Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
252/12.3GBMMN.E1
Relator: MARTINS SIMÃO
Descritores: CONVERSÃO DA MULTA EM PRISÃO SUBSIDIÁRIA
PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO
AUDIÇÃO DO ARGUIDO
Data do Acordão: 02/03/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: Na conversão da pena de multa em prisão subsidiária, o condenado pode provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável (podendo, nesse caso, ser suspensa a execução da prisão subsidiária), e, assim sendo, respeitando o princípio do contraditório, deve o arguido ser ouvido sobre as razões pelas quais não pagou a multa.
Decisão Texto Integral:




Acordam, em Conferência, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
Nos autos de processo sumaríssimo, com o número acima mencionado, do Tribunal Judicial de Montemor -o- Novo, o arguido LMRM, id. a fls. 49 foi condenado por decisão de 14-02-2013, pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido no art. 3º, nº 1 e 2 do DL nº2/98, de 3 de Janeiro na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de € 5,00 (cinco euros), o que perfaz € 400,00.
O arguido foi notificado, bem como a sua defensora para pagar a multa, o que não fez.
Após a realização de diligências para apurar se o arguido possuía bens, o Ministério Público alegando que não se logrou apurar se tinha bens penhoráveis, promoveu a conversão da multa em prisão subsidiária.
A Mma Juiz por despacho de 26-11-2013, determinou a conversão da multa em prisão subsidiária.
Inconformado o arguido interpôs recurso deste despacho, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões:
“A lei – art. 49º do C.Penal – não faz depender a aplicação da prisão subsidiária da instauração de processo executivo, mas da impossibilidade de obter o pagamento coercivo que, como é óbvio, abrange tanto os casos em se instaurou a execução e através dela não se conseguiu obter o pagamento da multa como aqueles em que a impossibilidade de pagamento coercivo resulta «ab initio», ou seja, por não existirem bens que permitam pelo menos tentar o pagamento.
Ora não há elementos nos autos que permitem concluir que os seus proventos económicos não são suficientes para o pagamento da multa, pelo que não deve o condenado ver-lhe negada a suspensão da execução da prisão subsidiária prevista no nº 3 do art. 49º.
De facto, nos autos constava a morada antiga do arguido e não a certa, o que decorre da própria notificação do despacho tentado em Arraiolos e cumprido em Montemor.
Termos em que deve ser revogado o despacho”.
O Ministério Público respondeu ao recurso, tendo concluído do seguinte modo:
“1. Atendendo a que o arguido não procedeu ao pagamento da multa em que foi condenado, a secção de processos averiguou, junto da GNR de Montemor-o-Novo, da existência de bens penhoráveis daquele, tendo em vista a eventual instauração de execução para pagamento coercivo de multa – cfr. fls. 60 e 74.
2. A GNR de Montemor-o-Novo elaborou e fez chegar aos autos o competente relatório sobre a existência de bens penhoráveis ao arguido, o qual resultou que este se encontra desempregado, não possuindo quaisquer bens móveis ou imóveis susceptíveis de penhora – cfr. fls. 77.
3. Por isso, O MºPº promoveu nos autos por despacho de 15/10/2013,a conversão da multa não paga na correspondente prisão subsidiária, por ser inviável a instauração de execução patrimonial contra o arguido, atendendo à ausência de bens penhoráveis do mesmo – cfr. fls. 78.
4. E sobre tal promoção incidiu o despacho judicial de fls. 79/80, que a deferiu, pelos fundamentos nela expostos e sobre o qual incidiu o presente recurso.
5. Verifica-se, pois que nos autos se mostra demonstrada a inviabilidade de pagamento coercivo da multa em questão, pelo que bem andou a Mma Juiz a quo ao converter tal multa na correspondente prisão subsidiária, nos termos do art. 49º nº 1 do CPenal.
6. Acresce que o arguido, até ao momento, não juntou aos autos qualquer prova de que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pelo que não se verificam os pressupostos legais para decretar a suspensão de uma pena eventual execução da prisão subsidiária, ao abrigo do art. 49º nº 3 do C.Penal.
7. A douta decisão recorrida não violou qualquer disposição legal, nem merece censura, devendo pois, ser integralmente mantida.
Nesta Relação, o Exmo. Procurador Geral Adjunto emitiu o seu douto parecer no sentido de o recurso ser julgado procedente com o argumento de que “ a questão de fundo (a conversão da multa em prisão subsidiária) não se compadece da interpretação restritiva que no despacho recorrido se faz da norma legal nele invocada, pois que se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, a execução da pena de prisão pode ser suspensa”.
Observado o disposto no art. 417º nº 2 do CPPenal, o arguido não respondeu
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir

II- Fundamentação.
1.O objecto do recurso é definido pelas conclusões formuladas pelo recorrente na motivação, art. 403º nº 1 e 412º nº 1 do C.P.Penal.
As conclusões do recurso destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer as razões da discordância em relação à decisão recorrida, a nível de facto e de direito, por isso, elas devem conter um resumo claro e preciso das razões do pedido (cfr. neste sentido, o Ac. STJ de 19-6-96, in BMJ 458, 98).
Perante as conclusões do recurso a questão a decidir consiste em saber, se com a prolação do despacho recorrido foi violado o disposto no art. 49º nº 3 do C. Penal e o princípio do contraditório.
Vejamos.
A pena de prisão subsidiária é uma pena sucedânea da multa e por isso, depois da aplicação desta seguem-se as seguintes etapas: a) Sempre que a situação económica e financeira do condenado o justificar, o tribunal pode autorizar o pagamento da multa dentro de um prazo que não exceda 1 ano, ou permitir o pagamento em prestações, de acordo com o disposto no art. 47º nº 3 do C. Penal; b) A requerimento do condenado, pode o tribunal ordenar que a multa fixada, seja total ou parcialmente substituída por dias de trabalho, nos termos do nº 1 do art. 48º do C. Penal; c) Se a multa que não tenha sido substituída por trabalho não for paga voluntaria ou coercivamente, é cumprida prisão subsidiária, nos termos do nº 1 do art. 49º do C.Penal; d) Se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa lhe não é imputável, pode a execução da prisão ser suspensa, por um período de 1 a 3 anos, desde que a suspensão seja subordinada ao cumprimento de deveres ou regras de conduta de conteúdo não económico ou financeiro, nº 3 do art.49º.
De nenhuma destas normas resulta a obrigação de notificação prévia do condenado para explicar das razões do não pagamento, mas dado que na conversão da pena de multa em prisão subsidiária está em causa a sua liberdade, deve-lhe ser assegurado o contraditório de acordo com o princípio consagrado no art. 32º nº 5 da CRP e no disposto no art. 61º nº 1 al. b) do CPPenal, que estabelece que o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo, e salvas as excepções previstas na lei, dos direitos de ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte, o que acontece com a decisão a proferir.
Como se escreve no acórdão nº 434/87 do tribunal Constitucional, em http.//www.tribunal constitucional.pt/tc/decsumarias/, o conteúdo essencial do princípio do contraditório consiste “em que nenhuma prova deve ser aceite na audiência, nem mesmo nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra a qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar”.
Este princípio impõe-se, uma vez que se o condenado provar que a razão do não pagamento da multa não lhe é imputável, pode a execução da prisão subsidiária ser suspensa pelo período de 1 a 3 anos.
Não foi observado o princípio do contraditório, o que constitui a nulidade insanável prevista no art. 119º nº 1 al. c) do CPPenal, que não se reduz à ausência física a um concreto acto processual, mas abrange também os casos de ausência processual quando é imposto o direito de audição do arguido (cfr, neste sentido o acórdão desta Relação proferido no processo nº 1610/04-1).

IV- Decisão
Termos em que acordam os Juízes desta Relação em conceder provimento ao recurso e em consequência revogar o despacho recorrido, determinando-se a sua substituição por outro, em que se ouça o arguido sobre as razões pelas quais não pagou a multa a fim de, se aferir se actuou ou não com culpa, após o que deverá ser proferido despacho sobre se, a prisão subsidiária deve ou não ser suspensa na sua execução.
Sem custas.
Notifique.

Évora, 03-02-2015

(texto elaborado e revisto pelo relator)

José Maria Martins Simão

Maria Onélia Vicente Neves Madaleno