Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
12080/12.1TDLSB-A.E1
Relator: JOSÉ SIMÃO
Descritores: PROCURAÇÃO
APRESENTAÇÃO PESSOAL DO ARGUIDO
CESSAÇÃO DA CONTUMÁCIA
Data do Acordão: 06/23/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: -A apresentação nos autos de um requerimento em que o arguido junta procuração a favor de advogado, demonstrando ter conhecimento da pendência do processo e manifestando interesse na resolução do mesmo não constitui fundamento bastante para a retoma dos ulteriores termos processuais, nomeadamente para a notificação da acusação e para designação da data de julgamento.
-Não se tendo verificado a apresentação pessoal do arguido no Tribunal ou a sua detenção não podia ser designado dia para julgamento, conforme o arguido requereu, por isso inexiste motivo para que o arguido preste TIR no Consulado do país de residência e para que seja declarada cessada a contumácia.

Decisão Texto Integral: Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório

Nos presentes autos a correr termos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Juízo Local Criminal de Vila Nova de Ourém) o arguido que se encontra contumaz veio, em 24-10-2019, informar da sua morada na África do Sul, solicitar que seja levantada a contumácia e que seja notificado da acusação e do despacho que designa dia para julgamento.

O processo foi com vista ao Ministério Público, que promoveu a expedição de carta rogatória para notificação do arguido da acusação bem como para a prestação de TIR, e que caso se logre a notificação, oportunamente, se faça cessar a contumácia.

Por despacho datado de 4-11-2019, infra transcrito, a Mma Juiz considerou que situação em causa não fazia caducar a contumácia, determinou que os autos aguardassem por três meses e oportunamente que fosse aberta vista e conclusão.

Inconformado o arguido recorreu, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões:

«I – Entendemos que o Arguido se apresentou em juízo, quando enviou Requerimento aos autos, em 24/10/2019, a informar a sua morada actualizada e a juntar Procuração Forense a favor da ora Signatária.

II – O Requerimento apresentado em 24/10/2019 constitui uma verdadeira apresentação em juízo, pois, o Arguido demonstrou ter conhecimento do Processo em curso e manifestou interesse pela resolução do mesmo, onde assume um papel de relevo, dirigindo-se ao Tribunal onde este corre termos, com o propósito de lhe dar andamento.

III - A apresentação em juízo a que se refere o legislador é “apresentação” não apenas no sentido físico, de surgimento do arguido nas instalações do tribunal onde pende o processo, mas no sentido de apresentação-surgimento processual, apresentação-conhecimento do paradeiro do acusado.

IV - Pois, não é a prestação de TIR que precede e provoca a caducidade da contumácia; pelo contrário, é a caducidade da contumácia que determina e provoca a prestação de TIR. É o que dispõe o artigo 336.º, n.ºs 1 e 2, do CPP.

V - Ou seja: é o contacto pessoal do arguido com o tribunal (por meio da apresentação ou da detenção) que permite considerar caducada a contumácia, que é caracterizada precisamente pela impossibilidade de efectuar esse contacto.

VI - Tal significa que, neste momento, tendo o Arguido efectuado a sua apresentação em juízo do ponto de vista do aparecimento processual, estão reunidas as condições para ser decretada a caducidade da contumácia, nos termos do artigo 336.º, n.º 1, do CPP.

VII – Quanto à questão da prestação de TIR, parece-nos que nada obsta a que o Arguido preste TIR no Consulado Português da Africa do Sul, sem necessidade de expedir uma carta rogatória enviada às justiças do país onde o arguido reside para o efeito. Pois, o Consulado Português na Africa do Sul é a representação da administração pública portuguesa, pelo que, não se exige o recurso aos mecanismos de cooperação judiciária em matéria penal.

VIII – Ora, o arguido que preste TIR pode ser notificado, mediante via postal simples, para os posteriores termos do processo, incluindo a audiência de julgamento, sendo julgado na sua ausência, caso não compareça (artigo 196.º, n.ºs 2 e 3, d), do CPP). Pode, pois, o arguido ser julgado na sua ausência, desde que regularmente notificado (artigo 333.º, n.º 1, do CPP), notificação essa a realizar por meio de via postal simples.

Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado, sendo revogado o despacho recorrido e substituído por outro, que declare a caducidade da contumácia que foi aplicada ao Arguido. Assim se fará JUSTIÇA!»

O Ministério Público respondeu ao recurso dizendo:

«1. A contumácia apenas cessa com a apresentação do arguido em juízo, estando esta cessação dependente da prestação de termo de identidade e residência, não bastando que o arguido venha informar os autos do seu paradeiro;

2. Sendo o Recorrente residente no estrangeiro, designadamente, na África do Sul, não é possível a prestação de termo de identidade e residência no Consulado Português uma vez que não faz parte das atribuições dos postos consulares a prática de actos reservados pelo Código de Processo Penal aos órgãos de polícia criminal;

3.A solução seria expedir carta rogatória solicitando a prestação de termo de identidade e residência, tendo em conta que o Recorrente veio requerer que o julgamento decorresse na sua ausência, nos termos do artigo 334.º, do Código de Processo Penal, não fosse a jurisprudência fixada pelo Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 5/2014, de 26 de Março. Assim farão, V. Exas. a esperada e costumada JUSTIÇA».

Nesta Relação, a Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu o seu douto parecer no sentido do recurso ser julgado improcedente.

Observado o disposto no art. 417º nº 2 do CPPenal, o arguido respondeu alegando que, requereu em 24-10-2019 o levantamento da contumácia por força de ter indicado a sua morada, o que equivale à apresentação e por isso, o caso dos presentes autos e o caso objecto do AFJ não têm como base a mesma questão de direito; que a “apresentação” a que alude o artº 336º nº 1 do CPpenal pode ser concretizada através da comparência física do arguido nas instalações do Tribunal, como também através de toda a forma de “surgimento” processual demonstrativo do conhecimento do arguido de que pende um processo contra si.

Procedeu-se ao exame preliminar.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II- Fundamentação

O teor do despacho recorrido datado de 4-11-2019 é o seguinte:

Vem o contumaz nos autos requerer a cessação de contumácia informando a sua morada em país estrangeiro (África do Sul) referindo que sendo agora o seu paradeiro conhecido não deve subsistir a situação de contumácia.

Preceitua o artº 336º do CPP em matéria de caducidade da situação de contumácia declarada que “1- A declaração de contumácia caduca logo que o arguido se apresentar ou for detido, sem prejuízo do disposto no nº 4 do artigo anterior.2- Logo que se apresente ou for detido, o arguido é sujeito a termo de identidade e residência, sem prejuízo de outras medidas de coacção, observando-se o disposto nos nºs 2 e 4 e 5 do artº 58º. 3- Se o processo tiver prosseguido nos termos da parte final do nº 5 do artº 283º, o arguido é notificado da acusação, podendo requerer abertura de instrução no prazo a que se refere o artº 287º, seguindo-se os demais termos previstos para o processo comum”.

A situação processual gerada pela contumácia só caduca quando o arguido se apresentar em juízo ou for detido, de harmonia com o disposto no nº 1 do artº 336º do CPP, como se afirma na fundamentação do AUJ 5/2014, de 23/3 (DR, I, de 25/5/2014). Independentemente de opiniões pessoais, não existindo argumentos consistentes não ponderados nesse AUJ para arredar a jurisprudência nele fixada (e que é obrigatória), não é sustentável a ideia de que, estando o arguido declarado contumaz ausente no estrangeiro e sendo aí conhecida a sua morada, deve ser expedida carta rogatória para a sua notificação (da acusação e do despacho que designa dia para julgamento) através da Convenção Europeia de Auxílio Judiciário Mútuo em Matéria Penal entre os Estados membros da União Europeia, uma vez que tal não faz caducar a contumácia.

Notifique.

Nada advindo, aguardem os autos por três meses e oportunamente abra vista e conclusão.

III – Apreciação do recurso

O recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação, artºs 403º, nº 1 e 412ºnº 1 do CPP.

As conclusões do recurso destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões da discordância do recorrente em relação à decisão recorrida, a nível de facto e de direito, por isso, elas devem conter um resumo claro e preciso das razões do pedido (cfr. neste sentido, o Ac. STJ de 19-6-96, in BMJ 458, 98).

Perante as conclusões do recurso, a questão a decidir consiste em saber se deve ser declarada cessada a situação de contumácia do arguido.

O arguido foi declarado contumaz por despacho de 3-6-2019.

Em 24-10-2019 o arguido requereu o levantamento da contumácia e que fosse notificado da acusação, bem como do despacho que designa dia para julgamento, por se encontrar a residir e a exercer a sua actividade profissional no estrangeiro, em morada que indica, e juntou procuração aos autos.

Em 26-10-2019, o Ministério Público promoveu que fosse expedida carta rogatória para notificar o arguido da acusação, bem como para a prestação de TIR, o que foi indeferido, por despacho supra transcrito, no nº II desde Acórdão.

Vem o arguido recorrer deste despacho alegando que, os factos subjacentes ao pedido de declaração de caducidade de contumácia, apresentado em 24-10-2019, não estão relacionados com a expedição de qualquer carta rogatória, nem com a questão de saber se a prestação de TIR, através de carta rogatória faz ou não caducar a contumácia e por isso conclui, não têm a ver com o conteúdo do AUJ nº 5/2014.

Mais refere que, a apresentação a que alude o artº 336º nº 1 do CPPenal pode ser concretizada não só através da comparência física do arguido no tribunal onde pende o processo, como também quando arguido apresente nos autos um requerimento juntando procuração a favor de advogado, demonstrando ter conhecimento da pendência do processo e manifestando interesse na resolução do mesmo.

Após a apresentação pelo arguido do requerimento de 24-10-2019, o Ministério Público requereu a expedição de carta rogatória para notificar o arguido da acusação bem como para prestar TIR, logo a Mma Juiz tinha de se pronunciar sobre esta promoção e por isso e bem, chamou à colação o Acórdão de Uniformização de Jurisprudência nº 5/2014.

E quanto ao requerimento do arguido, a resposta ainda que sintética também consta do despacho recorrido ao dizer-se que “ a situação processual gerada pela contumácia só caduca quando o arguido se apresentar em juízo ou for detido, de harmonia com o disposto no nº 1 do artº 336º do CPP, como se afirma na fundamentação do AUJ 5/2014, de 23/3 (DR, I, de 25/5/2014). Independentemente de opiniões pessoais, não existindo argumentos consistentes não ponderados nesse AUJ para arredar a jurisprudência nele fixada ( e que é obrigatória) (….)”.

Na verdade, a redacção do nº 1 do artº 336º do CPPenal é clara, no sentido de que a declaração de contumácia só pode cessar através de duas formas: a apresentação pessoal do arguido contumaz em Tribunal ou a sua detenção.

Daí que, em nossa opinião, a apresentação nos autos de um requerimento em que o arguido junta procuração a favor de advogado, demonstrando ter conhecimento da pendência do processo e manifestando interesse na resolução do mesmo não constitui fundamento bastante para a retoma dos ulteriores termos processuais, nomeadamente para a notificação da acusação e para designação da data de julgamento.

Não se tendo verificado a apresentação pessoal do arguido no Tribunal ou a sua detenção não podia ser designado dia para julgamento, conforme o arguido requereu, por isso inexiste motivo para que o arguido preste TIR no Consulado Português da África do Sul (país de residência do recorrente), e para que seja declarada cessada a contumácia.

Neste sentido, vide o AUJ 5/2014 que na sua fundamentação refere: (…) Contudo, como já se assinalou, não é a prestação de TIR que precede e provoca a caducidade da contumácia; pelo contrário, é a caducidade da contumácia que determina e provoca a prestação de TIR (…) Ou seja. É o contacto pessoal que viabiliza por meio da prestação do TIR, a manutenção de uma ligação do arguido ao processo até ao seu termo. O TIR é o instrumento dessa ligação subsequente à caducidade da contumácia, não a causa dessa caducidade (…) Só a apresentação pessoal do arguido ou a sua detenção asseguram a sua efectiva disponibilidade para os posteriores termos do processo».

Ora, o arguido não se apresentou pessoalmente no Tribunal de Vila Nova de Ourém onde está pendente o processo em que foi declarado contumaz, nem foi detido no âmbito deste processo, pelo que se impõe manter o despacho recorrido.

IV- Decisão

Termos em que acordam os Juízes desta Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido no sentido de ser declarada a caducidade da situação de contumácia e por isso, se mantém o despacho recorrido.

Custas pelo arguido com taxa de justiça que fixamos em 3 ucs.

Notifique

Évora,

(Texto elaborado e revisto pelo relator)