Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
42/21.2T8STR.E1
Relator: MÁRIO COELHO
Descritores: CONTRATO DE PERMUTA
NULIDADE
HIPOTECA
CADUCIDADE
Data do Acordão: 09/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. Os efeitos civis derivados da proposição de anterior acção apenas podem ser aproveitados, nos termos do artigo 279.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, se a segunda acção incidir “sobre o mesmo objecto.”
2. Tal não sucede se na anterior acção se pediu a declaração de nulidade de contrato de permuta incidente sobre um imóvel e na segunda acção se pediu a declaração de nulidade da hipoteca contraída pela outorgante que no primeiro contrato adquiriu o imóvel.
3. Neste caso não ocorre ineficácia da hipoteca por oneração de bem alheio, pois à data em que a garantia foi prestada à mutuante, a mutuária tinha a propriedade do imóvel registada a seu favor, na sequência de contrato celebrado com as anteriores proprietárias, detendo assim legitimidade para a constituição da hipoteca, nos termos reconhecidos pelo artigo 715.º do Código Civil.
4. O caso julgado formado na anterior acção, que declarou a nulidade do contrato de permuta, tem eficácia relativa, vinculando as partes e não podendo, em regra, afectar terceiros.
5. Tendo a mutuante titular da hipoteca sido demandada mais de três anos após a celebração dos referidos contratos, pode invocar a caducidade prevista no artigo 291.º, n.º 2, do Código Civil, por inoponibilidade dos efeitos resultantes da propositura da anterior acção.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Sumário:
(…)

Acordam os Juízes da 2.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

No Juízo Central Cível de Santarém, C… e J… demandaram Caixa Geral de Depósitos, S.A., pedindo:
a) ser declarada nula a hipoteca constituída 06.07.2009 sobre o imóvel pela B…, Lda. a favor da Ré;
ou, se assim não se entender,
b) ser declarada a ineficácia/inoponibilidade dessa hipoteca relativamente às AA.;
c) em qualquer caso ser determinado o cancelamento/extinção do registo desta hipoteca.
Alegam que, por sentença transitada em julgado, foi declarada a nulidade do contrato de permuta celebrado com a sociedade B…, Lda. e incidente sobre o imóvel descrito nos autos. Uma vez que esta sociedade constituiu hipoteca sobre o referido imóvel, entendem que também essa hipoteca é nula, ou ineficaz perante as demandantes.
Contestou a Ré, alegando que não foi alegado qualquer facto que determine a nulidade do contrato de abertura de crédito/mútuo através do qual se constituiu a hipoteca; que na anterior acção a aqui Ré foi declarada parte ilegítima, pois nessa acção não estava pedida a nulidade da hipoteca; e que caducou o direito das AA., pois a acção destinada a obter a declaração de nulidade da hipoteca foi proposta mais de três anos após a celebração do respectivo contrato, nos termos do artigo 291.º, n.º 2, do Código Civil.
Na resposta, as AA. sustentam que a anterior acção foi proposta em menos de três anos após a celebração do negócio nulo, e apesar da aqui Ré ter sido absolvida da instância, tal não obsta a que se proponha outra acção sobre o mesmo objecto, nos termos do artigo 279.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

A sentença recorrida entendeu que o prazo aludido no artigo 291.º, n.º 2, do Código Civil respeita apenas à acção de nulidade do primeiro negócio nulo, ou seja, o contrato de permuta. Declarado nulo esse contrato, com efeito retroactivo, apesar da Ré ter celebrado o mútuo e constituído a hipoteca com quem na altura tinha registo de aquisição a seu favor, face ao disposto no artigo 715.º do Código Civil a declaração de nulidade do contrato de permuta tem como consequência a nulidade da hipoteca.
Julgou, pois, a acção procedente, declarando nula a hipoteca e determinando o cancelamento do respectivo registo.

Interpõe a Ré recurso e conclui:
A. A Recorrente impugna a douta sentença recorrida, que considerou a acção procedente, e que declarou nula a hipoteca constituída em 06-07-2009, determinando ainda o seu cancelamento, por violação, nomeadamente, das normas ínsitas nos artigos 279.º, 291.º, 298.º, n.º 2, 715.º, todos do Código Civil, 138.º, 279.º, n.ºs 1 e 2, 571.º, n.º 2, 619.º, n.º 1, 628.º, todos do CPC, cuja melhor interpretação e aplicação se alegará e concluirá.
B. À luz do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 279.º do CPC, nenhum obstáculo existe a que o autor proponha nova acção contra o mesmo réu, com o mesmo pedido e mesma causa de pedir.
C. E a causa de pedir é constituída pelo acto ou facto jurídico (simples ou complexo, mas sempre concreto) donde emerge o direito que o autor invoca e pretende fazer valer, a qual, nas acções anulatórias se reporta a nulidade específica (absoluta ou relativa), ou seja, o vício gerador da invalidação total ou parcial da declaração negocial de que se trate (erro, dolo, coacção, simulação absoluta ou relativa, negócio em fraude à lei ou contra-legem ou violador da ordem jurídica, etc. – cfr. os artigos 240.º a 257.º e 285.º a 294.º do CC).
D. Ora, resulta da factualidade provada que as aqui Recorridas, a 03/05/2011 propuseram acção judicial contra a sociedade B…, Lda., que correu termos sob o n.º (…), no Tribunal Judicial (…), através da qual peticionaram pela nulidade do contrato de permuta (cfr. facto 3.1.10 dos factos provados) e nenhum pedido foi dirigido à pretendida nulidade da hipoteca, nem há factualidade alegada nesse sentido.
E. Por outro lado, também como resulta da matéria de facto provada – vide facto provado 3.1.13 –, o contrato através do qual a hipoteca ora em crise nestes autos foi constituída foi o de abertura de crédito/mútuo (cfr. facto 3.1.4 dos factos provados).
F. E nos presentes autos as Recorridas peticionam pela nulidade da identificada hipoteca com base na douta sentença que declarou nulo o contrato de permuta. Porém,
G. Como igualmente resulta da factualidade provada, a nulidade do contrato de permuta circunscreveu-se apenas a esse negócio jurídico, que, como se disse, não foi com base nele que a hipoteca foi constituída.
H. Donde, salvo melhor e douta opinião, não podemos acompanhar a tese do Tribunal a quo segundo a qual «e nem se diga que o objecto não é o mesmo, que que a nulidade ou inoponibilidade da hipoteca deriva da nulidade do contrato de permuta», pois que, na primeira acção estava em causa a anulação dos efeitos do negócio jurídico (permuta), ao passo que nesta está em causa a nulidade de uma hipoteca.
I. Ainda que esta acção passasse no crivo do n.º 1 do artigo 279.º do CPC – que não passa –, determina o seu n.º 2 que «sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova acção for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância». Ora,
J. Flui da matéria de facto provada que a anterior acção transitou em julgado a 19.11.2020 (vide 3.1.13 dos factos provados), e, contando os 30 dias, teriam as Recorridas que intentar a acção até 19.12.2020, que, sendo sábado, transfere-se para o primeiro dia útil, ou seja, 21.12.2020 (cfr. artigo 279.º, alíneas b), c) e e), do CC e, também, Ac. do STJ de 14-03-1990).
K. Com efeito, tendo as Recorridas apresentado a acção a 06-01-2021 foi clara e notoriamente extemporânea, e, aparentemente, por as Recorridas terem pago multa, deverão sustentar que se trata de um prazo de natureza processual – vide artigo 138.º do CPC –, que não é, sendo antes um prazo de natureza substantiva, que não se suspende nas férias judiciais.
L. Destarte, contrariamente ao que pretende fazer crer o Tribunal a quo, o prazo de 30 dias previsto no n.º 2 do artigo 279.º do CPC é de natureza substantiva, ao qual são aplicáveis as normas do Código Civil, mormente o modo de contagem dos prazos a que alude o artigo 279.º do CC. Logo, as Recorridas intentaram a presente acção além daquele prazo, devendo reconhecer-se, naturalmente, a caducidade do direito de acção.
M. Ademais, o artigo 291.º do CC consagra um desvio do princípio geral sobre nulidade ou anulabilidade expresso no artigo 289.º do CC, quando esteja em causa a restituição de bens imóveis ou de móveis sujeitos a registo, na medida em que permite ao titular da inscrição efectuada no registo, embora só a partir de certo período posterior à conclusão do contrato nulo ou anulável, manter essa titularidade.
N. Neste quadro, esta norma protege o terceiro de boa-fé, e o momento relevante para aferir essa boa fé é o da data da conclusão do negócio de que o terceiro adquirente é parte, boa-fé essa que é exigida em sentido ético, que equipara a ignorância culposa à má fé. Ora,
O. Ainda que verificados estes requisitos, a protecção do terceiro não funcionará se outra for a causa de invalidade, que não a falta de titularidade do alienante, mas se a acção for proposta ou registada dentro dos três anos posteriores à conclusão do negócio (artigo 291.º, n.º 2) dará origem ao efeito “dominó” da nulidade.
P. Com efeito, o contrato de permuta declarado nulo foi celebrado em 06.07.2009 – vide facto provado 3.1.3 – e, é certo, a acção de nulidade foi proposta no prazo de três anos a contar da sua celebração – 03-05-2011 – todavia o negócio subjacente à hipoteca – contrato de abertura de crédito com hipoteca e fiança (vide facto provado 3.1.4) –, foi celebrado a 06.07.2009 e a presente acção, através da qual se pretende invalidar a hipoteca, foi proposta em 06.01.2021, mais de 10 (dez) anos sobre a conclusão do negócio jurídico subjacente à sua constituição.
Q. Ora, tendo decorrido o prazo de 3 anos, prazo este que é de caducidade e não lhe sendo aplicável os institutos da suspensão e interrupção, o direito de as ora Recorridas deduzirem a presente acção de nulidade da hipoteca caducou (vide artigos 298.º, n.º 2 e 328.º, ambos do CC).
R. Destarte, à luz da norma prevista no n.º 2 do artigo 291.º do CC o decurso do aludido prazo de 3 anos constitui uma excepção peremptória de natureza preclusiva, que determina a improcedência total do pedido, nos termos do disposto no artigo 571.º, n.º 2, do CPC.
S. O Tribunal recorrido pugna pela nulidade da hipoteca como consequência da declaração de nulidade do contrato de permuta, todavia enfrenta três obstáculos inultrapassáveis, a (i) inaplicabilidade dos efeitos do caso julgado à CGD.; (ii) a nulidade derivada do contrato de permuta cinge-se aos direitos e obrigações constituídos nessa relação jurídica que não são extensíveis ao negócio jurídico celebrado entre a CGD e então B…, Lda., desde logo por não existir negócios subsequentes um ao outro (o inválido e o válido), através do qual se constituiu a garantia real (hipoteca); e (iii) a Recorrente é considerada, à luz do artigo 291.º do CC terceiro de boa-fé, sendo-lhe inoponíveis os efeitos decorrentes da nulidade do aludido contrato de permuta.
T. Pelo primeiro obstáculo, como é sabido, a decisão transita em julgado quando já não é susceptível de reclamação nem de recurso ordinário, quer quando nenhuma impugnação tenha tido lugar nos prazos legais, quer se tenham esgotado os meios de impugnação admissíveis e efectivamente utilizados (cfr. artigo 628.º do CPC).
U. Ora, a acolher-se a tese defendida pelas Recorridas e sufragada pelo douto Tribunal a quo significaria que os efeitos da decisão de nulidade proclamados na douta sentença se estenderiam à Recorrente e, por inerência, à hipoteca, o que constituiria uma afronta inadmissível à eficácia do caso julgado inter partes.
V. Sob outra perspectiva, o segundo obstáctulo implica que nos debrucemos sobre o âmbito do artigo 289.º do CC, mas, antes disso, uma conclusão parece óbvia. Nenhum dos negócios em causa (permuta e abertura de crédito com hipoteca) tem um sujeito em comum, inexistindo a relação “triangular” necessária à aplicação do regime jurídico da invalidade previstas nos artigos 289.º a 291.º, todos do CC, havendo em comum, é certo, o mesmo objecto, mas decisivo é que o segundo negócio afectado pela nulidade do primeiro tenha como elo de ligação a parte envolvida naquele primeiro, o que manifestamente não sucede nestes autos.
W. Todavia, caso assim não se entenda e sendo aplicável o aludido regime da invalidade, a CGD é considerada, de harmonia com o disposto no artigo 291.º do CC, terceiro de boa-fé, que representa o terceiro dos mencionados obstáculos. Pois que,
X. A utilização da expressão «direitos adquiridos», no plural, é sintomático da intenção do legislador de não restringir o âmbito de aplicação do artigo 291º do CC ao direito de propriedade registado a favor de terceiro.
Y. Donde, na doutrina é pacífico o entendimento de que “terceiro” objecto de tutela pelo artigo 291.º do CC pode ser um sub-adquirente de um direito real de gozo menor ou de um direito real de garantia, como é o caso da hipoteca.
Z. Face ao exposto, é evidente que a Recorrente enquanto titular de um direito real de garantia sobre o prédio actualmente pertencente às Recorridas – concretamente, hipoteca constituída pela B…, Lda., após a aquisição do imóvel que veio a ser declarada nula – não poderá deixar de ser considerado “terceiro” para efeitos do disposto no artigo 291.º do CC.
AA. Aliás, já assim ficou entendido na douta sentença proferida no citado processo n.º 376/13.0TBRMR-F, «(…) a procederem alguns dos pedidos manifestados na presente acção, a Caixa Geral de Depósitos, S.A., enquanto credor hipotecário (cfr. pontos 11.º e 12.º dos factos provados) consubstancia um terceiro de boa fé, também nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 291.º do Código Civil» (vide pág. 8 da sentença junta como doc. n.º 3 à PI).
BB. Ademais, mesmo analisando a questão à luz do artigo 715.º do CC, conforme sufragou o Tribunal a quo, à data da constituição da hipoteca (15-07-2019, vide facto provado 3.1.7), a sociedade B…, Lda., era proprietária do imóvel em causa, tendo toda a legitimidade para o onerar (vide Acórdão do STJ de 15.03.2012, proc. 622/05.3TCSNT-A.L1.S1).
CC. Consequentemente, a nulidade da permuta é inoponível à Recorrente, por ser considerado terceiro de boa-fé, tendo actuado sempre de boa-fé.
Nestes termos e nos demais de direito que V. Exas. mui doutamente suprirão, deverá a presente Apelação ser julgada procedente, e, em consequência, revogar-se a sentença recorrida, absolvendo a Recorrente dos pedidos.

A resposta sustenta a manutenção do julgado.
Recebidos os autos, verificando o Relator que foi junta à petição inicial uma declaração de trânsito em julgado de Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça proferido no Proc. 376/13.0TBRMR-F.E1.S1, não tendo, porém, sido junto o dito aresto, mais verificando que os articulados referem várias decisões proferidas nesse processo e discutem o caso julgado ali formado, solicitou-se o acompanhamento electrónico do referido processo, através do Citius.
Dispensados os vistos, cumpre-nos decidir.

Nos termos do artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.
Por outro lado, do artigo 607.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil resulta que a sentença deve discriminar os factos que considera provados, após o que procederá à interpretação e aplicação das normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final.
Ora, para além da sentença ter incluído, entre a matéria de facto, a fundamentação jurídica constante de despacho datado de 06.12.2017, proferido em anterior acção, quando o facto relevante é o dispositivo desse despacho – sobre o qual se forma o caso julgado – a decisão recorrida também se mostra inexacta quando declara que a sentença de 10.04.2019 transitou em julgado em 19.11.2020.
Na verdade, dos elementos documentais juntos com a petição inicial, apesar de notoriamente incompletos, resultava desde logo que o que transitou em julgado a 19.11.2020 não foi a referida sentença, mas antes um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, do qual não se juntou qualquer cópia ou certidão.
Daí que o Relator tenha solicitado o acompanhamento electrónico da anterior acção, verificando não apenas que foi interposta apelação da sentença de 10.04.2019, como foi proferido Acórdão nesta Relação de Évora em 26.09.2019 concedendo parcial provimento ao recurso e que, interposta Revista para o Supremo Tribunal de Justiça, a Exm.ª Relatora proferiu decisão singular de não admissão do recurso, depois confirmado por Acórdão da Conferência de 07.09.2020, do qual foi apresentada reclamação por nulidade, indeferida por novo Acórdão de 27.10.2020.
Ao abrigo dos poderes conferidos pelo artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, será esta a realidade que se reflectirá no elenco fáctico, assim organizado:
1. O imóvel sito (…), descrito na Conservatória do Registo Predial (…) sob o n.º (…) e inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias (…) sob o artigo (…), encontrava-se em 24/03/2006 com a aquisição do direito de propriedade, por doação, registada a favor das Autoras C… e J….
2. Em 14.12.2006 foi emitido em nome das Autoras o Alvará de Licenciamento de Obras de Construção n.º (…), titulando a aprovação do projecto de construção de um edifício no referido imóvel.
3. Em 06.07.2009, através de escritura pública, as Autoras e a sociedade B…, Lda., celebraram um contrato de permuta, o qual consistia na transmissão do imóvel à sociedade B…, Lda., recebendo depois as Autoras da B…, Lda. duas fracções autónomas do edifício a ser construído por esta.
4. Em 06.07.2009 a ora Ré Caixa Geral de Depósitos celebrou com a sociedade B…, Lda., um contrato de abertura de crédito/mútuo com hipoteca sobre o imóvel e fiança.
5. Este mútuo e respectiva hipoteca destinavam-se à construção de um edifício de 5 pisos licenciado pela Câmara Municipal (…).
6. Na sequência do referido contrato de permuta a sociedade B…, Lda., registou, a seu favor, a aquisição do direito de propriedade do referido imóvel, pela Ap. (…) de 15/07/2009.
7. A hipoteca referida foi registada pela Ap. (…) de 15/07/2009.
8. Em 07.07.2009 a Câmara Municipal (…) declarou a nulidade da aprovação do projecto de construção de edifício no imóvel, por violação do Plano Director Municipal (…), o que determinou a cassação do Alvará de Licenciamento de Obras de Construção.
9. Por despacho do Presidente da Câmara Municipal (…), foi determinado o embargo das obras de construção do edifício que a B…, Lda. tinha iniciado no imóvel.
10. Em 03.05.2011 as Autoras propuseram acção judicial contra a sociedade B…, Lda., que correu termos sob o n.º (…), no Tribunal Judicial (…), pedindo a nulidade do contrato de permuta, tendo a mesma sido registada pela Apresentação (…) de 17.05.2011.
11. A sociedade B…, Lda., foi declarada insolvente em 12.07.2013, tendo a referida acção sido apensa aos autos de insolvência e passado a correr sob o n.º 376/13.0TBRMR-F no Juízo de Comércio de Santarém – Juiz 1.
12. Em 06.12.2017, foi proferido despacho, no referido processo n.º 376/13.0TBRMR-F, contendo o seguinte dispositivo:
«a. Reconhece-se a existência de uma nulidade por não cumprimento do disposto no artigo 590.º, n.º 2, alínea a), do CPC, em conjugação com o artigo 6.º, n.º 2, do mesmo diploma legal, para efeitos de sanação da excepção de preterição de litisconsórcio necessário passivo quanto à ausência, na acção, da CGD;
b. Em consequência e deferindo o requerido pelas Autoras no requerimento datado de 27.04.2017, de fls. 357 a 359, admite-se a intervenção da CGD nos autos, enquanto associada da Ré, nos termos e para os efeitos do artigo 316.º, n.º 1, do CPC, intervenção esta condicionada à autoliquidação pelas Autoras da taxa de justiça devida pelo incidente no prazo de dez dias, sob pena de aplicação do disposto no artigo 642.º, n.º 1, do CPC (aplicável pela analogia) e, em último caso, de absolvição da Ré da instância;
c. Após liquidação da taxa de justiça pelas Autoras, determina-se a citação da CGD, na sua própria pessoa, nos termos do artigo 319.º do CPC, devendo-lhe ser remetida cópia dos articulados e respectivos documentos (incluindo fls. 120 a 126, 267 a 313), cópia do despacho com a ref.ª 74250497, de fls. 348 a 352, cópia do requerimento das Autoras datado de 27.04.2017, de fls. 357 a 359 e cópia do presente despacho (valendo a citação também como notificação do presente despacho);
13. Por sentença de 10.04.2019, foi a acção julgada parcialmente procedente nos seguintes termos:
«A. Declaro a Caixa Geral de Depósitos, S.A., parte ilegítima na presente acção, sendo, assim, procedente a excepção dilatória suscitada pela mesma instituição. Em consequência, absolvo a Caixa Geral de Depósitos, S.A., da presente instância (…).
B. Declaro nulo o Contrato de Permuta outorgado, no dia 06 de Julho de 2009, por C… e por J… com a então sociedade B…, Lda., para todos os efeitos (…). Em consequência, as autoras deverão restituir à Massa Insolvente da B…, Lda. o montante de € 15.000,00 (quinze mil euros) pagos a 03 de Maio de 2010.
C. Condeno C… e J… a pagar à Massa Insolvente da B…, Lda., o valor que vier a ser apurado em liquidação da presente Sentença no que respeita a benfeitorias efectuadas no terreno objecto do acima referido Contrato de Permuta (terreno correspondente ao prédio sito (…), da freguesia (…), descrito na Conservatória do Registo Predial (…) sob o n.º (…).»
14. As AA. interpuseram recurso de apelação da referida sentença.
15. Por Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 26.09.2019, foi concedido parcial provimento ao recurso, «condenando a recorrida Massa Insolvente da B…, Lda., a restituir, às recorrentes, o imóvel descrito no n.º 1 da matéria de facto provada. Em tudo o mais, julga-se o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida.»
16. As AA. interpuseram recurso de Revista do referido Acórdão mas, remetidos os autos ao Supremo Tribunal de Justiça, a Exm.ª Relatora proferiu, em 14.02.2020, decisão singular de não admissão do recurso.
17. Reclamaram as AA. para a conferência, mas por Acórdão de 07.09.2020 o Supremo Tribunal de Justiça decidiu indeferir a reclamação e manter a decisão singular da Relatora.
18. Arguiram as AA. a nulidade e pediram a reforma deste aresto, mas por novo Acórdão de 27.10.2020, o Supremo Tribunal de Justiça também indeferiu esta reclamação.
19. Este Acórdão transitou em julgado a 19.11.2020.

Aplicando o Direito.
Da caducidade do direito de opor a terceiro de boa fé a declaração de nulidade
Preliminarmente, tendo as AA. invocado os efeitos civis derivados da proposição da anterior acção, nos termos do artigo 279.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, observamos que tal preceito apenas se aplica quando a segunda acção incida “sobre o mesmo objecto.”
O caso julgado forma-se em relação ao pedido e à causa de pedir, ocorrendo identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico e identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas acções procede do mesmo facto jurídico – artigo 581.º, n.ºs 3 e 4, do Código de Processo Civil.
Sucede que tal identidade de pedido e causa de pedir não ocorre no caso dos autos. Na anterior acção estava em causa a declaração de nulidade do contrato de permuta celebrado entre as AA. e a B…, Lda., com cancelamento do respectivo registo, e apenas esse contrato e correspondente pedido foram objecto de análise na sentença e no Acórdão da Relação de Évora ali proferidos.
Porém, naquela acção não foi pedida a declaração de nulidade do contrato de mútuo com hipoteca, nem o cancelamento do respectivo registo, e daí que a aqui Ré tivesse sido absolvida do pedido, por ilegitimidade, em decisão confirmada, nessa parte, na instância de recurso.
Visto que nesta acção o efeito jurídico pretendido é a declaração de nulidade do contrato de mútuo com hipoteca celebrado entre a B…, Lda. e a Ré, com cancelamento do respectivo registo, não se pode afirmar que entre as duas acções ocorra identidade de pedido e de causa de pedir, sendo diversos os respectivos objectos, pelo que a regra do artigo 279.º, n.º 1, do Código de Processo Civil é aqui inaplicável.
Por outro lado, a situação dos autos não configura um caso de ineficácia por oneração de bem alheio, em que se poderia ponderar a nulidade reflexa do negócio constitutivo da hipoteca. Na verdade, a sociedade que prestou a garantia havia recebido o imóvel das AA., no âmbito de um contrato de permuta com estas celebrado e para construção de um edifício no lote de terreno, com posterior entrega de fracções. À data em que a garantia foi prestada à aqui Ré, a sociedade mutuária detinha a propriedade do imóvel registada a seu favor, pelo que não estava a efectuar a oneração de um bem de outrem, mas antes a constituir uma hipoteca sobre imóvel registado a seu favor, nos precisos termos que lhe eram reconhecidos pelo artigo 715.º do Código Civil.
A propósito da figura jurídica da ineficácia, o Professor Vaz Serra escreveu, na Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 100.º, pág. 59, em anotação ao Ac. STJ de 25-04-1970 (BMJ, 97.º, 368), que versara sobre um caso de venda de coisa alheia, que «a (alienação de coisa alheia) pode ser anulável, na relação entre o alienante e o adquirente, mas, em relação ao verdadeiro proprietário da coisa alienada, é mais do que nula ou anulável, pois é simplesmente ineficaz, como acto que lhe é totalmente estranho (res inter alios acta), não carecendo ele, portanto, de recorrer a qualquer meio jurídico de impugnação para obter que tal acto lhe não seja oponível. (…) já não se compreenderia que o proprietário de um objecto alienado por terceiro (não representante do proprietário e não provido, a outro título, do poder de disposição) fosse obrigado a fazer anular um negócio em que não interveio e que lhe é de todo estranho. (…) Consequentemente não carecem de anular a alienação efectuada (…): podem, pura e simplesmente desconhecê-la.»
Porém, a situação dos autos não é de ineficácia do contrato de permuta, declarada ao abrigo da regra contida no artigo 892.º do Código Civil, mas de nulidade por impossibilidade originária do negócio, decretada nos termos dos artigos 280.º, n.º 1 e 401.º, n.º 1, do Código Civil, pelo que os terceiros de boa fé não vinculados por essa declaração de nulidade podem invocar a caducidade do direito de acção, pelo decurso do prazo de três anos contido no artigo 291.º, n.º 2, do Código Civil.
Não se argumente que a acção onde foi decretada a nulidade do contrato de permuta foi proposta no prazo de três anos. A questão não é essa.
O caso julgado formado na anterior acção tem eficácia relativa, vinculando as partes e não podendo, em regra, afectar terceiros. Tal limitação resulta do princípio do contraditório, consagrado no artigo 3.º do Código de Processo Civil, porquanto quem não é chamado a defender os seus interesses num processo judicial não pode ser vinculado à decisão nele proferida.
Deste modo, a declaração de nulidade do contrato de permuta, decretada na anterior acção, é eficaz apenas nas relações entre aqueles que foram parte nesse negócio – as AA. e a sociedade B…, Lda..
Quanto à Ré Caixa Geral de Depósitos, S.A., a sua intervenção principal nesse processo só foi requerida em 27.04.2017 – mais de três anos após a celebração do contrato de mútuo com hipoteca – e ali não foi peticionada a nulidade desse contrato, motivo pelo qual foi absolvida da instância, por ilegitimidade, em decisão confirmada por Acórdão desta Relação. Apenas esta decisão – de absolvição da instância – respeita à aqui Ré, não tendo contra ela sido proferida a decisão que decretou a nulidade do contrato de permuta, no qual nem havia sido parte outorgante.
Como se decidiu no Supremo Tribunal de Justiça, “sendo a nulidade de um negócio jurídico de compra e venda declarada em acção em que não foi interveniente terceiro juridicamente interessado – titular de hipoteca registada sobre o imóvel e constituída por quem tinha legitimidade em face do negócio ulteriormente anulado – aquela decisão não se lhe impõe” – Acórdão de 15.03.2012, Proc. 622/05.3TCSNT-A.L1.S1 e publicado na página da DGSI.
Concluindo, podemos afirmar que o caso julgado formado na anterior acção, quanto à declaração de nulidade do contrato de permuta, não vincula a Ré Caixa Geral de Depósitos, S.A..
Se as AA. pretendiam obter não apenas a declaração de nulidade desse contrato de permuta, mas também do contrato de mútuo com hipoteca, deveriam ter demandado a Caixa Geral de Depósitos, S.A., no prazo assinalado no artigo 291.º, n.º 2, do Código Civil, formulando o pertinente pedido e permitindo à mutuante exercer o seu direito de contraditório, reflectindo os seus direitos, entre eles o de obter a restituição de tudo o que prestou, nos termos gerais que decorrem do artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil.
Apenas tendo formulado esse pedido nesta acção, para além de não aproveitar às AA. a regra do artigo 279.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, face ao diverso objecto das duas acções, pode a Ré invocar a caducidade prevista no artigo 291.º, n.º 2, do Código Civil, por inoponibilidade dos efeitos resultantes da propositura da anterior acção.
Daqui a procedência do recurso.

Decisão.
Destarte, concedendo provimento ao recurso, revoga-se a sentença recorrida, julga-se procedente a excepção de caducidade e absolve-se a Ré do pedido.
Custas pelas Recorridas.
Évora, 15 de Setembro de 2022
Mário Branco Coelho (relator)
Isabel de Matos Peixoto Imaginário
Maria Domingas Alves Simões