Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
8964/15.3T8STB.E1
Relator: TOMÉ RAMIÃO
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
CULPA
DANOS FUTUROS
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANO BIOLÓGICO
Data do Acordão: 02/14/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROCEDENTE A APELAÇÃO DA RÉ CC,S.A. E PARCIALMENTE PROCEDENTE A APELAÇÃO DO RÉU FGA
Sumário:
1. Se o veículo automóvel ligeiro “TD” circulava na sua mão de trânsito, em via reta, com 6,40 m de largura, com boa visibilidade, bom piso e bom tempo, quando foi subitamente invadida a sua faixa de rodagem pelo veículo de cor branca, que seguia em estrada que vai entroncar com aquela, não imobilizando o veículo como se lhe impunha, face à existência do sinal vertical “Stop” que aí se encontra, impedindo aquele de circular e obrigando-o a desviar-se para a faixa contrária, a fim de evitar a colisão, fazendo com que se despistasse, apesar de tentar retomar a marcha, a culpa na produção do acidente deve ser atribuída única e exclusivamente a este condutor, pela cometida contraordenação muito grave, p. p. pelo art.º 146.º, al. n) do Código da Estrada, causal do acidente.
2. No respeita ao quantum indemnizatório por danos morais, a fixar segundo critérios de equidade, nos termos do art.º 496.º/4 do C. Civil, há que atender nomeadamente à extensão e gravidade dos danos, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e social à do lesado, à sua idade, aos padrões da indemnização geralmente adotados na jurisprudência e às flutuações do valor da moeda.
3. Só é passível de ressarcimento o dano que seja efetivamente suportado pelo lesado para o exercício de prática desportiva, sendo irrelevante a vontade de a retomar, justificando-se a condenação do Réu no montante que se vier a liquidar em execução de sentença a título de danos patrimoniais futuros com o exercício dessa atividade física, visto que tal dano ainda não ocorreu, nos termos do art.º 693.º/2 do C. P. Civil.
4. Demonstrando-se que o autor, em consequência do acidente de viação, sofreu várias lesões físicas, nomeadamente ao nível dos membros inferiores com amputação transtibial bilateral, à esquerda ao nível da articulação tibiotársica e à direita ao nível do terço distal da perna, que lhe determinaram um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 53 pontos, sequelas que são compatíveis com o exercício da sua atividade profissional habitual, após reconversão e uso de próteses, sem redução de vencimento, mas que implicam elevados esforços suplementares, assim como no seu quotidiano, tendo 35 anos de idade, sendo fixado o Quantum Doloris no grau 5/7 e o Dano Estético Permanente no grau 6/7, necessitando permanente e periodicamente de fazer fisioterapia, de ajudas técnicas permanentes, como próteses e respetivos acessórios e cadeira de rodas, cadeira de banho, necessitar do apoio de terceira pessoa, considera-se adequado, porque conforme a critérios de equidade, a quantia de €100.000,00 (cem mil euros) a título de indemnização pelo dano biológico e € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) pelos restantes danos morais.
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Évora


I- Relatório:
BB, residente em …, Fonte da Vaca, 2955-… Pinhal Novo, intentou a presente ação declarativa comum contra o Fundo de Garantia Automóvel (Instituto de Seguros de Portugal), com sede na Avenida da República n. º 59, Lisboa, e Companhia de Seguros CC, S.A., com sede na .., Lisboa, atualmente CC, S.A., pedindo que os Réus sejam condenados, na proporção da responsabilidade que se vier a apurar, a pagar-lhe a quantia de € 10.646,07, referente aos montantes por ele despendidos com deslocações para tratamentos e consultas, medicamentos, tratamentos e demais identificado reclamado junto do primeiro réu mas por este não reembolsado; a pagar-lhe a quantia de €3.669,09, a título de lucros cessantes na vertente de perda de remunerações; a título de danos patrimoniais na vertente de danos resultantes da incapacidade física (ou de dano biológico ou não patrimonial resultantes da incapacidade física, caso se entenda que os mesmos não integram a categoria de danos patrimoniais), a quantia de € 457.550,75; a título de danos não patrimoniais a quantia de € 250.000,00; pelas ajudas técnicas que o mesmo terá que adquirir ao longo da sua vida a quantia de € 1.508.433,22; a título de medicamentos e apoios que o mesmo terá que adquirir com carácter vitalício, a quantia de € 30.000,00; a título de despesas vitalícias em consultas, médicos, cirurgias e tratamentos a quantia de € 40.000,00; e a título de aquisição e adaptação de residência à condição de bi-amputado, a quantia de € 90.000,00.
Alegou, em resumo, ter sido vítima de um acidente de viação, ocorrido em 12 de Janeiro de 2011, na EN 252, Montijo, no qual interveio veículo o ligeiro de passageiros de matrícula …-…-TD, segurado na R. CC, na altura conduzido por José …, taxista da empresa Táxis DD, Soc. Unipessoal, Lda., proprietária do veículo, e um veículo de cor branca cuja matrícula e cujo proprietário, não foi possível identificar.
Seguia no táxi no banco de passageiro da frente e imputou a culpa na produção do acidente ao condutor do veículo de cor branca, que não respeitou um sinal de Stop e entrou na via por onde circulava o …-…-TD cortando-lhe por completo a linha de marcha e fazendo-o despistar-se.
Em consequência do acidente sofreu lesões físicas e danos morais e patrimoniais que concretizou.
Citados os RR., o Réu FGA contestou, impugnando, por desconhecimento, parte dos factos alegados pelo Autor, considerou excessivos os valores reclamados e a demonstrar-se que a responsabilidade na produção do acidente em causa seja do condutor do veículo seguro na CC, terá direito de regresso pelos valores pagos no âmbito do presente sinistro.
A R. Companhia de Seguros CC contestou, invocando a prescrição do direito do A., por terem decorrido mais de três anos entre a data do acidente e a citação da R., nunca tendo o A. reclamado qualquer quantia, e impugnou a factualidade invocada pelo A., alegando que a responsabilidade na produção do sinistro cabe exclusivamente ao condutor do veículo branco não identificado.
O Autor respondeu à exceção da prescrição, pugnando pela sua improcedência.
Saneado o processo e realizado o julgamento, foi proferida a competente sentença com o seguinte dispositivo:
Pelo exposto, julga-se a presente ação parcialmente procedente por provada e, em consequência:
Condenam-se solidariamente os réus Fundo de Garantia Automóvel e CC, S.A. no pagamento ao A. das seguintes quantias:
i. 1.512.102,31 € (um milhão, quinhentos e doze mil, cento e dois euros e trinta e um cêntimos), a título de indemnização por danos patrimoniais.
ii. 100.000,00 € (cem mil euros) a título de indemnização por dano biológico.
iii. 150.000,00 € (cento e cinquenta mil euros) a título indemnização por danos não patrimoniais.
Condenam-se solidariamente os réus Fundo de Garantia Automóvel e CC, S.A. no pagamento ao A. nas quantias que se apurarem em sede de liquidação de sentença relativas a:
- Montantes despendidos pelo A. com deslocações para tratamentos e consultas, medicamentos, tratamentos e demais reclamado junto do primeiro réu, que sejam devidos em consequência do acidente, com o limite peticionado de 10.646,07 €:
- Os montantes que o A. terá de despender a título de medicamentos e apoios, consultas, médicos, cirurgias e tratamentos que o mesmo terá que adquirir com carácter vitalício, com o limite peticionado de 70.000,00 €;
- Os montantes que o A. terá de despender a título de aquisição e adaptação de residência à condição de bi-amputado, em substituição da existente, deduzindo ainda eventuais rendimentos provenientes da mesma, com o limite peticionado de € 90.000,00.
Absolvem-se os RR. Fundo de Garantia Automóvel e CC, S.A. do demais peticionado pelo A”.
Inconformado com o assim decidido, veio o Réu FGA interpor o presente recurso, alegando e concluindo nos termos seguintes:
A) O Tribunal "a quo" apesar de toda a factualidade dada como provada quanto á dinâmica do acidente, a saber:
“8- Na ocasião referida e 1) era noite, sendo que a visibilidade era boa, tratando-se de uma via iluminada, estava bom tempo.
9- A velocidade legalmente permitida naquele local (Jardia, K 2,500) era de 50
Km/ hora (…);
11 – Para quem circula pela referida via que dá acesso ao interior da localidade de Jardia e pretende entrar na Estrada Nacional 252, existe no lado direito da faixa de rodagem, imediatamente antes do entroncamento, um sinal de “Stop”.
14- A referida viatura de cor branca não respeitou o sinal de “Stop”.
15 – Deste modo, entrou na via por onde circulava o veículo TD, cortando-lhe por completo a linha de marcha.
16- O condutor do veículo TD, para não colidir contra o veículo de cor branca,
desviou-se do meso guinando, num primeiro momento, o volante para a direita e travando.
17- O condutor tentou então retomar a via.
18- Em virtude da brusquidão da manobra bem como da velocidade a que seguia o TD, não concretamente apurada, mas que não lhe permitiu imobilizar o veículo no espaço livre e visível á sua frente, ou sequer, controlar o veículo mercê da manobra de diversão que efetuou, o condutor perdeu o controlo do veículo que conduzia.
19- Com a velocidade a que vinha animado e a perda do controlo do veículo, este atravessou a via, invadindo o sentido de marcha do lado contrário àquele em que o TD seguia e foi embater no rail existente na via, do lado esquerdo, atento o sentido de marcha em que o TD seguia, quando este, mercê do despiste, estava já com a frente virada em sentido contrário àquele em que seguia, danificou o rail em aproximadamente 15 m.
20- Com a violência do embate, o rail de proteção existente do lado esquerdo
da via, atento o sentido de marcha em que o TD seguia, perfurou o veículo TD na lateral do veículo, do lado direito do mesmo, lado onde seguia o A, como ocupante do veículo.
21- O TD sofreu ainda um capotamento.
22- O TD, após embater no rail, este ter perfurado o lado direito do veículo e capotar só veio ainda a imobilizar-se contra o muro de uma residência existente no local (sito na Rua União Clube Jardinense, n.º 165, Jardia, Montijo) tendo-o danificado e vindo a imobilizar-se fora da faixa de rodagem, sendo que no local a largura da berma e do passeio é de 2,73 m.
23- O veículo matrícula …-…-TD sofreu danos avultados especialmente na lateral direita, onde o veículo sofreu um corte praticamente a todo o comprimento do veículo.”
E do depoimento de Claudino … (ocupante do veículo TD, táxi), que referiu o seguinte:
“(…) caso viessem dentro do limite permitido, o acidente não teria ocorrido daquela forma, nem o despiste teria sido como foi, com as consequências que infelizmente veio a ter.”
B) A Mm.ª Juiz “a quo” ”, entendeu pela repartição de culpas entre os responsáveis, julgar adequado fixar a responsabilidade do condutor do veículo branco e 60% e do condutor do TD em 40%.
C) Ora, apesar da velocidade a que seguia o veículo TD (táxi), forçosamente se conclui que, caso o TD seguisse dentro dos limites de velocidade impostos para o local, ou seja, 50 km /hora, mais tempo de reação teria para travar tranquilamente, ou simplesmente desacelerar, sem ter de recorrer a manobras evasivas, evitando assim o seu despiste.
D) Certo é que se, o veículo TD, seguisse a 50 km/ hora, nunca teria tais consequências. Assim, s.m.o., parece-nos óbvio que as consequências deste acidente, assim como a gravidade das lesões causadas ao Autor, se deveu única e exclusivamente á velocidade manifestamente exagerada, imprimida por parte do condutor do veículo TD.
E) Nesta medida, deveria o FGA ter sido absolvido do pedido contra si formulado, uma vez que s.m.o., o veículo de cor branca em nada contribuiu para o resultado das lesões sofridas pelo Autor.
F) Por outro lado, quanto aos danos patrimoniais, resultou da matéria dada como provada que desde a data do acidente que o Autor deixou de praticar qualquer desporto, porque se sente deprimido e com vergonha do seu corpo.
G) Ora, acidente ocorreu em janeiro de 2011 e a produção de prova realizou-se
em meados de 2018, ou seja, o Autor durante mais de 7 anos que não utilizava próteses desportivas, nem pretendia voltar tão depressa à prática de desportos.
H) O Autor peticionou um custo de próteses desportivas de € 24.153,23 anual, pelo que, ao valor sentenciado, deveriam ser descontados, pelo menos € 169.072,61 (€ 24.153,23 x 7 anos).
I) No entanto, e como se desconhece se o Autor pretende voltar a praticar desporto, o restante valor sentenciado de tais próteses deveria ser relegado para execução de sentença.
J) Por último, quanto ao valor fixado a título de dano biológico e danos não patrimoniais, o douto Tribunal “a quo” assenta a sua decisão com base nos critérios de que a fixação dos danos não patrimoniais não deva ser aleatória, mas também não deverá limitar-se a formulas matemáticas devendo, portanto, seguir-se o critério previsto no art.º 496º n.ºs 1 e 4 do C.C., que desde já se concorda.
K) Por último, embora se reconheça que a Portaria 377/2008 de 26 de maio tenha sido elaborada para apresentação de propostas razoáveis, o que é certo é que os valores nela explanados, cada vez mais se aproximam dos valores justamente aplicados pelos nossos Tribunais Superiores, como aliás é o caso do Tribunal ora recorrido.
L) Pelo exposto, parece-nos justa e adequada a indemnização, a título de danos não patrimoniais do Autor, em valor nunca superior a € 100.000,00 e a título de dano biológico em valor nunca superior a € 75.000,00.
M) A douta sentença recorrida ao fixar os montantes indemnizatórios em termos de dano Biológico na vertente não patrimonial e danos não patrimoniais violou, assim, o disposto nos art.ºs 494º, 496º, 562º todos do Código Civil e art.º 506.º do C.C., no que respeita á responsabilidade de cada interveniente.
Termos em que, revogando-se a douta Sentença recorrida, no âmbito delimitado pelo objeto do presente recurso, se fará, como sempre, Justiça.
***
Também a Ré CC veio recorrer da sentença, concluindo, após alegações, nos termos seguintes:
1) A Recorrente foi solidariamente condenada nos seguintes montantes:
a) 1.512.102,31 € a título de indemnização por danos patrimoniais, designadamente em despesas com equipamentos;
b) 100.000,00 € a título de indemnização por dano biológico.
c) 150.000,00 € a título indemnização por danos não patrimoniais.
d) 3.669,09 € a título de indemnização por diferenças salarias.
e) “Montantes despendidos pelo A. com deslocações para tratamentos e consultas, medicamentos, tratamentos e demais reclamado junto do primeiro réu, que sejam devidos em consequência do acidente, com o limite peticionado de 10.646,07 €
f) Os montantes que o A. terá de despender a título de medicamentos e apoios, consultas, médicos, cirurgias e tratamentos que o mesmo terá que adquirir com carácter vitalício, com o limite peticionado de 70.000,00 €;
g) Os montantes que o A. terá de despender a título de aquisição e adaptação de residência à condição de bi-amputado, em substituição da existente, deduzindo ainda eventuais rendimentos provenientes da mesma, com o limite peticionado de € 90.000,00.”
2) A Recorrente não se pode conformar com esta decisão, pois entende que deveria ter sido feita uma ponderação diferente da matéria de facto o que levaria a uma absolvição parcial da Ré.
3) No entender da Recorrente o tribunal a quo deveria ter decidido de forma diferente em relação aos seguintes aspetos:
D. 40% de responsabilidade da ora Recorrente;
E. Condenação no valor de € 1.512.102,31, por danos patrimoniais, designadamente em despesas com equipamentos;
F. Condenação no valor de € 90.000,00 a título de aquisição e adaptação de residência à condição de bi-amputado.
4) Com interesse para a apreciação das questões objeto deste recurso, resultou
como provada a matéria dos pontos 1 a 23, 33, 39, 44, 48 a 66, 79 e 86 a 93.
5) Com igual interesse para o objeto do presente recurso, resultou não provado o seguinte:
“a) Que o TD seguia a uma velocidade inferior a 50 Km/hora, ou a que distância o TD se encontrava do entroncamento quando surgiu o veículo branco à sua frente;”
6) No que diz respeito à velocidade que trazia o veículo seguro, único argumento do tribunal a quo para atribuir alguma responsabilidade na produção do acidente ao veículo seguro, o tribunal apenas refere no ponto 18 que não foi possível determinar a velocidade.
7) Por outro lado, o tribunal deu expressamente como não provado, na alínea a),
que não é possível determinar a velocidade e a distância se encontrava o veículo seguro do entroncamento e consequentemente do veículo branco.
8) O tribunal formou a sua convicção no testemunho de Cláudio … que prestou depoimento no dia 26-06-2018, entre as 10:12:23 e as 10:36:13, no entanto na opinião da ora Recorrente ouve partes do depoimento desta testemunha que o tribunal ignorou e caso não o tivesse feito a decisão quanto à responsabilidade seria diferente.
9) Esta testemunha quando foi ouvida entre os minutos 03:15 e 04:25, descreve o acidente por palavras suas, num discurso livre e sem estar condicionado às perguntas fechadas, relata que o veículo branco num primeiro momento dá indícios que vai deixar passar o táxi - veículo seguro na Ré - daí a testemunha ter dito que como o táxi tinha prioridade prosseguiram e que só num momento subsequente é que o veículo branco se mete à estrada invadindo a faixa por onde circulava o táxi.
10) Tendo em consideração esta dinâmica resulta evidente que a única causa do
acidente foi o carro branco ter cortado a linha de trânsito do táxi. Se o veículo branco não tivesse cortado a faixa de rodagem do táxi o acidente nunca se daria, por isso só existe uma causa do acidente e não está minimamente relacionada com a condução do táxi.
11) Não era expectável ao condutor do táxi, ou a qualquer outro condutor colocado naquela situação, que depois do carro branco ter hesitado na entrada do entroncamento fosse posteriormente desrespeitar o sinal de STOP e cortar a faixa do táxi exatamente no momento em que este se encontrava a passar.
12) Na opinião da Recorrente também resulta claro desta descrição que o momento em que o carro branco cruza a faixa de rodagem coincide com o momento em que o táxi se encontrava a começar a passar o entroncamento.
13) A Recorrente entende que resulta evidente que o veículo branco num primeiro momento dá indícios que vai deixar passar o táxi - veículo seguro na Ré - daí a testemunha ter dito que como o táxi tinha prioridade prosseguiram e que só num momento subsequente é que o veículo branco se mete à estrada invadindo a faixa por onde circulava o táxi.
14) Assim sendo, o facto de eventualmente o táxi seguir com uma velocidade superior à permitida no local não foi a causa do acidente nem se pode valorar para o agravamento dos danos, uma vez que o facto de o veículo branco hesitar deu a entender que ia aguardar pela passagem do táxi e por isso a velocidade que o táxi trazia não interfere com a dinâmica.
15) Face ao exposto a Recorrente entende que o ponto 18 dos factos provados
deveria ter a seguinte redação:
“Em virtude do surgimento de forma inopinada do veículo de cor branca, e das manobras evasivas referidas em 16 e 17 o condutor do táxi perdeu o controlo do veículo que conduzia.”
16) E consequentemente o ponto 13 deveria ter a seguinte redação:
“Quando o veículo de matrícula …-…-TD se encontrava a começar a passar o entroncamento acima referido, foi súbita e inadvertidamente surpreendido por um veículo de cor branca, suja matrícula ou proprietário não foi possível apurar, o qual surgindo na referida via que dá acesso ao trânsito no interior da localidade da Jardia, pretendeu entrar na Estrada Nacional 252, no sentido Pinhal Novo - Montijo.”
17) A Recorrente entende ainda que o tribunal não pode, dar como não provado a velocidade em que o táxi seguia, e ao mesmo tempo considerar essa velocidade como causa, conforme faz no ponto 19 do facto assente.
18) A ser assim, existe uma contradição entre os factos provados e não provados e por essa razão a Recorrente entende que o ponto 19 deveria ter apenas a seguinte redação:
“Com a perda do controlo do veículo, este atravessou a via, invadindo o sentido de marcha do lado contrário àquele em que o TD seguia e foi embater no rail existente na via, do lado esquerdo, atento o sentido de marcha em que o TD seguia, quando este, mercê do despiste, estava já com a frente virada em sentido contrário àquele em que seguia, danificando o rail em aproximadamente 15 m.”
19) Com base na alteração da matéria de facto que se propõe a repartição de responsabilidade não faz sentido e como tal a Recorrente deve ser absolvida do pedido.
20) Caso assim não se entenda, o que só por mero dever de patrocínio se equaciona, então a proporção de responsabilidades do veículo seguro terá obrigatoriamente de ser reduzida, uma vez que a contribuição para a produção do acidente foi muito diminuta.
21) Com efeito, não se tendo provado a que velocidade seguia o táxi, ficando só
demonstrado que seguia a mais de 50km/h, não se pode dar um salto e determinar que se o táxi viesse a uma velocidade inferior o acidente não se daria.
22) Na ótica da Recorrente não se conhece se o excesso de velocidade era de
apenas mais 10km/h ou mais 40km/h e por isso também não pode valorar da mesma maneira ou com uma diferente de apenas 20% a atuação do condutor do veículo seguro e a atuação do condutor do veículo branco.
23) Relembre-se que segundo foi mencionado pela testemunha Cláudio …, o condutor do veículo branco ficou no pára/arranca o que induziu o condutor do táxi em erro, convencendo-o que poderia manter a sua marcha sem qualquer interferência.
24) Assim toda a atuação do condutor do veículo branco é altamente criticável e merece uma censura maior, especialmente se for tido em consideração que este condutor com certeza que se apercebeu do despiste do táxi e nem sequer imobilizou o seu veículo.
25) Importa ainda referir conforme é mencionado na sentença, que quanto muito o condutor do táxi agravou os danos resultantes de um acidente inevitável, não lhe deu causa e por essa razão a censura que lhe pode ser imputável terá de ser diminuta.
26) Assim sendo a Recorrente entende que a repartição de responsabilidade se
deve fazer em 10% para o condutor do táxi e 90% para o condutor desconhecido do veículo branco.
27) A Ré não está de acordo com a condenação para liquidação de sentença do
montante de € 90.000,00 a título de aquisição e adaptação de residência à condição de bi-amputado, em substituição da existente, deduzindo ainda eventuais rendimentos provenientes da mesma.
28) Relativamente aos pontos 86 a 89 e 90 a 93, o Tribunal ficou convencido que o Autor conseguiria viver sozinho numa casa, no entanto a Recorrente discorda desta conclusão, desde logo porque quando foram inquiridas a irmã e mãe do Autor estas foram perentórias a responder que ainda nos dias de hoje o Autor necessita de ajuda no dia-a-dia.
29) Com efeito, quando a irmã do Autor, Cláudia …, foi ouvida no dia 26/06/2018, entre as 11:07:51 e as 11:55:07 e mãe do Autor, Etelvina …, foi ouvida no dia 26/06/2018, entre as 15:37:27 e as 15:53:07, transmitiram ao tribunal a sua opinião sobre este assunto.
30) Na opinião destas testemunhas, o Autor precisa de acompanhamento para
certas tarefas e por essa razão não conseguiria viver sozinho.
31) Face ao acima exposto a Recorrente entende que a resposta ao quesito 44 deve ter a seguinte redação: “44) O A. consegue vestir-se e tomar banho sozinho, mas por vezes necessita de ajuda para tanto e para a sua higiene pessoal, como fazer a barba.”
32) Na opinião da Recorrente não pode resultar provado que a casa dos pais não
está adaptada, pelos seguintes motivos:
(i) Autor encontra-se a viver com os pais desde o acidente, isto é, desde 2011, pelo que dificilmente se aceita que a casa ainda não esteja adaptada.
Também não foi dito pelas testemunhas que a casa não estava adaptada, nesse sentido, veja-se o facto 39 que deu como provado que o Autor utiliza regularmente a cadeira de rodas em casa;
(ii) O Autor alega no artigo 58.º da petição inicial que reclamou diversas quantias ao FGA e que foi recebendo alguns pagamentos, mas feita uma análise detalhada aos documentos, rapidamente percebemos que o Autor juntou faturas de despesas com a adaptação da casa, veja-se por exemplo as páginas 31 a 37 do documento 6;
(iii) Tanto a mãe como a irmã do Autor afirmam que a casa sofreu adaptações.
33) Assim sendo a Recorrente entende que a expressão “em virtude de a casa dos seus pais não estar adaptada.” deve ser eliminada do ponto 44 por ser contraditória com os demais factos provados e porque os depoimentos e os documentos junto aos autos evidenciam o contrário.
34) O Tribunal entendeu ainda que a falta de autorização do condomínio para instalar um elevador no prédio onde o Autor tem a casa, é o motivo para que esteja a viver em casa dos pais, conforme consta do ponto 88 dos factos provados.
35) A Recorrente também não está de acordo com este entendimento, porque não foi isso que resultou da inquirição à irmã e mãe do Autor, nem é isso que resulta do ponto 33 dos factos provados.
36) Resultou evidente que a irmã do Autor, apesar de não viver com este, tem uma presença constante no dia-a-dia do irmão e reconhece as dificuldades que este tem nas tarefas básicas de uma casa.
37) Por outro lado, a mãe chegou a fazer referências às noites mal dormidas e aos pesadelos que o Autor tem e que implicam uma vigília constante.
38) Nessa medida a Recorrente entende que o Autor está a viver na casa dos pais, (i) porque a casa dele não está adaptada (ii) e porque o Autor necessita de ajuda no seu dia-a-dia, ajuda essa que é disponibilizada pelos pais e pela irmã.
39) Face ao exposto, não se pode aceitar que o facto descrito no ponto 88 se mantenha com a expressão, “por isso” e sugere que fique apenas com a seguinte redação: “88) “O Autor encontra-se a residir em casa dos seus Pais.”
40) Com as alterações que se identificaram supra, a Recorrente entende que não
resultou provado que o Autor vá necessitar de comprar uma outra casa e fazer obras de adaptação, já que vai precisar estar acompanhado para conseguir fazer todas as tarefas diárias que uma casa exige.
41) Razão pela qual, não se encontram reunidos os pressupostos para que o pedido de liquidação de sentença do montante de € 90.000,00 a título de aquisição e adaptação de residência à condição de bi-amputado, se mantenha e como tal a Recorrente deve ser absolvida do pedido.
42) Caso assim não se entenda a Recorrente considera que o tribunal deveria limitar o valor da condenação ao montante de € 33.298,75, conforme se encontra previsto na Portaria 377/2008.
43) Nos termos do artigo 10.º n.º 2 da Portaria 377/2008, a Recorrente só pode ser condenada nos custos com as obras de adaptação de acordo com os valores constantes do anexo V do mesmo diploma.
44) A Portaria tem vindo a sofrer atualizações e neste momento o valor máximo previsto para a adaptação da casa é de € 33.298,75.
45) A Recorrente foi igualmente condenada no pagamento de € 1.512.102,31 a título de indemnização por danos patrimoniais, designadamente em despesas com equipamentos.
46) O Tribunal deu como provado o alegado no artigo 136.º, no ponto 70) e 72) dos factos provados, com a seguinte fundamentação:
“Os factos assentes em 70), 71) e 72) resultaram, não só do que decorre do Relatório Pericial e relatório Médico de fls. 68 e 69, quanto à necessidade dos bens aí referidos, como do orçamento junto pelo A. a fls. 865 a 873, da declaração de fls. 843, da Piscina de Palmela, e dos depoimentos das testemunhas Cláudia …, Edgar …; Maria …, prima do A.; Eduardo …, amigo de infância do A. e seu colega durante algum tempo na ATEC; Etelvina …; Alexandra …, namorada do A. antes do acidente; Henrique …, amigo de infância do A.; Eduardo …, engenheiro de infraestruturas, atualmente chefe do A. na ATEC; Jorge …, técnico de telecomunicações, igualmente amigo de infância do A., que foram unânimes em afirmar a importância que o desporto tinha para o A., praticante de corrida, BTT e natação, que cultivava o seu corpo e no qual tinha orgulho, participando em diversas provas desportivas.
Ora, sendo certo que, especialmente a irmã do A., referiu que este neste momento, não manifesta disponibilidade para retomar a sua atividade física, pese embora os esforços de amigos e familiares para tanto, tendo estes deixado de insistir com o A. porque este não se sente bem, a verdade é que a irmã do A. não deixa de dizer que este se referia ao exemplo de Óscar Pistorius. E, para a convicção do Tribunal foi relevante a circunstância do A. ser um praticante de desportos e de atividade física, especialmente corrida, BTT e natação, sendo ainda referido por todas as testemunhas supra referidas que o mesmo retirava da atividade física grande prazer, que praticava a diário, que participava em provas desportivas amiúde, que a sua condição física refletia o exercício diário e que tal lhe proporcionava bem-estar. Ou seja, sendo o A. um desportista, o facto de não mostrar neste momento vontade de praticar exercício não afasta a convicção que tal oportunidade não lhe deve ser negada, sendo até essencial para a sua recuperação. Não se está perante uma vontade súbita do A. de iniciar qualquer atividade que anteriormente não praticava, buscando com isso um novo item indemnizatório, mas na realidade procura-se que ao A. seja reposta, tanto quanto possível, a condição em que se encontrava antes do acidente, não sendo lícito concluir, na convicção do Tribunal, que a retoma da atividade desportiva não venha a acontecer até ao final da vida do A.” negrito nosso
47) Resultou igualmente provado, no ponto 38), que o Autor se recusa a caminhar em terrenos irregulares ou inclinados,
48) Com a fundamentação apresentada nos pontos 70, 71 e 72, a Recorrente entende que o Tribunal a quo entrou em contradição quando reconhece que o Autor neste momento não prática qualquer desporto aquático ou outro e nem mostra interesse em o fazer, mas ainda assim condena nos valores das próteses e demais equipamentos associados à prática desses desportos.
49) Na opinião da Recorrente, o Tribunal a quo não tem como ter a certeza que o Autor alguma vez irá praticar desporto e nessa medida não pode condenar a Recorrente num dano que não é certo que venha a ocorrer.
50) A manter-se esta condenação, a Recorrente estará a pagar por um conjunto
significativo de equipamentos que o Autor nunca vai adquirir e desta forma estará a enriquecer sem causa e à conta da Recorrente.
51) Face ao exposto a Recorrente entende que todos os valores indicados no ponto 72 dos factos provados deveriam ser relegados para liquidação de sentença, para quando, e se, o Autor alguma vez vier a praticar alguma atividade desportiva.
52) Caso assim não se entende, o que só por mero de patrocínio se equaciona, a Recorrente entende que pelo menos nos primeiros anos, entre o acidente e a presente data, não existe margem para dúvidas que as próteses não foram utilizadas, nem sequer foi alegado que foram adquiridas e como tal, esse montante deverá ser reduzido às quantias fixadas.
53) Considerando que alguns dos equipamentos tem uma duração de 3 anos e outros de 6 meses, conforme melhor discriminado no ponto 71, deverá ser feita a redução aos 6 anos que mediaram entre o acidente e a presente data para se obter a redução dos equipamentos que nunca foram usados.
Pelo exposto, e no que demais for doutamente suprido, a sentença recorrida deverá ser alterada nos termos acima peticionados, dando-se provimento ao presente recurso.
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A Ré CC contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso interposto pelo FGA.
Também o autor contra alegou relativamente ao recurso interposto pelo FGA, defendendo a bondade da decisão e pugnando pela sua manutenção.
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Os recursos foram admitidos como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e efeito devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.
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II – Âmbito do Recurso.
Perante o teor das conclusões formuladas pelos recorrentes – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso - arts. 608.º, nº2, 609º, 620º, 635º, nº3, 639.º/1, todos do C. P. Civil -, constata-se que as questões a decidir consistem em saber:
a) Se a matéria de facto deve ser alterada.
b) Se a proporção da responsabilidade dos veículos pela produção do acidente deve ser mantida ou alterada.
c) Se os montantes de indemnização fixados por danos morais e patrimoniais deve ser reduzido.
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III – Fundamentação fáctico-jurídica.
1. A matéria de facto fixada na 1.ª instância é a seguinte:
1) No dia 12 de Janeiro de 2011, perto das 5h da madrugada, na Estrada Nacional 252, ao Km 2.5, na localidade de Jardia, concelho do Montijo e distrito de Setúbal, circulava o veículo ligeiro de passageiros, marca Mercedes Benz – E 270 CDI, matrícula …-…-TD (doravante TD), no sentido Montijo – Pinhal Novo.
2) O TD era na altura conduzido por José …, taxista da empresa Táxis DD, Soc. Unipessoal, Lda., proprietária do respetivo veículo.
3) José … conduzia o TD enquanto trabalhador da “Táxis DD – Soc. Unipessoal, Lda.” e no exercício das funções inerentes a essa condição, ou seja na prossecução da atividade da sua entidade patronal.
4) A “Táxis DD – Soc. Unipessoal, Lda.”, à data do acidente, havia transferido a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo de matrícula …-…-TD, através de contrato de seguro do ramo automóvel titulado pela apólice nº 0002600752, para a R. Companhia de Seguros CC, S.A., atualmente CC, S.A.
5) No veículo de matrícula …-…-TD seguiam como passageiros, no banco da frente, o A. BB e, no banco de trás, Claudino ….
6) No local, a faixa de rodagem, em asfalto, permite o trânsito em dois sentidos, existindo uma via para cada um desses sentidos.
7) A faixa de rodagem configura uma longa reta, em patamar, com 6,40 m de largura, sensivelmente ao meio da qual existe um entroncamento com uma via que dá acesso ao trânsito para o interior da localidade da Jardia.
8) Na ocasião referida em 1) era de noite, sendo que a visibilidade era boa, tratando-se de uma via iluminada, e estava bom tempo.
9) A velocidade legalmente permitida naquele local (Jardia, Km 2,500) era de 50 Km/ hora, sendo que, no sentido Montijo/Pinhal Novo, existe sinalização semafórica limitadora de velocidade, colocada a distância não exatamente apurada, mas a cerca de 30 metros, à frente do local referido em 1), atento o referido sentido.
10) Atento o sentido de marcha do veículo de matrícula …-…-TD, o referido entroncamento intercepta a Estrada Nacional 252, ao Km 2,5, pela direita.
11) Para quem circula pela referida via que dá acesso ao interior da localidade de Jardia e pretende entrar na Estrada Nacional 252, existe no lado direito da faixa de rodagem, imediatamente antes do entroncamento, um sinal de “Stop”.
12) O veículo de matrícula …-…-TD circulava na Estrada Nacional 25, pela sua mão de trânsito.
13) Quando o veículo de matricula …-…-TD se encontrava a chegar ao entroncamento acima referido, foi súbita e inadvertidamente surpreendido por um veículo de cor branca, cuja matrícula ou proprietário não foi possível apurar, o qual surgindo referida via que dá acesso ao trânsito no interior da localidade da Jardia, pretendeu entrar na Estrada Nacional 252, no sentido Pinhal Novo – Montijo.
14) A referida viatura de cor branca não respeitou o sinal de “Stop”.
15) Deste modo, entrou na via por onde circulava o veículo TD, cortando-lhe por completo a linha de marcha.
16) O condutor do veículo TD, para não colidir contra o veículo de cor branca, desviou-se do mesmo guinando, num primeiro momento, o volante para a direita e travando.
17) O condutor tentou então retomar a via.
18) Em virtude da brusquidão da manobra bem como da velocidade a que seguia o TD, não concretamente apurada, mas que não lhe permitiu imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, ou sequer, controlar o veículo mercê da manobra de diversão que efetuou, o condutor perdeu o controlo do veículo que conduzia.
19) Com a velocidade a que vinha animado e a perda do controlo do veículo, este atravessou a via, invadindo o sentido de marcha do lado contrário àquele em que o TD seguia e foi embater no rail existente na via, do lado esquerdo, atento o sentido de marcha em que o TD seguia, quando este, mercê do despiste, estava já com a frente virada em sentido contrário àquele em que seguia, danificando o rail em aproximadamente 15 m.
20) Com a violência do embate, o rail de proteção existente do lado esquerdo da via, atento o sentido de marcha em que o TD seguia, perfurou o veículo TD na lateral do veículo, do lado direito do mesmo, lado onde seguia o A. como ocupante do veículo.
21) O TD sofreu ainda um capotamento.
22) O TD, após embater no rail, este ter perfurado o lado direito do veículo e capotar só veio ainda a imobilizar-se contra o muro de uma residência existente no local (sito na Rua União Clube Jardinense, n.º 165, Jardia, Montijo) tendo-o danificado e vindo a imobilizar-se fora da faixa de rodagem, sendo que no local a largura da berma e do passeio é de 2,73m.
23) O veículo matrícula …-…-TD sofreu danos avultados especialmente na lateral direita, onde o veículo sofreu um corte praticamente a todo o comprimento do veículo.
24) Todos os acidentados foram assistidos no local por uma equipa médica do INEM, do qual saiu ileso o condutor do TD, o passageiro Claudino … foi considerado ferido ligeiro e o A. foi considerado ferido grave.
25) O A. teve de ser desencarcerado para ser assistido, tendo o INEM permanecido no local das 5h20m às 6h55m.
26) O A. foi transportado para o Serviço de Urgência do Hospital de S. José, onde fez triagem às 7h37m.
27) Do acidente resultou para o A. amputação transtibial bilateral, à esquerda ao nível da articulação tibiotársica e à direita ao nível do terço distal da perna.
28) No Hospital de S. José o A. foi submetido a intervenção cirúrgica, com a duração de 12 horas, para reimplantação do membro inferior direito e regularização do coto transtibial esquerdo.
29) Nessa ocasião, o A. esteve internado de 12/1/2011 a 2/3/2011, quando recebeu alta, tendo nesse lapso de tempos sido sujeito a mais cinco intervenções cirúrgicas, em 13/1; 19/1; 20/1; 25/1 e 1/2 de 2011, esta última para remoção do membro reimplantado.
30) O A. voltou a ser internado novamente no Hospital de S. José a 7/4/2011 para nova intervenção, por problemas de protetização e problema com cotos de amputação, tendo realizado cirurgia para encurtamento do coto à esquerda e remoção de calcificação à direita, tendo tido alta a 13/4/2011.
31) Neste momento o A. está protetizado e realiza marcha sem auxiliares.
32) No entanto, o A. mantém dores ao nível dos cotos, principalmente à direita que lhe diminuem o perímetro de marcha e qualidade de vida.
33) O A. tem bons níveis de independência nas atividades da vida diária mas sente dificuldades em subir e descer escadas, rampas, na condução e em tomar banho.
34) O A. apresenta alterações frequentes e moderadas de humor, após o acidente, que interferem com a sua vida pessoal e profissional.
35) O A. iniciou programa de treino pré-protético em 14 de Abril de 2011 no serviço de Medicina Física e de Reabilitação – Consulta de Amputados (MFR) do Hospital de Sant'Iago do Outão.
36) No dia 12 de Maio de 2011 foram prescritas duas próteses transtibiais endosqueléticas, encaixe em fibra de carbono, interface em silicone Seal in e pés em carbono, com alta capacidade de retorno energético.
37) O A. teve de realizar sessões de fisioterapia, que ainda mantém.
38) O A. atualmente consegue manter caminhada em terreno plano e irregular mas recusa-se a caminhar em terrenos irregulares ou inclinados.
39) O A. em casa deambula de cadeira de rodas, que utiliza raramente fora de casa.
40) O A. desde o acidente nunca mais teve relações sexuais.
41) O A. tem dores na face posterior das pernas, que surgem quando permanece em pé ou são provocadas por caminhadas de 70 ou 80m, necessitando de descansar entre caminhadas.
42) Sente dor referida às alterações climáticas nos dois cotos, principalmente à direita, fazendo medicação habitual: paracetamol, clonix e gabapentina, pelo menos 1 vez por semana.
43) O A. ganhou peso, passando de 74kg para 93kg.
44) O A. consegue vestir-se e tomar banho sozinho, mas por vezes necessita de ajuda para tanto e para a sua higiene pessoal, como fazer a barba em virtude de a casa dos seus pais não estar adaptada.
45) O A. praticava duatlo todos os dias, (BTT e corrida) durante 2 horas por dia e participou em várias competições de corrida e o que deixou de fazer.
46) O A. praticava nudismo e tinha muito orgulho no corpo e deixou de ir à praia.
47) O A. conduz um carro adaptado, com mudanças automáticas.
48) O A. deixou de conseguir fazer atividades da vida diária como fazer mudanças de lâmpadas, de arrumar salas de aulas, trabalhos de carga.
49) O A. ficou com as seguintes sequelas em consequência direta e necessária do acidente:
- Membro inferior direito: Na face interna do terço médio da coxa, área cicatricial retangular, Hipo pigmentada, com 6,5 cm por 8 cm de maiores dimensões;
- Seis cicatrizes nacaradas na face interna do coto, verticais, com 1 cm de comprimento, relacionadas com os fixadores externos;
- Na face externa do terço médio da coxa, cicatriz arciforme, de concavidade para a frente e para baixo, Hipo pigmentada, com vestígios de sutura, com 4 cm de comprimento;
- Amputação da perna a nível do terço médio da perna. Coto com várias cicatrizes de cor arroxeada, com repuxamento dos tecidos, desde a face externa do coto, passando pela porção distal até à face interna, com 15 cm de comprimento depois de retificada;
- Mobilidades do joelho e anca mantidas;
- Membro inferior esquerdo: Amputação da perna a nível do terço médio. Coto bem almofadado. Cicatriz arciforme, de concavidade posterior, com 16 cm de comprimento depois de retificado;
- Mobilidades do joelho e anca mantidas.
50) A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 12-01-2013.
51) O A. sofreu Défice Funcional Temporário Total entre 12-01-2011 e 02-03-2011 e entre 07-04-2011 e 13-04-2011, correspondendo ao tempo que permaneceu internado, sendo assim fixável num período de 57 dias.
52) O A. sofreu Défice Funcional Temporário Parcial entre 03-03-2011 e 06-04-2011 e entre 14-04-2011 e 12-01-2013, sendo assim fixável num período de 674 dias.
53) O A. sofreu Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total entre 12-01-2011 e 12-01-2013, sendo assim fixável num período total de 731 dias.
54) O A. sofreu um Quantum doloris fixável no grau 5 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efetuados.
55) Considerando o valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto de estas serem causa de limitações funcionais importantes com repercussões na independência do A., tornando-o dependente de ajudas técnicas e medicamentosas, foi atribuído ao A. um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 53 pontos.
56) As sequelas do A. são impeditivas do exercício da atividade profissional habitual, sendo no entanto compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional.
57) O A. sofreu Dano Estético Permanente fixável no grau 6, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta a claudicação da marcha, a utilização de ajudas técnicas, as cicatrizes e as deformidades.
58) O A. sofreu Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente.
59) O A. sofreu Repercussão Permanente na Atividade Sexual fixável no grau 3/7.
60) O A. vai necessitar de ajudas técnicas permanentes como próteses e respetivos acessórios, cadeiras de rodas para quando não for possível o uso de próteses, cadeira de banho, próteses aquáticas.
61) O A. vai necessitar de medicação, nomeadamente analgésica e outros consumíveis, que não foi possível apurar em concreto.
62) O A. vai necessitar de tratamentos periódicos de fisioterapia (60 sessões por ano).
63) O A. vai necessitar de tratamentos médicos regulares, com acompanhamento médico anual por MFR e psicologia e/ou psiquiatria.
64) O A. necessita de adaptação do domicílio e de veículo.
65) Em consequência direta e necessária do acidente dos autos, o Autor tem despendido com deslocações para tratamentos, consultas, medicamentos, exames médicos, próteses, quantia não concretamente apurada, mas tendo reclamado do FGA, à data de 17/11/2014 a quantia de 31.468,21 €, tendo à data de 20/1/2014 o FGA reembolsado o A. da quantia de 24.562,08 €, não resultando concretamente apurado nos autos a que despesas concretas e parcelares tais quantias respeitavam.
66) Desde a data do acidente e até 30/3/2017 o FGA já pagou em indemnizações a quantia de 124.017,84 €, não resultando concretamente apurado nos autos a que concretas e parcelares despesas tais quantias respeitavam.
67) Na altura do acidente o autor trabalhava na ATEC, auferindo o vencimento base de € 1.036,00, como Assistente de Logística, tendo declarado rendimentos em sede de IRS no ano de 2010 de 16.247,19 €, ilíquido, com 3.569,19 € de retenções e de contribuições, resultando um rendimento líquido de 12.678 €.
68) Recebeu do Instituto da Segurança Social, no período de 12/1/2011 a 11/4/2011 a concessão provisória do subsídio de doença no valor diário de 22,44 €; de 12/4/2011 a 28/9/2011 o valor diário de 24,17 €; de 18/11/2012 a 14/12/2012 o valor diário de 19,56 €; de 15/12/2012 a 12/2/2013 no valor diário de 21,34 €; de 13/2/2013 a 24/2/2013 no valor diário de 24,09 € e de subsídio de Natal, referente ao ano de 2011, no valor de 442,05 €, no valor global de 8.668,15 €.
69) O autor nasceu em 4 de Setembro de 1975, tendo à data do acidente 35 anos.
70) Considerando uma esperança média de vida para os homens de 77 anos e a periocidade com que terá que adquirir as ajudas técnicas de que necessita, ou de proceder a revisões e substituições periódicas, ao longo da sua vida o Autor terá que despender com as mesmas os seguintes montantes:
- Prótese Biónica, com duração previsível de 60 meses (1 unidade em cada 5 anos), no valor atual de €17.682,92 x 2= €35.365,84, cum um custo anual de €7.073,17, no valor total (37 anos) de €261.707,29;
- Interface silicone Seal-in, com duração previsível de 6 meses (2 unidades por ano), no valor atual de €1.579,40 x 2 = €3.158,80/ano, no valor total de €116.875,60;
- Encaixes, com duração previsível de 12 meses (1 unidade por ano), no valor atual de €3.175,76, no valor total de €117.503,12;
- Cosméticos de pés, com duração previsível de 18 meses (1 unidade em cada ano e meio), no valor atual de €431,31/18 meses ou €287,54/12 meses, no valor total de €10.638,24;
- Meias Spectra para pés carbono, com duração previsível de 6 meses (necessárias 2 unidades por ano), no valor atual de €40,70 x 2 = €81,40 / ano, no valor total de €3.011,80;
- Sapatos especiais para próteses, com duração previsível de 8 meses, no valor atual de €227,55 ou €341,33/ano, no valor total de €12.629,21;
- Meias de enchimento, com duração previsível de 2 meses (6/ano), no valor atual de €110,24 x 6 = €661,44/ano, no valor total de €24.473,28;
- Kit limpeza (por prótese), com duração previsível de 2 meses (6/ano), no valor atual de 2x €46,74 = €93,48 x 6 = €560,88/ano, no valor total de €20.752,56;
- Cadeira de rodas “Kuschall SkI”, com duração previsível de 60 meses (5 anos), no valor atual de €3.890,20 cada unidade : 5 anos = €778,04/ano, e valor total de €28.787,48;
- Pneus e câmaras-de-ar, com duração previsível de 24 meses (2 anos), no valor atual de €218,94 / ano e valor total de €8.100,78;
- Cadeira de Banho “Beluga”, com duração previsível de 36 meses (3 anos), no valor atual de €704,90 (unidade) : 3 = €234,97/ano e valor total de €8.693,89;
- Canadianas, com duração previsível de 24 meses (2 anos), no valor atual de €46,64/par : 2 = €23,32/ano e valor total de €862,84;
- Ponteiras de borracha, com duração previsível de 6 meses, no valor atual de €9,84 x 2 = €19,68/ano e valor total de €728,16.
71) O A. foi utente da Piscina municipal de Palmela desde Maio de 2000 até Junho de 2010, pertencendo à classe de Aprendizagem de adultos, às 2ª, 4ª e 6ªs feiras, no período compreendido entre as 18.45 e as 19.30 horas.
72) Para retomar a sua atividade física o A. necessitará de:
Próteses atividade física/próteses suplentes, com duração previsível de 36 meses, no valor atual de €3.370,80 x 2 = €6.741,60 ou €2.247,20/ ano, no valor total de €83.146,40;
Interface silicone Seal-in, com duração previsível de 6 meses (2 unidades por ano), no valor atual de €1.579,40 x 2 = €3.158,80/ano, no valor total de €116.875,60;
Encaixes, com duração previsível de 12 meses (1 ano), no valor atual de €2.514,32 e total de €93.029,84;
Cosméticos de pés Panthera, com duração previsível de 18 meses, no valor €413,40 /18 meses ou €275,60/ano, no valor total de €10.197,20;
Meias Spectra para pés de carbono, com duração previsível de 6 meses (2 /ano), no valor atual de €40,70 x 2 /ano = €81,40 e valor total de €3.011,80;
Rotador, com duração previsível de 24 meses (2anos), com o custo atual de €1.749,00 / 2 anos ou €874,50/ano, no valor total de €32.356,50;
Sapatos especiais para prótese “medi”, com duração previsível de 8 meses, no valor atual de €227,55 / 8 meses ou €341,33/ano, no valor total de €12.629,21;
Meias de enchimento com duração previsível de 2 meses (6 /ano), no valor atual de €110,24 x 6 = €661,44/ano, no valor total de €24.473,28;
Kit limpeza (por prótese), com duração previsível de 2 meses (6/ano) 2x €46,74 = €93,48 x 6 = €560,88/ano, no valor total de €20.752,56;
Próteses aquáticas, com duração previsível de 60 meses, no valor atual de €3.370,80 x 2 = €6.741,60 / ano, no valor total de €249.439,20;
Interface silicone Protect 3C Cushion, com duração previsível de 6 meses (2/ano), no valor atual de €1.441,60 x 2 = €2.883,20 / ano, no valor total de €106.678,40;
Encaixes, com duração previsível de 12 meses (1 ano), no valor atual de €2.052,16 / ano, no valor total de €75.929,92;
Pé dinâmico aquático, com duração previsível de 24 meses (2 anos), no valor atual de €1.076,96/24 meses ou €538,48/ ano, no valor total de €19.923,76;
Meias de enchimento, com duração previsível de 2 meses (6 /ano), no valor atual de €110,24 x 6 = €661,44/ano, e valor total de €24.473,28
Kit limpeza (por prótese), com duração previsível de 2 meses (6/ano), no valor atual de 2x €46,74 = €93,48 x 6 = €560,88/ano e valor total de €20.752,56.
73) Em consequência das lesões o Autor ficou impossibilitado de confraternizar com familiares e amigos durante vários meses, uma vez que esteve internado no Hospital e teve que permanecer na sua residência vários meses.
74) O Autor era uma pessoa alegre e dinâmica, cultivando o gosto pela vida em convívio laboral e social, amante da prática de exercício físico e com orgulho no seu corpo.
75) O A. saía frequentemente com os amigos à noite e gostava muito de fazer praia, o que deixou de fazer.
76) Ficou incapacitado para a prática de desportos, continuando no entanto a receber convites para tal, pois era um praticante diário de corrida, de natação e de BTT, entre outras atividades desportivas.
77) O A. ficou depressivo, num estado de ansiedade, com grande desânimo e manifestando alterações de humor, que se traduz até na fluência e tonalidade do discurso.
78) O A. isolou-se, evitando sair e divertir-se.
79) O A. apresenta perturbação do sono (agitação e pesadelos constantes).
80) O A. cessou uma relação de namoro que tinha antes do acidente por se ter isolado.
81) O autor tinha orgulho nas suas pernas e na sua boa condição física, muito acima da média; hoje sente vergonha, tendo muita dificuldade em lidar com a curiosidade que suscita nas pessoas que se cruzam com ele, o que o deprime e leva a isolar-se.
82) Era o mais alto da sua família, com aproximadamente um metro e oitenta, era quem ia buscar as coisas aos armários mais altos e agora depende de próteses, as quais têm menor dimensão que as suas pernas.
83) O autor tem sofrido intensas dores, motivadas não só pelas lesões, mas também pelos tratamentos que lhe têm sido administrados e para além disso o Autor sentirá dores durante toda a vida, que se agravam quando faz esforços ou quando existem alterações climatéricas.
84) O A. mantém a profissão que exercia antes do acidente, com reconversão profissional e mesmo salário.
85) Era por todos considerado um bom profissional, empenhado, e com avaliação globalmente positiva na “Avaliação de Desempenho Individual” elaborada pela ATEC no ano de 2010, sendo referido na mesma que “cumpre os requisitos”, “cumpre integralmente” ou “excede”, este nas relações interpessoais.
86) O Autor é o titular inscrito na Caderneta Predial Urbana da fração autónoma “C”, 1º esq.º do prédio sito na Rua …, n.º …, composto por 3 assoalhadas, cozinha, casa de banho, hall e uma arrecadação no sótão, com o artigo matricial … do Concelho de Palmela, Freguesia do Pinhal Novo.
87) A referida fração, sem a necessária adaptação, não é acessível para o Autor, sendo que as obras necessárias na fração foram orçamentadas em 7.585,00 € mais IVA; sucedendo porém que o imóvel não tem elevador, sendo necessária uma plataforma elevatória mas, uma vez que as escadas são muito estreitas, o Condomínio não deu autorização para tanto.
88) Por isso o Autor encontra-se a residir em casa dos seus Pais.
89) Porém, a mesma não está dimensionada para alguém na sua condição de bi-amputado, pois o Autor não tem acesso a diversos espaços, sendo que as obras de adaptação desta casa estão orçamentadas em 7.955,00 € mais IVA, tendo o A. custeado já alterações na casa de banho para adaptação à sua condição, no valor de 322,57 €.
90) Com a aquisição de uma casa nova acessível para si, o A. terá de despender montante não concretamente apurado.
91) Nesta o Autor terá ainda que efetuar obras de adaptação, não concretamente apuradas.
92) O imóvel na titularidade do A. sito na Rua …, n.º …, 1.º esq.º tem um valor comercial não concretamente apurado.
93) O imóvel na titularidade do A. sito na Rua …, n.º …, 1.º esq.º está atualmente arrendado, em condições e termos não concretamente apurados.
94) O A. procedeu à notificação judicial avulsa do R. FGA a 8/1/2014.
95) A presente ação deu entrada em Juízo no dia 26/10/2015 e a R. CC foi citada em 3/11/2015.
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2. Reapreciação da matéria de facto.
2.1. Recurso interposto pela recorrente Seguradoras Unidas.
Discorda a recorrente da redação dos pontos 13, 18 e 19 dos factos provados, considerando que a prova testemunhal produzida permitem a sua alteração nos seguintes termos:
13- “Quando o veículo de matrícula …-…-TD se encontrava a começar a passar o entroncamento acima referido, foi súbita e inadvertidamente surpreendido por um veículo de cor branca, suja matrícula ou proprietário não foi possível apurar, o qual surgindo na referida via que dá acesso ao trânsito no interior da localidade da Jardia, pretendeu entrar na Estrada Nacional 252, no sentido Pinhal Novo - Montijo.”
18- “Em virtude do surgimento de forma inopinada do veículo de cor branca, e das manobras evasivas referidas em 16 e 17 o condutor do táxi perdeu o controlo do veículo que conduzia.”
19- “Com a perda do controlo do veículo, este atravessou a via, invadindo o sentido de marcha do lado contrário àquele em que o TD seguia e foi embater no rail existente na via, do lado esquerdo, atento o sentido de marcha em que o TD seguia, quando este, mercê do despiste, estava já com a frente virada em sentido contrário àquele em que seguia, danificando o rail em aproximadamente 15 m.”
Está em causa apurar se ao condutor do táxi “TD” deve ser imputada alguma responsabilidade na produção do acidente e em que termos, sendo que na 1.ª instância foi-lhe atribuída 40%, decisão que merece total discordância da recorrente por considerar que os factos provados evidenciam que esse veículo em nada contribuiu para o acidente, o qual se deveu exclusivamente ao condutor do carro branco, por ter violado o sinal stop e ter cortado a linha de trânsito daquele.
Ora, os factos provados permitem responder a esta questão, pelo que não se vê qualquer utilidade em alterar a redação desses pontos de facto, nos termos propostos, por ser totalmente irrelevante, pois é insuscetível de influenciar a decisão de direito.
Por isso, inútil se torna realizar o seu julgamento para a dar como alterada essa “factologia”, sendo que no processo não é lícito realizar atos inúteis (art.º 130º, do CPC).
Aplicando o referido princípio à pretendida reapreciação da matéria de facto, deve entender-se que «o exercício dos poderes de controlo da Relação sobre a decisão da matéria de facto da 1ª instância só se justifica se recair sobre factos com interesse para a decisão da causa.
Os poderes de controlo da Relação no tocante à decisão da matéria de facto da 1ª instância não devem ser atuados se os factos cujo julgamento é impugnado não forem relevantes para nenhum dos enquadramentos jurídicos possíveis do objeto do recurso» [1]..
Assim também se pronunciou o Supremo Tribunal de Justiça no seu Acórdão de 17/05/2017, afirmando: “O princípio da limitação dos atos, consagrado, no artigo 130.º do CPC, para os atos processuais em geral, proíbe, enquanto manifestação do princípio da economia processual, a prática de atos no processo – pelo juiz, pela secretaria e pelas partes – que não se revelem úteis para alcançar o seu termo. Nada impede que tal princípio seja igualmente observado no âmbito do conhecimento da impugnação da matéria de facto se a análise da situação concreta evidenciar, ponderadas as várias soluções plausíveis da questão de direito, que desse conhecimento não advirá qualquer elemento factual cuja relevância se projete na decisão de mérito a proferir” [2].
É precisamente o que acontece no caso dos autos, em que está em causa saber se a recorrente está ou não obrigada ao pagamento dos danos sofridos pelo Autor em consequência do acidente de viação que foi vítima e descrito nos autos.
Improcede, pois, a pretendida alteração.
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3. O direito.
1. Da Responsabilidade pela produção do acidente e obrigação de indemnização por banda da recorrente CC, S.A..
A recorrente peticiona a sua absolvição do pedido, pois dissente da decisão recorrida na medida em defende que, perante a provada dinâmica do acidente, é evidente que este só pode ser atribuído ao condutor do carro branco, porque cortou a linha de trânsito do táxi. Se o veículo branco não tivesse cortado a faixa de rodagem do táxi o acidente nunca se daria. Daí, sustenta, só existe uma causa do acidente e não está minimamente relacionada com a condução do táxi.
Na sentença recorrida atribuiu-se a responsabilidade pelo acidente aos dois veículos intervenientes, na proporção de 60% para o veículo de cor branca, e 40% para o veículo de matrícula …-…-TD (Táxi), seguro na recorrente, nos termos do art.º 497.º/2 do C. Civil.
E justificou-se essa proporção nos seguintes termos:
No caso dos autos, resultou que no dia 12 de Janeiro de 2011, perto das 5h da madrugada, na Estrada Nacional 252, ao Km 2.5, na localidade de Jardia, ocorreu um acidente, em que interveio o veículo TD, conduzido por José …, taxista da empresa Táxis DD, Soc. Unipessoal, Lda., e onde seguiam como passageiros, no banco da frente, o A. BB e, no banco de trás, Claudino ….
No local, a faixa de rodagem, em asfalto, permite o trânsito em dois sentidos, existindo uma via para cada um desses sentidos, configurando uma longa reta, em patamar, com 6,40 m de largura, sensivelmente ao meio da qual existe um entroncamento, do lado direito atento o sentido de marcha do TD, com uma via que dá acesso ao trânsito para o interior da localidade da Jardia, na qual está colocado um sinal de Stop.
Na ocasião era de noite, sendo que a visibilidade era boa, tratando-se de uma via iluminada, e estava bom tempo.
O TD circulava pela sua mão de trânsito e quando a chegar ao entroncamento acima referido, foi súbita e inadvertidamente surpreendido por um veículo de cor branca, cuja matrícula ou proprietário não foi possível apurar, o qual surgindo referida via que dá acesso ao trânsito no interior da localidade da Jardia, não respeitou o sinal de “Stop” e, deste modo, entrou na via por onde circulava o veículo TD, cortando-lhe por completo a linha de marcha.
O condutor do veículo TD, para não colidir contra o veículo de cor branca, desviou-se do mesmo guinando, num primeiro momento, o volante para a direita e travando.
O condutor tentou então retomar a via mas, em virtude da brusquidão da manobra bem como da velocidade a que seguia o TD, não concretamente apurada, mas que não lhe permitiu imobilizar o veículo no espaço livre e visível à sua frente, ou sequer, controlar o veículo mercê da manobra de diversão que efetuou, o condutor perdeu o controlo do veículo que conduzia.
Com a velocidade a que vinha animado e a perda do controlo do veículo, este atravessou a via, invadindo o sentido de marcha do lado contrário àquele em que o TD seguia e foi embater no rail existente na via, do lado esquerdo, atento o sentido de marcha em que o TD seguia, quando este, mercê do despiste, estava já com a frente virada em sentido contrário àquele em que seguia, danificando o rail em aproximadamente 15 m.
Com a violência do embate, o rail de proteção existente do lado esquerdo da via, atento o sentido de marcha em que o TD seguia, perfurou o veículo TD na lateral do veículo, do lado direito do mesmo, lado onde seguia o A. como ocupante do veículo.
O TD sofreu ainda um capotamento.
O TD, após embater no rail, este ter perfurado o lado direito do veículo e capotar só veio ainda a imobilizar-se contra o muro de uma residência existente no local (sito na Rua União Clube Jardinense, n.º 165, Jardia, Montijo) tendo-o danificado e vindo a imobilizar-se fora da faixa de rodagem, sendo que no local a largura da berma e do passeio é de 2,73m.
A velocidade legalmente permitida naquele local (Jardia, Km 2,500) era de 50 Km/ hora, sendo que no sentido Montijo/Pinhal Novo, existe sinalização semafórica limitadora de velocidade, colocada a distância não exatamente apurada, mas a cerca de 30 metros, à frente do local referido em 1), atento o referido sentido.
2- Da Responsabilidade:
Sendo estes, em resumo, os factos apurados quanto à produção do acidente, resulta que tem de se considerar que o condutor do veículo branco, não identificado, não respeitou o sinal de Stop, entrando na via por onde seguia o condutor do TD e era transportado o A., cortando a sua marcha de trânsito.
Violou assim o disposto no art.º 29º, n.º 1 do Código da Estrada, aprovado pelo Dec. Lei n.º 114/94, de 03 de Maio, na redação da Lei n.º 78/2009, de 13 de Agosto, aplicável aos autos, bem como a obrigação imposta pelo sinal de Stop, tal como definido pelo Regulamento de Sinalização de Trânsito, Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro, art.º 8º, a) e art.º 21º, sinal B2. A sua conduta integra uma contraordenação muito grave, tal como definida pelo art.º 146º, n) do Código da Estrada.
O facto tem ainda de ser imputado ao agente a título de culpa, a qual é apreciada em abstrato, atendendo à diligência de um bom pai de família, colocado nas circunstâncias concretas do caso (cfr. art. 487º, n.º 2, do Código Civil), podendo a mesma assumir a modalidade de dolo ou mera culpa (negligência).
Considerando que dos factos provados não resultaram factos de onde seja possível concluir pela culpa deste condutor, mas não há dúvidas que, pelo menos, agiu negligentemente, isto é; omitiu a diligência que lhe era exigível, o que se julga ter efetivamente sucedido face à factualidade supra referida.
No entanto, para a produção do acidente e dos danos resultantes, há que considerar igualmente que o condutor do TD circulava com velocidade excessiva para o local, violando por sua vez, da mesma forma, pelo menos a título de negligência, o disposto pelos artigos 24º; 25º, n.º 1, f) e 29º, n.º 2 do Código da Estrada, sendo a sua conduta suscetível de configurar uma contraordenação grave, nos termos do art.º 145º, n.º 1, e) do mesmo diploma.
Assim, a este condutor é imputável igualmente a responsabilidade prevista pelo art.º 483º do Código Civil.
Deste modo, apurando-se que tanto são responsáveis pela produção do acidente o condutor do veículo branco, como o condutor do TD, tem aplicação o disposto pelo art.º 497º do Código Civil, pelo que, nos termos do n.º 1 desta norma, é solidária a responsabilidade dos responsáveis pelos danos.

Em sede de repartição de culpas entre os responsáveis, pra efeitos de direito de regresso previsto pelo art.º 497º, n.º 2 do Código Civil, julga-se adequado fixar a responsabilidade do condutor do veículo branco em 60% e do condutor do TD em 40%.”
Ora, com o devido respeito, que é muito, no que respeita à culpa do condutor do veículo TD, não se pode acompanhar este raciocínio, por não ter qualquer suporte nos factos provados, sendo por demais evidente que não lhe pode ser assacada qualquer responsabilidade na produção do acidente.
Desde logo, não se pode afirmar que o condutor do TD contribuiu para a produção do acidente porque circulava com velocidade excessiva para o local, em violação do disposto nos artigos 24.º; 25º, n.º 1, f) e 29º, n.º 2 do Código da Estrada, conduta suscetível de configurar uma contraordenação grave, nos termos do art.º 145º, n.º 1, e).
Na realidade, não está demonstrado que o condutor do TD seguia “com velocidade excessiva para as características do veículo ou da via, para as condições atmosféricas ou de circulação, ou nos casos em que a velocidade deva ser especialmente moderada” ( art.º 145.º/1, al. e) do C. E.), visto se ter demonstrado apenas que no local do acidente a velocidade instantânea permitida era de 50 km/hora e que o TD seguia a uma velocidade não concretamente apurada.
Ora, se não se apurou qual a concreta velocidade a que seguia esse veículo não se pode afirmar que circulava a velocidade excessiva.
Portanto, é manifesto que, à míngua de outros factos, é abusiva essa afirmação.
Por outro lado, e ainda que se demonstrasse que circulava a velocidade excessiva, ou seja, acima dos 50 km /hora, é igualmente abusiva a conclusão de ter contribuído para a produção do acidente, pois ainda que se admitisse circular a 60 ou 70 km/hora não é legítimo afirmar-se que podia ter evitado o acidente.
Tanto assim é que o condutor do táxi (veículo TD) saiu ileso e o outro passageiro (Claudino …) foi considerado ferido ligeiro ( facto n.º 24), o que evidencia que este veículo não podia seguir a velocidade muito superior a 50m/hora, pois se assim não fosse seguramente também teria sofrido consequências gravosas do acidente.

A verdade é que o veículo TD circulava na sua mão de trânsito, no local e hora indicados, tratando-se de uma reta, com 6,40 m de largura, com boa visibilidade, bom piso e bom tempo, quando foi subitamente invadida a sua faixa de rodagem pelo veículo de cor branca, que seguia em estrada que vai entroncar com aquela por onde seguia o TD, no seu lado direito, atenta a sua marcha de trânsito, não imobilizando o veículo como se lhe impunha, em absoluto, face à existência do sinal vertical “Stop” que aí se encontra à entrada desse entroncamento, ou seja, desrespeitou o sinal de Stop e invadiu subitamente a faixa de rodagem do TD, impedindo-o de circular, obrigando-o a desviar-se para a faixa contrária, a fim de evitar a colisão, fazendo com que se despistasse, apesar de tentar retomar a marcha, guinando num primeiro momento o volante para a direita e travando, acabando por embater no rail de proteção esquerdo em aproximadamente 15 metros, atento o sentido de marcha em que o TD seguia, perfurando o veículo e sofreu um capotamento.
Assim, o condutor do veículo de cor branca violou a regra prevista no art.º 29.º/1 do C. Estrada, bem como a obrigação de paragem e cedência de passagem ao veículo TD, imposta pelo sinal vertical de Stop, tal como definido pelo Regulamento de Sinalização de Trânsito, Decreto Regulamentar n.º 22-A/98, de 1 de Outubro, art.º 8º, a) e art.º 21º, sinal B2, violação esta que configura uma contraordenação muito grave, p. p. pelo art.º 146.º, al. n) do Código da Estrada.
Perante as descritas circunstâncias do acidente, é óbvio que a responsabilidade pela sua ocorrência só pode ser exclusivamente imputada ao condutor do veículo de cor branca, sendo irrelevante, para este efeito, que o condutor do “TD” circulasse a uma velocidade acima dos 50 km /hora, (admitindo cerca de 10 ou 20 km/hora) do permitido para o local, visto que nessas circunstâncias, mesmo que circulasse à velocidade regulamentar (50Km/hora) seguramente que o acidente se daria, por ser razoavelmente de esperar que esse veículo parasse no sinal Stop, cumprindo essa rega básica estradal, e não que cortasse inopinadamente o seu sentido de marcha, invadindo a sua faixa de rodagem, cortando-lhe a passagem, atento o sentido de marcha que transitava, pese embora se possa admitir que a extensão dos danos pudesse ser ligeiramente atenuada.
Cumpre, pois, afastar o nexo de causalidade direto, entre o eventual excesso (não provado, repete-se, mas a admitir-se, por mera hipótese) de velocidade do veículo seguro na recorrente e a produção do resultado, concluindo-se consequentemente pela culpa única e exclusiva do condutor do veículo de cor branca, o que afasta responsabilidade solidária prevista no art.º 497.º do C. Civil.
E assim sendo, não podia a recorrente, enquanto seguradora do veículo TD, ser condenada no pagamento de parte dos danos sofridos pelo Autor, em consequência do acidente, pelo que a sentença recorrida não pode ser mantida, nesta parte.
Procede, pois, a apelação interposta pela recorrente CC.

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2. Dos danos indemnizáveis a cargo do recorrente FGA.
2.1. Como resulta do exposto no ponto anterior a obrigação de indemnizar o autor pelos danos sofridos em consequência do acidente é apenas da responsabilidade do recorrente.
Assim, improcedem as conclusões por este formuladas em D) e E) no sentido de ver excluída a sua responsabilidade na reparação desses danos.

2.2. Quanto aos danos patrimoniais a título de despesas com próteses desportivas, entende o recorrente que ao valor fixado na sentença deve ser deduzido o montante de € 169.072,61 (€ 24.153,23 x 7 anos).

Sustenta resultar da matéria dada como provada que desde a data do acidente que o Autor deixou de praticar qualquer desporto, porque se sente deprimido e com vergonha do seu corpo.

Ora, o acidente ocorreu em janeiro de 2011 e a produção de prova realizou-se em meados de 2018, ou seja, o Autor durante mais de 7 anos que não utilizava próteses desportivas, nem pretendia voltar tão depressa à prática de desportos, sendo que peticionou um custo de próteses desportivas de € 24.153,23 anual, pelo que, ao valor sentenciado, deveriam ser descontados, pelo menos € 169.072,61 (€ 24.153,23 x 7 anos).

E porque se desconhece se o Autor pretende voltar a praticar desporto, o restante valor sentenciado de tais próteses deveria ser relegado para execução de sentença.

Na sentença, quanto a este dano, escreveu-se:
“O A. peticiona ainda a condenação das RR. a pagar ao Autor, pelas ajudas técnicas que o mesmo terá que adquirir ao longo da sua vida a quantia de € 1.508.433,22.

Ora, em 2011 e segundo dados disponíveis na Pordata (www.pordata.pt), a esperança média de vida para os homens em Portugal era efetivamente de 77 anos e 3 meses.

Atenta a factualidade assente em 60); 70) a 72), o A. tem direito à indemnização peticionada”.

Está em causa o valor sentenciado e peticionado das próteses desportivas no montante anual de € 24.153,23.

Está provado nos factos 71) e 72) que o A. foi utente da Piscina municipal de Palmela desde Maio de 2000 até Junho de 2010, pertencendo à classe de Aprendizagem de adultos, às 2ª, 4ª e 6ªs feiras, no período compreendido entre as 18.45 e as 19.30 horas.

E para retomar a sua atividade física o A. necessitará de:
- Próteses atividade física/próteses suplentes, com duração previsível de 36 meses, no valor atual de €3.370,80 x 2 = €6.741,60 ou €2.247,20/ ano, no valor total de €83.146,40;

- Interface silicone Seal-in, com duração previsível de 6 meses (2 unidades por ano), no valor atual de €1.579,40 x 2 = €3.158,80/ano, no valor total de €116.875,60;

- Encaixes, com duração previsível de 12 meses (1 ano), no valor atual de €2.514,32 e total de €93.029,84;

- Cosméticos de pés Panthera, com duração previsível de 18 meses, no valor €413,40 /18 meses ou €275,60/ano, no valor total de €10.197,20;

- Meias Spectra para pés de carbono, com duração previsível de 6 meses (2 /ano), no valor atual de €40,70 x 2 /ano = €81,40 e valor total de €3.011,80;

- Rotador, com duração previsível de 24 meses (2anos), com o custo atual de €1.749,00 / 2 anos ou €874,50/ano, no valor total de €32.356,50;

- Sapatos especiais para prótese “medi”, com duração previsível de 8 meses, no valor atual de €227,55 / 8 meses ou €341,33/ano, no valor total de €12.629,21;

- Meias de enchimento com duração previsível de 2 meses (6 /ano), no valor atual de €110,24 x 6 = €661,44/ano, no valor total de €24.473,28;

- Kit limpeza (por prótese), com duração previsível de 2 meses (6/ano) 2x €46,74 = €93,48 x 6 = €560,88/ano, no valor total de €20.752,56;

- Próteses aquáticas, com duração previsível de 60 meses, no valor atual de €3.370,80 x 2 = €6.741,60 / ano, no valor total de €249.439,20;

- Interface silicone Protect 3C Cushion, com duração previsível de 6 meses (2/ano), no valor atual de €1.441,60 x 2 = €2.883,20 / ano, no valor total de €106.678,40;

- Encaixes, com duração previsível de 12 meses (1 ano), no valor atual de €2.052,16 / ano, no valor total de €75.929,92;

- Pé dinâmico aquático, com duração previsível de 24 meses (2 anos), no valor atual de €1.076,96/24 meses ou €538,48/ ano, no valor total de €19.923,76;

- Meias de enchimento, com duração previsível de 2 meses (6 /ano), no valor atual de €110,24 x 6 = €661,44/ano, e valor total de €24.473,28

- Kit limpeza (por prótese), com duração previsível de 2 meses (6/ano), no valor atual de 2x €46,74 = €93,48 x 6 = €560,88/ano e valor total de €20.752,56.

Assim, somados os valores anuais de cada um dos equipamentos mencionados temos efetivamente a quantia total de € 24.153,23.

E está assente que o acidente ocorreu em janeiro de 2011 e a última sessão de julgamento teve lugar em 3 de julho de 2018.

Donde, durante cerca de 7 anos o autor não suportou qualquer despesa a esse título, não praticou essa atividade desportiva durante esse período, pelo que não tem direito a ser ressarcido de um prejuízo que não teve, nem demonstrou ter suportado.

Tem, pois, razão o recorrente, quanto ao valor correspondente de € 169.072,61 (€ 24.153,23 x 7 anos) a excluir do montante total de €1.512.102,31 em que foi condenado.

Em consequência, esse montante deveria ser reduzido para €1.343.029,69 (€1.512.102,31- € 169.072,61), caso não procedesse o segundo fundamento da apelação.

Com efeito, tem igualmente razão o recorrente quanto à pretendida liquidação em execução de sentença, quanto aos demais danos mencionados, porquanto está demonstrado que o autor foi utente da Piscina municipal de Palmela desde Maio de 2000 até Junho de 2010, pertencendo à classe de aprendizagem de adultos, às 2ª, 4ª e 6ªs feiras, no período compreendido entre as 18.45 e as 19.30 horas e que para retomar a sua atividade física necessitará de adquirir todos esses artigos.

Assim, não está provado que o Autor haja sofrido esse dano, mas apenas que se pretender retomar essa atividade física necessitará de utilizar esses artigos, cuja aquisição importará nos valores indicados.

Uma coisa é o Autor praticar essa atividade física e despender determinados montantes na aquisição das próteses desportivas, outra bem diferente é, no caso de a pretender vir a praticar, ter necessidade de adquirir esse equipamento e suportar essas quantias.

Dito de outro modo, essa circunstância impede que o autor seja antecipadamente ressarcido de uma despesa que nunca viria a suportar, pela singela razão de não voltar a praticar essa atividade desportiva, o que constituiria um enriquecimento ilegítimo à custa do Réu.

Acresce que nunca se poderia condenar o Réu nos valores correspondentes ao período de média de vida (77 ano e 3 meses), como se fez na sentença recorrida, por não ser seguro, e muito menos provável ou credível, que o Autor venha a praticar atividade física durante todo este período esperado de vida ativa.

Como é consabido, quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação, e verificado o respetivo nexo de causalidade entre o dano e o facto danoso – art.º 562.º e 563.º do C. Civil.

E só quando a reparação natural não for possível, não repare integralmente os danos ou seja excessivamente onerosa para o devedor é que a indemnização é fixada em dinheiro, devendo refletir a diferença entre a situação patrimonial do lesado na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que existiria nessa data, se não fossem os danos (artº 566º/1 e 2 do C. Civil). Se não puder ser averiguado o valor exato dos mesmos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados –seu n.º3.

A obrigação de indemnização abrange todos os danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão, que tiveram como causa adequada o facto ilícito, impendendo sobre o lesante o dever de reparar o prejuízo causado (danos emergentes), bem como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência do evento danoso, incluindo os danos futuros, desde que previsíveis, segundo um juízo de normalidade (lucros cessantes) – artºs 563º e 564º, nºs 1 e 2, do C. Civil.

Assim, parece claro que sendo o dano um dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual não poderá haver obrigação indemnizatória, destinada à reparação do dano sofrido, sem que tal dano se mostre verificado, no caso, o dano provocado com a aquisição do mencionado equipamento necessário à citada atividade física/desportiva.

Ora, de acordo com o n.º2 do art.º 609.º do C. P. Civil, “Se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condenará no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.

Donde, a remissão para execução de sentença só é legítima, e deve ocorrer, quando não haja elementos para fixar o objeto ou a quantidade do pedido, mas pressupõe a demonstração desses danos.

Por isso, só é possível deixar para liquidação em execução de sentença a indemnização respeitante a danos relativamente aos quais, embora provada a sua existência, não existam elementos para fixar o seu montante, nem sequer recorrendo à equidade ( Ac. do T. Rel. Do Porto, de 13/12/1990, Col. Jur., 1990, 5.º-216 e Acs. do STJ de 4/6/1974, BMJ, 238.º-204, de 17/1/1995, proc. n.º 85801, e de 13/01/2000, proc. n.º99B044, este disponível em www.dgsi.pt/jstj, e em cujo sumário se exarou : “A remissão para execução de sentença estatuída no art.º 661.º/2 do C. P. C., é legítima e deve ocorrer, quando não haja elementos para fixar o objeto ou a quantidade do pedido. Essa falta de elementos, porém, nunca poderá ser consequência da falta da prova na ação declarativa, mas antes e apenas, por inexistência de factos provados por não serem conhecidos, ou, estarem em evolução no momento em que é instaurada a ação, ou, no da decisão quanto à matéria de facto”.

E a verdade é que todos os danos futuros demonstrados e necessários ao exercício da atividade desportiva e devidamente quantificados, só são passíveis de ressarcimento desde que sejam efetivamente suportados pelo Autor para o exercício dessa prática desportiva, e não se o Autor quiser retomar essa atividade, pelo que se justifica a condenação do apelante no montante a liquidar em execução de sentença a título de danos patrimoniais futuros com o exercício da atividade física em causa, visto que tal dano ainda não ocorreu ( só se e quando o Autor decidir e durante o período de tempo que praticar essa atividade), nos termos do art.º 693.º/2 do C. P. Civil.

Assim sendo, merece igualmente procedência a apelação, nesta parte, devendo tais danos ser excluídos do valor total fixado (€1.512.102,31).

E tais danos somam a quantia total de €893.669,51 (oitocentos e noventa e três mil seiscentos e sessenta e nove euros e cinquenta e um cêntimos) (€83.146,40+ €116.875,60 + €93.029,84 + €10.197,20 + €3.011,80 + €32.356,50 + €12.629,21 + €24.473,28 + €20.752,56 + €249.439,20 + €106.678,40 + €75.929,92 + €19.923,76 + €24.473,28 + €20.752,56) – facto n.º 72.

Decorrentemente, não pode manter-se a decisão recorrida quanto á condenação do Réu na quantia total de €1.512.102,31, a título de indemnização por danos patrimoniais ( alínea i), a qual vai reduzida para €618.432,80 (seiscentos e dezoito mil quatrocentos e trinta e dois euros e oitenta cêntimos) (€1.512.102,31- €893.669,51).

2.3. Danos não patrimoniais.
O apelante discorda ainda dos montantes fixados a título de danos não patrimoniais, por entender que a sua fixação não deve ser aleatória, nem devem ser utilizadas fórmulas matemáticas, antes devendo seguir-se o critério previsto no art.º 496º n.ºs 1 e 4 do C.C., que desde já se concorda, pelo que o valor justo e adequado a título de danos não patrimoniais do Autor não deve ser fixado em valor superior a € 100.000,00 e a título de dano biológico em valor nunca superior a € 75.000,00.

Na sentença recorrida foi arbitrado em 100.000,00 € (cem mil euros) o valor da indemnização por dano biológico e em 150.000,00 € (cento e cinquenta mil euros) a título indemnização por danos não patrimoniais.

Ora, no que respeita aos danos morais ou não patrimoniais, acrescenta-se no n.º4 do art.º 496.º do C. Civil, que “o montante da indemnização será fixado equitativamente, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494º ”.

Daí entender-se que a indemnização por danos não patrimoniais deva ser fixada de forma equilibrada e ponderada, segundo critérios de equidade, atendendo em qualquer caso (quer haja dolo ou mera culpa do lesante) ao grau de culpabilidade do ofensor, à situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso, como por exemplo, o valor atual da moeda.

Como realçam Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, 4.ª Edição, pág. 501, “o montante de indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, tomando em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas de criteriosa ponderação da realidade da vida” (No mesmo sentido, Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 4.ª Edição, pág. 533).

A este propósito afirma-se no Acórdão do STJ, de 23/11/2011, Proc. N.º 90/06.2TBPTL.G1.S1, “este recurso à equidade não afasta, no entanto, a necessidade de observar as exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uma uniformização de critérios, naturalmente não incompatível com a devida atenção às circunstâncias do caso. Como se escreveu no acórdão de 25 de Junho de 2002 (www.dgsi.pt, proc. nº 02ª1321), cumpre “não nos afastarmos do equilíbrio e do valor relativo das decisões jurisprudenciais mais recentes”.
Porém, como também tem sido entendido pela jurisprudência, em especial pelo Supremo Tribunal de Justiça, “essa indemnização nunca se poderá reconduzir a um papel meramente simbólico, antes devendo representar uma adequada compensação, aferida segundo critérios de equidade. A jurisprudência vem, de resto, acentuado cada vez com mais insistência a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais. A indemnização tem de ser significativa, o que não quer dizer que possa ser arbitrária. O legislador manda, como vimos, fixar a indemnização de acordo com a equidade, sem perder de vista as circunstâncias, já enunciadas, referidas no art. 494º – o que significa que o juiz deve procurar um justo grau de “compensação”» (cf., entre outros, os Acórdãos de 11.02.09, Pº nº 3980/08-3ª, de 30.10.08, Pº nº 2989/08-2ª e de 18.12.2007, Pº nº 3751/07-2ª)” - .Ac. do STJ, de 3/11/2010, Proc. n.º 55/06.4PTFAR.E1.S1 , disponível m www.dgsi.pt/jstj.
Assim, no que diz respeito ao quantum indemnizatório, a fixar segundo critérios de equidade, há que atender à extensão e gravidade dos danos, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e social do lesado, à sua idade, aos padrões da indemnização geralmente adotados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda, etc. (cfr. Prof. Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 4.ª Edição, pág. 533).

Como ensina Antunes Varela, ob. citada, pág. 534, “A indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado, visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.”

O STJ, no seu aresto de 21 de Outubro de 2010 [3], chama a atenção para o seguinte: «A fixação da indemnização para os danos não patrimoniais tem de ser ajustada, face aos factos concretos, tendo em conta os padrões que em tal matéria têm vindo a ser adotados pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, em função da equidade».

No mesmo sentido se pronunciou no seu acórdão de 7 de Outubro de 2010, em cujo sumário pode ler-se: «tal juízo de equidade das instâncias, assente numa ponderação, prudencial e casuística das circunstâncias do caso – e não na aplicação de critérios normativos – deve ser mantido sempre que – situando-se o julgador dentro da margem de discricionariedade que lhe é consentida – se não revele colidente com os critérios jurisprudenciais que generalizadamente vêm sendo adotados, em termos de poder pôr em causa a segurança na aplicação do direito e o princípio da igualdade»[4].

No âmbito dos danos não patrimoniais ou morais incluem-se os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética) que, sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra, o bom nome) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação do que uma indemnização, cuja quantificação será efetuada com base na equidade ( n.ºs 1 e 3 do art. 496.º do C. Civil) - Cfr. Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 6ª edição, vol. l.°, pág. 571.
Como também realça Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, vol. I, pág. 299, a reparação por danos morais assume-se “como uma pena privada, estabelecida no interesse da vítima, de forma a desagravá-la do comportamento do lesante”.
Assim, para efeitos da determinação do montante desses danos considera-se relevante a natureza e a multiplicidade das lesões sofridas, as intervenções cirúrgicas e tratamentos médicos a que o lesado teve de se submeter, os dias de internamento e o período de doença, a natureza e extensão das sequelas consolidadas, o quantum doloris, o dano estético, bem como os padrões que têm vindo a ser seguidos pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça para casos idênticos.

Ora, decorre dos factos provados em 28) a 60) que o Autor sofreu gravíssimas consequências com o acidente, nomeadamente:

- Sofreu amputação transtibial bilateral, à esquerda ao nível da articulação tibiotársica e à direita ao nível do terço distal da perna;

- No Hospital de S. José foi submetido a intervenção cirúrgica, com a duração de 12 horas, para reimplantação do membro inferior direito e regularização do coto transtibial esquerdo;

- Nessa ocasião esteve internado de 12/1/2011 a 2/3/2011, aí foi sujeito a mais cinco intervenções cirúrgicas, em 13/1; 19/1; 20/1; 25/1 e 1/2 de 2011, esta última para remoção do membro reimplantado;

- Voltou a ser internado novamente no Hospital de S. José a 7/4/2011 para nova intervenção, por problemas de protetização e problema com cotos de amputação, tendo realizado cirurgia para encurtamento do coto à esquerda e remoção de calcificação à direita, tendo tido alta a 13/4/2011;
- Neste momento o A. está protetizado e realiza marcha sem auxiliares, mas mantém dores ao nível dos cotos, principalmente à direita que lhe diminuem o perímetro de marcha e qualidade de vida;
- Tem dificuldades em subir e descer escadas, rampas, na condução e em tomar banho;
- Iniciou programa de treino pré-protético em 14 de Abril de 2011 no serviço de Medicina Física e de Reabilitação – Consulta de Amputados (MFR) do Hospital de Sant'Iago do Outão;
- No dia 12 de Maio de 2011 foram prescritas duas próteses transtibiais endosqueléticas, encaixe em fibra de carbono, interface em silicone Seal in e pés em carbono, com alta capacidade de retorno energético;
- Em casa deambula de cadeira de rodas, que utiliza raramente fora de casa.
- Desde o acidente nunca mais teve relações sexuais;
- O A. tem dores na face posterior das pernas, que surgem quando permanece em pé ou são provocadas por caminhadas de 70 ou 80m, necessitando de descansar entre caminhadas;
- Sente dor referida às alterações climáticas nos dois cotos, principalmente à direita, fazendo medicação habitual: paracetamol, clonix e gabapentina, pelo menos 1 vez por semana;
- Consegue vestir-se e tomar banho sozinho, mas por vezes necessita de ajuda para tanto e para a sua higiene pessoal, como fazer a barba em virtude de a casa dos seus pais não estar adaptada;
Ficou com as seguintes sequelas:
- Membro inferior direito: Na face interna do terço médio da coxa, área cicatricial retangular, Hipo pigmentada, com 6,5 cm por 8 cm de maiores dimensões;
- Seis cicatrizes nacaradas na face interna do coto, verticais, com 1 cm de comprimento, relacionadas com os fixadores externos;
- Na face externa do terço médio da coxa, cicatriz arciforme, de concavidade para a frente e para baixo, Hipo pigmentada, com vestígios de sutura, com 4 cm de comprimento;
- Amputação da perna a nível do terço médio da perna. Coto com várias cicatrizes de cor arroxeada, com repuxamento dos tecidos, desde a face externa do coto, passando pela porção distal até à face interna, com 15 cm de comprimento depois de retificada;
- Mobilidades do joelho e anca mantidas;
- Membro inferior esquerdo: Amputação da perna a nível do terço médio. Coto bem almofadado. Cicatriz arciforme, de concavidade posterior, com 16 cm de comprimento depois de retificado;
- Mobilidades do joelho e anca mantidas.
A data da consolidação médico-legal das lesões é fixável em 12-01-2013.
Sofreu Défice Funcional Temporário Total entre 12-01-2011 e 02-03-2011 e entre 07-04-2011 e 13-04-2011, correspondendo ao tempo que permaneceu internado, sendo assim fixável num período de 57 dias.
Sofreu Défice Funcional Temporário Parcial entre 03-03-2011 e 06-04-2011 e entre 14-04-2011 e 12-01-2013, sendo assim fixável num período de 674 dias.
Sofreu Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total entre 12-01- 2011 e 12-01-2013, sendo assim fixável num período total de 731 dias.
O A. sofreu um Quantum doloris fixável no grau 5 numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta as lesões resultantes, o período de recuperação funcional, o tipo de traumatismo e os tratamentos efetuados.
Considerando o valor global da perda funcional decorrente das sequelas e o facto de estas serem causa de limitações funcionais importantes com repercussões na independência do A., tornando-o dependente de ajudas técnicas e medicamentosas, foi atribuído ao A. um Défice Funcional Permanente de Integridade Físico-Psíquica fixável em 53 pontos.
Sofreu Dano Estético Permanente fixável no grau 6, numa escala de sete graus de gravidade crescente, tendo em conta a claudicação da marcha, a utilização de ajudas técnicas, as cicatrizes e as deformidades.
Sofreu Repercussão Permanente nas Atividades Desportivas e de Lazer fixável no grau 4, numa escala de sete graus de gravidade crescente.
Sofreu Repercussão Permanente na Atividade Sexual fixável no grau 3/7.
Vai necessitar de ajudas técnicas permanentes como próteses e respetivos acessórios, cadeiras de rodas para quando não for possível o uso de próteses, cadeira de banho, próteses aquáticas.
Ficou depressivo, num estado de ansiedade, com grande desânimo e manifestando alterações de humor, que se traduz até na fluência e tonalidade do discurso, após o acidente isolou-se, evitando sair e divertir-se e apresenta perturbação do sono.
Ora, como se decidiu no Acórdão do STJ, 23 de Fevereiro de 2012, proferido no processo 31/05.4TAALQ.L2.S1 (Cons. Isabel Pais Martins), disponível em www.dgsi.pt, “A jurisprudência do STJ vem acentuando, cada vez mais, a ideia de que está ultrapassada a época das indemnizações simbólicas ou miserabilistas para compensar danos não patrimoniais. Mas indemnização significativa não quer dizer indemnização arbitrária. O legislador manda fixar a indemnização de acordo com a equidade, sem perder de vista as circunstâncias enunciadas no art. 494.º do CC, o que significa que o juiz deve procurar um justo grau de “compensação”.
E tem vido a ser sistematicamente afirmado pela Jurisprudência que os critérios definidos na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, bem como nas alterações introduzidas pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, destinam-se expressamente a um âmbito de aplicação extrajudicial [5]. Por isso, esses critérios não prevalecem sobre o sobredito critério fundamental para a determinação judicial da indemnização - a equidade. Apesar disso, podem ser ponderados pelo julgador, por imposição da prossecução do princípio da igualdade, pelo que, sem esquecer as particularidades do caso concreto, essas tabelas podem contribuir tendencialmente para uma uniformização de critérios, tendo em conta a objetividade dos fatores aí mencionados.

Quanto à natureza não vinculativa da anterior Portaria nº 377/2008, de 26.05, se pronunciou o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 27/01/2011, acessível in www.dgsi.pt: “Relativamente à invocada Portaria, não pode esquecer-se, como consta do seu preâmbulo, que se trata de critérios para os procedimentos de proposta razoável, em particular quanto à valorização do dano corporal”.

Finalidade repetida pelo preâmbulo da Portaria nº 679/2009, de 25.06, que veio alterar aquela, referindo também que, com a Publicação da Portaria nº 377/2008, de 26.05, o Governo fixou, nos termos do disposto no nº 5, do artº 39º, do Decreto-Lei nº 291/2007, de 21.08, os critérios e valores orientadores, para efeitos de apresentação aos lesados por sinistro automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal (Vide, a propósito, o Acórdão do STJ de 07/07/2009, acessível in www.dgsi.pt).
Assim, considerando a natureza, a gravidade das lesões e sequelas físicas e psicológicas acima transcritas, que o Autor contava com apenas 35 anos de idade à data do acidente (facto n.º 69), ficou a padecer de um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 53 pontos, sofreu dores, sendo fixado o Quantum Doloris no grau 5 (5/7) e o Dano Estético Permanente no grau 6/7, os períodos de internamento e de incapacidade para o trabalho referidos, mover-se em cadeira de rodas em casa, utilizar prótese nos membros inferiores, mostra-se equilibrada e ajustada a quantia arbitrada na sentença de €150. 000,00, porque conforme aos apontados critérios de equidade [6].
A este propósito, considerou-se no acórdão do STJ de 12.12.2013 (Lopes do Rego) [7], não ser excessiva uma indemnização de € 150.000,00 por danos não patrimoniais “decorrentes de lesões físicas gravosas e altamente incapacitantes” para qualquer trabalho, “com dependência de terceiros para a realização das atividades pessoais, envolvendo degradação plena e irremediável do padrão e qualidade de vida do lesado”.
E no Acórdão do STJ de 8/6/2017 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), julgou-se adequada a indemnização de € 80 000,00 a título de danos não patrimoniais, “Resultando da factualidade provada que como consequência de perfuração do intestino ocorrida no decurso da execução de uma colonoscopia, a autora teve um sofrimento significativo, apercebeu-se do perigo da perda da vida, foi submetida a diversas intervenções cirúrgicas subsequentes, passou a sofrer de limitações na sua vida em face da visibilidade das cicatrizes, ficou com uma incapacidade geral permanente de 16 pontos”.

Concluindo, é de manter o valor arbitrado na sentença recorrida, o qual se mostra conforme as regras de direito aplicáveis e respeita os critérios da jurisprudência para casos semelhantes.

E o mesmo se dirá quanto ao montante fixado pelo dano biológico (€100.000,00).

Na verdade, o grau de incapacidade permanente de 53 pontos atribuído ao Autor, com 35 anos de idade à data do acidente, em consequência das lesões causadas, são impeditivas do exercício da atividade profissional habitua, mas são compatíveis com outras profissões da área da sua preparação técnico profissional, estando provado que mantém a profissão que exercia antes do acidente, com reconversão profissional e mesmo salário ( facto 84).
Assim, essas sequelas não o prejudicam diretamente na perda de rendimentos do trabalho, pelo que urge ressarcir esse dano autonomamente, a denominada perda da capacidade de ganho, entendida enquanto dano biológico de natureza não patrimonial.

Está, pois, em causa, indemnizar o Autor pelo esforço laboral futuro acrescido face à situação anterior ao acidente, o qual tem de ter expressão patrimonial.

Como é consabido, a limitação funcional, ou dano biológico/corporal, em que se traduz uma incapacidade é suscetível de provocar no lesado danos de natureza patrimonial e de natureza não patrimonial [8].

Refere-se no Acórdão STJ de 07.04.2016, proc. 237/13.2TCGMR.GI.SI:
“A afetação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial. Na primeira categoria não se compreende apenas a perda de rendimentos pela incapacidade laboral para a profissão habitual, mas também as consequências da afetação, em maior ou menor grau, da capacidade para o exercício de outras atividades profissionais ou económicas, suscetíveis de ganhos materiais (neste sentido, decidiram os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Junho de 2015 (proc. nº 1166/10.7TBVCD.P1.S1), de 19 de Fevereiro de 2015 (proc. nº 99/12.7TCGMR.G1.S1), de 7 de Maio de 2014 (proc. nº 436/11.1TBRGR.L1.S1), de 10 de Outubro de 2012 (proc. nº 632/2001.G1.S1), e de 20 de Outubro de 2011 (proc. nº 428/07.5TBFAF.G1.S1), todos em www.dgsi.pt.)”.

Assim, a afetação da capacidade funcional de uma pessoa, traduzida pela atribuição de um determinado grau de incapacidade físico-psíquica, constitui um dano reparável, independentemente de se traduzir ou não em perda efetiva ou imediata de salários, isto é, ainda que à data do acidente o sinistrado não estivesse a trabalhar ou fosse ainda menor [9].
Por sua vez, no Acórdão do STJ de 20/01/2010, proferido no processo n.º 203/99.9TBVRL.P1.S1, in www.dgsi.pt., qualificando o dano biológico como sendo exclusivamente um dano não patrimonial, entendeu-se que “levando os factos provados a excluir que a incapacidade permanente geral de 5% tenha repercussões funcionais diretas ou indiretas, imediatas ou longínquas, não é devida indemnização, a título de danos patrimoniais futuros, esgotando-se a sua valoração e ressarcimento em sede de dano não patrimonial”.
Na mesma vertente da qualificação como danos patrimoniais, tem-se entendido que este denominado “dano biológico”, enquanto “diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre”, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial (…); a perda relevante de capacidades funcionais – mesmo que não imediatamente refletida no valor dos rendimentos pecuniários auferidos pelo lesado – constitui uma verdadeira «capitis deminutio» num mercado laboral exigente, em permanente mutação e turbulência, condicionando, de forma relevante e substancial, as possibilidades de exercício profissional e de escolha de profissão, eliminando ou restringindo seriamente qualquer mudança ou reconversão de emprego e, nessa medida, o leque de oportunidades profissionais à disposição, erigindo-se, deste modo, em fonte atual de possíveis e futuros lucros cessantes, a compensar, desde logo, como verdadeiros danos patrimoniais[10].

Mas não tem sido pacífica a qualificação como dano patrimonial ou não patrimonial da perda resultante de IPP que não determina qualquer incapacidade para o exercício da profissão habitual, mas apenas esforços acrescidos, como se dá conta em vários arestos do STJ [11], considerando que o dano biológico/dano corporal determina a indemnização por danos patrimoniais futuros, ainda que não seja afetada a capacidade de ganho do lesado.

Para o Conselheiro Salvador da Costa, segundo posição defendida no âmbito da formação contínua do CEJ de 2009/2010, em Abril de 2010, “Temas de Direito Civil e Processual Civil, em intervenção subordinada ao tema “Caracterização, Avaliação e Indemnização do Dano Biológico”, sustentou: “Como o dano corporal direto propriamente dito, pela sua natureza imaterial, é insuscetível de avaliação pecuniária, salvo por ficção legal, porque não atinge o património do lesado, a conclusão é a de que deve ser qualificado como não patrimonial.”

Como se refere no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 4/6/2013, proferido no processo 2092/11.8T2AVR.C1 ( Maria Inês Moura), “ O nosso código civil estabelece apenas a dicotomia entre danos patrimoniais e não patrimoniais, integrando-se a nosso ver o dano biológico neste último conceito.

A incapacidade que integra o chamado dano biológico, umas vezes interfere com a atividade profissional do lesado, com incidência na sua remuneração ou capacidade de ganho e outras vezes não, ou porque é pouco significativa e não exige um maior esforço para o exercício da atividade, ou porque o lesado não exerce sequer atividade profissional. Nesta medida, o dano biológico pode vir a determinar a indemnização de danos de natureza patrimonial e/ou não patrimonial, conforme os casos”.

Escreveu-se no acórdão do STJ de 07.06.2011 (Granja da Fonseca)[12]:
«Na verdade, a força de trabalho de uma pessoa é um bem, sem dúvida capaz de propiciar rendimentos.
Logo, a incapacidade funcional importa sempre diminuição dessa capacidade, obrigando o lesado a um maior esforço e sacrifício para manter o mesmo estado antes da lesão e, inclusivamente provoca inferiorização, no confronto do mercado de trabalho, com outros indivíduos por tal não afetados.
A repercussão negativa que a incapacidade funcional tem para o lesado centra-se, assim, na diminuição da sua condição física, resistência e capacidade de esforços, o que se traduzirá numa deficiente ou imperfeita capacidade de utilização do corpo no desenvolvimento das atividades pessoais em geral e numa consequente e igualmente previsível maior penosidade na execução de diversas tarefas que normalmente se lhe depararão no futuro.»
E mais recentemente exarou-se no acórdão do STJ de 28/11/2017 (Garcia Calejo):
“Mesmo que se possa colocar a hipótese de não ocorrer, na prática, uma diminuição de salário ou vencimento, a pertinente indemnização não deve deixar de se colocar, por se considerar ser necessário um maior esforço por banda do lesado, para obter o mesmo rendimento. Considerar-se-á a incapacidade em termos de prejuízo funcional. É o chamado dano biológico que consiste, precisamente, “na diminuição somático-psíquico do indivíduo com repercussão na vida de quem o sofre” (in acórdão deste STJ de 4-10-2005 em www.dgsi.pt/jstj.nsf). Trata-se de um prejuízo que se repercute nas potencialidades e qualidade de vida do lesado, afetando-lhe o seu viver quotidiano na sua vertente laboral, recreativa sexual, social e sentimental. É um dano que determina perda das faculdades físicas e até intelectuais em termos de futuro, deficiências que se agravarão com a idade do ofendido. Em termos profissionais conduz este dano o lesado a uma posição de inferioridade no confronto com as demais pessoas no mercado de trabalho, exigindo-lhe, outrossim, um maior esforço para o desenvolvimento da sua laboração. Ou seja, é um prejuízo que se repercute no seu padrão de vida, atual e vindouro”[13].

Como se decidiu em acórdão desta Relação, de 7/3/2017 [14] “a lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui em si um dano real ou dano-evento, designado por dano biológico, na medida em que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem “saúde”. Trata-se de um “dano primário”, do qual podem derivar, além das incidências negativas não suscetíveis de avaliação pecuniária, a perda ou diminuição da capacidade do lesado para o exercício de atividades económicas, como tais suscetíveis de avaliação pecuniária( [15]).

Ora, retornando ao caso concreto, é precisamente este dano biológico que se verifica, pois está demonstrado que a incapacidade permanente do Autor é compatível com o exercício de atividade profissional, que continua a exercer, sem quebra de remuneração, mas implica naturalmente elevados esforços suplementares, ou seja, as sequelas são compatíveis com o exercício de atividade profissional de acordo com as suas habilitações profissionais, mas implicam esforços suplementares, quer para o exercício de atividade profissional quer para o desempenho das suas tarefas pessoais e domésticas.

E como tem sido defendido na jurisprudência o dano biológico é indemnizável per si, independentemente de se verificarem, ou não, consequências em termos de diminuição de proventos por parte do lesado.

“Trata-se de um prejuízo funcional que não perde, porém, a natureza de dano patrimonial, na medida em que é suscetível de avaliação pecuniária, tendo-se verificado durante o período de vida ativa do lesado (neste sentido vai a jurisprudência mais recente deste STJ, vide designadamente o acórdãos de 27-10-2009, de 19-5-2009 e de 4-10-2007 todos publicados no mesmo sítio na internet e ainda o acórdão deste coletivo de 1-6-2010)” – cfr. citado acórdão do STJ de 28/11/2017.

A questão essencialmente controvertida, segundo o recorrente, é a da justa medida dessa indemnização, pois considera não dever ultrapassar os 75.000,00€, sendo que na sentença foi arbitrada a quantia de € 100.000,00.

Ora, como se afirmou, nestas circunstâncias, o critério de fixação da indemnização assenta na equidade, tem em conta os danos causados, o grau de culpa, a situação económica do lesado e do lesante e outras circunstâncias que concorram no caso – artigos 496º, nº3, 494º e 566.º/3, ambos do Código Civil – bem como a atribuição de uma indemnização cujo valor patrimonial proporcione nessa dimensão patrimonial algum conforto específico, nomeadamente compensando o autor pelo elevadíssimo esforço que terá de realizar durante toda a sua vida ativa em consequência dessa incapacidade permanente de 53 pontos.

Na realidade, a diminuição somático-psíquica e funcional do Autor provocou uma repercussão na sua vida pessoal e profissional de elevadíssima relevância, assim como nas atividades da sua vida diária, visto necessitar de ajuda de terceiros para as atividades domésticas e de natureza pessoal, como espelham os factos provados.

Acresce que de acordo com os mais recentes dados do INE [16], no triénio 2015-2017, o valor da esperança média de vida à nascença da população portuguesa foi estimada em 80,78 anos para ambos os sexos, sendo de 77,74 anos para os indivíduos do sexo masculino.

O critério fundamental para a fixação da indemnização devida pelo dano biológico, tanto das indemnizações atribuídas por danos patrimoniais futuros (vertente patrimonial do chamado dano biológico) como especialmente por danos não patrimoniais (dano biológico e demais danos não patrimoniais), é a equidade [17].

E ponderando a esperança média de vida biológica e o período de vida ativa (cerca de 42 anos), a natureza das lesões e grau de incapacidade, a orientação da jurisprudência para casos semelhantes [18], o princípio da equidade, bem como a depreciação da moeda ocorrida entre a data do acidente e a data de julgamento da 1.ª instância, entende-se adequado e justo o montante fixado de € 100.000,00 (cem mil euros) a título de indemnização pelo dano não patrimonial/dano biológico, fixado na sentença, que se mantém, que a pecar será por defeito.

Improcede, pois, nesta parte a apelação.

Vencidos nos recursos, suportarão o apelante e apelado, na respetiva proporção, as custas devidas – art.º 527.º/1 e 2 do C. P. Civil.
***
IV. Sumariando, nos termos do art.º 663.º/7 do C. P. C.
1. Se o veículo automóvel ligeiro “TD” circulava na sua mão de trânsito, em via reta, com 6,40 m de largura, com boa visibilidade, bom piso e bom tempo, quando foi subitamente invadida a sua faixa de rodagem pelo veículo de cor branca, que seguia em estrada que vai entroncar com aquela, não imobilizando o veículo como se lhe impunha, face à existência do sinal vertical “Stop” que aí se encontra, impedindo aquele de circular e obrigando-o a desviar-se para a faixa contrária, a fim de evitar a colisão, fazendo com que se despistasse, apesar de tentar retomar a marcha, a culpa na produção do acidente deve ser atribuída única e exclusivamente a este condutor, pela cometida contraordenação muito grave, p. p. pelo art.º 146.º, al. n) do Código da Estrada, causal do acidente.
2. No respeita ao quantum indemnizatório por danos morais, a fixar segundo critérios de equidade, nos termos do art.º 496.º/4 do C. Civil, há que atender nomeadamente à extensão e gravidade dos danos, ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e social à do lesado, à sua idade, aos padrões da indemnização geralmente adotados na jurisprudência e às flutuações do valor da moeda.
3. Só é passível de ressarcimento o dano que seja efetivamente suportado pelo lesado para o exercício de prática desportiva, sendo irrelevante a vontade de a retomar, justificando-se a condenação do Réu no montante que se vier a liquidar em execução de sentença a título de danos patrimoniais futuros com o exercício dessa atividade física, visto que tal dano ainda não ocorreu, nos termos do art.º 693.º/2 do C. P. Civil.
4. Demonstrando-se que o autor, em consequência do acidente de viação, sofreu várias lesões físicas, nomeadamente ao nível dos membros inferiores com amputação transtibial bilateral, à esquerda ao nível da articulação tibiotársica e à direita ao nível do terço distal da perna, que lhe determinaram um Défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 53 pontos, sequelas que são compatíveis com o exercício da sua atividade profissional habitual, após reconversão e uso de próteses, sem redução de vencimento, mas que implicam elevados esforços suplementares, assim como no seu quotidiano, tendo 35 anos de idade, sendo fixado o Quantum Doloris no grau 5/7 e o Dano Estético Permanente no grau 6/7, necessitando permanente e periodicamente de fazer fisioterapia, de ajudas técnicas permanentes, como próteses e respetivos acessórios e cadeira de rodas, cadeira de banho, necessitar do apoio de terceira pessoa, considera-se adequado, porque conforme a critérios de equidade, a quantia de €100.000,00 (cem mil euros) a título de indemnização pelo dano biológico e € 150.000,00 (cento e cinquenta mil euros) pelos restantes danos morais.

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V. Decisão.
Nestes termos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar:
1. Totalmente procedente o recurso interporto pela Ré CC, S.A., absolvendo-a do pedido contra si deduzido pelo Autor;
2. Parcialmente procedente o recurso interposto pelo Réu Fundo de Garantia Automóvel, alterando a alínea i) do dispositivo da sentença recorrida, reduzindo para €618.432,80 (seiscentos e dezoito mil quatrocentos e trinta e dois euros e oitenta cêntimos) a indemnização aí fixada a título de danos patrimoniais, e condenam o recorrente a pagar ao autor as quantias que se vierem a liquidar, relativas a despesas que este venha a suportar com a aquisição de próteses desportivas referidas em 72), nos valores máximos aí mencionados, para e com a prática dessa atividade física, mantendo, no mais, o aí decidido.
Custas da apelação da Ré CC a cargo do autor, sendo as devidas pelo recurso interposto pelo Réu FGA a cargo deste e do Autor na proporção do vencido.

Évora, 2019/02/14
Tomé Ramião
Francisco Xavier
Maria João Sousa e Faro


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[1] Cfr. Acórdão do TRL de 10-02-2011, proferido no processo n.º 334/10.6TVLSB-C.L1-2, disponível em www.dgsi.pt.
[2] Proferido no processo n.º 4111/13.4TBBRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[3] Processo 276/07.2 TBCBT.G1.S1 (Cons. Gonçalo Silvano)
[4] Processo 839/07.6TBPFR.P1.S1 (Cons. Lopes do Rego)
[5] Cfr. a título meramente exemplificativo o sumário do recente Ac. do STJ de 10-01-2017, Revista n.º 1965/11.2TBBRR.L1.S1 - 6.ª Secção, disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos.
[6] Quanto à medida de indemnização, vejam-se os critérios seguidos em casos com alguma similitude, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Novembro de 2009, proc. 3533/03.3TBOAZ.P1.S1 (Cons. Serra Baptista), de 29 de Junho de 2011, proc. 345/06.6PTPDL.L1. S1 (Cons. Maia Costa), de 26 de Janeiro de 2012, proc. 220/2001-7.S1 (Cons. João Bernardo) e de 23 de Fevereiro de 2012, proc. 31/05.4TAALQ.L2.S1 (Cons. Isabel Pais Martins).
[7] Proc. 105/08.0TBRSD.P1.S1.
[8] Cfr. Ac. STJ de 04-06-2015, proferido no processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[9] Neste sentido, cfr. Ac. STJ, de 19-11-2009, proferido na revista n.º 585/09.6YFLSB, 1.ª secção e disponível em www.stj.pt, Sumários de Acórdãos, onde se afirma que “estamos perante danos patrimoniais indiretos quando o dano, atingindo embora valores ou interesses não patrimoniais, se reflete no património do lesado, daí que possa concluir-se que nem sempre o dano patrimonial resulta da violação de direitos ou interesses patrimoniais”.
[10] Cfr. Ac. STJ de 20-01-2011, proferido no processo n.º 520/04.8GAVNF.P2.S1, e disponível em www.dgsi.pt.
[11] Nesse sentido o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Abril de 2013, proferido no processo 201/07.0TBBGC.P1.S1 (Cons. Joaquim Piçarra) e o já citado Acórdão de 21 de Fevereiro de 2013, proferido no processo 2044/06.0TJVNF.P1.S1 (Cons. Maria dos Prazeres Beleza), e ainda os de 2 de Novembro de 2010, proferido no processo 105/06.4TBFAF.G1.S1 (Cons. Paulo Sá), de 9 de Fevereiro de 2011, proferido no processo 999/07.6TBLSD.P1.S1, (Cons. Abílio Vasconcelos), de 10 de Março de 2011, proferido no processo 881/04.9TVLSB.L1.S1, (Cons. Serra Baptista), de 21 de Junho de 2011, proferido no processo 795/04.2TBPTL.G1.S1, (Cons. Fonseca Ramos), de 13 de Setembro de 2011, proferido no processo 2494/05.9TBBCL.G1.S1 (Cons. Paulo Sá).
[12] Proc. 160/2002.P1.
[13] Assim também, entre outros , o Acórdão do STJ, de 5/7/2017 (Gabriel Catarino) :
“II - Este tipo de dano (biológico) assume, relativamente aos tradicionais e correntes tipos de danos patrimoniais e extra patrimoniais, uma feição de dano autónomo, atribuindo-lhe a doutrina e a jurisprudência uma função reparadora ao nível da perda de capacidade do lesado em manter um exercício funcional idêntico ou com a mesma amplitude e desenvoltura que faria se não tivesse sofrido a lesão corporal que determina a obrigação de indemnizar.
III - Para que surja a obrigação de indemnizar por este tipo de dano não se torna necessário que o lesado tenha sofrido ou venha a sofrer de uma incapacidade permanente geral para o trabalho ou, o que vale dizer para a atividade profissional que desenvolvia ou que possa vir a desenvolver no futuro, mas tão só que as lesões sofridas sejam limitadoras e incapacitantes de uma atividade funcional normal enquanto pessoa”.
[14] Proferido no proc. n.º 2153/12.6TBLLE.E1 (Manuel Bargado), em que o ora relator interveio como 2.º adjunto.
[15] Cfr., a este propósito, as doutas considerações do acórdão do STJ, de 21.03.2013 (Salazar Casanova), proc. 565/10.9TBVL.S1.
[16] Divulgados no passado dia 27-09-2018, de acordo com as "Tábuas de Mortalidade em Portugal 2015-2017".
[17] Cfr. Ac. do STJ de 04-06-2015, proferido no processo n.º 1166/10.7TBVCD.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[18] No Acórdão do STJ de 5/7/2017, proc. n.º 4861/11.0TAMTS.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt considerou-se “justo e adequado fixar em € 76.000,00, a indemnização pela perda da capacidade de ganho, à demandante de 46 anos de idade, que auferia o vencimento mensal de € 541,00, que em resultado de um atropelamento ficou com os membros inferiores entalados entre a viatura da arguida e outro veículo automóvel, sofrendo como consequência direta e necessária do embate descrito, dores e esfacelas graves de ambos os membros inferiores, com fratura exposta do fémur esquer­do e fratura cominutiva do perónio direito com sinais de compromisse vascular e destrui­ção extensa dos tecidos sem hipótese de reconstituição arterial e ainda amputação transfemural a nível do terço distai da coxa direita e apresenta múltiplas cicatrizes visíveis nos membros inferiores que lhe determinaram um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica fixável em 53 pontos, sequelas que são impeditivas do exercido da sua atividade profissional habitual como empregada de limpeza e de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional, não podendo exercer outras profissões que exijam esforço físico elevado e não conseguindo realizar tarefas do dia-a-dia como tirar e pôr a roupa na máquina de lavar; tomar banho sozinha; descer escadas; varrer e limpar o chão com uma esfregona”.