts. 2º; 3º, n.º 1, alínea j); 9º, n.º 5; 11º, n.ºs 1 e 2; 13º, n.º 3; 15º, n.º 6; 20º, alínea c); 25º, n.º 3, alínea c); 26º, alínea c); e 27º, todos do DL n.º 273/2003, de 29/10..

Na resposta sustenta-se a manutenção do decidido.
Já nesta Relação, o Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o seu parecer.
Cumpre-nos decidir.

Questão prévia de inadmissibilidade parcial de recurso:
Entre as infracções que vêm objecto de recurso, conta-se uma contra-ordenação leve e outra grave, às quais foram aplicadas as coimas parcelares de 7 UC e de 16 UC, respectivamente.
De acordo com o art. 49.º n.º 1 al. a) da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, é admissível recurso para o Tribunal da Relação quando for aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente; e acrescenta a al. b) que o recurso também é admissível se a condenação abranger sanções acessórias.
Acrescenta o n.º 3 que “se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infracções ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infracções ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso sobe com esses limites.”
Logo, a admissibilidade de recurso face ao valor da coima é aferida em função da coima parcelar aplicada a cada infracção, e não em função do montante da coima única aplicada em cúmulo jurídico. Este tem sido o entendimento uniforme desta Relação, citando-se, a título meramente exemplificativo, os Acórdãos de 08.11.2017 (Proc. 2792/16.6T8PTM.E1) e de 06.12.2017 (Proc. 3438/16.8T8FAR.E1), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Consequentemente, declara-se inadmissível o recurso na parte relativa àquelas contra-ordenações, leve e grave.

A primeira instância estabeleceu como provada a seguinte matéria de facto:
1. A arguida exerce a actividade principal de “Construção de outras obras de Engenharia Civil, n.e.” (CAE 42990) e tem sede na Pedreira do Piornal, Estrada Nacional n.º 16, 6300-035 ARRIFANA GRD.
2. No dia 2020/08/17, pelas 10:50H, foi desenvolvida uma acção inspectiva de âmbito de acção nacional na construção civil, na frente de obra de Reforço da Adução a Castro Verde sita na Rua das Papoilas, 7780-199 Castro Verde, onde decorriam trabalhos de preparação do terreno para colocação da calçada de cimento e chumbamento de tampas em caixas de visita, em que a arguida era a entidade executante, na sequência da adjudicação da “Empreitada de Reforço da Adução a Castro Verde”, em Castro Verde, pela AGDA — Águas Públicas do Alentejo, S.A., na qualidade de Dono de Obra.
3. A referida obra era executada ao longo de mais de 12 kms, com diferentes, diversas e longínquas frentes de obra simultâneas, implicando rotatividade de trabalhos e equipamentos.
4. No momento da visita inspectiva, tendo como Interlocutor o Sr. J…, na qualidade de Encarregado Geral foram identificados vários trabalhadores, os quais executavam funções no âmbito das suas categorias, na sequência dos trabalhos em curso.
5. No local não estavam afixados nem disponíveis para consulta o Plano de Segurança e Saúde em Obra (PSSO), a comunicação prévia de abertura de estaleiro e suas actualizações, declaração de nomeação e de aceitação do coordenador de Segurança em obra, registo de trabalhadores e livro de obra, entre outros.
6. No final da visita inspectiva compareceu no local a Eng. H…, na qualidade de Técnica de Segurança e Saúde no Trabalho, fazendo-se acompanhar do plano de contingência da comunicação prévia de abertura de estaleiro, registo de subempreiteiros, estatística de acidentes de trabalho e recibo de seguro de acidentes de trabalho.
7. Ao não afixar e disponibilizar tais documentos no local da obra sita na Rua das Papoilas, 7780-199 Castro Verde, arguida actuou de forma livre e espontânea e não procedeu com o cuidado a que estava obrigada e é capaz na qualidade de entidade empregadora;
8. Das comunicações prévias referentes à obra em causa consta como “endereço do estaleiro” a Rua Manuel Assunção Mestre, 22, 7780-199 Castro Verde, onde se situam os escritórios de apoio administrativo e a fiscalização da obra e onde são distribuídos os trabalhos para os trabalhadores.
9. A Eng. H… referiu que os aludidos documentos se encontravam acessíveis no local identificado como estaleiro nas folhas de comunicação prévia.
10. No final da vista inspectiva a arguida foi notificada para tomada de medidas, entre as quais, providenciar a existência do PSS em Obra de fácil acesso para consulta e cuja a ausência ficou registada na referida notificação.
11. A Arguida exerce a actividade de construção civil desde 1968/11/07.
12. A Arguida já teve anteriormente, e continua a ter, trabalhadores ao serviço.
13. A Arguida já foi intervencionada em outras acções inspectivas.
14. A Arguida encontra-se Inscrita no Instituto dos Mercados Públicos do Imobiliário e da Construção (IMPIC), detentora de Alvará com o n.º 1649-PUB desde 1980/10/01.
15. A Arguida tem organizado os Serviços de Segurança na modalidade de serviços Internos e os de Saúde no Trabalho na modalidade de serviços externos, de acordo com os dados mencionados no Anexo D do Relatório Único “Relatório Anual das Actividades do Serviço de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho” respeitante a 2019, com a empresa INTERPREV – SEGURANÇA E SAÚDE DO TRABALHO, S.A..
16. A arguida apresentou um volume de negócios de € 13.088.367,00 de acordo com os elementos constantes do Relatório Único (RU) referente a 2019.

Aplicando o Direito
Face ao art. 51.º n.º 1 da Lei 107/2009, de 14 de Setembro, a segunda instância apenas conhece da matéria de direito, ressalvando-se a apreciação de questões de natureza oficiosa, e certo é que não se vislumbra na decisão recorrida qualquer insuficiência ou contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão, ou, sequer, erro notório na apreciação da prova, que imponha o uso dos poderes consignados no art. 410.º n.º 2 do Código de Processo Penal.
*
Começa a arguida por afirmar que a decisão recorrida deveria ter operado o cúmulo jurídico a nível nacional.
Esta Relação de Évora já decidiu, a propósito desta questão[1], que:
i) “é aplicável subsidiariamente ao concurso de contra-ordenações laborais o regime jurídico previsto no art.º 19.º do Regime Geral das Contra-ordenações.
ii) não há concurso entre contra-ordenações que sejam conhecidas após a condenação definitiva por qualquer uma delas.
iii) a aplicação do cúmulo jurídico nos mesmos termos previstos para os crimes traria problemas de competência material insanáveis, pois cada autoridade administrativa tem competência limitada à instrução e decisão das contra-ordenações relativas à matéria em questão e não está prevista a competência material para efectuar o cúmulo jurídico decorrente de concurso de contra-ordenações de diferentes matérias.”
Acrescenta-se o seguinte.
O auto de notícia é levantado nos termos dos arts. 13.º e 15.º da Lei 107/2009, de acordo com factos verificados pessoal e directamente pelo inspector do trabalho, ou participação no caso de factos não comprovados de forma pessoal, não sendo assim possível o levantamento de um auto de notícia por todas as infracções cometidas em todo o território nacional.
Na verdade, a pluralidade de contra-ordenações laborais está sujeita às regras do art. 558.º do Código do Trabalho e dão origem a um processo quando a infracção afectar uma pluralidade de trabalhadores ou a mesma conduta violar diversas normas.
Por outro lado, o art. 19.º do R.G.C.O. é uma norma específica do regime das contra-ordenações, que trata da coima a aplicar às contra-ordenações em concurso. Existindo norma expressa, as regras dos arts. 77.º e 78.º do Código Penal são inaplicáveis, pelo que inexiste quer cúmulo “por arrastamento” – que a doutrina e a jurisprudência rejeitam do direito penal[2] – quer cúmulo por conhecimento superveniente, face à inaplicabilidade do mencionado art. 78.º do Código Penal.
Assim, o cúmulo por infracções em concurso forma-se perante aquelas pelas quais o auto de notícia (ou a participação) foi levantado, e perante eventuais processos cuja conexão tenha sido ordenada, verificadas que estejam as condições estritas dos arts. 24.º e 25.º do Código de Processo Penal, sendo que este último apenas admite a conexão para processos na mesma comarca, e não a nível nacional.
Improcede, pois, esta linha de argumentação.
*
Da contra-ordenação muito grave, por ausência de plano de segurança e saúde em estaleiro
Está apurado que a arguida desenvolvia a obra de “Reforço de adução a Castro Verde”, ao longo de mais de 12 kms., existindo diversas e longínquas frentes de obra simultâneas.
O estaleiro geral estava instalado na Rua Manuel Assunção Mestre, 22, Castro Verde, endereço este que constava das comunicações prévias referentes à obra, e nesse local situavam-se os escritórios de apoio administrativo e fiscalização da obra e também onde eram distribuídos os trabalhos para os trabalhadores.
Porém, a acção inspectiva decorreu numa das frentes de obra – na Rua das Papoilas – e a arguida é censurada por não ter disponível para consulta o plano de segurança e saúde (PSS) naquele exacto local.
Acresce que se provou que compareceu naquela frente de obra, no final da acção inspectiva, a técnica de segurança e saúde no trabalho, a qual informou que o PSS estava acessível no estaleiro geral.
Será que o art. 13.º n.º 3 do DL 273/2003 exige que aquele documento esteja disponível para consulta em todas as frentes de obra (como entendeu a sentença recorrida), ou apenas que esteja acessível para consulta no estaleiro da obra?
A norma dispõe o seguinte: “A entidade executante deve assegurar que o plano de segurança e saúde e as suas alterações estejam acessíveis, no estaleiro, aos subempreiteiros, aos trabalhadores independentes e aos representantes dos trabalhadores para a segurança, higiene e saúde que nele trabalhem.”
Nesta Relação já se escreveu que “a obrigação de manter acessível o Plano de Segurança e Saúde, quando estejam a decorrer trabalhos em obra, tem como objectivo a protecção dos executantes que estão expostos aos riscos genéricos da construção civil e aos riscos específicos da obra em questão, de forma a poderem adoptar as medidas de protecção colectiva e individual adequadas ao caso concreto.”[3]
De igual, também já se decidiu nesta Relação que “o Plano de Segurança e de Saúde deve ser um documento dinâmico, adequado ao evoluir do processo construtivo, aos métodos de trabalho utilizados e aos materiais empregues, devendo ser aproveitado para plasmar as preocupações dos vários técnicos envolvidos no processo construtivo, de forma que a execução dos trabalhos que envolvam, dada a sua natureza, um risco acrescido, sejam efectuados com a máxima segurança.”[4]
No ponto 2 do Preâmbulo do DL 273/2003, afirma-se o seguinte:
“O desenvolvimento do plano da fase do projecto para a da execução da obra decorre sob o impulso da entidade executante, que será frequentemente o empreiteiro que se obriga a executar a obra, ou o dono da obra se a realizar por administração directa. A entidade executante fornece os equipamentos de trabalho, recruta e dirige os trabalhadores e decide sobre o recurso a subempreiteiros e a trabalhadores independentes. Ela tem o domínio da organização e da direcção globais do estaleiro e está, por isso, em posição adequada para promover o desenvolvimento do plano de segurança e saúde para a fase da execução da obra. Caberá, em seguida, ao coordenador de segurança em obra validar tecnicamente o desenvolvimento e as eventuais alterações do plano, cuja aprovação competirá ao dono da obra para que se possa iniciar a execução da obra. O regime assenta numa separação de responsabilidades, em que a entidade executante é responsável pela execução da obra e o planeamento da segurança no trabalho e a verificação do seu cumprimento são atribuídos ao coordenador de segurança, de modo a assegurar que as circunstâncias da execução não se sobreponham à segurança no trabalho.”
A responsabilidade em matéria de segurança e saúde em obra não é alternativa: muito pelo contrário, é partilhada por todos os intervenientes em obra, sendo que, nos termos do art. 11.º n.º 1, à entidade executante cabe o dever de “desenvolver e especificar o PSS em projecto de modo a complementar as medidas previstas, tendo nomeadamente em conta:
a) As definições do projecto e outros elementos resultantes do contrato com a entidade executante que sejam relevantes para a segurança e saúde dos trabalhadores durante a execução da obra;
b) As actividades simultâneas ou incompatíveis que decorram no estaleiro ou na sua proximidade;
c) Os processos e métodos construtivos, incluindo os que exijam uma planificação detalhada das medidas de segurança;
d) Os equipamentos, materiais e produtos a utilizar;
e) A programação dos trabalhos, a intervenção de subempreiteiros e trabalhadores independentes, incluindo os respectivos prazos de execução;
f) As medidas específicas respeitantes a riscos especiais;
g) O projecto de estaleiro, incluindo os acessos, as circulações, a movimentação de cargas, o armazenamento de materiais, produtos e equipamentos, as instalações fixas e demais apoios à produção, as redes técnicas provisórias, a evacuação de resíduos, a sinalização e as instalações sociais;
h) A informação e formação dos trabalhadores;
i) O sistema de emergência, incluindo as medidas de prevenção, controlo e combate a incêndios, de socorro e evacuação de trabalhadores.”
Note-se, ainda, que “o subempreiteiro pode sugerir e a entidade executante pode promover soluções alternativas às previstas no plano de segurança e saúde em projecto, desde que não diminuam os níveis de segurança e sejam devidamente justificadas” – n.º 3 do art. 11.º.
Por aqui se detecta, de imediato, que a entidade executante é uma figura essencial da obra, porquanto conhece, melhor que ninguém, os processos e métodos construtivos a empregar na obra, pelo que assiste-lhe o dever de desenvolver o PSS e complementar as medidas de segurança previstas, de acordo com a exacta natureza dos trabalhos a realizar. E daí que o art. 20.º al. a) lhe imponha os deveres supra mencionados, de avaliação dos riscos associados à execução da obra e definição das medidas de prevenção adequadas, propondo ao dono da obra o desenvolvimento e as adaptações do PSS, que a execução da obra aconselha.
Ora, face à matéria de facto apurada nos autos, não se vislumbra que o PSS devesse estar disponível para consulta em todas as frentes de obra, em especial numa com as características dos autos, que se desenvolvia ao longo de mais de 12 kms, com várias e longínquas frentes de obra simultâneas, implicando rotatividade de trabalhos e equipamentos.
Sendo o PSS um documento dinâmico, adequado ao evoluir do processo construtivo, para o qual contribuem todos os intervenientes em obra, de modo que os trabalhos decorram com o menor risco possível, o que importa é que esteja em estaleiro, em local que seja acessível “aos subempreiteiros, aos trabalhadores independentes e aos representantes dos trabalhadores para a segurança, higiene e saúde que nele trabalhem” – esta é a exigência que consta do art. 13.º n.º 3 do DL 273/2003.
Porém, não se demonstrou:
1.º - que o PSS não tivesse sido elaborado; e,
2.º - que não disponível em estaleiro, em local acessível aos subempreiteiros e a todos os demais que podiam, e deviam, consultar.
Note-se que o art. 3.º n.º 1 al. j) do DL 273/2003 define como “«Estaleiros temporários ou móveis», a seguir designados por estaleiros, os locais onde se efectuam trabalhos de construção de edifícios ou trabalhos referidos no n.º 2 do artigo 2.º, bem como os locais onde, durante a obra, se desenvolvem actividades de apoio directo aos mesmos”.
A utilização da conjuntiva aditiva “bem como” indica desde logo que o conceito de estaleiro utilizado na norma envolve não apenas os espaços onde se efectuam os trabalhos de construção, mas também os locais onde, “durante a obra”, se desenvolvem as actividades de apoio directo.
O estaleiro, de acordo com o conceito legal, não é apenas o local da obra, são também os locais de apoio directo à obra.
Note-se ainda que cada estaleiro assume uma organização própria, adaptada à obra que está a ser executada.
Um estaleiro para construção de um edifício é diferente de um estaleiro para construção de uma urbanização. Um estaleiro para construção de uma estrada é diferente de um estaleiro para construção de uma barragem. Um estaleiro para construção de uma ponte é diferente de um estaleiro para construção de um túnel. Um estaleiro para construção de uma linha de alta tensão é diferente de um estaleiro para construção de um emissário submarino.
E estamos bem longe de esgotar os exemplos…
O estaleiro de obra é, no fundo, uma instalação industrial temporária apta à produção de um bem: a obra objecto do contrato de empreitada.
Daí que cada estaleiro assuma uma dimensão e uma estrutura diversa, conforme às necessidades da obra contratada, prevendo o art. 6.º n.º 2 al. f) do DL 273/2003 que o plano de segurança e saúde em projecto concretize os aspectos a observar na gestão e organização do estaleiro de apoio, de acordo com o respectivo anexo I.
Este anexo I, que trata da “gestão e organização geral do estaleiro a incluir no plano de segurança e saúde em projecto”, prevê que este regule o seguinte:
1 - “Identificação das situações susceptíveis de causar risco e que não puderam ser evitadas em projecto, bem como as respectivas medidas de prevenção.
2 - Instalação e funcionamento de redes técnicas provisórias, nomeadamente de electricidade, gás e comunicações, infra-estruturas de abastecimento de água e sistemas de evacuação de resíduos.
3 - Delimitação, acessos, circulações horizontais e verticais e permanência de veículos e pessoas.
4 - Movimentação mecânica e manual de cargas.
5 - Instalações e equipamentos de apoio à produção.
6 - Informações sobre os materiais, produtos, substâncias e preparações perigosas a utilizar em obra.
7 - Planificação das actividades que visem evitar riscos inerentes à sua sobreposição ou sucessão, no espaço e no tempo.
8 - Cronograma dos trabalhos a realizar em obra.
9 - Medidas de socorro e evacuação.
10 - Arrumação e limpeza do estaleiro.
11 - Medidas correntes de organização do estaleiro.
12 - Modalidades de cooperação entre a entidade executante, subempreiteiros e trabalhadores independentes.
13 - Difusão da informação aos diversos intervenientes, nomeadamente empreiteiros, subempreiteiros, técnicos de segurança e higiene do trabalho, trabalhadores por conta de outrem e trabalhadores independentes.
14 - Instalações sociais para o pessoal empregado na obra, nomeadamente dormitórios, balneários, vestiários, instalações sanitárias e refeitórios.”
Deste anexo não resulta que o estaleiro de obra deva ter uma solução de continuidade territorial entre os diversos locais de trabalho – que podem ser vários e simultâneos – e o local onde se situam os serviços de apoio.
E, por vezes, tal nem é possível fisicamente.
Uma empreitada de construção de uma auto-estrada, ou de uma linha férrea, com dezenas ou centenas de quilómetros de extensão, envolve uma estrutura muito complexa, em especial quando são lançadas em simultâneo várias frentes de trabalho, que apenas se unem já numa fase muito avançada da obra. Mas trata-se da mesma obra, do mesmo contrato de empreitada e do mesmo estaleiro.
Daí que o plano de segurança e saúde em projecto deva regular a gestão e organização geral do estaleiro, definindo – para o que nos interessa à decisão do recurso – as “instalações e equipamentos de apoio à produção” e a “difusão da informação aos diversos intervenientes, nomeadamente empreiteiros, subempreiteiros, técnicos de segurança e higiene do trabalho, trabalhadores por conta de outrem e trabalhadores independentes.”
No caso, está demonstrado que, nas comunicações prévias referentes à obra, constava como endereço do estaleiro a Rua Manuel Assunção Mestre, 22, 7780-199 Castro Verde, e era ali que se situavam os escritórios de apoio administrativo e a fiscalização da obra e onde eram distribuídos os trabalhos para os trabalhadores. Também estavam ali acessíveis os documentos visados no auto de notícia, entre eles o plano de segurança e saúde em obra.
O argumento de toda a documentação dever estar em cada frente de obra esbarra com a realidade.
Por vezes, tal nem é possível – caso de trabalhos em altura, trabalhos submarinos, trabalhos subterrâneos ou outros locais de difícil ou perigoso acesso.
E quando a obra decorre em múltiplas e simultâneas frentes, a divisão de toda a documentação da obra por todas essas frentes acaba por produzir um efeito indesejado: a descoordenação da obra, e esse efeito é apto a produzir, não apenas atrasos na execução dos trabalhos, mas acima de tudo apto a provocar riscos acrescidos aos trabalhadores e aos demais profissionais envolvidos na obra.
Enfim, não podemos concluir, como fez a sentença recorrida que na Rua Manuel Assunção Mestre, 22, Castro Verde, funcionasse um estaleiro diferente do existente na Rua das Papoilas.
Era a mesma obra, o mesmo contrato de empreitada e o mesmo estaleiro – que, recorde-se, não carece de continuidade territorial, pois tal requisito não está estabelecido em passo algum do DL 273/2003.
E sendo na Rua Manuel Assunção Mestre que estava a sede do estaleiro, os serviços de apoio, o local de distribuição de trabalhos aos trabalhadores, e estando também ali acessível o plano de segurança e saúde em obra, não se pode concluir que tenha sido infringido o disposto no art. 13.º n.º 3 do DL 273/2003, pelo que será a arguida absolvida desta contra-ordenação.
*
Visto a absolvição da arguida quanto à contra-ordenação muito grave, a primeira instância procederá à reformulação do cúmulo, tendo em conta apenas as outras duas contra-ordenações, relativamente às quais o recurso não foi admitido.

Decisão
Destarte, no parcial provimento do recurso, decide-se:
a) não admitir o recurso quanto às contra-ordenações, leve e grave, às quais foram aplicadas as coimas parcelares de 7 UC e de 16 UC, respectivamente;
b) conceder provimento ao recurso quanto à contra-ordenação muito grave, p.p. pelos arts. 13.º n.º 3, 11.º n.ºs 1 e 2, 20.º al. a) e 25.º n.º 3 al. c) do dito diploma (ausência de plano de segurança e saúde em estaleiro), indo a arguida dela absolvida;
c) determinar que a primeira instância, após a baixa dos autos, proceda à reformulação do cúmulo, tendo apenas em conta as coimas parcelares de 7 UC e de 16 UC.
A taxa de justiça nesta Relação fixa-se em 2 UC.

Évora, 11 de Maio de 2023

Mário Branco Coelho (relator)
Paula do Paço
Emília Ramos Costa

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[1] Acórdãos de 11.07.2019 (Proc. 55/19.4T8PTM.E1), publicado em www.dgsi.pt, de 24.10.2019 (Proc. 1817/18.5T8EVR.E1), não publicado, e de 27.01.2022 (Proc. 1046/20.8Y2STR.E1), este publicado na página da DGSI.
[2] Cfr. a propósito o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13.02.2019 (Proc. 920/17.3T9CBR.S1), igualmente disponível em www.dgsi.pt.
[3] Acórdão da Relação de Évora de 23.11.2010 (Proc. 64/10.9TTSTR.E1), publicado em www.dgsi.pt.
[4] Acórdão da Relação de Évora de 29.11.2005 (Proc. 1439/05-2), publicado na mesma página.