Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1138/13.0TBSLV.E1
Relator: CANELAS BRÁS
Descritores: EXPROPRIAÇÃO POR UTILIDADE PÚBLICA
PERITAGEM
LAUDO
Data do Acordão: 12/19/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Não pode ter-se como demonstrado o valor de mercado de um terreno com base nos preços praticados em um ou dois contratos de compra e venda.
Muito menos pode ter-se esse valor como demonstrado com base em anúncios contendo ofertas de venda de imóveis, desde logo porque não demonstram a efectivação dessas mesmas vendas.
Para o referido efeito, é indispensável dispor-se de um número alargado de contratos de compra e venda efectivamente celebrados.
Decisão Texto Integral: RECURSO Nº. 1138/13.0TBSLV.E1 – APELAÇÃO (SILVES)


Acordam os juízes nesta Relação:

Os apelantes/expropriados (…), residente na Av. (…), n.º 458-1º, Esq., em (…) e (…) residente na Rua (…), n.º 8, 12º, Dto., em (…), vêm, nos presentes autos de expropriação, a correrem termos no Juízo de Competência Genérica de Silves – Juiz 1, e em que é apelado, expropriante o “Município de (…)”, aí com sede na Praça do Município, interpor recurso da douta sentença que foi proferida em 08 de Maio de 2018 (ora a fls. 1005 a 1018), e que fixou o montante da indemnização a pagar aos expropriados em € 364.000,00 (trezentos e sessenta e quatro mil euros), a actualizar “de acordo com a evolução do índice de preços ao consumidor, com exclusão da habitação, publicado pelo Instituto Nacional de Estatística, relativamente ao local da situação do bem, desde a data de declaração de utilidade pública até à data do trânsito em julgado da decisão” – quanto à expropriação “da parcela de terreno nº 17, da área total de 9100 m2, relativamente ao prédio sito em (…), freguesia de (…), concelho de (…), inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), da Secção S, e descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º …/19880524, por ser necessária à execução do Plano de Pormenor da (…), tendo como expropriados (…), (…) e (…)” (com o fundamento ali indicado de que in casu “existe unanimidade entre os srs. peritos do Tribunal e o da entidade expropriante, sendo que o sr. perito indicado pelos expropriados é aquele que mantém a posição dissonante, apontando valores muito díspares dos valores obtidos pela unanimidade dos outros srs. peritos”) –, ora intentando a alteração do decidido, no sentido de se fixar o valor da indemnização a pagar a todos os expropriados em € 897.988,00 (98,68 x 9100 m2) ou, pelo menos, € 723.632,00 (€ 79,52 x 9100 m2), sendo que aos dois agora Apelantes corresponderiam 50%, alegando, para tanto e em síntese, que “A justa indemnização deve corresponder ao valor real e corrente de mercado de terrenos situados na mesma zona da parcela expropriada, com as mesmas características e com a mesma situação urbanística (artigo 23.º, nº 5, do Código das Expropriações), pelo que neste caso a justa indemnização deverá ser fixada pelo valor adoptado na escritura pública de compra e venda (celebrada no mês seguinte ao da declaração de utilidade pública desta expropriação) pela qual um dos promotores privados deste projeto turístico-residencial adquiriu uma parcela de terreno junto à parcela expropriada (em …), também integrada no PPPG e destinada à execução de soluções previstas neste Plano; assim, a justa indemnização devida pela expropriação desta parcela deve ser fixada em € 98,68/m2”. Ou, pelo menos, “se assim não se entender, a justa indemnização deverá ser fixada pelo valor médio adoptado nas 2 escrituras públicas de compra e venda celebradas em 2013 (ano da declaração de utilidade pública desta expropriação) pela qual um dos promotores deste projecto turístico-residencial adquiriu duas parcelas de terreno junto à parcela expropriada (em …), também integradas no PPPG e destinadas à execução de soluções previstas neste Plano; assim, a justa indemnização devida pela expropriação desta parcela deve ser fixada em € 79,52/m2”. Depois, impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, devendo ser-lhe acrescentados os que agora indica no recurso (de resto, já indicados antes e que a douta sentença considerou irrelevantes). Afinal, entendem os recorrentes que a fundamentação do sr. Perito por si indicado é a que respeita as disposições legais aplicáveis, e o valor de mercado pelo mesmo analisado, fundamentado e descrito em detalhe, devendo o Tribunal, não obstante a posição maioritária contrária, acolher tal fundamentação (“assim porque dos autos apenas resulta uma avaliação pericial que respeita os pressupostos de facto e de direito aplicáveis, promovendo uma avaliação da parcela expropriada de acordo com os efectivos valores praticados no mercado, era a avaliação subscrita pelo Perito Eng.º …, e não outra, que deveria ter sido seguida pela sentença recorrida”, aduzem). Termos em que deverá vir a ser revogada a douta sentença recorrida, substituindo-a por outra que fixe aquele montante de indemnização agora indicado.
O apelado/expropriante “Município de (…)” apresenta contra-alegações (a fls. 1080 a 1094 dos autos), para dizer, também em síntese, não assistir razão aos recorrentes, já que para “se inferir qual o preço real e corrente de mercado, não se pode entender como suficientemente representativa uma amostra da qual constem 2 transacções seleccionadas e marcadas por circunstâncias específicas, como fazem os recorrentes, sendo sempre necessário partir duma amostra mais elevada e diversificada”; “o método de determinação do valor real e corrente do bem apresentado pelos recorrentes não encontra qualquer consagração legal, sendo fruto de uma interpretação criativa do artigo 23º, nº 1, do CE, que extravasa claramente a estatuição da norma”. Acresce que “no âmbito das expropriações litigiosas a jurisprudência confere um valor probatório à prova pericial da maior importância, entendendo que ela parte de um juízo científico que, em princípio, não poderá ser afastado”. Pelo que deverá ser negado provimento ao recurso e confirmada a douta sentença por ele impugnada, conclui.
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Vêm dados por provados os seguintes factos:

1) Foi declarada a utilidade pública da expropriação da parcela de terreno n.º 17, com a área total de 9100 m2, correspondente ao prédio sito em (…), freguesia de (…), concelho de (…), inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…) da Secção S e descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º …/19880524, necessária à execução do Plano de Pormenor da (…), publicada no Diário da República, IIª Série, n.º …, de 20 de Março de … – Deliberação da Assembleia Municipal de (…) de Declaração de Utilidade Pública de terrenos abrangidos pelo Plano de Pormenor da … (PPPG), resultando da Deliberação n.º …/, de 26 de Novembro de (…), que pretende executar as soluções consagradas naquele PPPG.
2) O Plano de Pormenor da (…) é o instrumento de gestão urbanística que regulamenta a parcela identificada supra em 1).
3) A aquisição do direito de propriedade sobre o prédio referido supra em 1) à data da declaração de utilidade pública encontrava-se inscrita em nome de (…) na proporção de ½ indivisa, e de (…) e (…), na proporção da restante ½ (metade) indivisa.
4) A parcela classifica-se como Solo Apto para Construção e em termos de execução do Plano de Pormenor da (…) localiza-se na zona classificada como Unidade de Execução 1 (UE1).
5) De acordo com a Vistoria Ad Perpetuam Rei Memoriam realizada em Junho de 2013 o prédio encontrava-se em pousio e não foi identificada qualquer benfeitoria com valor económico.
6) Envolvente à parcela referida supra em 1), existem terrenos agrícolas com cultura de sequeiro e vinhas.
7) Em frente à parcela expropriada (do outro lado da rua) existe uma moradia e um espaço comercial (bar).
8) Existem nas proximidades algumas construções em ruínas.
9) Os edifícios referidos em 7) reportam-se a uma vivenda de dois pisos, com piscina, e de um café, com um piso, reflectindo as áreas de construção desses dois lotes um índice de construção superior a 0,4.
10) À data da Declaração de Utilidade Pública (doravante, DUP) a parcela 17 tinha junto acesso rodoviário pavimentado, mas não estava dotada de passeios em toda a sua extensão.
11) À data da DUP, a parcela 17 era servida por rede de abastecimento de água.
12) À data da DUP, a novecentos (900) metros da parcela expropriada, mais concretamente na Herdade dos … /…, existia rede de saneamento, rede de drenagem de águas pluviais e estação depuradora em ligação com a rede de colectores de saneamento.
13) À data da DUP, a parcela 17 não era servida por colector da rede de saneamento, nem por rede de drenagem de águas pluviais.
14) À data da DUP, a parcela 17 não era servida por rede de distribuição de gás, nem existia junto a essa parcela rede dessa natureza.
15) À data da DUP, a parcela expropriada não era servida por rede telefónica.
16) A parcela expropriada situa-se a mil (1.000) metros da linha de costa.
17) A parcela expropriada situa-se a cerca de 1.950 (mil e novecentos e cinquenta) metros, em linha recta, do centro urbano de … (igreja paroquial), distando 1500/1600 (mil e quinhentos, mil e seiscentos) metros, em linha recta, das primeiras construções desse núcleo urbano.
18) A parcela expropriada situa-se a cerca de oito mil e quatrocentos (8.400) metros, em linha recta, do centro urbano de (…), distando seis mil e quinhentos (6.500) metros, em linha recta, das primeiras construções desse núcleo urbano.
19) Os empreendimentos turísticos denominados ‘(…) e ‘(…)’ situam-se a cerca de 3 (três) quilómetros da parcela expropriada; o ‘(…)’ a cerca de 2 (dois) quilómetros; o ‘(…)’ a cerca de 2 (dois) quilómetros e a ‘Herdade dos (…)’ a cerca de 900 (novecentos) metros da referida parcela.
20) Foi adjudicado ao Município de (…) o direito de propriedade e a posse atinente à totalidade do prédio rústico, sito em (…), (…), (…), com a área total de 9.100 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de (…) sob o n.º …/19880524.
21) O Acórdão dos Senhores Árbitros proferido na fase da arbitragem, por unanimidade, encontrou como indemnização devida pela expropriação o valor de € 157.430,00 (cento e cinquenta e sete mil, quatrocentos e trinta euros) para a referida parcela, conforme documento que ora consta de fls. 20 a 27 dos autos e cujo teor aqui se dá por inteiramente reproduzido.
22) Os Srs. Peritos indicados pelo Tribunal e pela entidade expropriante calcularam a indemnização para a parcela e acharam o valor de € 364.000,00 (9.100 m2 x €40,00/m2) por aplicação do critério dos artigos 23.º, nº 1 e 26.º, nos 1 a 3, do CE; acharam, ainda, o valor de € 187.600,00 (9.100 m2 x € 950,00/m2 x 0,175 x 0,124) para a mesma parcela por aplicação do critério (subsidiário) do artigo 26.º, nos 4 e 5 e seguintes, do CE, conforme relatório pericial de fls. 859 a 873 dos autos e cujo teor aqui se dá, igualmente, por reproduzido na íntegra.
23) Já o Senhor Perito indicado pelos expropriados achou, para a parcela expropriada, o valor de € 723.632,00 (9.100 m2 x € 79,52 m2), considerando um valor médio de mercado à data da DUP, por aplicação do critério do artigo 23.º, nos 1 e 5, do CE; ou um valor de € 504.504,00 (9.100 m2 x € 55,44 m2) por referência ao critério estatuído no art.º 26.º, nos 2 e 3, do CE; ou ainda um valor de € 622.440,00 por decorrência do art.º 26.º, nº 4 e seguintes, do CE, conforme relatório pericial de fls. 859 a 873 dos autos, aqui já dado por reproduzido.
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Vejamos, então, as diferentes questões que vêm suscitadas no recurso, e que demandam a apreciação e decisão deste Tribunal ad quem – reportando-se à introdução de mais factos na sentença e ao próprio cálculo da indemnização, para o que deveria o Tribunal afastar-se dos critérios da maioria dos Srs. Peritos e optar pelos do Sr. Perito indicado pelos expropriados. É isso que hic et nunc está em causa, como se extrai das conclusões alinhadas no recurso apresentado. [Pois que, como é sobejamente conhecido, é pelas conclusões das alegações de recurso que se define o seu objecto e se delimita o âmbito de intervenção do Tribunal ad quem (vide artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil), naturalmente sem prejuízo das questões cujo conhecimento ex officio se imponha (vide o artigo 608.º, n.º 2, ex vi do artigo 663.º, n.º 2, desse Código)].

Basicamente, os expropriados querem agora receber € 897.988,00 (98,68 x 9.100 m2) ou pelo menos, € 723.632,00 (79,52 x 9.100 m2), embora já tenham querido perceber uma quantia de € 1.820.000,00, quando interpuseram recurso da decisão arbitral; esta, havia-a estabelecido num valor de € 157.430,00; mas, a final, a douta sentença recorrida fixou a indemnização em € 364.000,00, valor que se tem por aceite pela expropriante, pois não recorreu dessa fixação.

Mas enquadremos juridicamente a situação.
Segundo os termos que vêm estabelecidos no artigo 62.º da Constituição da República Portuguesa, “a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição” (n.º 1), sendo que “a requisição e a expropriação por utilidade pública só podem ser efectuadas com base na lei e mediante o pagamento de justa indemnização” (2).
[Reportam os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira, na sua já clássica “Constituição da República Portuguesa Anotada”, página 336 e seguintes, em anotação a tal artigo: “elemento essencial do direito de propriedade consiste no direito de não se ser privado dela. Este direito, porém, não goza de protecção constitucional nesses termos, estando garantido apenas um direito de não ser arbitrariamente privado da propriedade e de ser indemnizado no caso de desapropriação. (...) A norma consagradora da requisição e da expropriação é, simultaneamente, uma norma de autorização e uma norma de garantia. Por um lado, confere aos poderes públicos o poder expropriatório, autorizando-os a procederem à privação da propriedade ou de outras situações patrimoniais dos administrados; por outro lado, reconhece ao cidadão um sistema de garantia que inclui designadamente os princípios da legalidade, da utilidade pública e da indemnização. Através da declaração de utilidade pública especifica-se o fim concreto da expropriação e individualizam-se os bens sujeitos a medida expropriatória. A expropriação é assim uma medida concreta tornando-se mais transparente o controlo do pressuposto da utilidade pública. A expropriação carece sempre de uma base legal (princípio da legalidade). (...) O pagamento da justa indemnização (n.º 2, ‘in fine’) é o terceiro pressuposto constitucional da requisição e da expropriação. (...)Em certo sentido, o direito de propriedade transforma-se, em caso de requisição ou expropriação, no direito ao respectivo valor. É certo que, determinando a Constituição que a indemnização há-de ser justa, não estabelece qualquer critério indemnizatório (valor venal, valor de mercado, valor real, etc.); mas é evidente que os critérios definidos por lei têm de respeitar os princípios materiais da Constituição: da proporcionalidade, da igualdade, não podendo conduzir a indemnizações irrisórias ou manifestamente desproporcionadas à perda do bem requisitado ou expropriado”.]

Por seu turno, estabelece o Código Civil, no artigo 1308.º, que “ninguém pode ser privado, no todo ou em parte, do seu direito de propriedade senão nos casos fixados na lei; e, no artigo 1310º, estatui que “havendo expropriação por utilidade pública …, é sempre devida a indemnização adequada ao proprietário e aos titulares de outros direitos reais afectados”.

E não tendo, como se viu, o legislador constitucional definido aquele conceito de “justa indemnização”, naturalmente que relegou para o legislador ordinário a definição dos critérios que permitirão, na prática, concretizá-lo.
Assim aconteceu com os sucessivos códigos das expropriações, só para citar os três últimos, aprovados pelo Decreto-lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro (v. g. nos seus artigos 28º e 33º), pelo Decreto-lei n.º 438/91, de 9 de Novembro (v. g. nos seus artigos 22º e 23º), e pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro (v. g. dispondo o seu artigo 23.º, n.º 1, que “a justa indemnização não visa compensar o benefício alcançado pela entidade expropriante, mas ressarcir o prejuízo que para o expropriado advém da expropriação, correspondente ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal, à data da publicação da declaração de utilidade pública, tendo em consideração as circunstâncias e condições de facto existentes naquela data”).
[Sobre esta questão assinala o Prof. Fernando Alves Correia, no seu “As Garantias do Particular na Expropriação por Utilidade Pública”, 1982, a páginas 129/130: “de uma maneira geral, entende-se que o dano patrimonial suportado pelo expropriado é ressarcido de uma forma integral e justa, se a indemnização corresponder ao valor comum do bem expropriado, ou, por outras palavras, ao respectivo valor de mercado ou ainda ao seu valor de compra e venda. (...) Sendo concedida ao expropriado uma indemnização correspondente ao valor de mercado do bem, aquele é teoricamente colocado na situação de poder voltar a adquirir uma coisa de igual espécie e qualidade, um objecto de valor equivalente”. E o Tribunal Constitucional, no seu douto Acórdão n.º 52/90 (in I Série do Diário da República de 30 de Março de 1990), que declarou com força obrigatória geral a inconstitucionalidade da norma constante do n.º 2 do artigo 30.º do Código das Expropriações (aprovado pelo Dec.-lei n.º 845/76, de 11 de Dezembro), estabeleceu que “em termos gerais, deve entender-se que a ‘justa indemnização’ há-de corresponder ao valor adequado que permita ressarcir o expropriado da perda que a transferência do bem lhe acarreta, devendo ter-se em atenção a necessidade de respeitar o princípio da equivalência de valores: nem a indemnização pode ser tão reduzida que o seu montante a torne irrisória ou meramente simbólica, nem, por outro lado, nela deve atender-se a quaisquer valores especulativos ou ficcionados, por forma a distorcer (positiva ou negativamente) a necessária proporção que deve existir entre as consequências da expropriação e a sua reparação” – a páginas 1517.]

Ao caso sub judicio é, portanto, aplicável o Código das Expropriações aprovado pela Lei n.º 168/99, de 18 de Setembro, atenta a data da publicação no Diário da República da declaração de utilidade pública da expropriação: 20 de Março de 2013 (vide, neste sentido, o douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 04 de Julho de 2007, publicado pelo ITIJ, e com a referência 0733513, bem como a jurisprudência que, a tal propósito, aí vem indicada na nota 1).

Particularizando, agora, um pouco mais – porque se trata de questão que perpassa, quase sempre, os recursos em matéria de expropriações (e perpassa também este, e de uma forma muito viva) –, dir-se-á que mal nenhum advém quando as sentenças judiciais aderem à decisão técnica tomada pela maioria dos Srs. Peritos (recorde-se que há, in casu, uma maioria constituída pelos três Srs. Peritos nomeados pelo Tribunal e pelo Sr. Perito indicado pela Expropriante, e um laudo minoritário do Sr. Perito indicado pelos Expropriados, conforme se viu supra a propósito da factualidade considerada provada no processo).
E mal nenhum advirá, também, do contrário.
É que a força probatória da resposta dos peritos é fixada livremente pelo tribunal, nos termos estabelecidos nos artigos 389.º do Código Civil e 591.º do Código de Processo Civil.
O problema está, efectivamente, em concretizar esse comando na prática, consabido que as questões são quase sempre de índole vincadamente técnica e situam-se fora das áreas de conhecimentos usualmente exigíveis aos juízes.
Naturalmente, que não poderá haver aqui uma ‘ditadura da técnica’, caso em que o papel do juiz sairia drasticamente reduzido ou mesmo esvaziado.
A jurisprudência (cfr. Raul Leite de Campos na sua “Jurisprudência sobre Expropriações Por Utilidade Pública”, onde sumaria vários acórdãos a páginas 172 a 174) entende que o juiz deve aderir aos laudos maioritários e valorizar as pronúncias dos peritos nomeados por si, pelo que, em caso de disparidade de laudos, deve dar-se preferência e conceder-se mais credibilidade aos dos peritos escolhidos pelo Tribunal, pelas maiores garantias de isenção, independência e imparcialidade que oferecem. O laudo dos peritos, sobretudo se unânime, em questões de ordem técnica, deve, pois, em princípio, merecer o acolhimento dos tribunais, desde que não padeça de erros ou deficiências, sem prejuízo da livre convicção do julgador, formada sobre a livre apreciação das provas, tendo em conta as particularidades do caso (vide, por exemplo, entre muitos outros, o douto Acórdão da Relação do Porto de 28 de Novembro de 2002, publicado pelo ITIJ, e com a referência n.º 0230585, onde se escreveu, em sumário: “o laudo unânime dos peritos do Tribunal merece maior credibilidade por parte do julgador, dada a natural imparcialidade de que está revestida”). A menos, naturalmente, acrescentamos nós, que haja ali violação de lei, deficiência na sua fundamentação, ou manifesto erro de raciocínio e que isso seja detectável.

É preciso, pois, revestirmo-nos de todas as cautelas quando o pedido que ora formulam os Apelantes se traduz em substituir os critérios técnicos usados por quatro dos Srs. Peritos que procederam à avaliação dos bens (três deles nomeados directamente pelo Tribunal e um nomeado a indicação da parte expropriante) por critérios de que se socorreu o Sr. Perito nomeado a indicação dos expropriados – mais ainda quando a divergência é de tal ordem de grandeza que os primeiros alcançaram um montante indemnizatório de € 364.000,00 e o segundo um valor de € 723.632,00 (valores máximos).
As cautelas têm, assim, que sair redobradas.

No prosseguimento da análise do presente recurso seguiremos algumas das passagens enunciadas no douto Acórdão desta Relação do passado dia 05 de Dezembro de 2019, tirado no processo n.º 1135/13.5TBSLV.E1, relativo a uma parcela de terreno diversa mas situada no local da mesma expropriação levada a cabo pelo expropriante Município de (…) ao abrigo da mesma Declaração de Utilidade Pública e que equaciona e responde precisamente às mesmas questões que aqui são colocadas (acórdão que poderá, naturalmente, ser consultado pelas partes na Base de Dados do ITIJ, onde está publicado).

E, assim, quanto à impugnação da matéria de facto apurada, não se vê a necessidade que os Apelantes sentiram de ali levarem mais factos, mormente os relativos aos contratos em que fundam a sua tese comparativa para elevarem o valor indemnizatório da expropriação, decorrente da elevação do valor do metro quadrado, pois tanto a douta sentença já os aceitou como, a seguir, refutou a sua utilização no caso em apreço. Quanto a isso, já se disse supra que a opção da douta sentença foi pelo laudo maioritário – e muito bem.
Aí se escreveu, com efeito:
Ao Juiz cabe assegurar a observância dos critérios preferenciais estabelecidos nos artigos 26.º, designadamente os n.ºs 1 a 3 e 27.º do CE, sendo que não pode arredar o critério consignado nos n.ºs 2 e 3, sem a demonstração cabal da sua irrelevância concreta.
Com efeito, face ao exposto no relatório pericial, não se vislumbra uma efectiva impossibilidade de obtenção de elementos ou a sua manifesta insuficiência que invalidassem ou obstassem a utilização do critério preferencial do artigo 26.º, n.º 2 a 3, do CE e, tanto assim é, que os senhores peritos lograram efectuar um cálculo do valor do terreno considerando a média dos valores fornecidos pela Administração Tributária por apelo às transacções operadas nos cinco anos anteriores à data da DUP (no caso concreto, entre os anos de 2012 a 2009).
Além disso, o Tribunal ateve-se às respostas dadas pelos peritos aos quesitos formulados (designadamente, ao quesito 2 da entidade expropriante e aos quesitos 2, 3 e 4 formulados pelos recorrentes), das quais, no seu conjunto, resulta que a metodologia do artigo 26.º, n.º 2, do CE foi tida pela mais adequada ao caso concreto.
Explicitando, diga-se que o critério indemnizatório utilizado e tido por mais acertado assentou, de acordo com o previsto no n.º 2 do artigo 26º, no valor médio das transacções declaradas à Administração Fiscal, em concreto das aquisições de terrenos em situações idênticas à da parcela expropriada – situadas na área territorial do PPPG, ou área envolvente.
E, assim sendo, não se vislumbra justificação para arredar no caso vertente o critério de avaliação do imóvel expropriado no âmbito do artigo 26.º, n.º 1 a 3, do CE, inexistindo uma demonstração cabal que justifique a não observância da sua primazia legal”.

Que é, também, o que acaba por se dizer naquele douto Acórdão:
“A celebração dos contratos de compra e venda alegados pelos recorrentes resulta dos autos e, não obstante não ter sido incluída na matéria de facto julgada provada na sentença recorrida, foi por esta equacionada em sede de fundamentação jurídica, tendo-se concluído pela sua irrelevância. Consideramos, pois, demonstrada a celebração dos referidos contratos”.

Em todo o caso, dir-se-á que a factualidade tida por assente – e já supra transcrita nesta Acórdão – reflecte, com precisão, os elementos probatórios que foram trazidos aos autos (embora antes já constassem de documentos, maxime Relatórios periciais que constituíam aquisição da acção e podiam, por isso, ser utilizados na decisão). Por outro lado, não se mostra necessário transcrever para a factualidade da sentença toda a descrição factual que já consta, por exemplo, da vistoria ad perpetuam rei memoriam, ou do acórdão arbitral, ou do laudo pericial, bastando dá-los ali por inteira, ou parcialmente, reproduzidos (sob pena de se utilizarem práticas repetitivas que só atrasam, complicam e avolumam a decisão a tomar). Pelo que expressamente se remete, quando é caso disso – e a douta sentença já ia na mesma prática –, para esses locais do processo, assim se considerando tais factos como parte integrante da materialidade fáctica tida por assente nos autos.

No mais decidido na douta sentença e ora atacado no recurso, remetemos, justamente, para o decidido naquele douto Acórdão supra referido, por deveras elucidativo sobre as questões que os recorrentes também, aqui, suscitam:
“Não obstante, os recorrentes não têm razão.
Como anteriormente referimos, o art.º 23.º faz apelo, no n.º 1, ao valor real e corrente do bem de acordo com o seu destino efectivo ou possível numa utilização económica normal e, no n.º 5, ao valor real e corrente do bem numa situação normal de mercado. Ora, ao contrário daquilo que os recorrentes pretendem, não é possível apurar o valor real e corrente de um terreno numa situação normal de mercado com base no valor por metro quadrado praticado num único contrato de compra e venda ou, sequer, na média dos valores por metro quadrado praticados em dois contratos de compra e venda. O referido critério legal pressupõe a ponderação de um número significativo de preços praticados em contratos de compra e venda de terrenos semelhantes àquele para cuja expropriação se pretende calcular uma justa indemnização. Um ou dois contratos de compra e venda são manifestamente insuficientes para esse efeito.
Mais, se os 2 contratos de compra e venda invocados pelos recorrentes demonstram alguma coisa útil para a problemática em análise neste recurso, é a variabilidade dos preços praticados no mercado. Com efeito, no espaço de cerca de dois meses, uma mesma entidade comprou dois terrenos situados na mesma zona e com características semelhantes a troco de valores por metro quadrado muito diferentes: € 60,36 num caso e € 98,68 no outro.
Essa variabilidade dos preços é confirmada pelo relatório pericial. A lista de preços estipulados em contratos de compra e venda com base na qual os peritos aplicaram o critério previsto no n.º 2 do artigo 26.º indica valores por metro quadrado que vão desde € 10,87 até € 61,59. No ano de 2012, o valor mínimo foi de € 11,04/m2 (para uma parcela com a área de 1540 m2) e o valor máximo de € 61,59/m2 (para uma parcela com a área de 7090 m2).
Tudo isto para concluir que não pode ter-se como demonstrado o valor de mercado de um terreno com base nos preços praticados em um ou dois contratos de compra e venda. Muito menos pode ter-se esse valor como demonstrado com base em anúncios contendo ofertas de venda de imóveis, desde logo porque não demonstram a efectivação dessas mesmas vendas. Para o referido efeito, é indispensável dispor-se de um número alargado de contratos de compra e venda efectivamente celebrados. Daí, precisamente, o critério estabelecido no n.º 2 do artigo 26.º, esse sim, em princípio, idóneo para a demonstração referida.
Cai, assim, por terra o principal sustentáculo da argumentação dos recorrentes. Os valores que estes apresentam, um a título principal e o outro a título subsidiário, como constituindo o valor de mercado do metro quadrado de terrenos com as características daquele que foi expropriado, não podem ser aceites como tais. Por outras palavras, os critérios de cálculo do valor da indemnização que os recorrentes propõem carecem de conteúdo substancial. Logo, carece de utilidade a discussão, que os recorrentes pretendem introduzir, sobre se esses pretensos valores de mercado devem prevalecer sobre aquele que a sentença recorrida acolheu”.

Basicamente, dir-se-á, portanto, que se aceita o decidido na sentença sub judicio, não porque tenha aderido ou deixado de aderir a um laudo maioritário dos Senhores Peritos, mas porque faz uma aplicação simples e escorreita dos elementos de facto de que dispôs, designadamente das características que tinha a parcela, aos preceitos legais aplicáveis, que também indica.

Razões pelas quais, nesse enquadramento fáctico e jurídico, se terá agora que manter, intacta na ordem jurídica, a douta sentença da 1.ª instância, e assim improcedendo o presente recurso de Apelação.
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Decidindo.

Assim, face ao que se deixa exposto, acordam os juízes nesta Relação em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pelos Apelantes.
Registe e notifique.
Évora, 19 de Dezembro de 2019
Mário João Canelas Brás
Jaime de Castro Pestana
Paulo de Brito Amaral