Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
185/05-1
Relator: PIRES DA GRAÇA
Descritores: ROUBO
FURTO
VIOLÊNCIA
Data do Acordão: 05/03/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO PROVIDO
Sumário:
- O crime de roubo exige que o agente tenha usado de violência.
- Mas, a violência não pressupõe necessariamente que no ofendido sejam provocadas lesões, pois que pode até nem existir contacto físico, importando verdadeiramente a força empregue pelo agente em vista da subtracção,
- A tomada de qualquer objecto contra a vontade de quem o transporta é já um acto de violência, uma vez que implica força sobre a pessoa transportadora, nomeadamente quando é subtraída uma mala do colo da proprietária que a protege com as mãos em cima.
APHG
Decisão Texto Integral:
Acordam na Relação de Évora

A- Nos autos de processo comum (tribunal colectivo) com o nº … do … Juízo da comarca de …, foram pronunciados os arguidos:
-A …, actualmente detido em prisão preventiva à ordem destes autos,
-B,
-C
sendo-lhes imputada a prática dos seguintes crimes:
- aos arguidos A e B, em co-autoria material, de um crime de roubo, previsto e punível pelo artigo 210º, nº 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204º, nº 1, alínea b) do Código Penal e um crime de furto qualificado, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigos 203º e 204º, nº 1, alínea b) do Código Penal;
- à arguida C, como autora material de um crime de receptação, previsto e punível pelo artigo 231º, nº 2 do Código Penal.
B- Realizado o julgamento, foi proferido acórdão que:
- Condenou o arguido A como autor material de um crime de furto qualificado, previsto e punível pelo artigo 203º e 204º, nº 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão;
- Condenou o arguido A como autor material de um crime de roubo qualificado, previsto e punível pelo artigo 210º, nº 1 e 210º, nº 2, alínea b) com referência ao artigo 204º, nº 1, alínea b) do Código Penal, na pena de 4 anos e 6 meses de prisão;
- Procedendo ao cúmulo jurídico das penas supra referidas, o Tribunal condenou o arguido A na pena única de 6 anos de prisão;
- Absolveu a arguida B dos crimes de que vem acusada;
- Absolveu a arguida C do crime de que vem acusada;
- Condenou o arguido nas custas
C- Inconformado, recorreu o arguido A, id. nos autos, concluindo:
1. Ao ora recorrente, foi aplicada a pena de 2 anos e 6 meses de prisão pelo crime de furto qualificado, e a pena de 4 anos e 6 meses de prisão pelo crime de roubo qualificado. Procedendo ao cúmulo jurídico, o Tribunal condenou o arguido numa pena única de 6 anos de prisão.
2. O Recorrente impugna a qualificação do tipo legal de crime efectuado pelo Tribunal “a quo” (Roubo) em relação aos factos praticados contra a ofendida, testemunha ….
3. O recorrente requer a substituição da qualificação dos factos de Roubo qualificado para o de Furto qualificado.
Termos em que requer a reapreciação da prova produzida, requalificando o tipo legal de crime impugnado e se determine a realização de novo julgamento.
D- Respondeu o Ministério Público à motivação de recurso, concluindo:
1. A coerência ao longo do depoimento desta testemunha e que se manteve perante todas as instâncias de inquirição, acompanhado dos gestos efectuados, onde a mesma tentou demonstrar perante o tribunal a acção do arguido, tornam o seu depoimento credível, não criando qualquer dúvida de que os factos se terão passado como a mesma se referiu.
2. Assim, consideramos que os factos dados como provados no douto Acórdão, sob os nºs 7,8 e 9, foram correctamente julgados, não merecendo qualquer censura.
3. O arguido para se conseguir apropriar da mala de senhora que a … transportava consigo, ao colo, usou da força muscular para levar a melhor em relação aquela, já que a … tentou manter a bolsa na sua posse agarrando-a com as mãos e fazendo força, enquanto o arguido a puxava para si, de forma a retirá-la das suas mãos.
4. Pelo exposto, dúvidas não restam que o arguido usou de violência (embora não particularmente intensa) para se apropriar da mala, integrando tal conduta o crime de roubo -–210º nº 1 do Código Penal.
Cremos assim que o douto Acórdão proferido pelo Tribunal a quo não deverá merecer qualquer censura, pelo que, deve ser negado provimento ao recurso interposto e mantida aquela decisão, nos seus precisos termos.
E- Nesta Relação, o Ministério Público emitiu Parecer no sentido de que “deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a decisão recorrida.”
F- Cumpriu-se o disposto no artigo 417º nº 2 do CPP.
G- Foi o processo a vistos dos Exmos Adjuntos, após o que o Exmo Presidente designou a audiência que veio a realizar-se na forma legal.
*
H- Consta da decisão recorrida:
Discutida a causa, mostram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão da causa.
1. No dia …, cerca das …, na …, os arguidos A e B entraram a bordo de uma das carruagens da composição ferroviária que se dirigia a …, tendo o arguido A a intenção de se apoderar dos objectos de valor que os passageiros transportavam consigo;
2. No interior da mesma carruagem e quando o comboio se imobilizou no …, nesta comarca, o arguido A abordou de surpresa …, que estava sentada num dos bancos, e, com um puxão, apoderou-se da mala de senhora que aquela havia colocado no banco ao lado do qual estava sentada;
3. Seguidamente, o arguido A, a correr, saiu da carruagem no aludido apeadeiro, levando consigo a aludida mala, que fez sua, bem como todo o seu conteúdo;
3.1. A referida mala, da marca Sipecusa, no valor de 25 €, continha no seu interior:
3.2. um relógio de pulso, da marca Swach, no valor de 50 €;
3.3. um telemóvel, da marca Phillips, no valor de 110 €;
3.4. a quantia de 100 € em dinheiro;
3.5. dois porta-moedas;
3.6. vários cartões e documentos de identificação;
3.7. dois porta-chaves e diversas chaves e um cartão Multibanco;
4. Todos os referidos artigos, com excepção da quantia em dinheiro e do telemóvel, foram recuperados, uns no dia 2 e outro no dia 4 de Janeiro de 2004, na posse do arguido A e entregues à sua proprietária;
5. No dia …, cerca das …, na …, os mesmos arguidos A e B entraram a bordo de uma das carruagens da composição ferroviária que se dirigia a …, tendo o arguido A a intenção de se apoderar dos objectos de valor que os passageiros transportavam consigo;
6. No interior da mesma carruagem e quando o comboio se imobilizou no …, nesta comarca, o arguido A abordou de surpresa …, que estava sentada num dos bancos;
7. A … trazia ao colo uma mala de senhora, tendo os seus braços pousados sobre a mesma;
8. O arguido A deu um puxão na referida mala;
9. Enquanto o fazia, a … ainda tentou segurar com as mãos a sua mala, mas o arguido continuou a puxar, tendo conseguido apoderar-se da mala;
10. Seguidamente, o arguido, a correr, saiu da carruagem, no aludido apeadeiro, levando consigo a mala de …, que fez sua, bem como todo o seu conteúdo;
11. A referida mala continha no seu interior:
11.1 um par de óculos de sol, com lentes graduadas, no valor de € 150;
11.2 um telemóvel, da marca “Nokia”, no valor de € 125;
11.3 a quantia de € 15 em dinheiro;
11.4 uma agenda;
11.5 vários cartões e documentos de identificação e um cartão Multibanco;
12. Veio o arguido A a ser abordado e detido, instantes depois, por elementos da Guarda Nacional Republicana que se encontravam de vigilância ao local;
13. Os aludidos artigos e dinheiro vieram, dessa forma, a ser recuperados e entregues à sua dona;
14. Agiu o arguido A de uma forma deliberada, livre e consciente com o propósito de fazer seus os supra aludidos artigos e quantias em dinheiro, apesar de saber que os mesmos não lhe pertenciam e de que assim actuava contra a vontade das respectivas donas;
15. No caso da …, o arguido A utilizou a violência, que deliberadamente quis, para melhor concretizar os seus intentos;
16. Sabia o arguido A que as descritas condutas eram proibidas por lei;
17. O arguido A, na data da prática dos factos, mantinha uma relação amorosa com a arguida B;
18. Na data da prática dos factos os arguidos A e B estavam desempregados e eram toxicodependentes, consumindo uma mistura de heroína e cocaína, conhecida pelo nome de rebolau;
19. O arguido A é pescador de profissão,
20. Tem o 4º ano de escolaridade;
21. Antes de preso preventivamente à ordem destes autos, vivia sozinho, partilhando, por vezes, a habitação com a arguida B;
22. Por sentença proferida no dia 24 de Fevereiro de 1999, no âmbito dos autos de processo comum nº … Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de …, foi o arguido condenado na pena de 3 meses de prisão, substituída por igual tempo de multa, pela prática, em 24 de Agosto de 1998, de um crime de receptação;
23. Por acórdão proferido no dia …, no âmbito dos autos de processo comum nº … do .. Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de …, foi o arguido condenado na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, pela prática, em …, de um crime de furto qualificado;
24. Por sentença proferida no dia … no âmbito dos autos de processo comum nº … do … Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de …, foi o arguido condenado na pena de 1 ano e 10 meses de prisão (de que foi perdoado 1 ano de prisão), pela prática, em …, de um crime de furto qualificado;
25. Por acórdão proferido no dia …, no âmbito dos autos de processo comum nº … do … Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de …, foi o arguido condenado, pela prática em …, de um crime de tráfico de estupefacientes, tendo sido condenado numa pena única de cinco anos de prisão;
26. A arguida B vive com um companheiro;
27. Actualmente trabalha sazonalmente na agricultura, auferindo 21 € por cada dia de trabalho, trabalhando, em cada temporada, cinco dias por semana;
28. Tem duas filhas, uma de dez anos, que vive com o padrinho e outra de 15 anos, que vive com o pai;
29. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais;
30. Tem o 6º ano de escolaridade;
31. A arguida C é doméstica;
32. Tem o 10º ano de escolaridade;
33. Vive com o marido, que é …, auferindo cerca de 1.500 € por mês;
34. Vive em casa própria;
35. Não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
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Factos não provados
Não se provaram os demais factos constantes da acusação nem do pedido de indemnização civil, sendo certo que aqui não importa considerar as alegações conclusivas, de direito ou meramente probatórias nem os factos que são absolutamente irrelevantes para a decisão da causa.
Assim, não se provou que a arguida B tivesse de alguma forma participado na actividade do A no que respeita à subtracção das malas de senhora em causa nos autos, não se tendo, igualmente, demonstrado que a C alguma vez tivesse adquirido qualquer telemóvel a qualquer dos outros arguidos.
Concretamente, não se provou que:
I. Nas duas vezes referidas na acusação, a arguida tivesse entrado numa das carruagens do comboio que se dirigia para … com a intenção de se apoderar dos objectos de valor que os passageiros transportavam consigo;
II. A … transportava nas mãos a mala de senhora de que o arguido se apoderou;
III. Ao mesmo tempo que o arguido se apoderava da mala de …, a arguida B abria a porta da carruagem;
IV. A arguida B tivesse saído a correr da carruagem (com o co-arguido A) apeadeiro da …, levando consigo a aludida mala, que fizeram sua, bem corno todo o seu conteúdo, mas apenas o que se deixou descrito na factualidade apurada;
V. Alguns dos referidos artigos foram recuperados no dia 4 de Janeiro de 2004, na posse da arguida B;
VI. No dia …, na parte da tarde, na …, nesta comarca, aquele A abordou a arguida C e fez-lhe venda do supra referido telemóvel da marca “Phillips” pela quantia de € 30;
VII. A mesma C, sem cuidar de saber qual a proveniência do aludido telemóvel, aceitou o negócio proposto, ficando para si com o mesmo e entregando de imediato ao mesmo A a quantia de € 20 em dinheiro;
VIII. Ao mesmo tempo que o arguido se apoderava da mala de …, a arguida B abria a porta da carruagem;
IX. A arguida B tivesse saído a correr da carruagem (com o co-arguido A) apeadeiro da …, levando consigo a aludida mala, que fizeram sua, bem corno todo o seu conteúdo, mas apenas o que se deixou descrito na factualidade apurada;
X. A arguida B agiu, em conjugação e comunhão de esforços com o arguido A e na sequência de um plano previamente concertado entre ambos;
XI. A arguida B tivesse actuado com o propósito de fazer (por si só ou em conjugação de esforços com o co-arguido) seus os supra aludidos artigos e quantias em dinheiro
XII. A arguida C agiu de uma forma livre, deliberada e consciente, com o intuito de obter uma vantagem patrimonial através da aquisição de um objecto que, pela sua qualidade, pelo montante do preço proposto e ainda pela condição de quem o ofereceu, fazia razoavelmente suspeitar que era proveniente de um facto ilícito.
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Fundamentação da matéria de facto
O decidido funda-se em todas as provas produzidas na audiência de discussão e julgamento, valoradas na sua globalidade e de forma crítica.
No que respeita aos factos provados, foi determinante para formar a convicção do Tribunal as declarações dos arguidos.
Por um lado, o arguido A admitiu ter praticado os factos que lhe eram imputados, com duas reservas apenas: a arguida B não teve na prática dos mesmos qualquer intervenção (não instigou a prática dos factos, não apoio a resolução criminosa do arguido nem o ajudou por qualquer forma, designadamente, facilitando-lhe a fuga; não admitiu que usou da força para tirar a mala de senhora de …, já que, na versão do arguido, a mala desta participante estava pousada no banco ao lado da qual … estava sentada.
A arguida B apresentou uma versão dos factos semelhante à apresentada em julgamento pelo arguido A, não tendo, segundo referiu, conhecimento do modo como … transportava a mala.
… depôs que a mala (e todo o seu conteúdo, que é o que está descrito na matéria de facto provada) lhe foi retirada pelo arguido, o qual estava no comboio na companhia da arguida B. Todavia, não relatou qualquer facto que permita concluir que esta arguida, por alguma forma, teve intervenção nos factos praticados pelo arguido A.
Do depoimento de … resultou que foi o arguido quem lhe tirou a mala do colo, onde era transportada, sendo certo que a referida testemunha tinha os braços apoiados em cima da mala. Quando o arguido puxou a mala para dela se apropriar, a testemunha ainda tentou segura-la com as mãos. Mas não o conseguiu porque o arguido fez força, tendo, desse modo, conseguido levar consigo a mala e todo o seu conteúdo, que era o que está descrito na factualidade apurada. A forma como esta testemunha prestou depoimento, o qual foi acompanhado de gestos esclarecedores da forma como transportava a sua mala, revelou-se credível, pela sua precisão e isenção de contradições.
Do depoimento das demais testemunhas não foi possível apurar se a arguida B teve qualquer intervenção nos actos praticados pelo então namorado. De notar que as demais testemunhas são todos soldados do Núcleo de Investigação Criminal da Guarda Nacional Republicana e confirmaram que apenas o arguido tinha consigo a bolsa subtraída a …. Por fim, os demais objectos apreendidos foram entregues à Guarda Nacional Republicana pela arguida B, que os foi buscar a casa do A.
No que tange aos factos não provados relativos à arguida B o decidido funda-se nos meios de prova acima referidos.
Por fim, no que toca ao comportamento imputado à arguida C, nenhuma prova foi produzida sobre o mesmo, sendo certo que ela e os demais arguidos negaram terem vendido o telemóvel àquela arguida.
No tocante aos factos respeitantes à vida pessoal, familiar e económica dos arguidos e aos seus antecedentes criminais, o decidido funda-se nas suas próprias declarações e bem assim nos respectivos certificados do registo criminal juntos aos autos, que foram por eles confirmados.
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I- Cumpre apreciar e decidir.
Inexistem vícios ou nulidades de que cumpra conhecer, nos termos do artigo 410º nºs 2 e 3 do CPP.
Como explicou a decisão recorrida
“Procedeu-se a julgamento, com observância das legais formalidades, tendo-se comunicado aos arguidos A e B a possibilidade de o Tribunal dar como provados factos que se indiciaram no decurso do julgamento e que podem alterar substancialmente a qualificação dos factos jurídicos tal como ela decorre da acusação.
Os arguidos não se opuseram à alteração substancial dos factos nem requereram prazo para organizar a defesa.”
Tal alteração substancial de factos respeitava ao evento ocorrido com a ofendida …, pois como consta da acta de fls 328 e segs, “Produzida a prova verifica-se que existem indícios fortes que neste último caso a … trazia ao colo uma mala de senhora, tendo os seus braços pousados sobre aquela mala, o arguido Francisco deu um puxão na referida mala, tendo a … tentado segurar a mesma com as mãos. Porque o arguido continuou a puxar pela referida mala conseguiu dela apoderar-se”.
Nos pontos 6 a 9 dos factos provados, foi dado como provada tal factualidade.
E, reza a propósito, a motivação da convicção do tribunal:
“(...)o arguido A (...) não admitiu que usou da força para tirar a mala de senhora de …, já que, na versão do arguido, a mala desta participante estava pousada no banco ao lado da qual … estava sentada. (...)
Do depoimento de … resultou que foi o arguido quem lhe tirou a mala do colo, onde era transportada, sendo certo que a referida testemunha tinha os braços apoiados em cima da mala. Quando o arguido puxou a mala para dela se apropriar, a testemunha ainda tentou segura-la com as mãos. Mas não o conseguiu porque o arguido fez força, tendo, desse modo, conseguido levar consigo a mala e todo o seu conteúdo, que era o que está descrito na factualidade apurada. A forma como esta testemunha prestou depoimento, o qual foi acompanhado de gestos esclarecedores da forma como transportava a sua mala, revelou-se credível, pela sua precisão e isenção de contradições.”
Ora, da prova produzida, resulta a verificação de tal desiderato.
Com efeito, embora o arguido, que não é obrigado a falar verdade, nem sequer a prestar declarações, refira que “Tirei de cima do banco...a srª ia lendo uma revista e eu agarrei da mala e vim-me embora...” e que não fez nenhum esticão, “...nem houve violências, nem nada(...)”, o certo é que a ofendida …, que perante o ordenamento jurídico-processual penal português tem a qualidade de testemunha e, por isso prestou juramento, ao depor disse nomeadamente: “Quando o comboio parou na …, eu tinha minha mala no meu colo e o sr. agarrou a mala e fugiu; a mala “não estava agarrada”, mas “tinha as mãos em cima da mala”. (....) “O sr. chegou ao pé de mim, puxou-me a mala e fugiu”
E da inquirição da mesma pelo Ministério Público:
- Perguntou o Ministério Público: “A sra. Ofereceu alguma resistência quando ele lhe puxou a mala?
Testemunha …: Tentei puxar a mala mas adiantou muito.
Ministério Público: Portanto, tentou puxar a mala mas mesmo assim ele...?
Testemunha …: Ele conseguiu...
Ministério Público: Teve mais força e conseguiu retirá-la?
Testemunha …: Exacto.
Ministério Público: Teve alguma lesão?
Testemunha …: Não
Mais adiante, a perguntas da Exma defensora do arguido: “Então estava com as mãos descontraídas em cima da mala?”, respondeu: “Exacto”
E, a nova pergunta: “E quando diz que tentou agarrar a mala, tentou ou agarrou mesmo?”, respondeu: “Tentei agarrar...”
Foi-lhe feita ainda outra pergunta: “Não chegou a agarrar a mala”, e a resposta foi: “Não. Não consegui agarrar.”
Porém, finda a inquirição pela Exma defensora do arguido, o Mmo Juiz Presidente, continuou na procura da verdade e, perguntou à …: “Pois a questão é mesmo essa. A srª. não conseguiu agarrar mas ainda segurou, o arguido fez força e levou a melhor?”
Testemunha …: “Tentei...segurei, mas...diga...” (....) “ele puxou mesmo a mala mesmo com força”(...)
Juiz Presidente: “Já tinha tirado? Quando tentou resistir, já não tinha a mala na mão?
Testemunha …: “Não. Tentei apanhar a mala, quando ele me estava a puxar a mala.”
Destes excertos documentais probatórios resulta, como conclui o Ministério Público na resposta à motivação de recurso, que “O arguido para se conseguir apropriar da mala de senhora que a … Transportava consigo, ao colo, usou da força muscular para levar a melhor em relação aquela, já que a … tentou manter a bolsa na sua posse agarrando-a com as mãos e fazendo força, enquanto o arguido a puxava para si, de forma a retirá-la das suas mãos.
Pelo exposto, dúvidas não restam que o arguido usou de violência (embora não particularmente intensa) para se apropriar da mala, integrando tal conduta o crime de roubo -–210º nº 1 do Código Penal.”
Como refere Maia Gonçalves, Código Penal Português, anotado e comentado, 15ª edição, p. 684, nota, 3, “ O roubo é essencialmente, um furto qualificado (pela violência, pelas ameaças ou pela colocação da vítima na impossibilidade de resistir).”
Alega o recorrente no texto da motivação que “Não houve qualquer contacto físico entre o arguido a ofendida.” E que “não existiu o momento em que ambos lutassem pela posse da mala”
Mas, a violência não pressupõe necessariamente que no ofendido sejam provocadas lesões, pois que pode até nem existir contacto físico, importando verdadeiramente a força empregue pelo agente em vista da subtracção, como já decidiu esta Relação, há longo tempo. (v. Ac. de 27-3-84 in BMJ, 337, 427)
A tomada de qualquer objecto contra a vontade de quem o transporta é já um acto de violência, uma vez que implica força sobre a pessoa transportadora, nomeadamente quando é subtraída uma mala do colo da proprietária que a protege com as mãos em cima.
Violência é o emprego da força física adequada a vencer um obstáculo real ou suposto, em que para integrar o crime de roubo não tem que ter especial intensidade, bastando que seja idónea a atingir a liberdade de determinação da ofendida. V- por exemplo, Ac. do STJ de 29 de Abril de 1999, proc. 9/99- 3ª, SASTJ, nº 30. 86.
Como salienta a decisão recorrida
“No caso da …, está o arguido pronunciado da prática de um crime de roubo agravado.
Dispõe o artigo 210º, nº 1 do Código Penal:
“Quem, com intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos”.
Da conjugação do inciso legal que se acaba de reproduzir com o artigo 13º do Código Penal resulta que o crime de roubo é doloso. Mas, não basta que o agente tenha actuado com dolo. É necessário que tenha actuado com a intenção de apropriação para si ou para terceiro, o que, como em casos já anteriormente tratados, confere ao dolo uma configuração específica.
É notória a aproximação do crime de roubo ao crime de furto. De resto, na linguagem popular ou corrente, roubo e furto são, muitas vezes, usadas indiferentemente.
Porém, do que acima se deixou dito, ressalta também a diferença específica entre o crime de furto e roubo. Este, para além do comportamento doloso do agente que consista em retirar uma coisa móvel e alheia, com intenção de apropriação, exige a violência (física ou moral) como meio para conseguir ou facilitar tal desiderato. Por essa razão há, aliás, quem afirme que o roubo não é mais que um crime de furto qualificado em função dos meios (violentos) empregues (M. Leal-Henriques e S. Santos, Código Penal, Rei dos Livros, 1997, 2º volume, pág. 494. Contra, J. Barreiros, Crimes Contra o Património, Univ. Lusíada, 1996, 84 e seguintes).
O crime de roubo é um crime pluriofensivo, já que a norma visa tutelar bens jurídicos patrimoniais e, simultaneamente, bens jurídicos pessoais (liberdade individual de acção e de decisão, a integridade física ou, em certos casos a própria vida (F. da Cunha, Comentário Conimbricense do Código Penal. Parte Especial, tomo ll, pág. 160 e seguintes).
Para que se fale de crime de roubo é necessário, entre o mais, que o agente tenha usado de violência antes ou concomitantemente com o acto de apropriação (no caso de a violência ter sido exercida depois de o agente já se ter apropriado da coisa móvel alheia regula o artigo 211º do Código Penal).
O crime de roubo pode ser agravado em função de circunstâncias expressamente previstas na lei. É o que resulta, por exemplo do nº 2, alínea b) do preceito que atrás se deixou reproduzido, segundo o qual, se
“Se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos nºs 1 e 2 do artigo 204º, sendo correspondentemente aplicável o nº 4 do mesmo artigo.”
Ora, no caso da …, o arguido actuou de forma idêntica ao caso de …, com uma diferença: para se conseguir apropriar da mala de senhora que ela transportava consigo, ao colo, teve que usar da força. Com efeito, só usando da força (ainda que não tenha sido particularmente intensa) é que o arguido conseguiu tirar a mala das mãos de … e, por essa via, apoderar-se dela e de todo o seu conteúdo.
Conclui-se, pois, sem qualquer hesitação, que o comportamento do arguido agora em referência integra a prática, pelo mesmo, como autor material do crime de roubo agravado que lhe é imputado.”
Nada mais vindo discutido no recurso, nada mais há a conhecer.
Resulta pois de todo o exposto, que o recurso não merece provimento.
J- Termos em que
Negam provimento ao recurso e, confirmam o acórdão recorrido.
Tributam o recorrente em 3 Ucs de taxa de justiça

ÉVORA,3 de Maio de 2005

Elaborado e revisto pelo Relator.

António Pires Henriques da Graça
Rui Hilário Maurício
Manuel Cipriano Nabais.