Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
521/13.5PBTMR.E1
Relator: SÉRGIO CORVACHO
Descritores: CRIME DE BURLA
IDENTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
ANTECEDENTES CRIMINAIS
Data do Acordão: 07/12/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGAO PROVIMENTO
Sumário:
I - Aquilo que pode chamar-se o «tema da prova» do reconhecimento, ou seja, a ligação de determinada pessoa, cuja identidade não é, à partida, conhecida, à prática de certo facto, está sujeito ao princípio da livre convicção do julgador (artigo 127.º do CPP) e não exige para a sua demonstração prova vinculada, mormente, o reconhecimento presencial feito de acordo com os formalismos exigidos pelo artigo 147.º do CPP.

II - É lícito ao Tribunal lograr o resultado probatório próprio do reconhecimento por outro ou por outros meios probatórios, que não a diligência de reconhecimento em boa devida forma, desde que não sejam proibidos por lei.

III – Do disposto no n.º 1 do artigo 369.º do CPP resulta claro que a consideração dos antecedentes criminais do arguido (ou da falta deles) só tem cabimento legal e lógico no momento da actividade judicativa dedicado à determinação da sanção e não naquele que lhe é logicamente anterior e que se ocupa da prova dos factos constitutivos da responsabilidade criminal do arguido.
Decisão Texto Integral:
ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NA SECÇÃO CRIMINAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

I.Relatório

Por sentença depositada em 21/10/15 no Processo Comum nº 521/13.5PBTMR, que correu termos no Tribunal da Comarca de Santarém, Instância Local de Tomar, Secção Criminal, foi decidido:

a) condenar o arguido L pela prática de um crime de burla, previsto e punível pelo artigo 217.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão;

b) condenar o arguido L a pagar as custas do processo, a que acresce taxa de justiça criminal que se fixa em 2UC;

Com base nos seguintes factos, que então se deram como provados:

1. Em 6 de Dezembro de 2013, cerca das 11:00 horas, na agência da Caixa Geral de Depósitos, sita na Rua Serpa Pinto, em Tomar, o arguido estava próximo de VM, quando este procedeu ao levantamento de 509,63€, em notas e algumas moedas.

2. O arguido chegou a comentar o andamento da fila de espera com VM.

3. Depois de VM já ter o dinheiro consigo, o arguido seguiu-o até ao exterior.

4. Já na Rua Serpa Pinto, o arguido aproximou-se de VM , baixando-se repentinamente à sua frente, fingindo apanhar do chão um embrulho que trazia consigo.

5. Abriu então o arguido de imediato o embrulho, ali mostrando notas de banco, em euros.

6. Disse o arguido a VM que dividiriam entre ambos a quantia que estava no embrulho.

7. Solicitou ainda o arguido, antes de se ir embora, ao seu interlocutor que juntasse àquela quantia o seu dinheiro, ao que este acedeu.

8. E o arguido logrou então trocar o embrulho com todo o dinheiro (o que ele lá colocara e 500,00€ pertencentes a VM) e deixar à sua vítima um embrulho com papéis.

9. Abandonou o arguido o local, fazendo seu o dinheiro de VM , no montante de 500,00€ (quinhentos euros).

10. Este ficou sem os 500,00€ que o arguido lhe subtraíra e com um monte de papéis na mão.

11. Quando abordou VM encenando um achado, o arguido pretendia aproveitar-se da ingenuidade da pessoa assim determiná-la a colocar o dinheiro que já sabia estar na sua posse à vista, fazendo-o crer que estava a guardar uma coisa achada e que ninguém lhe levaria o seu dinheiro.

12. Pretendia o arguido que a pessoa lhe facultasse acesso ao dinheiro para o fazer seu, o que conseguiu.

13. Ou seja, pretendia à custa do artifício da bondade de guardar um achado, aceder ao dinheiro da vítima e determiná-la a facultar-lhe o acesso e assim lho retirar, fazendo-o seu, o que alcançou.

14. A pessoa abordada acreditou na bondade do arguido, sendo por essa razão que lhe facultou o dinheiro, lho mostrou e o colocou num pacote de onde o arguido lho retirou, trocando-o por lixo.

15. Queria o arguido obter vantagem patrimonial a que sabia não ter direito, finalidade que atingiu.

16. O arguido agiu livre deliberada e conscientemente, bem sabendo ser a sua conduta proibida e punida por lei penal.

Mais se provou que:
17. Em data anterior à reclusão, L mantinha residência em casa de uns amigos, vivendo um quotidiano sem rotinas/actividades estruturadas.

18. Em termos financeiros, subsistia sob precárias/insuficientes condições, através do desenvolvimento de trabalhos esporádicos de cariz indiferenciado que exercia no ramo da carga/descarga de produtos alimentares.

19. O abuso de substâncias etílicas com uma grave dependência, contribuiu para um estilo de vida marginal que mantinha à data da privação de liberdade, não evidenciando o condenado motivação para aderir a um acompanhamento/tratamento da sua problemática.

20. O arguido tem notórios défices ao nível da interiorização do interdito, demonstrando total ausência de juízo crítico e auto-análise, revelando dificuldades em reconhecer e identificar os sentimentos dos outros.

21. O arguido minimiza os danos decorrentes da sua conduta e manifesta desinteresse em relação a qualquer tipo de reparação.

22. O arguido encontra-se preso, no Estabelecimento Prisional de Lisboa, à ordem do processo n.º ---/12.2S9LSB, para cumprimento da pena de 18 meses de prisão, cujo termo se encontra previsto para 14.08.2016.

23. Evidencia dificuldade em analisar com objectividade a situação, demonstrando reduzido juízo crítico face ao presente processo, adoptando uma atitude desculpabilizante face aos seus comportamentos, atribuindo-os às dificuldades financeiras.

24. Encontrando-se em meio prisional, não denota sentimentos de penalização perante tal situação, nem se identificando, da sua parte, estratégias facilitadoras de uma mudança efectiva e consequentemente redutoras dos riscos de reincidência do padrão comportamental delituoso adoptado sucessivamente.

25. O arguido tem os antecedentes criminais constantes do CRC de fls. 170 a 203, que se consideram reproduzidos.

A mesma sentença julgou os seguintes factos não provados

I. Na circunstância descrita em 6, o arguido disse, ainda, a VM tinha que ir ter com a filha prometendo voltar em cinco minutos.

II. O arguido apresentava-se como bem vestido e de respeito.

Da referida sentença interpôs recurso o arguido L, com a devida motivação, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 – Não pode o arguido ora Recorrente conformar-se com a decisão que o condenou pela prática de um crime de burla, previsto e punido pelo art. 217º, nº. 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano de prisão.

2 - Salvo o devido respeito, não andou bem o tribunal a quo ao dar como provados os factos que consubstanciam a sua autoria ou participação nos factos dados como provados.

3 - Não pode o arguido aceitar que tenha sido ele dado como autor dos referidos factos, uma vez que nenhuma prova consta nos autos que, para além de toda e qualquer dúvida, possa assegurar que os actos foram cometidos pelo arguido.

4 - Salvo o devido respeito, o tribunal a quo deveria ter dado como não provada a autoria do arguido dos factos de que vinha acusado.

5 - O Tribunal a quo fundamento o seu juízo probatório no reconhecimento em audiência de julgamento que foi feito pela testemunha, mas nenhuma credibilidade ou valor probatório tem este reconhecimento do arguido feito em audiência de julgamento.

6 – Nenhuma falta de clareza ou discrepância pode ser apontada ao testemunho da única testemunha, VM, quanto aos factos que acabaram por ter sido dados como provados, excepto quanto à identificação do arguido.

7 – No seu testemunho, quando pedido para identificar o arguido como autor, a testemunha hesitou, sendo audível no seu testemunho a dúvida que lhe suscitou essa identificação, tendo até referido “ele está diferente”, “parece-me ele”, e concluindo com “acho que é ele”.

8 - Para além destas dúvidas da testemunha, desde logo, este “reconhecimento” em audiência de julgamento nenhum valor probatório tem, uma vez que não respeita as regras do disposto no artigo 147º do Código do processo Penal, para a realização de reconhecimento pessoal.

9 – As formalidades exigidas legalmente para o reconhecimento pessoal definidas no artigo 147º do CPP existem para manter a isenção desse meio de prova, para aferir da credibilidade do reconhecimento e não levar a que a testemunha que faz o reconhecimento seja induzida em erro por força das circunstâncias em que reconhece o arguido.

10 - E nenhum elemento mais indiciador de destruição dessa isenção é levar uma testemunha a reconhecer como autor o arguido que se encontra sentado numa sala, no local reservado aos acusados, sendo que nesta situação em específico, numa sala de audiências onde para além da testemunha e do arguido só se encontravam a advogada, a Procuradora do Ministério Público, a Meretissíma Juiza, o funcionário e dois guardas prisionais.

11 - Se o reconhecimento pessoal em audiência de julgamento já teria as suas dúvidas, mesmo que se tentasse cumprir o disposto no artigo 147º do CPP, nestas condições claramente é violador dos mais basilares princípios do Direito.

12 - Não respeitando essas regras que asseguram os Direitos do arguido, o reconhecimento é nulo e de nenhum valor.

13 - Questionada a testemunha pela Defesa quantas fotografias lhe tinham sido então exibidas aquando do reconhecimento fotográfico constante dos autos, referiu esta que só lhe foi mostrada a fotografia do arguido.

14 - Foram as próprias autoridades que exibiram à testemunha uma fotografia do arguido e o identificaram logo como autor, tendo sido somente mostrada à testemunha uma única fotografia: a do arguido.

15 - Não foram assim cumpridas as mais basilares regras de identificação, inquinando-se logo ali a isenção de qualquer declaração que aquela testemunha viesse a fazer.

16 - No próprio auto de reconhecimento fotográfico junto aos autos a fls..., refere a entidade policial que “o reconhecimento fotográfico deve ser seguido de reconhecimento pessoal”, mas não foi efectuado qualquer reconhecimento pessoal.

17 - Dos autos não consta qualquer diligência de reconhecimento pessoal, pois nunca esta teve lugar.

18 - Assim, o reconhecimento fotográfico “não tem valor como meio de prova, seja qual for a fase do processo em que ocorrer”, conforme dispõe o nº 7 do mesmo artigo.

19 - Sem qualquer meio probatório do reconhecimento fotográfico e sem qualquer meio probatório do reconhecimento em audiência de julgamento, nenhuma prova existe nos autos que pudesse levar o tribunal a quo a decidir pela autoria do arguido no cometimento dos factos.

20 - Em sede de investigação, para além da junção das imagens de videovigilância, do talão de levantamento e outros documentos juntos, após o reconhecimento fotográfico nenhuma outra prova ou acto de investigação foi levado a cabo.

21 - E, em audiência de julgamento, inquinado que está a isenção do testemunho da testemunha quanto à identificação do arguido, também esta não poderia servir para fundamentar o juízo probatório da Meretissima Juíza do tribunal a quo.

22 - Mesmo inquinada por já lhe ter sido oferecida uma fotografia do arguido, bem como pela identificação ser feita em audiência de julgamento, nas condições em que acima já vão descritas, mesmo assim a testemunha hesitou no reconhecimento do arguido como o autor dos factos.

23 - Estando ferido de invalidade o reconhecimento fotográfico do arguido, todos os actos posteriores, nomeadamente as declarações da testemunha de reconhecimento do arguido sofrem da mesma invalidade.

24 - Analisados os autos, não se depreende, salvo devido respeito, de onde possa resultar a livre convicção do julgador para culminar numa decisão condenatória, porquanto nenhum outro elemento de prova existe nos autos.

25 - Existem as fotografias de videovigilância do interior do Banco, mas as mesmas não mostram o momento do crime, nem são cabalmente essenciais para a identificação do arguido como autor, quando até a própria vítima teve dúvidas, e esta não viu o perpetuador pela imobilização e fraca qualidade da imagem de vigilância mas sim “ao vivo e a cores”.

26 - Não existem nos autos quaisquer elementos que possam levar à conclusão de que o arguido é o autor daqueles factos.

27 - O tribunal a quo tenta ainda fundamentar a sua decisão num outro elemento: o percurso criminoso do arguido ao referir que “esta actuação é enquadrável em todo o percurso de vida do arguido, que dedicou a sua vida à prática destes ilícitos, como plasmado no certificado de registo criminal”.

28 - O arguido foi condenado e cumpriu as penas em que foi condenado, estando a “pagar a sua dívida à sociedade” como é expressão corrente. Esse percurso e passado criminoso não pode ser o único elemento para levar à condenação de uma pessoa quando não existem quaisquer outros elementos probatórios nos autos, sob pena do absurdo de se encontrar um “criminoso reincidente” para expiar todos os crimes de uma sociedade.

29 - Esta não é a interpretação de uma sociedade de Direito e de um Estado de Direito que baseia a condenação na medida da culpa nos termos em que é estipulado na lei e não para além desses mesmos termos.

30 - Face ao exposto, e salvo o devido respeito todos os factos dados como provados devem ser substituidos por outros no que diz respeito à identificação do seu autor, devendo ainda ter sido dado como não provado um facto de seguinte teor: “O Arguido é o autor dos afctos descritos de 1 a 16 dos factos dados como provados.

31 - Salvo o devido respeito, mal andou o tribunal a quo ao condenar o arguido como autor dos factos que constituem o crime de burla, tendo feito um erro notório na apreciação da prova constante nos autos.

32 - esmo que se considerasse a existência dos elementos documentais junto aos autos, sempre o Tribunal a quo violou o princípio do in dubio pro reo, porquanto as fotografias de videovigilância não permite, para além de todas as dúvidas, condenar o arguido como autor do crime de que veio acusado.

O recurso interposto foi admitido com subida imediata, nos próprios autos, e efeito suspensivo.
O MP respondeu à motivação do recurso, formulando as seguintes conclusões:

- a douta sentença recorrida fez correcta apreciação da prova produzida e desta não resulta qualquer dúvida séria e razoável que tenha que ser apreciada a favor do arguido/recorrente por aplicação do princípio in dúbio pro reo.

- do texto da douta sentença não resulta, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum, erro notório na apreciação da prova.

- os factos dados como provados integram a prática pelo ora recorrente do crime pelo qual foi condenado.

- a douta sentença recorrida encontra-se correctamente fundamentada de facto e de direito e não enferma de qualquer vício que inquine a sua validade substancial ou formal pelo que deve ser mantida nos seus precisos termos negando-se provimento ao recurso.

Pelo Digno Procurador-Geral Adjunto em funções junto desta Relação foi emitido parecer sobre o mérito do recurso interposto também no sentido da sua improcedência.

O parecer emitido foi notificado ao recorrente, a fim de se pronunciar, nada tendo respondido.
Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência.

II.Fundamentação
Nos recursos penais, o «thema decidendum» é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, as quais deixámos enunciadas supra.

A sindicância da sentença sob recurso, tal como transparece das conclusões do recorrente, centra-se, de forma exclusiva, na impugnação da decisão sobre a matéria de facto, pretendendo, em consequência da propugnada alteração da factualidade provada, a sal absolvição do crime por cuja prática foi condenado.

A propósito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, convirá recordar que tem vindo a constituir jurisprudência constante dos Tribunais da Relação a asserção segundo a qual o recurso sobre esta matéria não envolve para o Tribunal «ad quem» a realização de um novo julgamento, com a reanálise de todo o complexo de elementos probatórios produzidos, mas antes tem por finalidade o reexame dos erros de procedimento ou de julgamento, que tenham afectado a decisão recorrida e que o recorrente tenha indicado, e, bem assim, das provas que, no entender deste, impusessem, e não apenas sugerissem ou possibilitassem, uma decisão de conteúdo diferente.

Por via do presente recurso, pretende o arguido se julgue não provado que foi ele o agente activo dos factos descritos nos pontos 1 a 16 da matéria assente, pelas razões a seguir sintetizadas:

1 – O depoimento testemunhal do ofendido VM não foi peremptório quanto à identificação do arguido como autor dos factos relatados;

2 – Não foi efectuado reconhecimento pessoal do arguido, com observância dos formalismos prescritos no art. 147º do CPP, mas sim um mero reconhecimento fotográfico;

3 – O Tribunal «a quo» tomou em consideração, na formação da sua convicção, os antecedentes criminais do arguido.

Para fundamentação do juízo probatório nele emitido, a sentença recorrida expende (transcrição com diferente tipo de letra):

Motivação
O Tribunal formou a sua convicção quanto à matéria de facto com base na prova documental junta aos autos, e bem assim no depoimento da testemunha ouvida em sede de audiência de julgamento.

Concretizando, a prova dos factos descritos de 1 a 10 resultou do depoimento do ofendido VM que relatou o modo como foi abordado e os termos da conversa mantida, designadamente o modo como foi “levado” a entregar a sobredita quantia em dinheiro. Este depoimento foi prestado de forma espontânea e com conhecimento directo dos factos, sem qualquer hesitação, o que mereceu a credibilidade do Tribunal.

O descrito em 1 mostra-se, também, provado pela declaração emitida pela Caixa Geral de Depósitos a fls. 73 e pela cópia da caderneta bancária de fls. 74, das quais consta a data e montante levantado, bem como a titularidade da conta em causa.

Quanto à identificação do arguido, a mesma foi efectuada claramente, pelo ofendido, em audiência de julgamento, que não teve dúvidas em identificar o arguido, muito embora indicasse que se encontra “diferente”. Acresce o teor das imagens captadas pela câmara de vigilância da CGD, no dia em causa, das quais resulta, de forma segura, a abordagem do arguido ao ofendido, pelo que foi possível ao Tribunal atestar que foi o arguido que levou a cabo a conduta em causa.

Nem se diga que, nos autos, não foi respeitado o disposto no artigo 147.º do Código de Processo Penal relativo ao reconhecimento, pois que, no decurso da audiência de julgamento não se determinou a realização de qualquer reconhecimento propriamente dito, mas apenas o confronto de uma testemunha com um determinado sujeito – o arguido - para aferir da consistência do juízo de imputação dos factos.

Tal não se dissocia do depoimento prestado e está sujeito à livre apreciação do julgador, o que, no caso, e atentos os motivos supra expostos, designadamente a análise das imagens captadas pela câmara de vigilância, mereceu a credibilidade do Tribunal.

Conclui-se, pois, por tudo isto, que o arguido cometeu os factos dados como provados. Ademais, esta actuação é enquadrável em todo o percurso de vida do arguido, que dedicou a sua vida à prática destes ilícitos, como plasmado no certificado de registo criminal, que dispensa considerações, facto que, conjugado com os restantes, permite concluir no sentido supra exposto.

Os factos constantes dos pontos 11 a 16, que consubstanciam o elemento subjectivo mostram-se provados mediante os factos objectivos também considerados provados.

As condições sócio-económicas do arguido estão descritas no relatório social elaborado pela DGRSP.

No que diz respeito aos antecedentes criminais, teve-se em atenção o certificado de registo criminal junto aos autos.

Os factos não provados resultam da ausência de prova, por nada ter sido referido pela testemunha inquirida.

Procedemos à audição da gravação do depoimento testemunhal do queixoso VM , ao qual, de resto, se resumiu a prova pessoal produzida em audiência, já que o arguido fez uso do seu direito ao silêncio.

De acordo com o que consta da gravação, o depoente não manifestou qualquer dúvida, hesitação ou ambiguidade em identificar ora arguido, que se encontrava na sua presença, na sala de audiências, como o agente activo dos factos por si participados na queixa que deu origem ao processo e que foram julgados provados em sede de sentença, tendo emitido apenas a ressalva de que o arguido «estava diferente» (em relação ao que era ao tempo dos factos).

Quanto à questão do reconhecimento, temos que, conforme se encontra atestado no auto de fls. 26, datado de 14/2/14, o queixoso VM reconheceu, depois de observar várias fotografias, o ora arguido L como o autor dos factos por si participados.

Tal reconhecimento fotográfico não foi seguido de reconhecimento presencial feito com observância dos formalismos prescritos pelo art. 147º do CPP.

O nº 5 do mesmo art. 147º determina que o reconhecimento com base em fotografia só pode valer como meio de prova quando seguido de reconhecimento (presencial), feito nos termos do nº 2.

Por fim, o nº 7 do artigo do CPP em referência prescreve que o reconhecimento efectuado com inobservância do disposto nesse normativo não tem valor como meio de prova, qualquer que seja a fase do processo em que ocorreu.

Temos vindo a entender que as normas dos nºs 5 e 7 do art. 147º do CPP não cominam nulidades ou irregularidades processuais, mas sim uma verdadeira invalidade «ad substantiam», que acarreta para o julgador uma proibição de valoração, que o vincula em qualquer estado do processo e sem necessidade de iniciativa processual por parte do arguido.

Por outro lado, temos também entendido que aquilo que pode chamar-se o «tema da prova» do reconhecimento, ou seja, a ligação de determinada pessoa, cuja identidade não é, à partida, conhecida, à prática de certo facto, está sujeito ao princípio da livre convicção do julgador (art. 127º do CPP) e não exige para a sua demonstração prova vinculada, mormente, o reconhecimento presencial feito de acordo com os formalismos exigidos pelo art. 147º do CPP.

Dito por outras palavras, será lícito ao Tribunal lograr o resultado probatório próprio do reconhecimento por outro ou por outros meios probatórios, que não a diligência de reconhecimento em boa devida forma, desde que não sejam proibidos por lei.

Ora, neste contexto, não vislumbramos razão para não atribuir poder de convicção ao depoimento do ofendido, nos termos em que o Tribunal «a quo» o fez.

Ao prestar depoimento em audiência, o queixoso VM foi confrontado com os fotogramas constantes de fls. 21 a 24, retirados das imagens colhidas pelo sistema de vídeo-vigilância existente na agência da Caixa Geral de Depósitos (CGD) sita na Rua Serpa Pinto, em Tomar.

É certo que tais imagens não versam sobre os factos integradores do crime, propriamente ditos, mas sim sobre o período temporal imediatamente anterior a eles, quando o arguido e o indivíduo que o ludibriou se encontravam no interior da referida agência bancária, onde o primeiro levou a efeito o levantamento ao balcão de uma quantia ligeiramente superior a € 500.

Confrontado com os fotogramas, o ofendido não teve dúvidas em afirmar que o indivíduo, que, no auto de visionamento das imagens de vídeo (fls. 20), é referenciado como «o suspeito» foi aquele que, no exterior da agência, veio a induzi-lo enganosamente a abrir mão a favor dele da importância de € 500, que tinha acabado de levantar.

Os fotogramas em referência enfermam das limitações de qualidade normalmente inerentes às imagens de vídeo-vigilância, mas alguns deles proporcionam-nos ainda assim uma imagem suficientemente nítida do tal suspeito, em termos de poder fazer-se uma ideia bastante aproximada da sua aparência ao tempo.

O Tribunal «a quo» não só teve acesso aos fotogramas, como também, teve contacto visual directo com o arguido, pois este compareceu na audiência de julgamento, com excepção da sessão de leitura da sentença (vd. actas a fls. 218 a 223 e fls. 223 e 224), não se lhe tendo suscitado dúvidas que se tratasse da mesma pessoa.

Neste ponto, o ajuizamento feito pela primeira instância é irrepetível por este Tribunal de recurso, já que não pode beneficiar desse contacto visual.

No tocante à referência feita na fundamentação do juízo probatório aos antecedentes criminais do arguido, concordamos com a posição expressa pelo Digno PGA, no seu douto parecer.

Resulta claro da disposição do nº 1 do art. 369º do CPP que a consideração dos antecedentes criminais do arguido (ou da falta deles) só tem cabimento legal e lógico no momento da actividade judicativa dedicado à determinação da sanção e não naquele que lhe é logicamente anterior e que se ocupa da prova dos factos constitutivos da responsabilidade criminal do arguido.

Apesar de tudo, o texto da fundamentação transcrita supra, na parte que agora nos interessa, enferma de alguma ambiguidade e não totalmente claro que Exª Juiz «a quo» tenha tomado em consideração as condenações anteriormente sofridas pelo arguido, em conjugação com outros meios de prova, para o efeito de julgar provados os factos por que o arguido responde no presente processo.

De todo o modo, a alusão ao passado criminal do arguido, naquele concreto contexto, é manifestamente deslocada e devia ter sido evitada.

Resta agora saber até que ponto a proibição de valoração dos antecedentes criminais do arguido, para aprova dos factos alegados na acusação, é susceptível de colocar em causa os fundamentos do juízo probatório afirmativo que recaiu sob esses factos.

Pensamos que tal questão deve ser respondida negativamente, na medida em que a convicção que pode emergir da consideração conjunta do depoimento do ofendido, dos fotogramas da vídeo-vigilância e do contacto directo que o próprio Tribunal teve com o arguido em nada depende da circunstância de este ter sido anteriormente condenado pela prática de crimes de burla.

Por conseguinte, terá de improceder a impugnação da decisão sobre a matéria de facto e com ela o próprio recurso.

III-Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 3 UC.
Notifique.

Évora, 12/7/16 (processado e revisto pelo relator)

(Sérgio Bruno Povoas Corvacho)
(João Manuel Monteiro Amaro)
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