Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
8/20.0T8ORQ.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: ARRENDAMENTO RURAL
RENOVAÇÃO DO CONTRATO
OPOSIÇÃO
PESSOA COLECTIVA
Data do Acordão: 07/14/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Em matéria de arrendamento rural, apenas as pessoas singulares podem opor-se à decisão de não renovação do contrato empreendida pelo senhorio e, como tal, terem direito a ver-lhe reconhecida a continuidade do mesmo.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 8/20.0T8ORQ.E1 (2ª Secção Cível)





ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

No Tribunal Judicial da Comarca de Beja (Juízo de competência Genérica de Ourique) corre termos ação declarativa, com processo comum, pela qual, Cooperativa de Produção Agro-Pecuária (…), CRL, demanda Fundação (…) e seus Pais, peticionando que se declare:
a) A ineficácia da oposição à renovação do contrato (de arrendamento rural celebrado entre a Autora como arrendatária e a Ré como senhoria, que tem por objeto o arrendamento do prédio rústico denominado “… e anexas”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia e concelho de Ourique sob o n.º …, com a área de 589,5975 hectares) operada por carta datada de 6 de Novembro de 2019, dirigida pela Ré à Autora; e
b) Que a Autora tem direito à continuidade do arrendamento rural, até que (…), (…) e (…) se mantenham a trabalhar e a obter rendimentos agro-pecuários, por intermédio da autora, derivados do imóvel ora dado de arrendamento.
Tendo em vista o peticionado alega, em síntese:
- Entre Autora e Ré foi celebrado no dia 15 de Agosto de 1989 um contrato intitulado “Contrato de arrendamento rural”, pelo qual a segunda deu de arrendamento à primeira, para ter início nessa data e pelo prazo de dez anos, o prédio rustico “(…) e anexas”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia e concelho de Ourique sob o n.º (…), com a área de 589,5975 hectrares, mediante o pagamento de um renda de Esc.: 1.200.000$00, a ser paga em dinheiro na casa do senhorio, no termo de cada ano agrícola, ou seja, em 15 de Agosto de cada ano;
- Entre Autora e Ré foi celebrado um outro contrato em 24 de Março de 1998 intitulado “Contrato de arrendamento rural” que teve como objeto o identificado prédio rústico “(…) e anexas” para ter início em 15 de Agosto de 1999, pelo prazo de seis anos, renovável sucessiva e automaticamente de três em três anos, mediante o pagamento de uma renda anual de Esc.: 1.670.000$00;
- Desde Agosto de 1989 que a Autora passou a explorar agropecuariamente o identificado imóvel;
- Em 6 de Novembro de 2019, a Ré dirigiu uma carta à Autora comunicando a cessação do contrato de arrendamento rural a partir da data do fim do prazo de renovação do contrato, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 19.º, n.º 3, do Dec.-Lei 294/2009, de 13 de Outubro;
- O capital da Autora está distribuído por dez pessoas, que se agrupam essencialmente em três casais e respetivos filhos, a saber:
i) Família (…), composta por (…), esposa (…) e filha de ambos, (…);
ii) Família (…), composta por (…), esposa (…) e filho de ambos, (…); e,
iii) Família (…), composta por (…), esposa (…) e filhos, (…) e (…).
- Da família (…), nos órgãos sociais da autora, o (…) assume as funções de Presidente da Direcção e a esposa as de presidente do conselho fiscal;
- Desde a constituição que o (…) exerce o cargo referido e tem as funções de trabalhador com a categoria de tratorista, auferindo um vencimento anual da autora de € 8.319,20 e, à data de Agosto de 2021, terá 61 anos de idade;
- Do agregado familiar de (…) faz parte a esposa, a qual aufere um vencimento anual de € 11.174,50;
- A filha de ambos, de nome (…), embora fazendo parte de outro agregado familiar, por se encontrar desempregada, recorre diariamente à ajuda alimentar dos pais;
- Da família (…), nos órgãos sociais da autora, o (…) assume as funções de Secretário da Direção;
- Desde a constituição da autora que o (…) exerce o cargo referido e tem as funções de trabalhador com a categoria de trabalhador agrícola indiferenciado, auferindo um vencimento anual da autora de € 8.319,20 e, à data de Agosto de 2021, terá 66 anos de idade;
- Do agregado familiar de (…) faz parte a esposa, a qual aufere uma pensão anual por invalidez de € 3.840,72;
- Da família (…), nos órgãos sociais da autora, o (…) assume as funções de Tesoureiro, o filho (…) assume o cargo de Secretário do conselho fiscal e o filho (…) de relator do conselho fiscal;
- Desde 1990 que o (…) é membro da autora e tem as funções de trabalhador agrícola indiferenciado;
- O (…) aufere um vencimento anual da autora de € 8.319,20 e, à data de Agosto de 2021, terá 69 anos de idade;
- Do agregado familiar de (…) faz parte a esposa, que gere negócio próprio no ramo da restauração, a qual aufere um vencimento anual de € 12.000,00;
- O filho (…) encontra-se a residir com os pais, está desempregado e, sem que aufira quaisquer apoios sociais.
- O filho (…), exerce as funções de Secretário do conselho fiscal desde Março de 2015 e, paralelamente, desempenha as funções de trabalhador agrícola indiferenciado, auferindo um vencimento anual da autora de € 8.120,00 e, à data de Agosto de 2021, terá 34 anos de idade;
- Vive maritalmente com (…), e uma filha que têm em comum;
- (…) aufere um vencimento anual de € 7.597,92, a qual exerce funções de empregada de balcão no estabelecimento comercial da sogra;
- Para o exercício da atividade, a Autora tem ao seu serviço mais três trabalhadores: (…), (…) e (…);
- O único rendimento da Autora, com que esta paga os salários, provém da exploração do identificado imóvel;
- Os salários identificados constituem a principal fonte de rendimento dos quatro agregados familiares.
Citada a ré veio contestar arguindo a ilegitimidade da Autora e impugnando a matéria de facto, com exceção da celebração dos contratos de arrendamento rural, do envio da carta para cessação do contrato, de que (…) vive com a mulher, que aufere € 7.597,92, e filha, e de que as esposas de (…) e (…) auferem rendimentos superiores aos mesmos, concluindo pela improcedência da ação por falta de fundamento (legal, doutrinal e jurisprudencial).
Foi realizada audiência prévia, designada para os fins previstos nas alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 591.º do CPC.
No saneador foi julgada improcedente a exceção da ilegitimidade da autora e conheceu-se da questão de fundo tendo-se julgado improcedente a ação e absolvido a ré dos pedidos.
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Por não se conformar com a sentença, a autora, dela interpôs recurso de apelação, terminando, nas alegações, por formular as seguintes conclusões:
- A recorrente não se conforma com a sentença sindicada.
- E tal sucede porque discorda da interpretação dada pelo Tribunal a quo ao artigo 19.º, n.º 9, da LAR, que o limitou, de forma categorial e liminar, aos arrendatários que sejam pessoas singulares.
- O legislador ordinário entendeu comprimir o direito de propriedade privado, naqueles casos em que fruto da (1) antiguidade da relação locatícia, e da inerente (2) dependência funcional e económica do arrendatário ao locado;
- estas mesmas razões sociais justificam que se faça uma análise casuística ao substrato pessoal da pessoa coletiva em causa, e se afira se os requisitos constantes do referido preceito legal se mostram preenchidos.
- permitir que o arrendatário, pessoa singular, que pode ter uma estrutura organizativa tão, ou mais, elaborada ou complexa do que uma pessoa coletiva, possa fazer uso desta faculdade, e o substrato pessoal de uma pessoa coletiva que, na sua substância, reúna os mesmíssimos requisitos (isto é, idade dos seus sócios-membros-cooperantes, antiguidade da relação locatícia, e dependência funcional e económica do locado) é tratar duas situações económico-sociais iguais, de forma diametralmente oposta.
- Admitir que a sobredita faculdade está limitada às pessoas singulares porque só elas são merecedoras de uma proteção sócio-económica é, atentatório dos mais básicos princípios de um Estado de Direito social e democrático, e da igualdade.
- As razões sociais elencadas que levaram o legislador a prever a possibilidade o arrendatário se opor à cessação, não deve, não pode encontrar obstáculo argumentativo no véu adveniente da personalidade jurídica;
- O tribunal recorrido, numa consideração meramente estatutária ou categorial – as pessoas coletivas, ao não ter feito a descrita análise casuística, antes optando por de forma uma absoluta e liminar excluir tal aplicabilidade, sem que fosse dada a possibilidade de demonstração de que os beneficiários efetivos da relação locatícia preenchem os requisitos pessoais do artigo 19.º, n.º 9, da LAR (com a agravante de, in casu, a fonte de rendimento da recorrente cingir-se à exploração agro-pecuária do locado – ponto 9º da matéria de facto), violou o artigo 19.º, n.º 9, da LAR.
- Acresce que o artigo 19.º, n.º 9, do Decreto Lei n.º 294/2009, de 13 de Outubro, interpretado no sentido de que se exclui do seu âmbito, de forma automática, abstrata, liminar as pessoas coletivas, viola os artigos 2.º, 12.º, n.º 2, 13.º, 61.º, 80.º, alínea c) e 81.º, alínea f)[1], todos da CRP.

Foram apresentadas contra-alegações nelas se defendendo a confirmação da sentença impugnada.

Cumpre apreciar e decidir
O objeto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões, a questão essencial a apreciar consiste em saber se a arrendatária reúne as condições legais para se opor à efetivação da oposição à renovação do contrato de arrendamento rural e como tal tem direito a ver-lhe reconhecida a continuidade do contrato.

No Tribunal “a quo” tendo em conta o teor dos documentos juntos aos autos e a posição das partes consideraram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão da causa:
1) A Autora é uma cooperativa do ramo agrícola, foi constituída em 15-06-1989 e tem como objeto o exercício da atividade agro-pecuária visando a intensificação da produção e o incremento constante da produtividade do trabalho (documentos 1 e 2).
2) À autora coube a matrícula n.º (…), na Conservatória do Registo Comercial de Ourique.
3) O prédio misto denominado “(…) e anexas”, sito na freguesia e concelho de Ourique, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo (…), da secção (…) e na matriz urbana sob os artigos (…), (…) e (…), está descrito na Conservatória do Registo Predial de Ourique sob o n.º (…) e encontra-se registado a favor da Ré pela Ap. 2 de …/04/30 (documento 21).
4) No dia 15 de Agosto de 1989 foi celebrado escrito intitulado “Contrato de arrendamento rural” no qual as aqui partes declararam:
“1º Por este contrato, o primeiro outorgante, Fundação (…) e seus pais, declara dar de arrendamento ao segundo outorgante, “Cooperativa de Produção Agro-pecuária (…), CRL” …. O prédio rustico “(…) e anexas”, inscrito na matriz predial rústica da freguesia e concelho de Ourique sob o n.º (…), com a área de 589,5975 hectares.
2º O contrato teve início em 15 de Agosto de 1989 e é celebrado pelo prazo de dez anos.
3º A renda é no valor de 1.200.000$00 (mil e duzentos contos).
4º A renda é paga em dinheiro na casa do senhorio, no termo de cada ano agrícola, ou seja, em 15 de Agosto de cada ano.
5º A cortiça, sempre que exista, é propriedade da Fundação.
6º Fica estabelecido que a conservação da parte urbana, tais como caiações, reparações de goteiras, limpeza de telhados, pequenos rebocos etc. serão da responsabilidade do rendeiro.
7º Os direitos e obrigações de cada uma das partes são previstos na Lei Geral regulando-se tampor por esta todas as questões em que este contrato seja omisso.
8º O segundo outorgante declara aceitar este contrato nos termos e nas condições acima expostos” (documento 3).
5) Por escrito datado de 24 de Março de 1998, intitulado “Contrato de arrendamento rural” celebrado entre as partes consta:
“Os outorgantes acima identificados celebraram entre si o presente contrato de arrendamento com as clausulas seguintes:
1º Objeto do contrato, é o prédio rústico denominado “(…) e anexas”, inscrito na matriz rústica da freguesia e concelho de Ourique, sob o artigo (…), com a área de 588,5975 hectares.
2º O presente contrato tem início em 15 de Agosto de 1999 e é celebrado pelo prazo de seis anos em prorrogação do contrato que teve início em 15 de Agosto de 1989, renovável de três em três anos, renovando-se sucessivamente e automaticamente por iguais períodos enquanto não for denunciado por nenhuma das partes, com antecedência mínima 18 meses relativamente ao da renovação.
3º A renda anual é no valor de 1.670.000$00 (um milhão seiscentos e setenta mil escudos) – (…)” (documento 4).
6) Desde Agosto de 1989, de forma ininterrupta e até à presente data, a Autora passou a explorar agropecuariamente o imóvel identificado em 3.
7) Nele semeia aveia e trigo para grão, bem como forragens para dar aos seus animais, designadamente porcos, ovelhas e vacas.
8) Para além dos escritos identificados em 4) e 5), entre as partes foi igualmente celebrado o escrito intitulado “contrato de arrendamento rural” respeitante a uma outra propriedade denominada “(…)”, sita igualmente na freguesia e concelho de Ourique, com a área total de 670,1 ha, o qual cessou, por mútuo acordo, com efeitos a 15/08/2012 (documentos 22 e 23).
9) A exploração agro-pecuária da autora cinge-se, presentemente, a área do imóvel identificado em 3 (documentos 5 e 6).
10) Em 6 de Novembro de 2019 a Ré dirigiu uma carta à Autora com o seguinte teor:
“Vimos por este meio comunicar a cessação do contrato de arrendamento rural, celebrado com V. Exa em 15 de Agosto de 1999, a partir da data do fim do prazo de renovação do contrato, que está atualmente a decorrer, nos termos e para os efeitos do artigo 19.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 294/2009, de 13 de Outubro.
Deste modo, em 14 de Agosto de 2021 deixará o mesmo de produzir os seus efeitos, ficando apresentada oposição expressa à renovação de qualquer prazo do contrato, devendo o prédio estar livre de pessoas e bens no dia 15 de Agosto de 2021.
A presente carta não impede o recurso a outras formas de cessação do presente contrato de arrendamento rural previstas na Lei” (documento 20).

Conhecendo da questão
A autora, arrendatária, defende que em face da oposição à renovação do contrato de arrendamento rural, por parte da ré senhoria, tem direito a ver-lhe reconhecida a ineficácia da oposição à renovação, por no seu entender, não obstante não ser uma pessoa singular, ser-lhe permitido usar da faculdade prevista na lei de se opor à efetivação da oposição à renovação apresentada pela ré.
As partes não discutem que ao caso se aplica o regime do Dec.-Lei 294/2009, de 12/10 (NRAR), designadamente o que se dispõe no art.º 19.º do citado Dec.-Lei que versa sobre a cessação do contrato de arrendamento rural por oposição à renovação e por denúncia.
Dispõe o artigo 19.º do NRAR epigrafado de “Cessação por oposição à renovação e por denúncia”:
1 - O contrato de arrendamento cessa por oposição à renovação ou por denúncia de uma das partes, mediante comunicação escrita.
2 - A oposição à renovação ou a denúncia do contrato de arrendamento inclui obrigatoriamente todo o seu objeto.
3 - O senhorio ou o arrendatário podem opor-se à renovação do contrato de arrendamento, com a antecedência de um ano relativamente ao termo do prazo do arrendamento ou da sua renovação, sem prejuízo do disposto no n.º 9.
4 - No caso dos contratos de arrendamento agrícola por senhorio emigrante, pode este denunciar o contrato, com a antecedência de um ano, a partir do terceiro ano do contrato de arrendamento ou da sua renovação, sem possibilidade de oposição por parte do arrendatário, exceto no caso previsto no n.º 9, desde que satisfaça, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Ter sido ele quem arrendou o prédio ou o tenha adquirido por sucessão;
b) Necessitar de regressar ou ter regressado definitivamente a Portugal há menos de um ano;
c) Querer explorar diretamente o prédio arrendado.
5 - O arrendatário pode denunciar o contrato, sem possibilidade de oposição por parte do senhorio, nos casos de abandono da atividade agrícola ou florestal, ou quando o prédio ou prédios objeto do arrendamento, por motivos alheios à sua vontade, não permitam o desenvolvimento das atividades agrícolas ou florestais de forma economicamente equilibrada e sustentável.
6 - No caso previsto no número anterior, o arrendatário deve notificar o senhorio com a antecedência de um ano.
7 - O senhorio que haja invocado os fundamentos referidos no n.º 4 fica obrigado, salvo caso de força maior, à exploração direta, por si ou por membro do seu agregado familiar, durante um prazo mínimo de cinco anos.
8 - Em caso de inobservância do disposto no número anterior, o arrendatário cujo contrato foi denunciado tem direito a uma indemnização igual ao quíntuplo das rendas relativas ao período de tempo em que o arrendatário esteve ausente, e à reocupação do prédio, se assim o desejar, iniciando-se outro contrato, ao qual se aplica o disposto no n.º 1 do artigo 31.º
9 - O arrendatário pode opor-se à efetivação da oposição à renovação ou da denúncia, desde que reúna, cumulativamente, as seguintes condições:
a) Tenha mais de 55 anos e resida ou utilize o prédio há mais de 30 anos;
b) O rendimento obtido do prédio constitua a fonte principal ou exclusiva de rendimento para o seu agregado familiar.
10 - Em caso de cessação do contrato por oposição à renovação ou denúncia do senhorio o arrendatário tem direito a ser indemnizado:
a) Pelas benfeitorias realizadas, nos termos previstos no artigo 23.º;
b) Pelas plantações e melhoramento fundiários que hajam tornado o prédio mais produtivo, realizados com o consentimento do senhorio.
11 - O arrendatário tem ainda direito a uma indemnização correspondente a 1/12 da renda anual por cada ano de contrato, não podendo o valor da indemnização ser inferior a um ano de renda, nos casos previstos no n.º 4”.
O que verdadeiramente está em causa é a aplicação, ou não, do previsto no n.º 9 do referido artigo 19.º à situação da autora, uma pessoa coletiva (cooperativa).
No entendimento do Julgador “a quo” a previsão do n.º 9 do artigo 19.º do NRAR só é aplicável às pessoas singulares e, por isso, a autora não se pode fazer valer de tal disposição para invocar o direito que pretende que se lhe reconheça, expondo a seguinte argumentação:
“Esta norma regulamenta, pois, as condições em que podem ocorrer a oposição à renovação ou denúncia do contrato de arrendamento rural.
Esta é feita por comunicação escrita pelo arrendatário ou pelo senhorio com a antecedência de um ano relativamente ao termo do prazo do arrendamento ou da sua renovação.
Não exige a lei a invocação de qualquer causa para a comunicação, tratando-se, por isso, de uma cessação ad nutum.
O n.º 9 contempla uma exceção à efetividade da oposição à renovação comunicada pelo senhorio. Se reunidas cumulativamente as condições aí mencionadas, o arrendatário pode opor-se ao fim do contrato, sendo elas:
i) ter o arrendatário mais de 55 anos e residir ou utilizar o prédio há mais de 30 anos; e
ii) constituir o rendimento obtido do prédio a fonte principal ou exclusiva de rendimento do agregado familiar do arrendatário.
A lei é clara e deixa perceber, por um lado, que a exceção só ocorre nos casos em que a oposição à renovação é manifestada pelo senhorio e, por outro, que o arrendatário apenas se pode opor se não for pessoa coletiva. As condições, que têm de se verificar no arrendatário, são de natureza pessoal e não têm, por isso mesmo, cabimento quando o arrendatário seja uma pessoa coletiva (sociedade, cooperativa ou fundação).
Acresce que, como a própria Autora reconhece, está em causa a compressão do direito de propriedade e esta compressão apenas se justifica quando um interesse ponderável se lhe possa sobrepor: a subsistência do arrendatário e seu agregado familiar.
Por isso, não cabe aqui fazer a interpretação pretendida pela Autora, no sentido de estender o direito concedido aos arrendatários pessoas singulares aos trabalhadores da arrendatária que seja pessoa coletiva, como se esta fosse uma simples ficção. Se essa fosse a intenção do legislador, nenhuma razão haveria para que tal não tivesse sido expresso na lei de forma clara. Daqui se conclui que a ação intentada pela Autora está votada ao fracasso.
Por outro lado, o contrato também não prevê nenhuma exceção à oposição à renovação do contrato por parte do senhorio. A Autora é uma cooperativa, não podendo, por isso, em função do que se deixou exposto, opor-se à pretensão da Ré de fazer cessar o contrato celebrado em 1998 (sendo este, com apenas 20 anos de vigência, que atualmente vigora entre as partes)”.
Esta argumentação está ajustada à realidade factual e ao comando jurídico sobre ela incidente pelo que é de acolher.
A ratio da exceção à efetividade da oposição à renovação é a de salvaguardar a defesa dos arrendatários mais idosos, com situações de arrendamento mais antigas, com rendimentos exclusiva ou principalmente obtidos a partir dos prédios arrendados, garantindo-lhes a possibilidade de oposição quando tenham mais de 55 anos e residam ou utilizem o prédio há mais de 30 anos e o rendimento obtido do prédio constitua a fonte principal ou exclusiva de rendimento para o seu agregado familiar, sendo que do elemento literal da norma também resulta evidente que a mesma é dirigida aos arrendatários pessoas singulares e não a qualquer outra categoria, aliás como sempre veio sendo entendido, mesmo no âmbito da legislação anterior que regia sobre o arrendamento rural (v. entre outros Ac. do TRE de 04/05/89 na apelação 668/88, in BMJ, 237º, 673).
A norma visa proteger o agricultor individual com ligação direta à terra, que nela permanece por tempo considerável e que dela depende por razões de subsistência, regulando a proteção especial a uma determinada circunstância com caráter pessoal, não visando a proteção de quaisquer outras pessoas ligadas à terra, que de forma indireta, dela recebam rendimentos.
A própria recorrente reconhece que ao consignar a exceção à efetividade da oposição à renovação ou à denúncia, o legislador “foi sensível àqueles inúmeros casos em que fruto da (1) antiguidade da relação locatícia, e da inerente (2) dependência funcional e económica do arrendatário ao locado, se justifica, por razões sociais, comprimir o direito de propriedade privada, sobrepondo-lhe o de proteção da família e paz social. Ou seja, o arrendatário, pessoa de avançada idade (que aqui objetivou, com mais de 55 anos) necessariamente com maior dificuldade de encontrar outro trabalho, com uma longa permanência no locado (que aqui concretizou com, pelo menos, 30 anos) e, deste provenha a principal fonte de sustento do agregado familiar, entendeu como justificação social suficiente para lhe conceder a possibilidade de se opor à efetivação da cessação do contrato de arrendamento que haja operado por via da denúncia ou oposição à renovação”.
Resulta evidente que o legislador tendo por base razões de ordem social apenas previu e quis integrar na norma as pessoas singulares, pois se assim não fosse, não faria sentido aludir, expressamente, à idade (55 anos) que é característica da pessoa singular e, bem assim, ao “agregado familiar” que pressupõe na sua composição e integração, apenas, pessoas singulares.
Esta opção legislativa de por razões de ordem social contemplar apenas o arrendatário pessoa singular, tal como é entendimento deste tribunal, bem como o foi do tribunal recorrido, não viola os preceitos constitucionais que aludem ao Estado de direito democrático, aos princípios da universalidade, igualdade, iniciativa privada, cooperativa e autogestionária, liberdade de iniciativa e de organização empresarial no âmbito de uma economia mista, nem põe em causa o funcionamento eficiente dos mercados e a garantia de equilibrada concorrência entre empresas, pelo que, a decisão recorrida é de confirmar, impondo-se a improcedência da apelação.

DECISÃO
Pelo exposto, julgando improcedente a apelação, decide-se confirmar a sentença recorrida.
Custas de parte pela apelante.
Évora, 14 de julho de 2021
Maria da Conceição Ferreira
Maria Eduarda de Mira Branquinho Canas Mendes
Mário João Canelas Brás


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[1] - A possibilidade de continuidade do arrendamento para pessoas singulares e, excluindo automaticamente e sem critério as pessoas coletivas é disfuncional e potencialmente criador de desigualdades entre empresas concorrentes num mesmo mercado e, por essa via, como potencial fator de desequilíbrio desse mercado. Salvo melhor opinião, deve procurar-se uma avaliação concreta, casuísticas, visando um justo equilíbrio entre os dois tipos de sujeitos.