Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
59536/18.9YIPRT.E1
Relator: VÍTOR SEQUINHO DOS SANTOS
Descritores: ABUSO DE DIREITO
CESSÃO DE CRÉDITO
Data do Acordão: 09/15/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1 – Se, na petição inicial, o autor se apresenta como sendo o titular dos direitos incorporados em duas livranças subscritas pelo primeiro réu e avalizadas pelo segundo réu, com base nos quais pretende a condenação de ambos os réus a cumprirem as correspondentes obrigações, fica garantida a sua legitimidade processual activa.
2 – Se o autor não conseguir provar ser ele o titular dos direitos referidos em 1, verifica-se a sua ilegitimidade substantiva, determinante da improcedência da acção.
3 – Não se provando que o autor é o titular dos direitos referidos em 1, não tem cabimento a discussão sobre a eventual existência de uma situação de abuso do direito por parte daquele.
(Sumário do Relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 59536/18.9YIPRT.E1

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Autora/recorrente: (…), S.A..

Réus/recorridos: A..., Lda., e AA, representados pelo Ministério Público.

Pedido: Condenação dos réus a pagarem à autora a quantia de € 17.197,94, correspondendo € 8.978,36 a capital e € 8.219,58 a juros moratórios vencidos até 17.05.2018, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento.

Objecto do recurso: Sentença, que julgou totalmente improcedente a acção.

Conclusões do recurso:

1 – Do documento junto aos autos, como contrato de cessão de créditos, resulta claro que existe de facto uma cessão de créditos, celebrada entre o primitivo credor e a ora recorrente, atendendo a que, a ora recorrente, no mesmo contrato, é cessionária da posição contratual da (…) Investments, S.A.R.L., que assumiu a posição de promitente-compradora, no contrato outorgado em 28 de Junho de 2013, com a Banco 1.... Pelo que, apenas existe um contrato-promessa, sendo o mesmo, o que foi celebrado em 28 de Junho de 2013 e não em 17 de Outubro de 2013;

2 – O tribunal a quo tem acesso ao registo informático de execuções, pelo que, seria possível verificar que foi instaurada a execução pelo primitivo credor contra os recorridos;

3 – Nos termos do disposto no artigo 334.º do Código Civil, “É ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.”;

4 – Há suppressio quando uma posição jurídica, não tendo sido exercida durante certo tempo, não mais possa sê-lo por, de outra forma, se atentar contra a boa-fé. Assim, teriam de se verificar os quatro elementos da tutela da confiança: a situação de confiança; a justificação; o investimento de confiança; a imputação de confiança ao titular;

5 – Ainda que, não tivesse sido instaurada execução pelo primitivo credor, e ainda que, tenham sido citados editalmente os recorridos para a presente acção, a verdade é que, os mesmos não podiam ignorar que deixaram de cumprir o acordado para com o primitivo credor e que, existem valores em dívida;

6 – O excesso deve ser manifesto, claro, patente, indiscutível, embora sem ser necessário que tenha havido a consciência de se excederem tais limites, sendo que,

7 – A boa fé tem a ver com o enunciado de um princípio que parte das exigências fundamentais da ética jurídica que se exprimem na virtude de manter a palavra e na confiança de cada uma das partes para que procedam honesta e lealmente segundo uma consciência razoável. Por sua vez, a confiança, para ser digna de tutela, tem de se verificar no seu investimento e tem de haver boa fé da parte que confiou, ou seja, que a mesma tenha desconhecimento de uma eventual divergência entre a intenção aparente do responsável pela confiança e a sua intenção real, tendo agido com o cuidado e precaução usuais no tráfico jurídico;

8 – O mero decurso do tempo não é susceptível de colocar a ora recorrente em abuso de direito, na modalidade de suppressio;

9 – A supressio ocorre, quando o direito é exercido de maneira a constituir uma clamorosa ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, ou seja, longe do interesse social e de forma a exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim económico-social do direito, tornando-se escandalosamente e intoleravelmente ofensiva do comum sentimento de justiça;

10 – A supressio não pode ser, apenas, uma questão de decurso do tempo, sob pena de atingir, sem vantagens, a natureza plena da caducidade e da prescrição;

11 – Para que a confiança do beneficiário possa ser protegida ao abrigo do instituto da supressio é necessário: a) um não exercício prolongado: para ser relevante deverá reunir elementos que permitam a uma pessoa normal, colocada na posição do beneficiário concreto, desenvolver a crença legítima de que a posição em causa não mais será exercida; b) uma situação de confiança; c) uma justificação para essa confiança; d) um investimento de confiança: o beneficiário não deve ser desamparado, sobre pena de desenvolver danos dificilmente reparáveis ou compensáveis; e) a imputação da confiança ao não-exercente, conforme acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 11 de Março de 2020;

12 – Menciona o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 20 de Abril de 2021 que

“I. O abuso de direito, na modalidade de suppressio, tutela a confiança do beneficiário, perante a inacção do titular do direito, devendo, para ser relevante, verificar-se um não exercício prolongado, uma situação de confiança, uma justificação para essa confiança, um investimento de confiança e a imputação da confiança ao não-exercente.

II. O mero decurso do tempo, sem que tenha sido exigido o pagamento da dívida por parte do credor, não é susceptível de criar no devedor a confiança de que não lhe vai mais ser exigido o cumprimento da obrigação que sobre ele impende.”;

13 – Menciona o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 12 de Novembro de 2013 que, à caracterização da suppressio “(…) não basta, contudo, o mero não-exercício e o decurso do tempo, impondo-se a verificação de outros elementos circunstanciais que melhor alicercem a justificada/legítima situação de confiança da contraparte.”;

14 – Da análise dos autos sub judice, e não obstante a omissão da ora recorrente (decurso de tempo entre o vencimento da obrigação e instauração da presente acção), a verdade é que, dos autos nada permite concluir que a mesma tivesse criado nos recorridos a expectativa, sólida e fundada, de que teria renunciado ao direito cambiário titulado pelas livranças, dadas à acção. Como tal, não podem ser os recorridos colocados numa situação de confiança, desenvolvendo nos mesmos uma crença legítima de que os créditos não seriam cobrados, não tendo os mesmos sido investidos numa situação de confiança em termos de merecer protecção e assim evitar o sofrimento de danos dificilmente reparáveis ou compensáveis;

15 – A recorrente, ao instaurar a acção sub judice, não pretende alcançar um fim contrário à lei, mas obter um resultado que a lei lhe confere. E o exercício do seu direito não constitui, de forma alguma, uma ofensa do sentimento jurídico socialmente dominante, muito menos, clamorosa;

16 – A sentença recorrida violou o preceituado no artigo 334.º do Código Civil e por esse motivo, deverá ser revogada, condenando os recorridos a liquidar à recorrente a quantia peticionada nos autos.

Conclusões das contra-alegações:

I. A sentença recorrida não merece qualquer censura, tendo feito uma correcta aplicação da lei pelo que deverá ser mantida nos seus precisos termos.

II. Por contrato promessa de cessão de créditos celebrado em 17.10.2013 a ora recorrente prometeu adquirir o crédito que a Banco 1... detinha sobre os recorridos, relativo às quantias corporizadas nas livranças vencidas em 04.07.1995 e 01.07.1995.

III. Quer a obrigação cambial quer a creditícia encontram-se prescritas.

IV. A recorrente incorre em abuso de direito, na modalidade da suppressio, atentas as datas de vencimento apostas nas livranças, as quais fundamentam o crédito alegado pela autora (em 1995) e a data da propositura do requerimento inicial de injunção (em 17.05.2018).

V. Perante o decurso de 23 anos, entre a data de vencimento das livranças e a data da propositura da presente acção, afigura-se notório que os réus tivessem criado a convicção de que tais responsabilidades creditícias não mais lhes seriam exigidas.


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Questões que se suscitam:

1 – Legitimidade substantiva da recorrente;

2 – Verificação dos pressupostos do abuso de direito, na modalidade de suppressio.


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Factos julgados provados na sentença recorrida:

1. A Banco 1... é portadora de duas livranças:

(i) Livrança subscrita pela sociedade A..., Lda., no valor de 1.300.000$00, correspondendo a € 6.484,37, emitida em 04.06.1995, com vencimento em 04.07.1995;

(ii) Livrança subscrita pela sociedade A..., Lda., no valor de 500.000$00, correspondente a € 2.493,99, emitida em 02.05.1995, com vencimento em 01.07.1995.

2. No verso de cada uma das livranças referidas em 1) sob a menção “dar o meu aval à firma subscritora” consta a assinatura do 2.º réu, AA.

3. As livranças mencionadas em 1) foram subscritas no âmbito de «financiamento ao crédito de tesouraria às empresas n.º …/840/310-3.»

4. As livranças mencionadas em 1) foram apresentadas a pagamento pelos respectivos valores nelas apostos, sem que os réus tenham procedido ao seu pagamento nas respectivas datas de vencimento, nem posteriormente.

5. Em 17.10.2013, no Cartório Notarial de ..., Banco 1... intitulada de «promitente-vendedor», H... S.A., intitulada de «cessionário autorizado», e O... S.A.R.L. intitulado de «cedente» outorgaram um documento particular designado de «cessão de créditos», mediante o qual a sociedade O... S.A.R.L. declarou ceder a sua posição contratual à sociedade (…), STC, na qualidade de promitente comprador, por referência ao contrato promessa outorgado com a Banco 1... em 28.06.2013, cujo objecto se reporta a uma carteira de créditos vencidos, concedidos a diferentes mutuários, pelo preço global de € 2.417.997,80.

Facto julgado não provado na sentença recorrida:

A Banco 1... intentou uma acção executiva contra os réus, oferecendo como título executivo as duas livranças mencionadas no ponto 1), a qual correu termos na extinta 4.ª Vara Cível de Lisboa, 2.ª Secção, sob o n.º 10544/98.....


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No requerimento de injunção que esteve na origem desta acção, a recorrente alegou, resumidamente, o seguinte:

- Por contrato celebrado em 17.10.2013, a Banco 1... cedeu à recorrente os créditos que detinha sobre os recorridos;

- Tal cessão incluiu a transmissão, relativamente a cada um dos créditos, de todos os direitos, garantias e direitos acessórios aos mesmos inerentes;

- O que faz com que, presentemente, a recorrente seja a titular dos créditos sub judice;

- A recorrente é dona e legítima proprietária de duas livranças, subscritas pela primeira recorrida e avalizadas pelo segundo recorrido, uma emitida em 04.06.1995 e vencida em 04.07.1995, no montante de Esc. 1.300.000$00, e a outra emitida em 02.05.1995 e vencida em 01.07.1995, no montante de Esc. 500.000$00;

- Apresentadas a pagamento, tais livranças não foram pagas;

- A recorrente tem um crédito sobre os recorridos no montante global de € 17.197,94, correspondente a capital e juros de mora, além dos juros de mora vincendos.

É esta a causa de pedir. A recorrente invocou factos que, no seu entendimento, determinaram que ela tivesse adquirido os créditos cambiários incorporados nas duas livranças descritas.

A questão que logicamente se coloca em primeiro lugar é a de saber se a recorrente adquiriu efectivamente os referidos créditos.

Nos termos dos artigos 11.º e 77.º da Lei Uniforme relativa a Letras e Livranças (LULL), a livrança é transmissível através de endosso. Trata-se de um título necessariamente à ordem (artigo 75.º, n.º 5, da LULL). O endosso constitui a forma de transmissão dos direitos incorporados na livrança (artigos 14.º e 77.º da LULL) e deve ser escrito neste título de crédito ou numa folha a ele ligada (anexo) e assinado pelo endossante (artigos 13.º e 77.º da LULL). Só assim uma pessoa diversa do tomador ficará legitimada para exercer o direito incorporado na livrança.

Ora, não consta da matéria de facto provada (a qual não foi posta em causa nos termos previstos no artigo 640.º do CPC) que as livranças dos autos tenham sido endossadas à recorrente. Pelo contrário o portador dessas livranças é a Banco 1... (n.º 1 daquela matéria). Logo, a recorrente carece de legitimidade substantiva para exercer os direitos incorporados naqueles títulos de crédito, o que, por si só, determina a improcedência da acção. A recorrente apresenta-se nesta acção a exercer direitos cambiários cuja titularidade não adquiriu pela forma estabelecida na LULL.

Mas há mais.

Como resulta do n.º 5 da matéria de facto provada, mediante contrato celebrado no dia 17.10.2013, a sociedade denominada O... S.A.R.L. cedeu, à recorrente, a sua posição de promitente compradora num contrato-promessa que outorgara, em 28.06.2013, com a Banco 1..., tendo por objecto “uma carteira de créditos vencidos, concedidos a diferentes mutuários, pelo preço global de € 2.417.997,80”. Ou seja, a recorrente não adquiriu créditos de que houvesse sido titular a Banco 1... e tivessem sido transmitidos, através de um contrato de cessão de créditos, à O... S.A.R.L., mas, meramente, a posição desta, como promitente compradora, num contrato-promessa de cessão de créditos que celebrara com a Banco 1.... Por efeito desse contrato-promessa, a Banco 1... não transmitiu e a O... S.A.R.L. não adquiriu qualquer crédito de que aquela fosse titular, antes tendo, ambas as sociedades, prometido, reciprocamente, celebrar, em data posterior, o contrato definitivo de cessão de créditos. Daí que a “O... S.A.R.L.” não pudesse transmitir, à recorrente, mais do que aquilo de que era titular, ou seja, uma mera posição de promitente compradora de créditos alheios num contrato-promessa.

Sintomaticamente, a Banco 1... é referida, no contrato celebrado em 17.03.2013, como “promitente-vendedor” (n.º 5 da matéria de facto provada). Apenas a designação, dada a esse contrato, de “cessão de créditos”, não se harmoniza com o enquadramento a que procedemos. Contudo, não é essa qualificação do contrato, erradamente atribuída pelas partes, que põe em causa aquilo que, objectivamente, de acordo com o referido no n.º 5 da matéria de facto provada, resulta do conteúdo dos dois contratos celebrados, o primeiro entre a Banco 1... e a “O... S.A.R.L.” e o segundo entre estas sociedades e a recorrente.

A primeira conclusão do recurso não corresponde à realidade na parte em que sustenta “que existe de facto uma cessão de créditos, celebrada entre o primitivo credor e a ora recorrente”. De acordo com a matéria de facto julgada provada, a Banco 1... e a recorrente não celebraram, entre si, qualquer contrato de cessão de créditos.

A própria recorrente entra em contradição quando, ainda na primeira conclusão, afirma que “no mesmo contrato, é cessionária da posição contratual da (…) Investments S.A.R.L., que assumiu a posição de promitente-compradora, no contrato outorgado em 28 de Junho de 2013, com a Banco 1...”. Afinal, a recorrente admite que o contrato celebrado em 28.06.2013 entre a Banco 1... e a O... S.A.R.L. foi um mero contrato-promessa de cessão de créditos e que foi a posição da segunda, promitente compradora, que lhe foi cedida através do contrato celebrado em 17.10.2013.

Mais, a recorrente termina a primeira conclusão enfatizando que “apenas existe um contrato-promessa, sendo o mesmo, o que foi celebrado em 28 de Junho de 2013 e não em 17 de Outubro de 2013”. É verdade. Em 28.06.2013 foi celebrado um contrato-promessa de cessão de créditos e, em 17.10.2013, foi celebrado um contrato de transmissão da posição da promitente compradora naquele contrato-promessa para a recorrente. Em momento algum a Banco 1... cedeu os créditos de que era titular, fosse à “O... S.A.R.L.”, fosse à recorrente.

Em consequência, mesmo abstraindo da circunstância da falta de endosso das livranças à recorrente, sempre faltaria a prova de que esta adquiriu os direitos de crédito que invoca nesta acção.

Uma terceira circunstância obstaria à legitimidade substantiva da recorrente. Mesmo pondo de lado a falta de endosso das livranças à recorrente e supondo, por outro lado, que, em 28.06.2013, tivesse sido celebrado um verdadeiro contrato de cessão de créditos entre a Banco 1... e a O... S.A.R.L., créditos esses que esta, em 17.10.2013, tivesse cedido à recorrente, ou, em alternativa, que, nesta última data, a Banco 1... tivesse cedido directamente, à recorrente, os créditos que anteriormente prometera ceder à “O... S.A.R.L.” (sendo certo que a matéria de facto provada afasta claramente qualquer destas hipóteses), sempre faltaria a prova de que os créditos que a recorrente invoca integrassem a “carteira de créditos vencidos, concedidos a diferentes mutuários, pelo preço global de € 2.417.997,80”.

Por qualquer das razões anteriormente referidas, é evidente a ilegitimidade substantiva da recorrente, pois não provou ser titular dos direitos de crédito que invoca nesta acção. Daí que esta última sempre tivesse de ser julgada improcedente, com a consequente absolvição dos recorridos do pedido.

A sentença recorrida aflorou a questão que acabámos de analisar, observando, a esse propósito, que “De acordo com o acervo fáctico dado como provado nos autos, resulta demonstrado que a Banco 1... é legítima portadora de duas livranças, no valor global de € 8.978,36, emitidas, respectivamente, em 04.06.95 e 02.05.95, e vencidas em 04.07.95 e 01.07.95, subscritas pela sociedade A..., Lda. e avalizadas por AA” e que “não resulta do ponto 5) dos factos dados como provados, contrariamente ao alegado pela Autora, que em 17.10.2013, a Banco 1... tenha cedido uma carteira de créditos vencidos, onde se encontra englobado o(s) crédito(s) detidos sobre os Réus e peticionados nos autos, na medida em que aquele acordo consubstancia tão somente um contrato de promessa de cessão, e não a cessão (definitiva) de tais créditos”. Pelas razões que expusemos anteriormente, isto bastava para concluir pela improcedência da acção, por ilegitimidade substantiva da autora/recorrente. Esta alegou, no requerimento inicial, ser a titular dos dois direitos de crédito com base nos quais fundamentou o pedido que formulou contra os réus/recorridos, alegação essa que garantiu a sua legitimidade processual, nos termos do artigo 30.º do CPC, mas não logrou provar ser ela, na realidade, a titular dos mesmos direitos, o que determina a sua ilegitimidade substantiva e, logo, a improcedência da acção.

Não obstante, a sentença recorrida avançou para a análise do modo como os dois direitos de crédito em questão teriam sido exercidos, concluindo verificar-se uma situação de abuso do direito, na modalidade de suppressio. Tal análise não tem cabimento após se concluir que a recorrente não é a titular dos referidos direitos. Em rigor, nem sequer pode falar-se em exercício dos mesmos direitos, pois o pedido de condenação dos recorridos no cumprimento das correspondentes obrigações foi feita, não pelo seu titular, mas por terceiro. A discussão sobre a forma como um direito de crédito é exercido apenas tem cabimento perante um verdadeiro exercício, entenda-se, levado a cabo pelo seu titular, e com este último, em acção na qual ele seja parte.

Concluindo, a acção tinha de improceder porquanto a autora/recorrente não logrou provar ser ela a titular dos dois direitos de crédito que invocou, verificando-se, assim, uma situação de ilegitimidade substantiva daquela. Com isso, a questão da eventual paralisação da pretensão da recorrente com fundamento em abuso do direito, na modalidade de suppressio, ficou prejudicada. Sem aquela titularidade, não pode, logicamente, falar-se em abuso do direito.


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Dispositivo:

Delibera-se, pelo exposto, julgar o recurso improcedente, confirmando-se a sentença recorrida, embora com fundamentação não inteiramente coincidente com a desta.

Custas pela recorrente.

Notifique.


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Sumário: (…)

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Évora, 15.09.2022

Vítor Sequinho dos Santos (relator)

José Manuel Barata

Emília Ramos Costa