Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
46/14.1T9ALR.E1
Relator: ALBERTO BORGES
Descritores: DIFAMAÇÃO
LIBERDADE DE EXPRESSÃO
POLÍTICO
Data do Acordão: 03/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário: I - Os limites da crítica admissível são mais amplos em relação a personalidades públicas visadas nessa qualidade, nomeadamente políticos, do que em relação a um simples particular;
II – Por isso, não comete o crime de difamação o arguido que no âmbito de uma campanha eleitoral para as eleições autárquicas de um determinado Município, em que integrava uma lista apresentada por um partido político, usou da palavra numa Reunião de uma Assembleia Municipal desse Município e referindo-se ao assistente – que era candidato às eleições do Município integrando uma lista concorrente e interveio nessa Assembleia, mas já não se encontrava presente –, para denegrir a sua pessoa e imagem e, dessa forma, obter vantagens políticas nas eleições que se iriam realizar dentro de poucos dias, disse que (o assistente) era “ladrão”.
Decisão Texto Integral:
Proc. 46/14.1T9ALR.E1

Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

1. No Tribunal da Comarca de Santarém (Almeirim, Instância Local, Secção de Competência Genérica, J1) correu termos o Proc. Comum Singular n.º 46/14.1T9ALR, no qual foi julgado o arguido BB (…), há 6 anos a exercer funções de chefe de Gabinete do Presidente da Câmara Municipal de DD, natural de (…), pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180 n.º 1 do Código Penal.
O assistente CC deduziu pedido de indemnização, pedindo a condenação do arguido no pagamento da quantia de € 7.500,00 para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos em consequência do comportamento ilícito do arguido.
A final veio a decidir-se:
1) Julgar improcedente, por não provada, a acusação e, em consequência, absolver o arguido BB da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação, previsto e punido pelo artigo 180 n.º 1 do Código Penal que lhe vinha imputado;
2) Julgar improcedente, por não provado, o pedido de indemnização cível deduzido por CC e, consequentemente, absolver o arguido da totalidade do pedido formulado.
2. Recorreu o assistente dessa sentença, concluindo a motivação do seu recurso com as seguintes conclusões:
1 - O assistente discorda da sentença proferida e, em concreto, da absolvição do arguido e fundamentação jurídica que lhe serve de fundamento.
2 - O arguido foi pronunciado pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de difamação agravada, p. e p. pelos art.ºs 180 n.º 1 e 183 n.ºs al.ª a) do CP, porquanto:
- no dia 20 de setembro de 2013, na reunião Ordinária n.º …, da Assembleia Municipal do Município de DD, e já depois de o assistente ter abandonado tal reunião, o arguido, dirigindo-se aos presentes e referindo-se ao assistente, disse “… que é verdade ter dito que o munícipe era ladrão, sabe porque é que ele é ladrão, mas é na cara dele e na pessoa dele que o quer dizer e que não quer dizer publicamente porque é que ele é ladrão e que aquilo que disse fê-lo junto do Intermarché e foi inserido num contexto e numa conversa em que disse a uma pessoa que ia votar num ladrão, para deixar de votar numa pessoa que toda a vida foi honesto” (cfr. n.ºs 1, 2 e 7 dos factos provados).
- sabia o arguido que as expressões que empregava eram aptas a denegrir a pessoa e imagem do assistente (n.º 10 dos factos provados).
- mais sabia que a afirmação ficaria a constara da ata da reunião e seria largamente difundida e lida pelo público em geral, para além das pessoas que se encontravam a assistir à reunião (n.º 11 dos factos provados).
- o arguido agiu de forma livre, deliberada e consciente (n.º 12 dos factos provados).
3 - O tribunal a quo considerou que “apelidar alguém de ladrão constitui, necessariamente, a formulação de um juízo desonroso sobre o visado, que afetará a sua reputação e a confiança que os outros lhe atribuirão, já que tal expressão está associada a atividades criminosas ou, pelo menos, a atividades pouco dignas e eticamente reprováveis”.
4 - Contudo, considerando que, muitas vezes, a proteção da honra e consideração de cada um se encontra em conflito com a liberdade de expressão e, tendo considerado que as expressões proferidas pelo arguido se tinham enquadrado em puro combate político (visaria obter votos para a sua lista eleitoral autárquica), decidiu-se pela prevalência da liberdade de expressão sobre o direito à honra, absolvendo o arguido da prática do crime de que vinha acusado.
5 - O art.º 180 do CP prevê e pune o crime de difamação.
6 - Na formulação do disposto no art.º 180 do CP, o tipo legal basta-se, ao nível objetivo, com a imputação, através de terceiros, “mesmo sob a forma de suspeita, de um facto ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra e consideração”, enquanto ao nível subjetivo se exige apenas o dolo genérico, em qualquer das suas modalidades previstas nos art.º 14 do CP.
7 - Estamos perante um crime que protege a honra e a consideração dos cidadãos, enquanto bens jurídicos inerentes à dignidade da pessoa humana.
8 - Trata-se de um crime de perigo e de mera atividade, não se exigindo como resultado que o visado se sinta efetivamente ofendido ou que a sua imagem social fique efetivamente denegrida ou sequer que o agente tenha em mente estes resultados.
9 - Basta, tão só, que o agente saiba que os factos, palavras ou juízos de valor imputados ao ofendido são objetivamente suscetíveis de afetar negativamente a sua honra ou consideração e, ainda assim, os expresse perante terceiros.
10 - A concessão de dignidade penal a condutas que ofendem a honra ou a consideração das pessoas visa proteger o direito reconhecido constitucionalmente à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, ao bom nome e à reputação que constam do art.º 26 n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, pois que, como se refere no seu n.º 1, Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana.
11 - Honra é um valor íntimo do homem, o valor pessoal de cada pessoa, radicado na sua dignidade humana, na sua reputação ou consideração exterior (José Ribeiro de Faria, O Direito à Honra e a sua Tutela Penal, Almedina, p. 36 a 39).
12 - A liberdade de expressão não é um direito ilimitado, absoluto, mas antes sujeito a restrições.
13 - O legislador optou por consagrar um limite à liberdade de expressão nos casos em que essa liberdade ponha em causa a honra de terceiros, só assim se explicando a necessidade de criminalizar as condutas lesivas deste bem jurídico, admitindo, porém, que o crime de difamação possa não ser punível desde que se verifiquem duas condições cumulativas, a saber:
- que a imputação seja feita para realizar interesses legítimos;
- que o agente faça prova da verdade da imputação (“exceptio veritatis”) ou tiver fundamento sério para, em boa fé, a considerara verdadeira, traduzindo, aqui sim, uma clara prevalência sobre o direito à honra do lesado.
14 - À face da ordem jurídica interna (lei ordinária), o direito de expressão deve ceder, em regra, perante o direito à honra, excecionando-se aquelas situações em que a prossecução de um interesse legítimo e a verdade dos factos justifiquem a imputação, ou em que a gravidade da situação -avaliada caso a caso - mereça a mesma denúncia pública.
15 - Estando em causa o núcleo essencial do direito ao bom nome e reputação, não há, em bom rigor, um conflito com a liberdade de expressão, no caso da difamação, dado que não está coberto pelo âmbito normativo-constitucional português da liberdade de expressão o “direito à difamação”, o “direito à calúnia” ou o “direto à injúria”.
16 - Não é necessário para o preenchimento do tipo em causa que tais expressões tenham atingido efectivamente a honra e consideração da pessoa visada - como efetivamente se tem por certo que sucedeu no caso dos autos - produzindo um dano de resultado.
17 - Independentemente da intenção do agente, o tipo basta-se com a verificação da susceptibilidade das expressões para ofender, porquanto, o crime em causa é um crime de perigo, sendo suficiente a idoneidade da ofensa para produzir o dano - como é o caso.
18 - O tribunal recorrido deu como provados os factos objetivos do tipo.
19 - O direito à honra e o direito à liberdade de expressão têm igual dignidade constitucional, não podendo, por isso, o direito à liberdade de expressão “esmagar” ou anular tout court o direito à honra e reputação, pois a isso se opõe o art.º 18 n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, que limita a restrição dos direitos, liberdades e garantias, as quais não podem “… diminuir a extensão e o alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais” (cfr. o recente acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 12.05.2016, in Acórdãos do TRL, Proc. 2544/10.7TDLSBL1-9).
20 - Mesmo na esteira jurisprudencial do Tribunal Europeu, considerada mais liberal, por considerar maior protecção às liberdades de expressão e de imprensa, citando o senhor Conselheiro Santos Cabral, “A liberdade de expressão não é, não pode ser, a possibilidade de um exercício sem quaisquer limites, alheio à possibilidade de colisão com outros valores de igual ou superior dignidade constitucional. Em Portugal, tal como na Alemanha, existem limites ao exercício do direito de se exprimir, e divulgar, livremente o pensamento, e a sua violação pode conduzir à punição criminal ou administrativa. Esses limites visam salvaguardar os direitos ou interesses constitucionalmente protegidos de tal modo importantes que gozam de proteção, inclusive, penal. A liberdade de expressão não pode prevalecer quando o seu exercício violar outros valores aos quais a lei confere tutela adequada. Tais valores tanto podem emanar de uma necessidade de defesa de bens jurídicos radicados na ordem constitucional, e cuja valoração é intuitiva, como podem resultar de uma necessidade de tutela de valores inscritos no espaço jurídico em que o nosso país se insere, nomeadamente, o comunitário” - cfr. acórdão do STJ de 05.07.12, in dgsi.
21 - A jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que confere prevalência quase absoluta ao direito à liberdade de expressão, pode ser violadora da Constituição da República Portuguesa, na medida em que a mesma não permite, no seu artigo 18 n.º 3, a restrição dos direitos liberdades e garantias, de modo a diminuir o conteúdo essencial dos preceitos constitucionais que os consagram e por estar, na prática, a hierarquizar, em termos abstratos, os direitos liberdades e garantias previstos na CRP e também na Declaração Universal dos Direitos do Homem, os quais tutela em termos paritários, não permitindo tal hierarquização, por força da sua igual dignidade - cfr. acórdão supra citado.
22 - Estando em causa juízos de apreciação e valoração, e não estando coberto pelo âmbito normativo-constitucional português da liberdade de expressão o direito de difamar, caluniar ou injuriar, o que se constata é que as causas de justificação especial constante da previsão do art.º 180 n.º 2 do CP só se aplica à imputação de factos e não a juízos de valor desonroso.
23 - A jurisprudência do Tribunal Europeu, que adota uma posição de grande latitude em termos de intervenção máxima na proteção da liberdade de expressão, sobretudo quando estejam em causa juízos de valor, chegando mesmo a sobrepor os seus critérios aos das instâncias nacionais, não deixa de preconizar que, em matéria de juízos de valor desonrosos, terá de haver sempre uma base factual sólida suficiente, sustentável ou apoiada em factos concretos, sem a qual não podem tais juízos deixar de ser considerados - como sucede no vertente caso.
24 - O próprio legislador constituinte estabeleceu limites ao direito de expressão, os quais, sendo ultrapassados, dão lugar a eventual responsabilidade criminal e civil - cfr. artigo 37 n.º 3 da CRP, que estabelece: “3. As infrações cometidas no exercício destes direitos ficam submetidas aos princípios gerais do direito criminal ou do ilícito de mera ordenação social, sendo a sua apreciação, respetivamente, da competência dos tribunais judiciais ou de entidade administrativa independente, nos termos da lei”.
25 - Em nossa opinião, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não pode ser vinculativa para os tribunais portugueses. O artigo 16 n.º 2 da Constituição da República Portuguesa impõe uma interpretação dos direitos, liberdades e garantias em conformidade com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, a qual tutela, em termos paritários, ambos os direitos (artigos 12 e 19 da Declaração).
26 - No plano da hierarquia das normas, as normas constitucionais aparecem no topo da pirâmide, seguidas das normas convencionais internacionais regularmente ratificadas pelo Estado Português, as quais vigoram no direito interno e se sobrepõem a essas mesmas normas na hierarquia.
27 - A Constituição da República Portuguesa estatui no seu artigo 8 n.º 4 que as “disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respectivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático”. Exige-se, assim, o respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático, que é exatamente o que está em causa no caso vertente.
28 - Aliás, o próprio Tribunal Europeu dos Direitos do Homem reconhece, à luz do artigo 10 n.º 2 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que o exercício da liberdade de expressão está sujeito “a restrições e sanções”, podendo o estado Português, ao nível do direito interno, estabelecer tais limites e sanções, como acontece com o art.º 180 do CP e também no art.º 484 do Código Civil - cfr. acórdão do STJ de 12.03.2009, Proc. 2972/08, 2.ª Secção.
29 - No caso dos autos o arguido sabia que as expressões que empregava eram aptas a denegrir a pessoa e a imagem do assistente (facto provado n.º 10), que iriam constar da ata da reunião da Assembleia Municipal e que seriam largamente difundidas e lidas pelo público em geral, para além das pessoas que se encontravam a assistir à reunião (facto provado n.º 11), tendo agido de forma livre, deliberada e consciente (facto provado n.º 12).
30 - Ademais, a circunstância do arguido estará responder a uma intervenção anterior do assistente em nada afasta a tipicidade, a ilicitude ou a culpa da sua conduta.
31 - Na verdade, na sua intervenção o assistente afirmou que “… aquilo que tem para dizer é sobre duas pessoas que pensava que o consideravam, nomeadamente, um deputado que também é do gabinete de apoio ao presidente, e o vice-presidente da Câmara, que disseram a um munícipe, quando souberam que ele integrava a lista do orador, que o mesmo era ladrão e trafulha” (cfr. facto provado n.º 4).
32 - É óbvio que, com as afirmações em causa, o arguido reiterou repetidamente a afirmação de que o assistente era “ladrão” perante os presentes na Assembleia Municipal, admitindo que tinha proferido essa expressão em momento anterior perante outro munícipe e, ainda, a ameaçar que, no futuro, iria dizer na cara do assistente tal expressão.
33 - Ora, no caso concreto, a expressão “ladrão” não é a imputação de um facto concreto, mas a formulação de um juízo de valor sobre a própria pessoa do assistente, não se afigurando admissível a prova da sua verdade, para efeitos do art.º 180 n.º 3 do CPP, nem se provou que o arguido, ao proferir tal expressão, estivesse a realizar um interesse legítimo.
34 - E, seguramente, de per si, esse interesse legítimo não seriam as próprias eleições autárquicas.
35 - Discorda-se, assim, da afirmação constante da sentença recorrida de que se trata de “puro combate político, em que os adversários utilizam as armas que têm ao seu dispor para vencer as eleições, ainda que o tenham feito de forma deselegante, rude e utilizando um discurso de muito pouca elevação”. Admitir e ou concordar com esta posição teríamos que, no futuro, em qualquer combate político, será admissível difamar ou injuriar qualquer pessoa ou mesmo qualquer titular de um órgão de soberania?
36 - E a douta sentença recorrida, ao entender que, no caso de conflito de direitos, que se verifica nos presentes autos - direito a honra e direito à liberdade de expressão - deve prevalecer a liberdade de expressão sobre a defesa da honra, está, salvo o devido respeito, a fazer uma errónea interpretação e aplicação das normas constitucionais - art.º 18 da CRP - que não permite a hierarquização de normas de igual dignidade.
37 - No caso dos autos, não resultando da prova produzida o apuramento de quaisquer causas de exclusão da ilicitude ou da culpa do arguido, impunha-se a sua condenação pela prática do crime de que vinha pronunciado.
38 - Ao não fazê-lo, absolvendo o arguido, incorreu o tribunal, salvo o devido respeito, em erro na qualificação jurídica dos factos tidos como assentes, porquanto, o circunstancialismo provado é, por si, em nosso entender, merecedor de censura penal, por integrar o crime de difamação agravada, previsto e punido pelos art.ºs 180 n.º 1 e 183 n.º 1 al.ª a), ambos do CP.
39 - Resultando, assim, por força da referida decisão de absolvição e sua fundamentação, violados os acima indicados dispositivos legais, por errónea interpretação e aplicação daquelas normas legais, bem como das normas constitucionais - art.ºs 16, 26 e 37 da Constituição da República Portuguesa.
40 - Pelo exposto, a douta sentença recorrida de verá ser reformada, de acordo com o que antecede, condenando-se o arguido, pelas prática de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos art.ºs 180 n.º 1 e 183 n.º 1 al.ª a), ambos do CP.
41 - E, ainda, condenando-se o arguido no pedido de indemnização civil formulado nos autos.
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3. Respondeu o Ministério Público junto da 1.ª instância e o arguido ao recurso interposto pelo assistente, concluindo a sua resposta nos seguintes termos:
3.1. - O Ministério Público:
1 - Nenhuma razão assiste ao recorrente, já que sufragamos do entendimento vertido na sentença ora recorrida, por bem fundamentada, pelo que nenhum reparo nos merece.
2 - Deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida nos seus precisos termos.
3.2. - O arguido:
1 - A sentença fez uma absolutamente correta interpretação dos factos provados e uma exemplar aplicação do Direito, pelo que não merece qualquer censura e deve ser mantida na íntegra.
2 - Estamos perante um caso de contornos nitidamente políticos, não só por os factos se reportarem a um momento político - plena campanha eleitoral para as eleições autárquicas - em que são intervenientes ativos o assistente (candidato à Câmara Municipal de DD por uma lista independente) e o arguido (elemento de outra lista candidata à mesma Câmara Municipal), mas também porque o caso ocorreu em plena reunião da Assembleia Municipal de DD qualquer das intervenções do assistente ou do arguido teve nítidas razões políticas.
3 - Este contexto, eminentemente político, em que o caso se verificou e que foi, aliás, razão e fundamento do mesmo, não pode ser olvidado e deve ser tomado em consideração na apreciação dos factos.
4 - Nesta reunião da Assembleia Municipal foi notória a luta política, em plena campanha eleitoral, bem como os exacerbados ânimos dos contendores, nervosismo e exaltações com eventuais excessos de linguagem.
5 - Mas tudo não passou de dura e, talvez, rude luta política, sem que houvesse de parte a parte qualquer intenção de infligir ataques meramente pessoais, lesando a honra do outro, sem qualquer relação com o combate político em que os contendores se moviam.
6 - A expressão “ladrão” foi proferida pelo arguido neste âmbito e no circunstancialismo descrito, referindo-se este a uma condenação judicial sofrida pelo assistente pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal e de um crime de abuso de confiança contra a Segurança social (os quais estão documentados nos autos).
7 - Com tal atitude não quis o arguido ofender a honra e consideração do assistente, mas fazer apenas um ataque eminentemente político, com um âmbito próprio de campanha eleitoral, pretendendo, assim, mobilizar eleitores para o voto num outro candidato de outra lista.
8 - Foi o assistente a tomar a iniciativa pública de tocar no assunto em intervenção inflamada na mesma reunião da Assembleia Municipal e argumentando em defesa da sua tese que “trafulhice” era, na sua opinião, o comportamento do presidente e vice-presidente da Câmara Municipal.
9 - O próprio assistente foi um interveniente provocador e motivador da resposta do arguido, o que também se deve salientar, pois o combate político assume por vezes características esconsas e consequências imprevisíveis se não cuidarmos de procurar conhecer as verdadeiras origens das situações.
10 - Mas isso é uma coisa que pode ser qualificada, eventualmente, como própria de alguma rudeza de linguagem, e outra coisa bem diferente, radicalmente diferente, e muito mais grave, é estarmos perante uma atitude ilícita, da prática de um crime de difamação.
11 - São, obviamente, situações diametralmente opostas e não confundíveis, merecendo aquela, eventualmente, a censura política e esta, se fosse o caso, mas não é, censura penal.
12 - Assim, o enquadramento jurídico dos factos efectuado pela sentença foi exemplar, não merecendo qualquer censura.
13 - O bem jurídico protegido no crime de difamação apresenta essencialmente uma vertente pessoal e a liberdade de expressão é verdadeiramente um direito essencial na organização da nossa sociedade.
14 - Quanto a esta matéria deve tomar-se em consideração a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e muito especialmente o seu artigo 10.
15 - O entendimento jurisprudencial quanto às questões relacionadas com o dilema que se coloca quanto à defesa da honra e à liberdade de expressão, profundamente escalpelizadas e exemplarmente decididas pelo Tribunal da Relação de Évora de 13.12.11, Proc. 99/08.1TAGLG.E1, de 28.05.13, Proc. 552/09.0GCSTB.E1, e de 01.07.14, Proc. 53/11.6TAEZ.E2, não permite quaisquer dúvidas.
16 - A Convenção é absolutamente clara ao consagrar o direito à liberdade de expressão nos eu artigo 10, com as únicas restrições indicadas no seu n.º 2, as quais nãos e aplicam ao caso dos autos.
17 - A Convenção faz uma clara opção na definição da maior relevância do valor “liberdade de expressão” sobre o valor da “honra”, ou seja, a ponderação de valores é normativa, pois já foi feita pela Convenção com uma clara preferência pela “liberdade de expressão”.
18 - Assim, no conflito de direitos que se verifica no caso em apreço, deve prevalecer a liberdade de expressão sobre o direito à honra.
19 - Tendo assim concluído a sentença recorrida - e decidido pela absolvição do arguido - nada há a censurar na mesma, pelo que deve ser confirmada e negar-se provimento ao recurso.
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4. O Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso (fol.ªs 430 e 431).
5. Cumprido o disposto no art.º 417 n.º 2 do CPP e colhidos os vistos legais, cumpre decidir, em conferência (art.º 419 n.º 3 al.ª c) do CPP).
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6. Foram dados como provados, na 1.ª instância, os seguintes factos:
1. No dia 20 de setembro de 2013 realizou-se a Reunião Ordinária n.º … da Assembleia Municipal do Município da DD..
2. Em tal data decorria igualmente período de campanha eleitoral para as eleições autárquicas, no âmbito das quais o arguido BB integrava as listas apresentadas pelo Partido… e o assistente CC encabeçava lista independente concorrente.
3. Na referida Reunião Ordinária o assistente usou da palavra e afirmou, entre outras coisas, que aquilo que ali está a dizer tem a ver com a falta de respeito que há pela população e com o comportamento que algumas pessoas que estão sentadas, quer de costas, quer de frente, têm tido com os seus conterrâneos; falam das ações que tem em tribunal, mas ninguém fala das ações que a EE tem em tribunal; a EE tem 7 ações em tribunal a decorrer contra ela e sabe que um deputado que está sentado na bancada pôs as casas em nome dos filhos para não ficar sem elas, mas que não dirá quem é, porque quem é sabe e nunca escreveu isso nos blogues.
4. Acrescentou que aquilo que tem para dizer é sobre duas pessoas que pensava que o consideravam, nomeadamente, um deputado que também é do gabinete de apoio ao presidente, e o vice-presidente da Câmara, que disseram a um munícipe, quando souberam que ele integrava a lista do orador, que o mesmo era ladrão e trafulha.
5. Mais disse que ladrão é uma pessoa que toma para si os objetos que a sociedade considera de outrem, dando os seguintes exemplos: é levar o vinho todo de uma determinada adega, é ir buscar os faqueiros de prata, tapetes de Arraiolos, quadros e colocá-los na nossa casa, quando são de outros; e considerou trafulha uma pessoa que faz uma trafulhice, um aldrabão, um intrujão, dando como exemplo alguém que faz um programa eleitoral e sabe que não pode cumprir, e que durante quatro anos se desculpa que não cumpre porque não há dinheiro, que herdaram uma dívida do … de treze milhões.
6. E ainda referiu que o presidente e o vice-presidente sabiam que a Câmara Municipal estava endividada e que fizeram uma trafulhice ao enganar os …[munícipes], dizendo que faziam isto e aquilo e não fizeram nada.
7. Em seguida o assistente abandonou tal reunião e, posteriormente, o arguido disse pretender clarificar o que havia sido dito na assembleia pelo assistente, tendo afirmado que gostava que o munícipe estivesse presente, que é verdade ter dito que o munícipe era ladrão, que sabe porque é que ele é ladrão, mas é na cara dele e na pessoa dele que o quer dizer, e que não quer dizer publicamente porque é que ele é ladrão, e que aquilo que disse, fê-lo junto do Intermarché, e foi inserido num contexto e numa conversa em que disse a uma pessoa que ela iria votar num ladrão, para deixar de votar numa pessoa que toda a vida foi honesto.
8. Acrescentou o arguido que um indivíduo que tem os impostos tirados dos trabalhadores, porque isso é público, é um indivíduo que é ladrão e é punido por crime.
9. Ao proferir as expressões supra mencionadas o arguido referia-se ao assistente, sendo este o “munícipe” que aí se menciona.
10. Sabia o arguido que as expressões que empregava eram aptas a denegrir a pessoa e imagem do queixoso.
11. Mais sabia que a afirmação ficaria a constar da ata da reunião e seria largamente difundida e lida pelo público em geral, para além das pessoas que se encontravam a assistir à reunião.
12. Agiu o arguido de forma livre, deliberada e consciente.
13. Do certificado de registo criminal do arguido nada consta.
(…)
7. E não se provou:
a) Que o arguido quis ofender a honra e consideração do queixoso;
b) Que o arguido sabia que a sua conduta era proibida e punida por lei;
c) Que o assistente é bem considerado no meio social em que se insere;
d) Que o assistente sentiu-se profundamente humilhado, abalado e indignado pelas palavras proferidas pelo assistente.
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8. O tribunal formou a sua convicção - escreve-se na fundamentação - com base na prova produzida na audiência de discussão e julgamento, analisada segundo as regras da lógica e da experiência comum, nos termos do artigo 127 do Código de Processo Penal.
De fls. 5 e segs. dos autos consta a certidão da ata da Reunião Ordinária n.º … da Assembleia Municipal, cujo teor corresponde ao que foi afirmado pelos intervenientes, face à confirmação feita pelo próprio arguido. Aliás, do depoimento das diversas testemunhas verifica-se que estas reuniões são gravadas, sendo a ata elaborada através da audição de tais gravações, pelo que tem exata correspondência com a realidade. Diga-se que a descrição dos acontecimentos feita pelas testemunhas que se encontravam presentes na assembleia correspondeu ao teor da ata, com exceção da testemunha …, que, após diligências realizadas pelo tribunal em audiência de julgamento, verificou estar equivocada, acabando por também ela confirmar o teor do escrito de fls. 5 e segs.
Uma vez que os factos referidos em 1 e 3 a 8 constam da mencionada ata, tendo o abandono da reunião por parte do assistente sido ali também mencionado e confirmado pelas testemunhas inquiridas, consideram-se provados tais factos.
O facto 2 resulta das declarações do arguido e dos depoimentos de todas as testemunhas, com exceção das duas últimas inquiridas, que não se referiram a tal matéria.
O arguido confirmou igualmente que as expressões que utilizou se referiam ao assistente, pelo que resulta provado o facto 9.
Todas as testemunhas presenciais fizeram referência ao clima que se vivia naquela campanha eleitoral, descrito como “escaldante”, “agitado”, “nervoso”, “emocional”, “exaltado”, “extremado”, “agressivo”. Este ambiente estaria relacionado, por um lado, com a forma intensa como a política e as eleições são vividas em DD, por outro lado, com o facto de estas eleições de 2013 terem sido marcadas pelo aparecimento de uma lista nova, encabeçada pelo assistente, que cativou e integrou diversas personalidades que estavam habitualmente ligadas a outras forças partidárias, constituindo uma possível alteração à divisão de poderes até então verificada.
O ambiente descrito pelas testemunhas trespassa igualmente da leitura da ata, onde se denotam ânimos acesos, críticas ou acusações, mais ou menos veladas, comentários ou insinuações que revelam um ambiente político intenso.
Quer o assistente, quer o arguido, intervieram na reunião de forma bastante acesa.
O primeiro começou por relatar factos respeitantes a um terceiro, FF, suscetíveis de pôr em causa a integridade política deste; em seguida apresentou uma autodescrição consentânea com uma promoção política, aliada a críticas sobre o comportamento de outras pessoas de listas concorrentes; continuou, insurgindo-se contra o que apelidou de difamação contra a sua pessoa, afirmações que se encontram descritas nos factos 3 a 6, terminando com a crítica violenta ao comportamento do presidente e vice-presidente da Câmara Municipal, apelidando o seu comportamento de “trafulhice”. Esta intervenção deu origem a 3 intervenções de resposta posteriores, a primeira do presidente da Câmara, a segunda do deputado FF e a terceira do arguido, que confirmou ter apelidado o assistente, anteriormente, de “ladrão”, tendo reforçado tal epíteto e explicando o motivo porque o fazia.
Entende o tribunal que esta análise é relevante para perceber o estado de ânimo dos presentes na reunião em causa, as matérias abordadas, o objetivo dos discursos e o tipo de expressões utilizadas. E sobre esta matéria é notória a utilização partidária e propagandística desta Reunião Ordinária, em vésperas de eleições, com as diversas partes tentando fazer passar uma má imagem dos seus adversários, de forma a com isso retirarem dividendos políticos. Para o efeito, foram feitas acusações e insinuações próprias das campanhas eleitorais, de teor político e pessoal, atento o carácter iminentemente pessoalista das eleições autárquicas, em que a integridade e confiança dos cabeças de lista e dos seus mais próximos apoiantes assumem uma enorme importância na formação das intenções de voto.
As palavras referidas pelo arguido na reunião refletem precisamente essa intenção política, ao mencionar que alguém deixaria de votar numa pessoa honesta (que seria o próprio arguido ou o cabeça de lista do …), para votar em alguém que não teria tal honestidade, referindo-se ao assistente. Daqui se denota uma tentativa de alterar o sentido de voto do seu interlocutor, a favor da lista que o arguido integrava, através da imputação ao assistente de características reprovadas pela generalidade da população.
Pode, por isso, concluir-se que o arguido apelidou o assistente de “ladrão” para denegrir a sua pessoa e imagem e, desta forma, obter vantagens políticas nas eleições que se iriam realizar dentro de poucos dias. Mas já não pode concluir-se que o fez como um ataque pessoal, sem qualquer relação com o combate político que se verificava. Na realidade, ao apelidar o assistente de “ladrão”, o arguido referia-se a uma condenação sofrida por este pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal e um crime de abuso de confiança à Segurança Social (fls. 99 dos autos), pretendendo com a difusão de tal informação demonstrar que o assistente não pagou todos os impostos devidos e, com isto, reduzir o número de potenciais votantes na lista do assistente. Isto mesmo se retira das palavras proferidas pelo arguido e constantes de 7 e 8.
Donde, não estamos aqui perante um ataque pessoal, mas político, razão pela qual se consideram não provados os factos A e B.
Relativamente ao constante de C e D, designadamente, quanto à consideração merecida pelo assistente na comunidade, os depoimentos prestados revelaram diferentes opiniões, constituindo o assistente, para uns, pessoa honrada, que trouxe ao debate político questões controversas e alterou o status quo existente, para outros, pessoa agressiva e provocadora, que deixa quem o ouve bastante exaltado, existindo ainda quem com ele tenha conflitos de grande monta, pelo que não é possível ao tribunal concluir que o facto constante de C é verdadeiro.
No que respeita ao sentimento do assistente, importa ter em atenção que das palavras por este proferidas na reunião em apreço denota-se que já era de seu conhecimento que o arguido o havia apelidado de “ladrão” perante terceiros e que, inclusivamente, o assistente sabia que tal epíteto se devia a processos judiciais, já que a eles fez referência e comparou-os com os da EE.
Foi o assistente quem chamou à colação tal matéria, numa reunião pública onde se encontravam muitas pessoas, inclusivamente, comunicação social. Tinha de estar consciente que, ao fazê-lo, e ainda para mais no âmbito de uma intervenção onde também são mencionados factos relacionados com o PCP e alegadamente ocorridos após o 25 de Abril (apropriação de bens), estava a acicatar os ânimos e a provocar reações exaltadas ou, no mínimo, respostas às suas intervenções, como efetivamente aconteceu.
Desta feita, não se percebe como as palavras do arguido, que constituem uma repetição de outras que já haviam sido ditas e que eram do conhecimento do assistente, possam tê-lo deixado profundamente humilhado, abalado e indignado”.
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9. É sabido que as conclusões do recurso delimitam o âmbito do conhecimento do mesmo e destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, seja no que respeita à matéria de facto, seja no que respeita à matéria de direito (art.ºs 402, 403 e 412 n.º 1, todos do Código de Processo Penal, e, a título de exemplo, o acórdão do STJ de 19.06.96, in BMJ, 458, 98).
Elas devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões em que o recorrente baseia a sua discordância em relação ao decidido (da motivação) e das questões que pretende ver submetidas à apreciação do tribunal superior, sem perder de vista a natureza do recurso, que não se destina a um novo julgamento sobre o objecto do processo, mas a uma reapreciação da decisão recorrida por forma a corrigir os vícios ou erros de que a mesma enferme.
Feitas estas considerações, e tendo em atenção as conclusões da motivação do recurso apresentado pelo assistente, assim consideradas, delas extrai uma única questão colocada à apreciação deste tribunal: é a de saber se, em face da factualidade dada como provada, devia (e deve) o arguido ser condenado pela prática do crime que lhe vinha imputado (previsto e punido pelos art.ºs 180 n.º 1 e 183 n.º 1 al.ª a), ambos do CP) e no pedido cível contra si deduzido.
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Esta é, pois, a questão a decidir.
Consta da decisão recorrida:
A honra, enquanto «aspecto da personalidade de cada indivíduo, que lhe pertence desde o nascimento apenas pelo facto de ser pessoa e radicada na sua inviolável dignidade», é um atributo inato, diretamente relacionado com a dignidade da pessoa, sua integridade moral, probidade de caráter, retidão, lealdade e dignidade subjetiva. Nessa medida, faz parte da «essência da personalidade humana, enquanto condição essencial e de natureza moral para que um indivíduo possa, com legitimidade, ter estima por si», conforme entendimento sufragado pelo Supremo Tribunal de Justiça no Acórdão de 2.10.1996, CJ, 1996, pág. 147.
No que respeita ao conceito de “consideração”, definiu-o o Supremo Tribunal de Justiça no AUJ n.º 5/96 como sendo a «reputação social de cada um, crédito, bom nome, confiança, estima, reputação e prestígio individual, adquiridos ao longo da sua vida… enquanto aspecto exterior da honra, ou seja, o juízo porque somos tidos pelos outros, o “património social” de cada um, a opinião pública».
Assim, o crime de difamação e o bem jurídico que este protege apresenta uma vertente pessoal, relacionada com o modo como a própria pessoa se vê e se atribui qualidades e defeitos, e uma vertente social, respeitante à forma como os outros, a comunidade, reconhece essa mesma pessoa.
Apelidar alguém de “ladrão” constitui, necessariamente, a formulação de um juízo desonroso sobre o visado, que afetará a sua reputação e a confiança que os outros lhe atribuirão, já que tal expressão está associada a atividades criminosas ou, pelo menos, a atividades pouco dignas e eticamente reprováveis.
Contudo, importa também atender ao princípio da liberdade de expressão, que confere a todos o direito de se exprimirem e divulgarem livremente o seu pensamento pela palavra, bem como o direito de informar, sem impedimentos ou discriminações.
Na realidade, a proteção da honra e consideração de cada um encontra-se muitas vezes em conflito com a liberdade de expressão, sendo certo que se incluem ambos no elenco dos Direitos, Liberdades e Garantias constitucionalmente consagrados nos artigos 26 e 37 da Constituição da República Portuguesa.
Também a Convenção Europeia dos Direitos do Homem consagra o direito à liberdade de expressão, limitando as suas restrições às situações constantes do seu n.º 2, ou seja, desde que tais restrições constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a proteção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e imparcialidade do poder judicial.
Da leitura de tal preceito verifica-se uma prevalência da liberdade de expressão sobre o direito à honra, já que a restrição daquela constituirá uma situação excecional que só pode ocorrer quando seja necessária à proteção da honra. Daqui se retira que a proteção da honra poderá e deverá ocorrer preferencialmente por outras vias, designadamente através de ação civil, nos termos do artigo 70 do Código Civil. A sua repercussão na liberdade de expressão apenas poderá ocorrer quando inexista outro meio de proteção da honra e, dessa forma, se torne necessária a restrição da liberdade de expressão para o efeito.
Esta questão assume uma relevância ainda maior quando o contexto onde as expressões se inserem é uma campanha política, as palavras são referidas por adversários políticos e no âmbito de um esgrimir de argumentos com vista à captação de votos.
Sobre esta matéria, importa atentar no teor do acórdão do Tribunal Constitucional n.º 254/2011, onde se pode ler: «o princípio da liberdade de propaganda eleitoral abrange a propaganda simplesmente negativa e nas liberdades de comunicação estão compreendidas, não só as informações inofensivas e indiferentes ou aquelas que sejam favoráveis; também se incluem as que possam inquietar o Estado ou uma parte da população, já que isso resulta do pluralismo, da tolerância e do espirito aberto, factores em os quais não existe uma sociedade democrática (…)».
A divulgação, perante a comunidade, de que um candidato a eleições não pagou os impostos devidos constitui uma informação pertinente e relevante em sede de campanha eleitoral, já que capaz de afetar a confiança que os cidadãos lhe atribuem e, por isso, permite formular uma intenção de voto com mais rigor.
Contudo, o arguido efetuou tal divulgação apelidando o assistente de “ladrão” e fazendo menção à falta de pagamento de impostos e à punição criminal de forma atabalhoada e confusa.
Para melhor apreciação importa atentar no tipo de discurso utilizado pelo arguido e pelo assistente na Reunião em causa, que estava longe de primar pela elegância ou boa educação, revelando ao invés rudeza nas palavras e aspereza na linguagem.
Não se vislumbra, no confronto entre as duas intervenções, especiais diferenças de estilo ou tipo de discurso, já que o assistente apelidou o comportamento do presidente e vice-presidente da Câmara Municipal de DD de “trafulhice” e o arguido apelidou o assistente de “ladrão”.
Aliás, este tipo de palavras são, infelizmente, cada vez relacionadas pelos cidadãos como interligadas com a vida política/partidária, como são disso exemplo as elevadas taxas de abstenção, os inquéritos realizados e divulgados pelos meios de comunicação social com índices reduzidos de confiança da população nos seus representantes políticos, as utilizadas em manifestações políticas, que em nada diferem das utilizadas pelo assistente e pelo arguido.
Assim, a utilização deste tipo de expressões no âmbito de uma discussão política, em vésperas de eleições, com os ânimos exaltados e temperamentos nervosos não pode assumir preponderância sobre a liberdade que cada um dos intervenientes do debate político deve ter em expressar-se, pois só desta forma é possível alcançar uma sociedade livre, justa e solidária, desígnio a alcançar, previsto no primeiro artigo da Constituição da República Portuguesa.
Nas palavras de Jorge Miranda e Rui Medeiros, in Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, Coimbra Editora, 2005, p. 429, «as questões relativas ao bom nome e à reputação podem assumir contornos específicos quando se trate de crítica política pois aí a liberdade de comunicação cumpre uma função político-democrática. A resposta deverá em qualquer caso passar pela distinção entre a discussão política em sentido próprio, por um lado, e a mera ofensa pessoal desnecessária, inadequada ou desproporcional às exigências do debate político democrático, por outro».
Apesar do arguido se ter expressado de forma desadequada e pouco clara, é percetível das palavras utilizadas que a sua intenção não se reduzia a um mero ataque pessoal e desnecessário, mas que pretendia divulgar pela população a falta de pagamento de impostos por parte do assistente e a condenação sofrida por este pela prática de dois crimes de abuso de confiança.
Trata-se de puro combate político, em que os adversários utilizam as armas que têm ao seu dispor para vencer as eleições, ainda que o tenham feito de forma deselegante, rude e utilizando um discurso de muito pouca elevação.
Entende-se, por isso, que no conflito de direitos que se verifica, e tendo em conta todas as circunstâncias enunciadas, deve prevalecer a liberdade de expressão sobre a defesa da honra, no âmbito da tutela penal, razão pela qual se entende não estarem preenchidos os elementos objetivos do tipo de difamação.

Em face da apreciação acima realizada, que afastou a ilicitude do ato praticado pelo arguido em razão da preponderância da liberdade de expressão sobre o direito à honra, necessário se torna concluir pelo afastamento de qualquer violação ilícita pelo arguido de normal legal, requisito essencial ao nascimento da obrigação de indemnizar”.
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Discordando do decidido, entende o recorrente, em síntese:
Por um lado, que não há, “em bom rigor, um conflito com a liberdade de expressão, no caso da difamação, dado que não está coberto pelo âmbito normativo-constitucional português da liberdade de expressão o «direito à difamação», o «direito à calúnia», ou o «direito à injúria»”;
Por outro, que “o direito à honra e o direito à liberdade de expressão têm igual dignidade constitucional, não podendo, por isso, o direito à liberdade de expressão «esmagar» ou anular tout court o direito à honra e reputação…”;
Por outro - e contrariamente ao constante da sentença recorrida - não está em causa o “puro debate político, em que os adversários utilizam as armas que têm ao seu dispor para vencer as eleições, ainda que o tenham feito de forma deselegante, rude e utilizando um discurso de muito pouca elevação…”.
A questão que se coloca é, pois, muito simples: é a de saber se as expressões utilizadas pelo arguido (dadas como provadas), objetivamente “aptas a denegrir a imagem do assistente”, se podem considerar-se justificadas, utilizadas no exercício do direito da liberdade de expressão/da crítica.
E, diga-se desde já, entendemos que não tem razão o recorrente.
Em primeiro lugar devemos situar-nos no tempo e nas circunstâncias em que os factos ocorreram:
- durante o período da campanha eleitoral para as eleições autárquicas, nas quais o arguido era candidato pela lista apresentada pelo Partido … e o assistente era candidato por uma lista independente;
- na sequência do uso da palavra pelo assistente na Reunião Ordinária da Assembleia Municipal do Município de DD que teve lugar em 20.09.2013, onde - além do mais - declarou:
“… que aquilo que ali está a dizer tem a ver com a falta de respeito que há pela população e com o comportamento que algumas pessoas que estão sentadas, quer de costas, quer de frente, têm tido com os seus conterrâneos; falam das ações que tem em tribunal, mas ninguém fala das ações que a EE tem em tribunal; a EE tem 7 ações em tribunal a decorrer contra ela e sabe que um deputado que está sentado na bancada pôs as casas em nome dos filhos para não ficar sem elas, mas que não dirá quem é, porque quem é sabe e nunca escreveu isso nos blogues.
… que aquilo que tem para dizer é sobre duas pessoas que pensava que o consideravam, nomeadamente, um deputado que também é do gabinete de apoio ao presidente, e o vice-presidente da Câmara, que disseram a um munícipe, quando souberam que ele integrava a lista do orador, que o mesmo era ladrão e trafulha.
… ladrão é uma pessoa que toma para si os objetos que a sociedade considera de outrem, dando os seguintes exemplos: é levar o vinho todo de uma determinada adega, é ir buscar os faqueiros de prata, tapetes de Arraiolos, quadros e colocá-los na nossa casa, quando são de outros; e considerou trafulha uma pessoa que faz uma trafulhice, um aldrabão, um intrujão, dando como exemplo alguém que faz um programa eleitoral e sabe que não pode cumprir, e que durante quatro anos se desculpa que não cumpre porque não há dinheiro, que herdaram uma dívida do … de treze milhões.
6. E ainda referiu que o presidente e o vice-presidente sabiam que a Câmara Municipal estava endividada e que fizeram uma trafulhice ao enganar os …[munícipes], dizendo que faziam isto e aquilo e não fizeram nada”.
É nessa sequência, e depois do assistente “abandonar” a dita reunião, que o arguido disse pretender clarificar o que havia sido dito e que gostava que o munícipe (referindo-se ao assistente) estivesse presente, tendo então dito que “é verdade ter dito que o munícipe era ladrão, que sabe porque é que ele é ladrão, mas é na cara dele e na pessoa dele que o quer dizer, e que não quer dizer publicamente porque é que ele é ladrão, e que aquilo que disse, fê-lo junto do Intermarché, e foi inserido num contexto e numa conversa em que disse a uma pessoa que ela iria votar num ladrão, para deixar de votar numa pessoa que toda a vida foi honesto…. acrescentou o arguido que um indivíduo que tem os impostos tirados dos trabalhadores, porque isso é público, é um indivíduo que é ladrão e é punido por crime”.
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Ora, não se questiona que a Constituição da República assegura, como direito fundamental dos cidadãos, por um lado, a liberdade de expressão e divulgação do pensamento (art.º 37 n.º 1 da CRP), liberdade de expressão consagrada, também, na Convenção Europeia dos Direitos do Homem (art.º 10), que vigora na ordem jurídica interna com valor infra-constitucional (veja-se neste sentido o acórdão deste tribunal de 1.07.2014, de que foi relator o Exm.º Desembargador João Gomes de Sousa, in www.dgsi.pt, e doutrina aí mencionada), por outro, consagra também o direito ao bom nome e reputação (art.º 26), ambos direitos fundamentais, cujas restrições se devem limitar “ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos” (art.º 18 n.º 1 da CRP).
Perante este conflito de direitos, e não estabelecendo a Constituição qualquer hierarquia, alguma jurisprudência do STJ tem vindo a dar prevalência ao bom nome e reputação, quando em confronto com a liberdade de expressão (ver acórdãos de 9.09.2010 e 4.03.2010, in www.dgi.pt).
Não nos revemos nesse entendimento.
Na falta de qualquer hierarquia, e quando em colisão - escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, I, 4.ª edição, 466 - “devem considerar-se como princípios suscetíveis de ponderação ou balanceamento nos casos concretos, afastando-se qualquer ideia de supra ou infra-valoração abstrata”, ou seja, haverá que encontrar, em face das circunstâncias concretas do caso, a solução justa, que melhor salvaguarde os interesses em confronto, solução que não pode ser encontrada na Constituição (que não estabelece qualquer critério), mas antes na Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que vigora na ordem interna, no ordenamento penal português e na jurisprudência que se tem debruçado sobre a questão.
A este propósito, Henriques Gaspar, in A influência da CEDH no diálogo interjurisdicional, Julgar, n.º 7, 2009, pág. 39 e 40, escreve que “os juízes nacionais estão vinculados à CEDH e em diálogo e cooperação com o TEDH… porque, sobretudo em sistema monista, como é o português (artigo 8.º da Constituição), a CEDH, ratificada e publicada, constitui direito interno que deve, como tal, ser interpretada e aplicada, primando, nos termos constitucionais, sobre a lei interna. E… também porque, ao interpretarem e aplicarem a CEDH como primeiros juízes convencionais, devem considerar as referências metodológicas e interpretativas e a jurisprudência do TEDH, enquanto instância própria de regulação convencional… Os tribunais nacionais… são os órgãos de ajustamento do direito nacional à CEDH, tal como interpretada pelo TEDH; as decisões do TEDH têm, pois, e deve ser-lhes reconhecida uma autoridade interpretativa” (veja-se que essa relevância resulta até do art.º 696 al.ª f) do CPC, quando prevê a revisão de decisão transitada em julgado quando seja inconciliável com uma decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português).
Ora, o TEDH - como nos dá conta Henriques Gaspar, in Liberdade de Expressão: artigo 10 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem. Uma leitura da Jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, Estudos em Homenagem ao Prof. Doutror Jorge de Figueiredo Dias, 698 - “enunciou o seguinte princípio fundador: os limites da crítica admissível são mais amplos em relação a personalidades públicas visadas nessa qualidade do que em relação a um simples particular. Diferentemente destes, aqueles expõem-se, inevitável e conscientemente, a um controlo apertado dos seus comportamentos e opiniões… devendo, por isso, demonstrar muito maior tolerância…”.
No mesmo sentido se pode ver o acórdão do STJ de 14.10.2003, in www.dgsi.pt, Proc. 03A2249: “… os cidadãos que exercem cargos públicos, nomeadamente políticos… estão sujeitos à crítica, quer das colectividades… quer dos titulares de entidades que tutelam interesses conflituantes, do ponto de vista da sua própria perspetiva de satisfação do bem comum… as pessoas que ocupam lugares de relevância política ou cargos na administração pública estão sujeitos a figurar como alvos de mais e de mais intensas críticas que os demais cidadãos, provenham elas dos seus pares ou não.
Em democracia a tutela da honra pessoal e reputação dos políticos é, por isso, também menos intensa que a dos cidadãos em geral”.
E, ainda, Irineu Cabral Barreto, em anotação ao art.º 10 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (Convenção Europeia dos Direitos do Homem Anotada, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2005, 217): “… quanto aos limites à crítica admissível, eles são mais amplos relativamente a um homem político, agindo como personagem pública, do que a um particular. O homem político expõe-se inevitável e conscientemente a um controlo atento dos seus atos e gestos… e deve mostrar uma maior tolerância, sobretudo quando ele próprio produz declarações públicas que se prestam à crítica; e é preciso não esquecer o caráter, por vezes ostentatório, do militantismo político e ofendido”.
Ora, as circunstâncias em que os factos se passaram permitem perceber - até pela linguagem utilizada pelo próprio assistente na dita reunião, a qual abandona de seguida, “esquivando-se” ao debate, quando define o que é (para si) ladrão - “… ladrão é uma pessoa que toma para si os objetos que a sociedade considera de outrem…”- e trafulha, dando como exemplo “alguém que faz um programa eleitoral e sabe que não pode cumprir, e que durante quatro anos se desculpa que não cumpre porque não há dinheiro, que herdaram uma dívida do …de treze milhões… o presidente e o vice-presidente sabiam que a Câmara Municipal estava endividada e que fizeram uma trafulhice ao enganar os alpiarcenses, dizendo que faziam isto e aquilo e não fizeram nada” - que estamos perante uma discussão de contornos nitidamente políticos, em plena campanha eleitoral e com os ânimos manifestamente exaltados, a ponto do próprio assistente - depois de usar da palavra, nos termos que teve como convenientes, dizendo que o presidente e o vice-presidente da Câmara fizeram uma trafulhice ao enganar os eleitores - abandonar a reunião, esquivando-se ao debate.
A expressão utilizada pelo arguido - ainda que objetivamente apta a denegrir a imagem do assistente, o que o arguido sabia - foi utilizada por causa das eleições autárquicas que ambos disputavam e no âmbito da campanha eleitoral, por outro lado, não são indiferentes ao debate político - não devem ser - as condutas dos candidatos que, desde que conhecidas, possam contribuir para avaliar as suas capacidades para o exercício do cargo a que se candidatam e, consequentemente, influenciar o sentido de voto dos eleitores, designadamente, quanto está em causa a eleição do presidente de uma autarquia (note-se que subjacente àquela afirmação do arguido, como fez questão de esclarecer, está uma condenação do assistente documentada nos autos pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, ou seja, pela apropriação de contribuições descontadas nos salários de trabalhadores que deviam ter sido entregues nos cofres da segurança social e não o foram).
Nestas circunstâncias, justifica-se uma maior tolerância do assistente, enquanto agente político - como se exigiria a qualquer candidato autárquico naquelas concretas circunstâncias - enquanto personagem pública, por opção própria, que se expôs, inevitável e conscientemente, a um controlo dos seus atos, gestos e atitudes, e que deve, por isso, revelar uma maior tolerância quando sujeito à crítica, ainda que esta nada tenha a ver com a gestão pública, desde que respeite a factos/condutas/comportamentos/atitudes que possam ser relevantes para o escrutínio a que se submetem, como efetivamente respeitavam; não era irrelevante nesse debate saber/conhecer o perfil dos candidatos e quaisquer outras circunstâncias que pudessem contribuir para esse conhecimento, designadamente, a forma como encaram as suas as obrigações fiscais.
Como se escreveu a propósito no acórdão da RP de 7.04.2010, in www.dgsi.pt, em situação similar, “… sob pena de se atingir o que poderia entender-se como uma verdadeira castração intelectual dos vários candidatos, não podem os tribunais ter outro papel que não seja impedir que, no calor da luta, algum candidato ou eleito mais fogoso venha a atingir malevolamente aquele mínimo de dignidade e bom nome dos restantes, em nome de princípios democráticas consagrados do art.º 113/2 da Constituição da República, sendo dever de todas as entidades públicas, tribunais incluídos, assegurar que cada um seja totalmente livre de apresentar as suas propostas e, naturalmente, fazer as suas críticas, no confronto com as propostas dos adversários… neste campo as consciência social é claramente mais permissiva do que quando a discussão se fica pelas simples relações pessoais.
O regime democrático potencia uma vivência cultural que leva a ter como inócuas algumas atitudes dos políticos, ocorridas nos limites da luta política, que não partidária, que o não serão, necessariamente, se tivessem lugar fora desse delimitado contexto da vida social… o que é normal ver-se entre quase todos é a existência de um imprescindível poder de encaixe que lhes permite enfrentar sem azedumes estéreis as críticas, por vezes violentas, a que qualquer político em regime democrático tem forçosamente de se sujeitar.

Em todo o caso, o direito de crítica parece, compreensivelmente, assumir uma maior elasticidade quando exercido no campo da luta político-partidária, ou não estivesse aí, sempre, em jogo o futuro da coletividade a que os políticos se propõem - cada um à sua maneira - servir”.
Consequentemente, em face do que se deixa dito, e tendo em conta o circunstancialismo concreto em que os factos se passaram (e a que acima já nos referimos), temos que a conduta do arguido se contém, portanto, dentro dos limites do razoável no âmbito do debate político e dos objetivos que se visam com a campanha eleitoral nos regimes democráticos - que é o de esclarecer/convencer os eleitores, sem tibiezas ou constrangimentos, de qual o melhor candidato, que melhores qualidades reúne para gerir a autarquia - não sendo, por isso, ilícita.
Improcede, por isso, o recurso interposto pelo assistente.
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10. Assim, em face do exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Subsecção Criminal deste tribunal em negar provimento ao recurso interposto pelo assistente e, consequentemente, em manter a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (art.ºs 515 n.º 1 al.ª b) do CPP e 8 n.º 9 e tabela III anexa do RCP).

(Este texto foi por mim, relator, elaborado e integralmente revisto antes de assinado)
Évora, 07 de Março de 2017
Alberto João Borges (relator)
Maria Fernanda Pereira Palma