Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
524/13.0JDLSB.E1
Relator: CARLOS JORGE BERGUETE
Descritores: PORNOGRAFIA DE MENORES
Data do Acordão: 03/17/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: 1. Tendo os filmes de carácter pornográfico sido objecto de perícia, a sua exibição/visualização em audiência torna-se tarefa sem utilidade detectável.
2. A concreta identificação de vítimas não constitui elemento do tipo de pornografia de menores, previsto no artigo 176º, nº 1, als. c) e d) do Código Penal.

3. Trata-se de crime de perigo abstracto (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de mera actividade (quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção), sendo que a utilização de material pornográfico com representação realista de menor e a mera detenção de materiais pornográficos merecem atenção punitiva.

4. O “download” dos materiais pornográficos não se configura como actividade importadora, por maioria de razão quando o legislador a coloca a par de outras como a produção, distribuição e exportação de materiais.

5. A mera detenção dolosa desses materiais integra a prática do crime previsto no n.º 4 do art. 176º. Os conteúdos partilhados com utilizadores, a que o propósito de divulgação não é alheio, merece qualificação por via da alínea d) do n.º 1 desse art. 176.º, para além da agravação pelo n.º 6 do art. 177.º.

6. A figura do crime continuado deve ser afastada se o comportamento do arguido é revelador de uma persistência de actos ilícitos do tipo indicado, designadamente por instalação, por duas vezes e em locais diferentes, de programa informático que facilita o acesso e a reiteração, esta durante período temporal prolongado, denotando objectivos de preservar e divulgar os conteúdos, através de manifesta pluralidade de resoluções por si procuradas e conotadas com factores endógenos de personalidade e vivência, sem visível influência de outros aspectos.

Decisão Texto Integral:

1

Proc. n.º 524/13.0JDLSB.E1
*
Acordam, em conferência, na Secção Criminal
do Tribunal da Relação de E

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1. RELATÓRIO

Nos autos de processo comum, com intervenção do tribunal colectivo, com o número em epígrafe, do 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de E, o Ministério Público deduziu acusação contra o arguido PJNA, imputando-lhe a prática, em autoria material, de 50 (cinquenta) crimes de pornografia de menores agravados, p. e p. pelos arts. 176.º, n.º 1, alínea c), e 177.º, n.º 6, do Código Penal (CP), e 3164 (três mil cento e sessenta e quatro) crimes de pornografia de menores agravados, p. e p. pelos arts. 176.º, n.º 1, alínea d), e 177.º, n.º 6, do CP.
O arguido apresentou contestação, oferecendo o merecimento dos autos.
Realizado o julgamento e proferido acórdão, decidiu-se condená-lo pela prática de 3214 (três mil duzentos e catorze) crimes de pornografia de menores, p. e p. pelos arts. 176.º, n.º 1, alínea c), e 177.º, n.º 6, do CP, na pena de 3 (três) anos de prisão por cada um deles e, em cúmulo, na pena única de 22 (vinte e dois) anos de prisão.

Inconformado com tal decisão, o arguido interpôs recurso, formulando as conclusões:
I – DA INSUFICIÊNCIA PARA A DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA – artigo 410.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo Penal.
- Números 1 a 10 da Motivação -
1.º - Em momento algum do processo – maxime na audiência de julgamento - foram os ficheiros alegadamente ilegais, abertos, visualizados, analisados ou discutidos, bem como apurada a sua origem, nacional ou estrangeira.
2.º - Em momento algum do processo (inclusivamente durante a fase de inquérito) se procedeu à identificação das vítimas menores, por forma a saber a sua nacionalidade, filiação, idade, nome, raça, sexo ou demais caraterísticas identificadoras;
3. Atendendo a que tal não ocorreu, não pode o douto Tribunal a quo dar como provados os pontos 1, 2, 5 a 10 e 12 a 18 da matéria assente.
4.º - Ninguém pode ser julgado e condenado pela prática de actos ilícitos sobre vítimas não identificadas e quantificadas por triagem e estimativa.
5.º - Nos termos da al. a) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, o douto Tribunal a quo, ao decidir da forma como o fez, incorreu no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada.
6.º - Razão pela qual o acórdão recorrido é nulo, com as demais consequências legais que daí advêm.
II – DO(s) ERRO(s) NOTÓRIO(s) NA APRECIAÇÂO DA PROVA – artigo 410.º, n.º 2 al. c) do CPP
- Números 11 a 91 da Motivação -
7.º - Nos termos da al. c) do n.º 2 do artigo 410.º do Código de Processo Penal, o douto Tribunal a quo incorreu em (vários) erro(s) notório(s) na apreciação da prova ao dar como provados os factos constantes dos números 1 a 3, 5 a 22 da matéria dada como assente.
8.º - O Tribunal a quo deu como assente toda a factualidade supra como resultado da interpretação que afirma ter feito da conjugação da prova produzida em audiência de julgamento, resultado das declarações do arguido, do depoimento das testemunhas (…) especialistas de informática da Polícia Judiciária e ainda do conteúdo da prova documental junta aos autos.
9.º - Sucede, porém que, em relação ao depoimento do arguido o Tribunal a quo considerou que todo o seu discurso estava carregado de contradições o que descredibilizou o seu depoimento.
10.º - Todavia, resulta da prova gravada e acima referida que as declarações do arguido não são contraditórias, pois que este admite como e onde adquiriu o programa, que instalou o programa “S” para fazer download de filmes de adultos, músicas e fotografias; nada nos parece mais claro.
11.º - Das declarações das testemunhas (...), (...), (...), todos inspectores da Polícia Judiciária e (...) e (...) técnicos de informática da PJ, resulta claro que em casa do arguido havia uma considerável quantidade de cd’s com vídeos e músicas que nada tinham a ver com conteúdos de pornografia de menores.
12.º - As mesmas testemunhas confirmam, ainda, a existência de outros ficheiros, que não de pornografia de menores, nos computadores e discos apreendidos em casa do arguido.
13.º - O douto acórdão refere que o arguido “(…) acabou por admitir que detectou que tal programa descarregava filmes pornográficos com menores;
14.º - Não corresponde à verdade que o arguido tivesse uma pasta criada no seu computador com o título “favoritos”. A acusação fala em marcadores de páginas de internet e não na existência de uma pasta no computador do arguido com o título “favoritos”, o que existia de facto era uma pasta com o título “vistos” que o arguido, a instâncias do Sr. Procurador, justifica a sua existência (cfr. depoimento prestado com código 20140916105628_120058_64357.wma da gravação). Aliás, dos autos nem sequer constam qual o número de ficheiros efectivamente abertos e vistos.
15.º - Não restam dúvidas das explicações dadas pelo arguido, pelo que não se aceita que no douto acórdão se dê como provado que o arguido não tenha dado qualquer explicação para a existência da mencionada pasta com o título “vistos”.
16.º - Mais, a testemunha (...), Inspector da Polícia Judiciária declarou não ser possível confirmar se os filmes tinham efectivamente sido vistos ou não (cfr. depoimento prestado com o código 20140929102528_120058_64357.wma da gravação):
17.º - E a testemunha (...), técnico de informática, especialista adjunto da Polícia Judiciária, que procedeu ao exame do material apreendido, declara não poder saber se os ficheiros foram efectivamente visualizados pelo arguido (cfr. o depoimento prestado com o código 20140929115824_120058_64357.wma da gravação):
18.º - Segue o douto acórdão afirmando que o arguido “(…) confrontado com o facto de ter guardado para si tais imagens e informações, indiferente ao bem estar dos menores visualizados, disse que pensou em dizer às autoridades, mas teve medo das consequências. No primeiro interrogatório judicial referiu que esteve à porta da polícia com uma cópia de fotos e vídeos com pornografia de menores, mas que não entrou porque a mãe lhe telefonou a dizer que tinha ido para o hospital.
19.º - Em julgamento, confrontado, negou esta versão dos acontecimentos, referindo ainda que não quis disponibilizar “o seu computador” às autoridades porque nele continha documentos com informações pessoais;”
20.º - Com este tipo de conclusão o Tribunal a quo, uma vez mais, força o entendimento de contradição das declarações do arguido, quando a realidade é bem diferente e totalmente ignorada pelo Tribunal, parecendo querer adequar a realidade como bem entende e direcionada à condenação do arguido.
21.º - O Tribunal recorrido põe a tónica no facto de existirem contradições nos motivos pelos quais o arguido terá desistido de entregar tais imagens e informações às autoridades concluído portanto que as declarações do arguido serão falsas por inverosímeis, ignorando totalmente a factualidade provada em julgamento e o princípio fundamental do in dubio pro reo.
22.º - Houve, de facto, por parte do arguido intenção de entregar os ficheiros que através do programa chegaram ao seu computador, tanto mais que criou uma pasta a que deu o nome “PTHC para entregar à polícia” onde compilou uma serie de ficheiros com conteúdo de pornografia de menores para entregar às autoridades.
23.º - Nestes termos, e com a sua versão dos factos corroborada pelo depoimento da testemunha em causa, que se trata de um Inspector da Polícia Judiciária que procedeu à busca a casa do arguido e que não tem interesse directo na resolução da causa, não pode o douto Tribunal a quo dar como provados os pontos 19 a 22 da matéria assente.
24.º - Não é inverosímil que o arguido tenha criado a mencionada pasta com intenção de proceder à sua entrega à polícia e posteriormente desistido de o fazer, seja por que motivo for, mas terá de se apreciar, para avaliação do carácter do arguido, a existência da referida pasta, cuja existência é confirmada pela testemunha Inspector da PJ, e o Tribunal a quo não o pode ignorar sob pena de não se fazer Justiça e subverter o princípio do direito a um julgamento justo e equitativo.
25.º - É absolutamente incompreensível que se o depoimento do arguido não é credível, tenha afinal e bem vistas as coisas, sido aproveitado de forma fundamental para a sua bárbara condenação.
26.º - Mais, ainda, o acórdão recorrido padece de um grave vício de erro notório na apreciação da prova, desde logo ao dar como provado os factos constantes dos pontos 2, 3, 5, 8 e 9.
27.º - Decide que o arguido partilhou os mencionados ficheiros com milhares de indivíduos através da internet que se dispusessem a descarrega-los para os seus sistemas informáticos, utilizando o programa “Shareza” e a rede “G2” (pág. 2 e 3 do douto acórdão). Todavia, omite a identificação de qualquer desses indivíduos.
28.º - Sucede porém que tal não corresponde à verdade, tal como resulta das declarações das testemunhas arroladas pelo Ministério Público que, embora não conhecendo profundamente o funcionamento do programa “S”, afirmam que a partilha dos ficheiros em causa é parte intrínseca do programa, sem a qual o arguido não poderia ter acesso aos ficheiros, afirmando ainda que o objectivo principal do arguido era a obtenção dos ficheiros para sua satisfação pessoal, conforme se demonstra dos depoimentos de:
- Testemunha (...), o depoimento prestado com o código 20131127122329_299785_64407.wma da gravação:
- Testemunha (...), o depoimento prestado com o código 20140916145237_120058_64357.wma da gravação:
- Testemunha (...), depoimento prestado com o código 20140929102528_120058_64357.wma da gravação:
- Testemunha (...), o depoimento prestado com o código 20140929112819_120058_64357.wma da gravação
- Testemunha (...), o depoimento prestado com o código 20140929115824_120058_64357.wma da gravação
29.º - Conclui o Tribunal a quo que são falsas as declarações do arguido quando disse que os filmes “são quase todos repetidos nos vários discos, quando apagava nuns, o programa copiava para outro disco.” Isto porque, no douto acórdão consta que em audiência de julgamento foi possível visualizar filmes e nenhum era repetido. Ora em audiência de julgamento foi visualizado apenas parte um ficheiro de vídeo não identificado de cerca de 900 filmes que segundo a douta acusação existiram nos computadores e discos externos do arguido, como é obvio não pode o Tribunal a quo afirmar para além de qualquer dúvida e com a certeza absoluta e exigível que todos os filmes que na acusação constam como de pornografia infantil, mais 900, sejam todos iguais porque não foram os mesmos visualizados em sede de audiência de julgamento (nem em sede de inquérito), como deveria ter sido feito para garantia dos direitos de defesa do arguido e o direito a um justo julgamento.
30.º - Mais, não pode o Tribunal recorrido afirmar que “através dos esclarecimentos prestados pelos Inspectores da PJ (...), (...) e (...) (…) o Tribunal convenceu-se que nenhuma das imagens ou filmes era repetido, pois durante a visualização do disco rígido, explicaram estas testemunhas e o Tribunal constatou, que a própria designação dos ficheiros indica que os conteúdos são distintos em cada um e que o programa forense só assimila os que são diferentes, o programa identifica os ficheiros e conteúdo pelo número que eles têm atribuídos e constam de base de dados internacional. Para um vídeo ter um novo número, tem que ser manipulado, não basta transferi-lo de pasta.”
31.º - Sucede que tal não corresponde à verdade nem à prova produzida em julgamento, tanto mais que nenhuma das mencionadas testemunhas procedeu à visualização do disco rígido e o Tribunal também o não constatou porque não foi feita qualquer análise ao disco rígido em audiência de julgamento – Vidé as actas de audiência de julgamento e os depoimentos das testemunhas referidos na Motivação que antecede.
Do depoimento da testemunha (...) resulta que o mesmo, confrontado com relatório de fls. 102 e seguintes dos autos, declarou que o exame preliminar a uma das máquinas foi feita por um colega, (...), e não por si, o exame ao outro computador terá sido feito por outro colega (...) e não por si.
32.º - Em momento algum a testemunha confirmou quantos ficheiros existiam e muito menos que se tratavam de ficheiros diferentes, até porque não o podia declarar porque não foi ele quem procedeu ao exame dos computadores e discos.
33.º - Mais, no douto acórdão é referido que a mencionada testemunha: “Acrescentou que o disco F, tinha oitocentos e oito ficheiros guardados e todos de pornografia infantil, podendo existir outros de outra natureza. Foi filtrada a pesquisa para encontrar este tipo de documentos e que havia ainda ficheiros em descarga e pendentes.(…)”.
34.º - Da análise das declarações prestadas pela testemunha, a fls.111, resulta o contrário (o depoimento prestado com o código 20131127122329_299785_64407.wma da gravação):
35.º - Também no caso do exame ao relatório de folhas 147 dos autos a testemunha volta a prestar um depoimento indirecto, dado que o relatório em causa foi realizado por um colega, conforme anteriormente transcrito.
36.º - Por fim, a testemunha foi perguntada sobre a análise dos discos externos apreendidos e a mesma não sabe se foram, ou não alvo de perícia.
37.º - Isto é, as declarações da testemunha resultaram sempre uma análise por esta feita a um documento elaborado por um colega. Trata-se de um depoimento indirecto e mediato, que não pode ser considerado para prova de qualquer facto.
38.º - A testemunha não tinha como saber nem podia confirmar o resultado da perícia feita por outro colega porque ela própria não procedeu à análise de nenhum disco, não verificou nenhum ficheiro, não sabe se a pesquisa foi filtrada para encontrar só ficheiros contendo abuso sexual de menores ou se oitocentos e vinte e oito ficheiros eram todos os ficheiros que existiam naquele disco, independentemente do seu conteúdo, todas as suas declarações são suposições, pelo que não pode o douto acórdão dar como provado o facto 7 da matéria assente.
39.º - De facto, os ficheiros não foram visualizados em sede de audiência de julgamento e nenhuma testemunha confirmou a existência de oitocentos e vinte e oito ficheiros de pornografia de menores presentes no mencionado disco F.
40.º - No que respeita à análise do depoimento da testemunha (...), Inspector da Polícia Judiciária, e ao contrário do que consta do douto acórdão que afirma que a testemunha declara que “(…) havia ficheiros indicados como vistos e com indicação de PTHC (PreTeen Hard Core) e com a indicação de idades dos menores, era tudo o que estava na pasta e todos eram PTHC.
41.º - Confrontado com relatório de fls. 147 dos autos a testemunha em resposta à existência de uma listagem que estava no desktop denominada “vistos” depôs cfr. o depoimento prestado com o código 20140916145237_120058_64357.wma da gravação:
42.º - Ora, resulta claro das declarações da testemunha que do relatório por si realizado consta apenas um “screenshot” de alguns dos ficheiros que constavam da mencionada pasta, logo não se pode afirmar com toda a certeza que “era tudo o que estava na pasta e todos eram PTHC.” como resulta do douto acórdão.
43.º - Do douto acórdão resulta que a testemunha “(…) referiu o conteúdo do disco F; listagem dos ficheiros incompletos do programa S (documentos com designação PTHC ou com idade até 14 anos), que estavam a ser partilhados;(…). Acrescentou que, este número de ficheiros é muito elevado e não estava entre outros de outro conteúdo.”
44.º - No entanto, não corresponde à verdade que a testemunha tenha declarado que os ficheiros em causa não estavam entre outros de outro conteúdo, foi precisamente o contrário do que resulta das declarações da testemunha.
45.º - Mais, no douto acórdão refere-se que a testemunha identificou “frames” extraídos dos vídeos de forma aleatória e que verificou aleatoriamente fotos e filmes, que viu mais de cem e eram todos diferentes. Que durante a visualização do disco rígido a testemunha explicou que a própria designação dos ficheiros indica que os conteúdos são distintos em cada um, que o programa forense só assimila os que são diferentes.
46.º - Ora, frames são fotografias de um determinado momento do filme, fotografias essas que foram efectuadas em sede de triagem, não significa que a testemunha tenha visualizado todo o filme, aliás é isso que a testemunha declara:
47.º - Confrontada com o número de ficheiros – fotografias e vídeos – em causa e sobre a possibilidade de haver uma repetição elevada de fotografias e vídeos a testemunha não sabe responder dizendo que o exame terá sido feito com base no programa descrito no relatório, mas afirma que não tem a certeza porque não foi ela quem fez o exame.
48.º - O que implica necessariamente um erro na apreciação da prova por parte do douto Tribunal a quo e uma contradição insanável entre a prova produzida e a matéria dada como provada, conforme se confirma pelas suas declarações:
49.º - A testemunha (...), Inspector da Polícia Judiciária, que participou na busca a casa do arguido e identifica a existência de ficheiros com títulos que poderiam sugerir serem de pornografia infantil, que não pode confirmar se eram de facto ou não uma vez que não foi a testemunha que procedeu ao exame do conteúdo dos computadores e discos e não visualizou nenhum ficheiro de vídeo ou fotografia, em concreto o que resulta do depoimento da testemunha em causa cfr. o depoimento prestado com o código 20140929102528_120058_64357.wma da gravação:
50.º - Pelo que resulta claro que os ficheiros que constavam da pasta de transferência não eram todos de pornografia infantil.
51.º - Do douto acórdão resulta igualmente que a testemunha terá afirmado que “Este programa é o mais utilizado para obter ficheiros de abuso de menores”. O que uma vez mais não corresponde às declarações prestadas em audiência de julgamento.
52.º - As declarações da testemunha são claras para obter ficheiros com estes conteúdos o programa “S” é um dos programas que pode ser utilizado em momento algum das suas declarações a testemunha afirma que este programa “S”, utilizado pelo arguido, é o mais utilizado para obter ficheiros de abuso de menores.
53.º - O douto acórdão considerou ainda o testemunho de (...), especialista de informática da Polícia Judiciária, concluindo que o mesmo terá declarado que “(…) a ferramenta usada detecta os ficheiros que pretendem, depois analisam os ficheiros um a um para ver se interessam”.
54.º - Sucede porém que não é isso que resulta das declarações da testemunha (o depoimento prestado com o código 20140929112819_120058_64357.wma da gravação):
55.º - Resulta claro que a testemunha afirmou ser esse o procedimento normal, mas não declarou que neste caso em concreto tenha visualizado os ficheiros um a um, pelo que não pode o douto acórdão atribuir à testemunha declarações que a mesma não prestou.
56.º - Mais, do douto acórdão resulta que a testemunha terá afirmado que “(…) esta ferramenta reporta os ficheiros por esse código (já referenciado pela polícia) e depois por cores e imagens. Esse código mantém-se ainda que esteja em computadores diferentes. ”
57.º - No entanto, a testemunha afirmou que:
- Estes softwares de triagem usam também uma, uma base de dados que existe nas congéneres policiais, e que têm esse tal hash value normalmente associado. O que acontece é, quando o software faz a pesquisa, se esses hash’s foram considerados relacionados com pornografia infantil ou ficheiros do género, ele reporta, ou faz a pesquisa primeiro por esses, e se os detetar assinala, e a seguir vai procurar por proximidade das cores, das imagens, etc... Sinceramente não me recordo se neste caso, se foram detectados ficheiros com hash’s já reportados pelas outras congéneres policiais.
58.º - O douto acórdão conclui ainda que das declarações da testemunha resulta também que “(…)Neste caso procuravam pornografia de menores o programa identifica os ficheiros e conteúdo pelo número que eles têm atribuídos e que constam de base de dados internacional.”, ora tal não corresponde à verdade, o que a testemunha declarou foi que o programa procura por hash value que já existam nessa base de dados e reporta os que encontra que já tenham sido referenciados por outras polícias, e declara que não sabe se foram detectados ficheiros que já tinham sido reportados por outras forças policiais, dado que os ficheiros em causa não constavam de base de dados internacional, um vez mais estamos perante um erro notório na apreciação da prova.
59.º - Ao contrário do que consta do douto acórdão, que afirma que a testemunha terá declarado que “(…) Cada ficheiro tem um número que é tipo “código genético do ficheiro” (…) Esse código mantém-se ainda que esteja em computadores diferente.(…)”, a testemunha declarou:
60.º - Existe aqui uma contradição óbvia nas declarações da testemunha e, como tal, na fundamentação da convicção do Tribunal.
61.º - No douto acórdão o Tribunal a quo considerou que a testemunha declarou que não se recordava se havia repetições entre os ficheiros, no entanto conclui que da conjugação do depoimento desta testemunha e da testemunha (...) que “Para vídeo ter novo n.º tem que ser manipulado, não basta transferi-lo de pasta, daí que se possa concluir que os mesmos não são repetidos”.
62.º - Todavia, tal conclusão é errada e não reflete a prova produzida em audiência de julgamento, uma vez que os que as testemunhas declararam coisa diferente, como consta da transcrição dos seus depoimentos.
63.º - Pelo que a testemunha afirma que quem gera o hash value de um ficheiro, por exemplo, é a máquina que o recebe, qualquer ficheiro tem um hash value, mais afirma sem sombra de dúvida que os hash diferentes podem corresponder a conteúdos iguais e que para isso basta que o ficheiro seja movido de pasta.
64.º - Nestes termos, não pode o douto acórdão concluir o contrário do que foi afirmado pelas testemunhas.
65.º - A testemunha (...), especialista adjunto da Polícia Judiciária que teve intervenção técnica no exame ao material apreendido, prestou o depoimento com o código 20140929115824_120058_64357.wma da gravação):
66.º - Do seu depoimento resulta que não restam dúvidas de que ambas as testemunhas afirmaram não saber se o número de ficheiros em causa inclui ou não ficheiros repetidos, ao contrário do que resulta do douto acórdão que conclui exactamente o oposto, atribuindo às testemunhas declarações que as mesmas não proferiram.
67.º - Aliás as testemunhas são muito claras se o mesmo ficheiro existir em duas pastas diferentes, e ainda que tenham o mesmo hash, o mesmo ficheiro é contabilizado duas vezes. O sistema só iria contabilizar hash’s diferentes se tal tivesse sido requerido em sede de quesitos, o que a testemunha declara perentoriamente não ter sido.
68.º - Salvo o devido respeito, é caso para dizer que o tribunal não esteve no mesmo julgamento do arguido e das testemunhas. Toldou e moldou os depoimentos como quis, sem qualquer critério e sempre em claro e manifesto prejuízo para o julgado.
69.º - Os erros de apreciação foram tantos e tão graves que o acórdão recorrido está minado de ilegalidades que implicam a sua nulidade, por padecer do vício de erro(s) notório(s) na apreciação da prova – artigo 410.º, n.º 2 al. c) do CPP.
III – DA CONTRADIÇÃO INSANÁVEL DA FUNDAMENTAÇÃO – artigo 410.º, n.º 2 al b) CPP
- Número 92 da Motivação -
70.º - Para além de haver um erro notório na apreciação da prova por parte do douto Tribunal recorrido há igualmente contradição insanável da fundamentação, nos termos do disposto no artigo 410.º, n.º 2 al. b) CPP, isto porque o douto Tribunal a quo afirma que a testemunha ((...)) não se recorda se há repetições entre os ficheiros em causa nos presentes autos e ao mesmo tempo conclui que das declarações desta testemunha se pode concluir que os mesmos ficheiros não são repetidos, fls. 12 do douto acórdão.
IV – DO ERRO NA DETERMINAÇÃO DA NORMA APLICÁVEL
- Número 93 a 117 da Motivação -
71.º - O arguido foi condenado pela prática de 3214 crimes de pornografia de menores, previstos e punidos pelos artigos 176.º, n.º 1 al. c) e 177.º, n.º 6 ambos do Código Penal.
72.º - A presente condenação resulta daquilo que a fls. 16 do douto acórdão o Tribunal a quo considera que se “(…) apurou que o arguido importou para os seus computadores, fotografias e vídeos, exibindo menores de 14 anos em actos de pornografia com adultos e, em alguns casos com animais. Todos os vídeos e fotos apreendidos foram por ele importados. Por isso, todas as situações descritas nos autos, configuram, desde logo, 3214 crimes de pornografia de menores, agravados à luz dos artigos 176.º, n.º 1 al. c) e 177.º, n.º 6 do Código Penal.”
73.º - Se por um lado se admite por verdadeiro que o arguido detinha na sua posse ficheiros – vídeos e fotografias – contendo teor de pornografia de menores, não se admite que estejamos perante 3214 ficheiros – vídeo e fotografias – pelos motivos supra alegados, razão pela qual não poderia o arguido ser condenado por 3214 crimes de pornografia de menores.
74.º - Acresce que, Tribunal recorrido faz uma errada subsunção da factualidade à norma, supostamente, violada, desde logo porque o arguido é punido nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 176.º CP por ter, alegadamente, importado para os seus computadores ficheiros contendo actos de pornografia de menores.
75.º - Todavia, o verbo importar a que se alude na mencionada norma implica, necessariamente, introduzir no país determinado produto proveniente de outro país, há aqui uma intenção de lucro e de negócios entres cidadãos de diferentes Estados, o que no caso dos autos não se logrou sequer apurar.
Os conteúdos poderiam perfeitamente ter origem ou fonte bases de dados de computadores nacionais, o que jamais se logrou apurar ou sequer investigar.
76.º A previsão da al. c) do n.º 1 do artigo 176.º visa punir todos aqueles que participam directamente no negócio, na indústria milionária que é, infelizmente, a pornografia infantil.
77.º - É para punir o negócio em si que existe e previsão da al. c) do n.º 1 do artigo 176.º CP.
78.º - O arguido recepcionou determinados ficheiros através da internet, mas não importou os vídeos e fotografias como resulta do douto acórdão.
79.º - Adquiriu através da internet e para isso necessitou de utilizar um programa que lhe permitia fazer download de vários ficheiros de diversos conteúdos, vídeos, fotografias, músicas, etc., cujas origens desconhece.
80.º - Para aquisição de ficheiros na internet é sempre necessário fazer o download dos ficheiros disponibilizados; não está aqui em causa uma importação dos ficheiros, mas uma das formas que existem para a sua obtenção.
81.º - O legislador pretendeu diferenciar aqueles que fazem parte do negócio daqueles que por algum motivo, ainda que ilícito, obtêm e detêm material contendo pornografia de menores e foi por esse motivo que criou a previsão do n.º 4 do artigo 176.º CP.
82.º - Caso não houvesse necessidade de diferenciar a punição do negócio e dos seus intervenientes dos meros detentores de ficheiros contendo pornografia de menores, não seria necessário a previsão do n.º 4 do artigo 176.º CP, atendendo a que a moldura penal é muito diferente entre os dois números do mesmo normativo, o que, dada a diferente intensidade de participação e/ou intervenção do agente, perfeita e claramente se compreende.
83.º - Fica claro, atendendo à moldura penal em causa, que o legislador pretendeu punir de modo mais severo aqueles que estão dentro do negócio da pornografia infantil e em que nele participam directamente, de uma forma ou de outra, não só pela moldura prevista no n.º 1 do artigo 176.º, mas pela possibilidade de agravação prevista no artigo 177.º CP.
84.º - Nestes termos, e à semelhança da factualidade supra descrita, porque não se nega a existência de ficheiros contendo pornografia de menores nos computadores do arguido, ainda que não se possa admitir que sejam 3214, tal como já se deixou alegado, não pode o arguido ser punido nos termos da al. c) do n.º 1 do artigo 176.º CP, mas no âmbito do n.º 4 do mesmo artigo.
85.º - Ao decidir de forma diversa o Tribunal recorrido incorreu no vício de violação de lei o que configura uma causa de nulidade que desde já se deixa arguida para todos os devidos e legais efeitos.
V – DA ILEGALIDADE DA PENA E PRISÃO APLICADA
- Números 118 a 144 da Motivação -
86.º - Por fim o último gritante erro da sentença é uma desproporção entre o alegado crime e a pena imposta; com efeito não se provou que o arguido tivesse praticado 3214 crimes de pornografia de menores, pelo que a pena aplicada não é adequada à factualidade que resulta da prova produzida.
87.º - Condenar o arguido a 22 anos de prisão por deter ficheiros com conteúdo de pornografia infantil, em comparação com os critérios jurisprudenciais adoptados e utilizados pelos Tribunais Portugueses, é fazer dele o arauto e o causador de todos os males da pornografia infantil em Portugal.
88.º - O douto Tribunal a quo pretendeu, erradamente, fazer do arguido um exemplo de punição dado que não se conseguem identificar aos autores dos vídeos, os abusadores, os abusados e os disponibilizadores dos ficheiros; estende-se e escolhe-se a punição, sem qualquer tipo de critério, ao arguido.
89.º - O arguido não angariou os menores, não os aliciou ou integrou nas práticas em que participavam, não deles abusou, não os filmou, tão pouco disponibilizou os mencionados ficheiros; o arguido tão somente, via Internet, estava na posse de ficheiros com esse conteúdo.
90.º - Assim sendo, a haver punição do arguido será pela prática desses factos – guarda ou detenção dos ficheiros em causa – factualidade essa punida nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 4 do artigo 176.º do Código Penal.
91.º - Aplicar ao arguido uma pena privativa de liberdade em medida de 22 anos, viola os mais elementares princípios do direito penal e da aplicação das penas, desde logo o princípio da proporcionalidade e, portanto, o artigo 18.º da Constituição da República Portuguesa.
92.º - Sempre que se mostre desnecessária a aplicação ao arguido da pena privativa da liberdade e quando a mesma possa ser substituída por medidas mais favoráveis, as mesmas deverão ser aplicadas, o que será, de todo, o caso.
93.º - O artigo 71.º do Código Penal estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve fazer-se “em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”. Critério que é precisado depois no nº 2, que estabelece: na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuseram a favor do agente ou contra ele.
94.º - A sentença recorrida não tem em conta, nem pondera qualquer das circunstâncias a ter em conta nas várias alíneas do citado nº 2.
95.º - Nestes termos, deveria o douto Tribunal a quo ter considerado a personalidade do arguido, facto para o qual contribuíram as declarações das testemunhas por ele arroladas (...), (...) e (...), cujos testemunhos foram completamente ignorados pelo Tribunal recorrido, e pelo teor do relatório social junto aos autos, também ele completamente ignorado.
96.º - Desses elementos de prova nada resultou em desabono ou descrédito do arguido, antes pelo contrário, provou-se que o arguido é uma pessoa social e familiarmente inserida, é “considerado um individuo calmo, de relacionamento fácil e sempre disponível para auxiliar familiares e amigos, não se verificando indícios que a presente situação prisional e os crimes de que se encontra indiciado, venham alterar o modo como os amigos e vizinhos com ele se relacionam. … Reconhece a existência de vítimas e a necessidade de punição dos culpados relativamente aos crimes perpetrados. …”(Sic)
97.º - Caso tais elementos de prova tivessem sido atendidos e ao caso concreto fosse corretamente aplicada a norma jurídica violada – artigo 176.º, n.º 4 CP – deveria ter sido aplicada ao arguido condenação em pena de multa ou em pena de prisão não superior a 5 anos, suspensa na sua execução pelo mesmo período, sujeita a regime de prova, que deveria consubstanciar-se num acompanhamento psicológico do arguido (sendo que esta omissão configura, igualmente, a nulidade da sentença, por violação do disposto no art.º 370.º do C.P.).
98.º - Neste caso entende-se que, em caso de punição, a culpa do arguido está, clara e fortemente diminuída porquanto, a sua conduta se enquadra na previsão do crime continuado e não em concurso de crimes, uma vez que, não obstante a diversidade de alegadas vitimas, o que é certo é que a intenção e o desiderato seria sempre o mesmo, não se dirigindo a qualquer uma das supostas vítimas em concreto.
99.º - Ademais, o arguido cometeu, salvo opinião mais avisada, tão só o e um crime de detenção de conteúdos não permitidos, eventualmente valorando o seu numero ou quantidade para efeitos de culpa, com repercussões, na medida da pena a aplicar.
100.º - Ao decidir como fez o Tribunal recorrido violou o disposto nos art.s 30 n.º 2, 40º, 42º, 71º e 72º do Código Penal, de acordo com a mais adequada subsunção dos factos ao direito no presente caso.
Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, decidindo-se em conformidade com tudo quanto vai atrás requerido, fazendo-se, assim, a tão costumada JUSTIÇA !!!

O recurso foi admitido.

O Ministério Público apresentou resposta, concluindo:
1.A não visualização integral na audiência de julgamento dos ficheiros que constituem o suporte aos vídeos e fotografias encontrados em poder do arguido, juntos aos autos em suporte próprio e indicados como prova na acusação deduzida não configura o vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou qualquer outro, pois tais provas já se encontravam juntas aos autos e foram indicadas na acusação pelo que todos os intervenientes processuais conheciam a sua existência e possuíam acesso às mesmas.
2. Trata-se de situação equivalente à leitura dos documentos indicados como prova que a jurisprudência sempre defendeu que não carecem de leitura em audiência, sem afectação do contraditório –cfr. Ac. nº 87/99, do Tribunal Constitucional e Ac. do STJ de 19.11.1997.
3. O artº 176º, do Cód. Penal não exige a identificação dos menores intervenientes nos actos sexuais reproduzidos nos filmes, fotografias e gravações ali bastando-se com a prova de que esses intervenientes sejam pessoas, com idade inferior a 18 anos.
4. No caso dos autos a prova desses requisitos alcança-se através da observação do desenvolvimento físico dos intervenientes, conjugada a sigla «PTHC» que corresponde ao acrónimo de «Pre Teen Hard Core», que acompanha grande parte desses vídeos e ainda com os títulos de muitos desses filmes e fotos que indicam as idades dos intervenientes, sempre inferiores a 14 anos. Assim,
5. Também quanto a esta parte se afigura que não se verifica aquele vício.
6. Manifestamente, o Acórdão não incorre no vício de erro notório na apreciação da prova, quanto aos factos julgados assentes nos nºs. 1 a 3 e 5 a 22, que há-de resultar do texto da decisão recorrida por si só ou em conjugação com as regras da experiência comum, tanto mais que o arguido, ao arrepio do nº 2, do artº 410º, do C.P.P., fundamenta a sua pretensão nas declarações que o próprio e algumas das testemunhas terão proferido o que demonstra que o Acórdão não retirou qualquer conclusão ilógica, arbitrária contraditória ou claramente violadora das regras da experiência comum, detectável por qualquer pessoa.
7. Essa fundamentação poderia, em tese, conduzir à demonstração da existência de um erro de julgamento, que não pode ser apreciado pois em momento algum o arguido indica nas conclusões do recurso as concretas passagens dessas declarações que impõem decisão diversa daquela a que chegou o Tribunal, incumprindo o determinado no artº 412º, nºs. 3, al. b) e 4, do Cód. Proc. Penal.
8. Deverá previamente o arguido ser convidado a completá-las, suprindo esse vício, nos termos do disposto no nº 3, do artº 417º, do Cód. Proc. Penal, sob cominação de não conhecimento do recurso na parte respeitante à matéria de facto.
9. O Acórdão não incorre no vício de contradição insanável da fundamentação na parte em que alude às declarações do Especialista (...) a fls. 405 do processo, pois num primeiro momento este afirmou que não se recordava se havia repetições entre os ficheiros analisados e, num momento posterior, após instâncias, descreveu os procedimentos adoptados em sede de exame que o levaram a concluir que os ficheiros encontrados no computador do arguido, não são repetidos.
10. Embora a expressão “importar”, constante da al. c), do nº 1, do artº 176º, do Cód. Penal, no seio da linguagem do meio informático seja também utilizada em sentido equivalente a descarga de um ficheiro para um determinado computador, à realização de um “download”, como o Tribunal parece ter interpretado, aceita-se que, tal como o arguido refere, a “importação” ali consiste na introdução dos objectos pornográficos ali referidos em território nacional provenientes de outro país.
11. Assim sendo, efectivamente, os factos provados não preencheriam todos os elementos deste tipo penal pois não vem indicado nessa factualidade que o arguido tenha obtido os filmes e fotografias em causa nos autos noutro país. Porém,
12. Esses mesmos factos preenchem os conceitos de legais de divulgação, exibição e cedência, via internet.
13. Tendo-se provado que o arguido instalou a 09.03.2011, o programa “S” no disco rígido, descrito em 12, que utilizou no seu computador, e que esse programa, com versões actualizadas –cfr. relatório pericial de fls. 266 e 267- também estava instalado nos computadores fixo e portátil encontrados em casa do arguido no dia 21.01.2014,
Que desde aquela data o arguido dedicou-se à detenção e divulgação de fotografias e vídeos de teor pornográfico, com menores de 14 anos de idade, incluindo crianças “de colo”, utilizando uma ligação à internet, através da rede denominada “G2” mediante programa próprio denominado de “S”
Que esse é um programa de partilha (…) que, por iniciativa do arguido, se encontrava programado para se conectar à internet automaticamente, logo que este iniciasse o computador, e que iniciava automática e imediatamente a partilha. (…)
Estão assim preenchidos todos os elementos do tipo legal, constituindo aquela descrita actividade do arguido uma verdadeira divulgação, exibição e cedência daquele material a terceiros.
14. Como resultou provado o programa “S” instalado nos computadores do arguido, por este utilizado desde 09.03.2011, e é um programa de partilha de dados.
15. Sempre que o arguido realizou os “downloads” de ficheiros contendo filmes, fotografias e gravações pornográficos com utilização de menores esteve, em simultâneo, a disponibilizar esses mesmos filmes, fotografias e gravações a outros utilizadores daquela rede que procurassem esse tipo de objectos pornográficos., como ocorria no dia 21.01.2014, com os 50 vídeos que tinha na pasta de partilha daquele programa, instalado no computador portátil (nº 5 dos factos provados) e com os 55 vídeos que possuía na pasta de partilha do mesmo programa instalado no computador de secretária (nº 9, dos factos provados).
16. Por esse mesmo programa “S” já haviam passado todos os demais vídeos e fotografias guardados nos computadores e discos rígidos encontrados em poder do arguido e, portanto, também eles estiveram em partilha com os demais utilizadores de todo o mundo que se dispusessem a descarregá-los para os seus sistemas informáticos.
17. O arguido não se limitou a deter os aludidos vídeos e fotografias, efectuou o “download” desses ficheiros de suporte para os seus computadores e, pelo menos enquanto os manteve na pasta de partilha do programa “S” manteve-se a divulgá-los a quem pretendesse visualizá-los e a cedê-los a quem os procurasse, como o arguido bem sabia que ocorria pois conhecia essa característica fundamental do programa que instalara nos seus computadores.
18. Sendo por essa via que o arguido foi referenciado na Rússia, o que conduziu à abertura dos presentes autos.
19. Os factos provados preenchem, assim, por 3214 vezes, os elementos do crime de pornografia de menores exigidos pelo artº 176º, nº 1, al. c), do Cód. Penal.
20. Com a agravação prevista no nº 6, do artº 177º, do Cód. Penal porquanto os menores utilizados não haviam completado os 14 anos de idade.
21. O arguido não pode ser punido pela prática de um único crime continuado, nos termos do nº 2, do artº 30º, do Cód. Penal, porquanto opõe-se a essa solução o disposto no nº 3, desse preceito, uma vez que o crime de pornografia de menores visa defender a autodeterminação sexual de crianças e jovens, bem jurídico de natureza eminentemente pessoal.
22. Acresce que, no caso dos autos, não se encontra um circunstancialismo exterior que, de maneira considerável, tenha facilitado a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao arguido que se comportasse de acordo com o direito, adequado à formulação de um juízo positivo sobre a diminuição da culpa do arguido.
23. A prática criminosa reiterada radica, na situação em apreço, em factores endógenos do arguido – a sua satisfação libidinosa bem como das pessoas com quem partilhava as fotografias e os vídeo (nº. 21 dos factos provados).
24. Não estão também, preenchidos os pressupostos estabelecidos no artº 30º, nº 2, do Cód. Penal pelo que não pode o arguido ser punido pela prática de um só crime continuado.
25. Nem pode ser punido por um único de pornografia de menores, de trato sucessivo, pois, no caso dos autos sabe-se com exactidão o número de crimes que foram cometidos pelo arguido –tantos quantos os vídeos e as fotografias devidamente individualizados que o arguido cedeu a terceiros através do programa “S”, na rede “G2”, mostrando sempre diferentes menores de 14 anos na prática de actos sexuais.
26. Não existe, no caso, necessidade de recorrer a essa ficção jurídica antes havendo que aplicar o disposto no artº 30º, nº 1, do Cód. Penal: O número de crimes determina-se pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime foi cometido – três mil duzentos e catorze (3214).
27. Ponderando os factos na sua globalidade, nos termos do nº 1, do artº 77º, do Cód. Penal importa desde logo considerar que o Recorrente, ao longo de cerca de três anos incorreu numa série de ilícitos penais, de natureza semelhante, contra a autodeterminação sexual de crianças e jovens, com vista à satisfação dos seus instintos libidinosos bem como dos terceiros com quem partilhava os filmes e fotografias, que exibiam as vítimas na prática de actos sexuais, infligidos por adultos e até com animais.
28. Tais filmes e fotografias mostram autenticas violações tal a violência física e psicológica exercida sobre as crianças e/ou a pouca idade das vítimas.
29. O arguido revelou total inconsideração pelas vítimas de tais actos e um egoísmo profundo, pensando apenas na satisfação dos seus instintos, para o que obtinha os vídeos e as fotografias que partilhava na aludida rede com vista a facilitar o seu acesso a novos conteúdos da mesma natureza, para a sua satisfação e assim sucessivamente.
30. Acresce que o arguido sendo capaz de apresentar juízos de valor perante os bens jurídicos em causa e também críticos perante atentados aos mesmos, face à sua personalidade revela-se incapaz de conformar a sua conduta perante o normativo que visa proteger tais bens, pelo que é relevante a possibilidade de voltar a incorrer em factos de idêntica natureza – cfr. relatório social elaborado pela Equipa do IRS.
31. Em julgamento não revelou qualquer juízo crítico da sua conduta.
32. Os factores apurados em favor do arguido são de pequeno relevo.
33-. Tudo ponderado, é manifesto que dentro da moldura penal resultante do disposto no artº 77º, nº 2, do Cód. Penal, de três (3) a vinte e cinco (25) anos de prisão a conduta do arguido afigura-se merecedora de uma forte sanção penal.
Nestes termos e julgando como aqui preconizado V. Exªs. afirmarão a costumada J U S T I Ç A!

Neste Tribunal da Relação, a Digna Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer, no sentido da improcedência do recurso, designadamente sustentando que a matéria de facto não foi devidamente impugnada nos termos do art. 412.º do Código de Processo Penal (CPP) e, assim, se deva ter por fixada.

Observado o disposto no n.º 2 do art. 417.º do CPP, o arguido veio manifestar discordância quanto à inviabilidade de modificação da matéria de facto e, no restante, reiterou a sua posição.

Colhidos os vistos legais e tendo os autos ido à conferência, cumpre apreciar e decidir.
*

2. FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso define-se pelas conclusões que o recorrente extraiu da motivação, como decorre do art. 412.º, n.º 1, do CPP, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, como sejam as cominadas com nulidade do acórdão (art. 379.º, n.º 1, do CPP) e os vícios da decisão e as nulidades que não se considerem sanadas (art. 410.º, n.ºs 2 e 3, do CPP), designadamente conforme jurisprudência fixada pelo acórdão do Plenário Secção Criminal STJ n.º 7/95, de 19.10, in D.R. I-A Série de 28.12.1995 e, ainda, entre outros, os acórdãos do STJ: de 25.06.1998, in BMJ n.º 478, pág. 242; de 03.02.1999, in BMJ n.º 484, pág. 271; e de 12.09.2007, no proc. n.º 07P2583, in www.dgsi.pt ; e Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, Rei dos Livros, 3.ª edição, pág. 48; e Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal”, Editorial Verbo, 1994, vol. III, págs. 320 e seg..
Delimitando-o, sem embargo de que a decisão de alguma(s) questão(ões) possa implicar que o conhecimento e a análise de outra(s) fiquem prejudicados, reside em apreciar:
A) - da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
B) - do erro notório na apreciação da prova;
C) - da contradição insanável da fundamentação;
D) - da impugnação de matéria de facto;
E) - da subsunção dos factos à mera aquisição e detenção de materiais pornográficos;
F) - da verificação de crime continuado;
G) - da aplicação de pena de multa;
H) - da redução da pena de prisão;
I) - da suspensão da execução da prisão.
*

Ao nível da matéria de facto, consta do acórdão recorrido:
Factos provados:
1 - Pelo menos desde 9 de Março de 2011, o arguido dedicou-se à detenção e divulgação de fotografias e vídeos de teor pornográfico, com menores de 14 anos de idade, incluindo crianças “de colo”.
2 - Tais vídeos e fotografias exibem menores alvo de condutas de natureza sexual, sobre si infligidas por adultos, e que incluem coito oral, vaginal, anal e sexo com animais, para satisfação não só dos adultos intervenientes, como do arguido e de milhares de indivíduos com quem este as partilhou através da internet.
3 - Para tanto, o arguido partilhava tais conteúdos, utilizando uma ligação à internet, através da rede denominada “G2” mediante programa próprio denominado de “S”.
4 - Assim, nessa senda, no dia 21 de Janeiro de 2014, pelas 11h40, o arguido detinha, na sua residência sita na Rua (...), n.º 4, 1.º Direito em E:
- Um computador portátil da marca HP, modelo, PAVILlON ETERTAINMENT PC, com o SN CNF6500FFW, com a respectiva cablagem de alimentação, sem bateria e com a dobradiça do monitor partida;
- Um computador de secretária, com caixa de cor prateada, sem marca ou número de série visível, com porta frontal deslizante, apresentando na parte frontal um leitor de disquetes 3,5, um leitor de cartões da marca CONCEPTRONIC, e três leitores de disco óptico, sendo um da marca PHILLIPS, outro da marca LG e outro da marca SUPER WRITE MASTER;
- Um disco rígido, da marca MAXTOR com o número de série Y36A2D2E (denominado de "suporte 1" no exame pericial);
- Um disco rígido, da marca MAXTOR com o número de série K20BEWGA (denominado de "suporte 2" no exame pericial);
- Um disco rígido, da marca MAXTOR com o número de série E407HPGC (denominado de "suporte 3" no exame pericial);
- Um disco rígido, da marca SEAGATE, com o número de série 3FBOBR1N (denominado de "suporte 4" no exame pericial);
- Um disco rígido, da marca QUANTUM, com o código de barras 922534613742 (denominado de "suporte 5" no exame pericial);
- Um disco rígido da marca SEAGATE, com o número de série 9VS20BOS (denominado de "suporte 6" no exame pericial);
- Um disco rígido externo, com caixa da marca IOMEGA, de cor preta, com o número de série WJAA34J686 (denominado de "suporte 7" no exame pericial);
- Um disco rígido externo, com caixa de marca IOMEGA, de cor preta, com o número de série JMAJ02N076 (denominado de "suporte 8" no exame pericial);
- Um disco rígido externo, com caixa, da marca CONCEPTRONIC, de cor preta, com o código de barras n.º0610024559 (denominado de "suporte 9" no exame pericial);
- Um disco rígido externo, com caixa, da marca IOMEGA, de cor prateada, com o P/N 31460100 e código de barras FTAF441LY4 (denominado de "suporte 10" no exame pericial);
- Um disco rígido externo, com caixa da marca ELEMENTS, de cor prateada, com o número de série WCAS80S82608 (denominado de "suporte 11" no exame pericial);
- Um disco rígido externo, com caixa, da marca WESTERN DIGITAL, de cor preta, com o número de série WCAZA7074087 (denominado de "suporte 12" no exame pericial).
5 - Nesse mesmo circunstancialismo de tempo e lugar, verificou-se que o computador portátil da marca HP, modelo, PAVILION ETERTAINMENT PC, com o SN CNF6S00FFW, tinha instalado e a funcionar o programa de partilha "S" com 50 (cinquenta) vídeos, contendo menores, incluindo menores de 14 anos, nús, e em actos sexuais com adultos, em partilha com utilizadores de todo o mundo que se dispusessem a descarregá-los para os seus sistemas informáticos.
6 - Ainda no “disco C:\” desse computador, designadamente na pasta C:\Users\(...), o arguido detinha 5 (cinco) ficheiros contendo vídeos de menores em actos sexuais com adultos.
7 - No disco “F:\1” desse mesmo computador o arguido detinha 828 (oitocentos e vinte e oito) ficheiros, quer em vídeo, quer em fotografia, de menores, nús, em actos sexuais com adultos.
8 - De referir que o programa “S”, por iniciativa do arguido, se encontrava programado para se conectar à internet automaticamente, logo que este iniciasse o computador, e que iniciava automática e imediatamente a partilha desses referidos 50 ficheiros com designações de pornografia de menores.
9 - Nesse mesmo circunstancialismo de tempo e lugar, verificou-se que o computador de secretária acima referido tinha instalado e a funcionar o programa de partilha “S” com 55 (cinquenta e cinco) vídeos, contendo menores, incluindo menores de 14 anos, nús, e em actos sexuais com adultos, em partilha com utilizadores de todo o mundo que se dispusessem a descarregá-los para os seus
sistemas informáticos.
10 - No disco rígido, da marca MAXTOR, com o número de série Y36A2D2E (denominado de “suporte 1” no exame pericial), o arguido detinha 2 (dois) vídeos contendo menores, incluindo menores de 14 anos, nús, e em actos sexuais com adultos;
11 - Nesse disco, o arguido tinha ainda instalado o programa “S”, versão 2. 5. 5.0., aí instalado desde 4 de Abril de 2012.
12 – No disco rígido da marca SEAGATE, com o número de série 3FBOBR1N (denominado de “suporte 4” no exame pericial), o arguido detinha 5 (cinco) vídeos contendo menores, incluindo menores de 14 anos, nús, e em actos sexuais com adultos.
13 - Nesse disco, o arguido tinha ainda instalado o programa “S”, versão 2. 5. 4. 0., aí instalado desde 9 de Março de 2011.
14 - No disco rígido externo, com caixa da marca IOMEGA, de cor preta, com o número de série WJAA34J686 (denominado de “suporte 7” no exame pericial), o arguido detinha 914 (novecentas e catorze) fotografias contendo menores, incluindo menores de 14 anos, nús, sendo que várias fotografias exibem esses mesmos menores em actos sexuais com adultos, 579 (quinhentos e setenta e nove vídeos) contendo menores, incluindo menores de 14 anos, nús, e em actos sexuais com adultos, e ainda 304 (trezentos e quatro) marcadores de favoritos de páginas de internet, todas redirecionando o arguido para sítios de internet com conteúdos de pornografia de menores.
15 - No disco rígido externo, com caixa de marca IOMEGA, de cor preta, com o número de série JMAJ02N076 (denominado de “suporte 8” no exame pericial) o arguido detinha 118 (cento e dezoito) vídeos, contendo menores, incluindo menores de 14 anos, nús, e em actos sexuais com adultos.
16 - No disco rígido externo, com caixa, da marca IOMEGA, de cor prateada, com o P/N 31460100 e código de barras FTAF441LY4 (denominado de “suporte 10” no exame pericial), o arguido detinha 1 (uma) fotografia e 74 (setenta e quatro vídeos) contendo menores, incluindo menores de 14 anos, nús, e em actos sexuais com adultos.
17 - No disco rígido externo, com caixa da marca ELEMENTS, de cor prateada, com o número de série WCAS80582608 (denominado de “suporte 11” no exame pericial), o arguido detinha 434 (quatrocentas e trinta e quatro) fotografias e 149 (cento e quarenta e nove) vídeos contendo menores, incluindo menores de 14 anos, nús, e em actos sexuais com adultos.
18 - Guardava ainda nesse disco, 64 (sessenta e quatro) “contos eróticos” incluindo sempre nas personagens dos mesmos, menores.
19 - O arguido tinha perfeito conhecimento do teor das fotografias, vídeos e ficheiros que detinha, e que toda a actividade relacionada com elas, designadamente: utilização, detenção, divulgação, exportação ou cedência, se lhe encontravam vedadas.
20 - Sabia ainda que as fotografias e vídeos que detinha representavam menores de 14 anos, na prática de actos sexuais, quer de coito oral, vaginal ou anal, e ainda, em alguns casos, actos sexuais com animais.
21 - Não obstante, e agindo deliberada, voluntária e conscientemente, o arguido para sua satisfação libidinosa, e bem assim das pessoas com quem partilhava as fotografias e vídeos, decidiu, deter, armazenar, divulgar, exportar e ceder os referidos vídeos e fotografias.
22 - Sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
23. O arguido foi julgado, no âmbito do PCS (...), por decisão proferida em 28-06-2012, pela prática de um crime de abuso de confiança contra a segurança social, tendo sido condenado na pena de 120 dias de multa, à taxa diária de € 5, perfazendo o total de € 600.
24. Tem como habilitações literárias, o 12º ano.
25. À data da prática dos factos, sozinho, vivia em casa própria, suportando uma prestação mensal de € 400, na sequência de empréstimo bancário contraído para aquisição da mesma.
26. Encontrava-se sem ocupação laboral, afirmando ser auxiliado financeiramente pelos pais, relativamente à sua alimentação diária e mensalidade do empréstimo.
27. Os pais, ambos reformados, manifestam a sua disponibilidade para continuarem a apoiar o filho, seja em meio prisional, seja em meio livre.

Motivação:
Toda a factualidade assente nos números 1 a 22 resulta da interpretação do coletivo, da conjugação da prova produzida em audiência de julgamento.
Efetivamente, o próprio arguido contribuiu para tal, na medida em que, todo o seu discurso está carregado de contradições, descredibilizando o seu depoimento.
Senão vejamos:
- tendo começado por afirmar que não partilhou vídeos com ninguém, não explicou o motivo pelo qual instalou um programa que, é essencialmente de partilha de conteúdos (“S”), facto que o arguido não podia ignorar;
- referiu que adquiriu aquele programa (“S”) para descarregar filmes de adultos, mas acabou por admitir que detectou que tal programa descarregava filmes pornográficos com menores;
- disse que apagava estes filmes quando os detectava e que só não apagou tudo porque um problema técnico não deixava apagar e porque só verificava ao fim de algum tempo, mas não deu explicação para alguns destes filmes estarem nas pastas por si criadas com o título “vistos” ou “favoritos”;
- confessou que iniciou estes descarregamentos há cerca de dois/três anos, esclarecendo que, nesse período não trabalhava mas ia para a quinta ajudar os pais e, por isso, não tinha muito tempo livre. Mas, confrontado com o facto de ter guardado para si, tais imagens e informações, indiferente ao bem estar dos menores visualizados, disse que pensou em dizer às autoridades, mas teve medo das consequências. No primeiro interrogatório judicial referiu que esteve à porta da polícia para uma cópia de fotos e vídeos com pornografia de menores, mas que não entrou porque a mãe lhe telefonou a dizer que tinha ido para o hospital. Em julgamento, confrontado, negou esta versão dos acontecimentos, referindo ainda que não quis disponibilizar “o seu computador” às autoridades, porque nele continha documentos com informações pessoais;
- Em julgamento confirmou ter sido ele a instalar o programa “S” (“uma vez em cada computador”), que afirma ter adquirido na revista “Exame”, quando no primeiro interrogatório judicial havia referido que tal programa havia sido instalado por “alguém” quando mandou arranjar o computador;
- Referiu ainda que, os filmes “são quase todos repetidos nos vários discos, quando apagava nuns, o programa copiava para outro disco”. No entanto, foi possível visualizar em audiência de julgamento, filmes e, nenhum era repetido, sendo certo que, através dos esclarecimentos prestados pelos inspetores da PJ (...), (...) e (...), que descreveremos “infra” o Tribunal convenceu-se que nenhuma das imagens ou filmes era repetido, pois durante a visualização do disco rígido, explicaram estas testemunhas e, Tribunal constatou, que a própria designação dos ficheiros indica que os conteúdos são distintos em cada um e que o programa forense só assimila os que são diferentes, o programa identifica os ficheiros e conteúdo pelo número que eles têm atribuídos e constam de base de dados internacional. Para um vídeo ter um novo número, tem que ser manipulado, não basta transferi-lo de pasta.
- Confrontado com a amostragem de fotogramas do apenso A, diz que não viu alguns deles, mas identifica o que está a suceder (abusos sexuais de menores), prática que considera censurável;
- Afirmou que, no dia da ida da PJ a casa, não recorda que instruções tinha dado ao programa para procurar na net. Tinha um programa a correr para lhe dar dinheiro (Digital Generation), o outro não sabe se estava a correr. Pode ter dado o comando, mas não foi a procurar sexo com menores;
- Disse ainda que não percebe nada de informática, o que não é crível pois admitiu ter procedido à instalação do programa em análise, sendo certo que, segundo o depoimento de (...) (especialista em informática) houve uma intervenção de instalação para outra pasta fora do sistema operativo em que instala por defeito, o que requer algum conhecimento de informática que vai para além do mero utilizador e das indicações automáticas que o programa vai dando para a instalação;
- Por fim mencionou, não saber que deter aqueles vídeos e fotografias era crime, o que é contraditório com o facto de ter tido receio que a polícia fizesse algo contra ele, se ele revelasse que tinha tais conteúdos nos seus computadores.
A convicção do Tribunal reforçou-se, após o depoimento da testemunha (...), Inspector da P.J., que participou na busca a casa do arguido, tendo este referido que o início do processo ocorreu com uma operação das autoridades russas de combate a pornografia de menores. Comunicaram a Portugal que tinha sido partilhado por rede, um programa com um vídeo de pornografia infantil. Identificaram o IP e a residência do arguido através da operadora. Na busca que efetuaram, verificaram que existiam dois computadores em partilha de conteúdos de abuso sexual de menores. Cada um (dos inspetores) verificou uma máquina e viram o teor da pasta de partilha. Uma das janelas identificava o que o arguido estava a enviar e a receber. O programa (S) é um programa de partilha de ficheiros. Para partilhar um vídeo, basta colocá-lo na pasta de partilha. Para obter ficheiros, basta dar um comando ao programa e ele procura. Ao descarregar o ficheiro pretendido, passa logo a partilhá-lo também. Naquele caso, os ficheiros tinham designações próprias que identificavam o seu conteúdo e permite colocar nos motores de pesquisa.
Esclareceu ainda que, a partilha é feita com pessoas do mundo inteiro que estejam na rede (G) e utilizem o programa S. Normalmente é este o programa utilizado para este efeito, embora existam outros mas são menos comuns. Confrontado com relatório de fls. 102 e seguintes (exame preliminar a uma das máquinas feita por colega, nomeadamente Fls. 103, ponto 3, al. b) - captura do conteúdo das janelas; análise do disco rígido; registo de características do computador (último fecho, etc.)), referiu que utilizaram um dispositivo forense para que nada mais possa ser alterado no computador. A Fls. 110 - da análise do programa S, realçou que se verifica que ao baixar ficheiro o partilhava de imediato, A fls. 111, é possível verificar um conjunto de configurações ao ligar programa e a explicação como se liga à net, a pasta para onde vão arquivos baixados, a indicação que os ficheiros só ficavam disponíveis na rede G, a indicação de que o programa permitia compartilhar apenas parte dos vídeos; a designação dos ficheiros que fazem referência aos actos sexuais com menores; ficheiros estavam na pasta de partilha e tiveram que ser seleccionados para isso. Caso contrário teria que os retirar de lá.
Acrescentou que o disco F, tinha oitocentos e vinte e oito ficheiros guardados e todos de pornografia infantil, podendo existir outros de outra natureza. Foi filtrada a pesquisa para encontrar este tipo de documento e que havia ainda ficheiros em descarga e pendentes. Disse ainda que, a fls. 114 e 113, é possível verificar que uns ficheiros estavam completos e outros não, que os da pág. 113 estavam em partilha (C) e no F (p. 114) estavam armazenados.
A Fls. 147 e seguintes, esclareceu que se tratava de um relatório do computador de secretária com imagens do que estava a funcionar, com entradas e saídas naquele momento; configuração da conta e programa; informações para adicionar pastas a partilhar e retirar de partilha; lista de ficheiros para transferência e com designação de que são pornografia de menores; tinha sido desligado às 07.37h, mas na altura da busca estava ligado. A selecção de lista de ficheiros para descarregar, pode ter sido feita antes de desligar o computador e volta a ficar activa com nova ligação do computador. Disco C tinha pasta com vídeos e com indicações de vistos; imagens extraídas de vídeos.
Por fim, referiu que milhares de pessoas e computadores podem ter acesso a este tipo de ficheiros por todo o mundo e que os discos rígidos externos foram apreendidos e depois analisados e do que viu, não lhe pareceu que o arguido tivesse alguma dificuldade em utilizar o programa, pois sabia trabalhar com o mesmo, descarregando, partilhando, guardando os ficheiros, escolhendo os que pretendia partilhar e a linguagem do programa estava em português e que neste tipo de rede, normalmente, apenas se utilizam conteúdos de abuso sexual de menores, violação de direitos de autor e devassa da vida privada.
O depoimento do inspetor da PJ (...), complementou o anteriormente prestado pelo colega, esclarecendo que, os computadores do arguido estavam ligados e a utilizar programa de partilha de ficheiros os que estavam em lista de descarga e partilha tinham nomes indicativos de ficheiros com conteúdo relacionado com abuso sexual de crianças. Um dos programas era o S, de partilha de ficheiros, que estava a funcionar naquele momento.
Quanto ao funcionamento do programa, esclareceu que o mesmo tem um motor de busca e que pesquisa entre utilizadores da mesma rede ficheiros com o nome ou termo inserido na busca. O programa indica pastas onde, por defeito, serão descarregados. O utilizador pode indicar outras. Ao descarregar, o conteúdo fica automaticamente disponível para outros utilizadores da rede.
Desligaram os computadores do arguido para não alterarem a data e hora dos ficheiros que ele tinha. Depois utilizaram ferramenta que não altera os dados para procurar ficheiros relacionados com abuso sexual de menores.
Confrontado com relatório de fls. 147 e seguintes, referiu descrever um exame ao computador fixo: o PC estava ligado e a partilhar conteúdos de abuso sexual de crianças; foi desligado; registo do sistema operativo que estava ligado; tinha o registo da última vez em que foi encerrado correctamente o PC; o arguido era administrador da máquina; o programa estava ligado e a descarregar ficheiros e a partilhar outros; na “biblioteca” são últimos ficheiros descarregados; verificou a indicação das redes onde o programa funcionava (várias, incluindo a G); um quadro que indica o que pode ser partilhado (ficheiros completos e parciais); pastas que estão a ser partilhadas; ficheiros em lista de transferência (logo que ligue o programa, inicia logo a descarga e partilha dos ficheiros da lista que têm referências que indicam conteúdos de abuso sexual de menores).
Esclareceu que o sistema detecta os ficheiros procurados na rede, mas só descarrega quando o detentor do ficheiro ligar o seu computador.
Descreve um quadro com ficheiros totalmente descarregados: acessível na rede; havia uma listagem no desk top, que não estava em partilha, havia ficheiros indicados como vistos e com indicação de PTHC (Preteen hard core) e com indicação de idades dos menores; era tudo o que estava na pasta e todos eram PTHC.
A Fls. 179 identificou frames extraídos dos vídeos, de forma aleatória. Estes eram da pasta dos descarregamentos. Têm nome de ficheiros de origem.
Fls. 102 e seguintes, identificou o computador portátil do arguido, que ligado, o registo do último desligamento, a conta do administrador que dizia Paulo Almaça; a indicação de duas instalações do programa S.
Esclareceu que, iniciando o programa, este se ligava imediatamente à rede, partilhando ficheiros, partilhava ficheiros completos e parciais; havia ficheiros em lista de transferência e também respondia aos pedidos da rede; teve que haver uma pesquisa por termo que detectasse estes ficheiros e depois seleccionar para descarga; indicou um quadro de pesquisa de ficheiros que estavam no ambiente de trabalho; referiu o conteúdo do disco F; listagem dos ficheiros incompletos do programa S (documentos com designação PTHC ou com idade até 14 anos), que estavam a ser partilhados; lista de fotografias com indicação das pastas de onde foram retiradas e depois, os frames dos vídeos.
Acrescentou que, este número de ficheiros é muito elevado e não estava entre outros de outro conteúdo. Para além disso, o programa diz que é de partilha, as pastas também e, vai avisando dos dados em partilha e que para colocar este programa em funcionamento, o utilizador terá que possuir certos conhecimentos que não permitem o desconhecimento do funcionamento do mesmo.
O arguido utilizava este programa há cerca de três anos.
Disse ainda que, só para ver ou descarregar filmes com outro conteúdo, há outros programas disponíveis, que não este. Não recordou mais nenhum programa a correr permanentemente nos computadores do arguido. Não detectou qualquer dificuldade em apagar ficheiros.
Verificou aleatoriamente fotos e filmes. Viu mais de cem e eram todos diferentes.
Durante a visualização do disco rígido, explicou esta testemunha que a própria designação dos ficheiros indica que os conteúdos são distintos em cada um. O programa forense só assimila os que são diferentes.
Acrescentou que, existem sites na net que permitem visualizar e armazenar conteúdos deste tipo, para quem não quer partilhar. Este sistema permite obter mais conteúdos e de forma mais rápida (aumenta a possibilidade de maiores descargas).
Disse ainda que, para filmes comerciais existem sistemas mais rápidos e de partilha só no final e que à G II, só acedem os que têm o S. Ficam todos em rede. Não existe identificação dos utilizadores.
Atendeu-se ainda ao depoimento complementar de (...) (P.J.),que participou na busca a casa do arguido. Referiu que:
- O arguido, tinha dois computadores ligados e a funcionar com programas a descarregar e partilhar conteúdos, tinha seis discos externos, vários deles ligados aos computadores;
- A G e S estavam a funcionar. Descreve este último como um programa de partilha em que cada um dos utilizadores transfere ficheiros para os seus computadores e partilha-os. Desta forma encontram mais facilmente o tipo de ficheiros que pretendem, têm mais oferta de conteúdos, desde logo de natureza ilícita e sem identificação. Trata-se de um programa que partilha ficheiros mesmo que incompletos e pode completá-los com partes fornecidas por vários utilizadores do programa, tornando mais rápido o descarregar de ficheiros. Nas pastas de partilha existiam muitos ficheiros com conteúdos de menores;
- A Fls. 113 e 114, descreveu ficheiros da pasta de partilha com identificação do que está a ser descarregado e parciais a partilhar; reconheceu um dos écrans do que estava a ser partilhado, tudo contendo títulos de pornografia de menores;
- A Fls. 156 e seguintes, descreveu ficheiros de música e depois filmes, na sua grande maioria, de abuso sexual de menores;
- Na pág. 157, verificou conteúdos da pasta de transferência com abuso de sexual de menores e uma pasta dos “vistos”, tudo de pornografia infantil;
- O programa estava instalado com as características que assume por defeito. A forma como é explicado e em português torna impossível não perceber que se está a partilhar;
- O programa tem opções para limitar a partilha, mas isso torna muito mais limitada a possibilidade de descarregar ficheiros;
- Este programa é o mais utlizado para obter ficheiros de abuso de menores. Primeiro o utilizador dá o comando de pesquisa, p. ex. “PTHC”. Depois do programa localizar ficheiros que obedeçam ao pedido, o utilizador tem que seleccionar o que pretende, para que o programa comece a descarregar;
- O arguido demonstrou saber como trabalhar com o programa, desde logo pela forma como tinha os ficheiros organizados, por pastas e discos.
Considerou-se o depoimento do especialista de informática da PJ, (...), na parte em que o mesmo referiu que teve intervenção técnica no inquérito, no âmbito do exame 33/2014, esclareceu que a ferramenta usada detecta os ficheiros que pretendem, depois analisam os ficheiros um a um para ver se interessam. Cada ficheiro tem um número que é tipo “código genético do ficheiro” e o identifica. Esta ferramenta reporta os ficheiros por esse código (já referenciados pela polícia) e depois por cores e imagens. Esse código mantém-se, ainda que esteja em computadores diferentes. Seleccionou os ficheiros e não recorda se havia repetições entre eles. Disse que o utilizador (arguido) fez instalação do programa duas vezes; houve uma intervenção de instalação para outra pasta fora do sistema operativo em que instala por defeito, o que requer algum conhecimento de informática que vai para além do mero utilizador e das indicações automáticas que o programa vai dando para a instalação.
Atendeu-se ao depoimento do Especialista Adjunto da P.J. (Lisboa), (...), tendo este reforçado os depoimentos anteriores, na medida em que esclareceu que o S é um programa dedicado à partilha de ficheiros; qualquer ficheiro que esteja a descarregar é logo partilhado, mesmo que parcialmente; utilizador pode impedir a partilha desactivando pastas, mas mesmo assim, sempre que descarrega, partilha. Antes do ficheiro chegar a esta pasta, o utilizador tem que fazer pesquisa e depois seleccionar o que pretende para descarregar.
Fizeram exame por método de triagem. Neste caso procuravam pornografia de menores, o programa identifica os ficheiros e conteúdo pelo número que eles têm atribuídos e constam de base de dados internacional. Para vídeo ter novo n.º, tem que ser manipulado, não basta transferi-lo de pasta, daí que se possa concluir que os mesmos não são repetidos.
As testemunhas (...), (...) e (...), amigos do arguido e que com o mesmo convivem, não revelaram possuir conhecimentos diretos sobre os factos dados como assentes.
Na prova da factualidade em análise, considerou-se o conteúdo da seguinte prova documental, alguma dela, já descrita “supra”:
• Informação do Gabinete Interpol de fls. 2;
• Cota de fls. 22;
• Informação da Zon de fls. 43;
• Relato de diligência externa de fls. 50;
• Auto de busca e apreensão de fls. 95 a 97;
• Um computador portátil da marca HP, modelo, PAVILION ETERTAINMENT PC, com o SN CNF6500FFW, com a respectiva cablagem de alimentação, sem bateria e com a dobradiça do monitor partida;
• Um computador de secretária, com caixa de cor prateada, sem marca ou número de série visível, com porta frontal deslizante, apresentando na parte frontal um leitor de disquetes 3,5, um leitor de cartões da marca CONCEPTRONIC, e três leitores de disco óptico, sendo um da marca PHILLIPS, outro da marca LG e outro da marca SUPER WRITE MASTER
• Um disco rígido, da marca MAXTOR com o número de série Y36A2D2E (denominado de "suporte 1" no exame pericial);
• Um disco rígido, da marca MAXTOR com o número de série K20BEWGA (denominado de "suporte 2" no exame pericial);
• Um disco rígido, da marca MAXTOR com o número de série E407HPGC (denominado de "suporte 3" no exame pericial);
• Um disco rígido, da marca SEAGATE, com o número de série 3FBOBR1N (denominado de "suporte 4" no exame pericial);
• Um disco rígido, da marca QUANTUM, com o código de barras 922534613742 (denominado de "suporte 5" no exame pericial);
• Um disco rígido da marca SEAGATE, com o número de série 9VS20BOS (denominado de "suporte 6" no exame pericial);
• Um disco rígido externo, com caixa da marca IOMEGA, de cor preta, com o número de série WJAA34J686 (denominado de “suporte 7” no exame pericial);
• Um disco rígido externo, com caixa de marca IOMEGA, de cor preta, com o número de série JMAJ02N076 (denominado de “suporte 8” no exame pericial);
• Um disco rígido externo, com caixa, da marca CONCEPTRONIC, de cor preta, com o código de barras n.º0610024559 (denominado de “suporte 9” no exame pericial);
• Um disco rígido externo, com caixa, da marca IOMEGA, de cor prateada, com o P/N 31460100 e código de barras FTAF441LY4 (denominado de “suporte 10” no exame pericial);
• Um disco rígido externo, com caixa da marca ELEMENTS, de cor prateada, com o número de série WCAS80582608 (denominado de “suporte 11” no exame pericial);
• Um disco rígido externo, com caixa, da marca WESTERN DIGITAL, de cor preta, com o número de série WCAZA7074087 (denominado de “suporte 12” no exame pericial);
Bem como da prova pericial que infra se identifica, referida pelas testemunhas de acusação, em julgamento:
• Relatório de exame preliminar de fls. 102 a 146;
• Relatório de exame preliminar de fls. 147 a 170;
• Exame pericial n.º 33/2104 de fls. 262.
• Disco rígido de marca TOSHIBA, modelo DTOIACA050, com o número de série
X3M41JKAS contendo todos os vídeos, fotografias, histórico de internet, e diversos ficheiros, recolhidos dos objetos apreendidos, contendo actos de natureza sexual com menores, e perícia efectuada pela U.T.I. da Polícia Judiciária.
• Imagens exemplificativas constantes do apenso A.
Os antecedentes criminais do arguido, descritos no nº 23, resultam do teor do certificado de registo criminal de fls. 363 a 365.
A respetiva situação sócio-económica, referenciada nos nºs. 24 a 27, foi descrita pelo arguido e é coerente com o teor do relatório de fls. 370 a 372.
*

Apreciando:
A) - da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada:
O recorrente, preconizando que o acórdão padece de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, invoca que não foram exibidos/visualizados, tão pouco analisados todos os 3214 ficheiros – fotografias e vídeos – alegadamente contendo pornografia de menores (…) nem sequer se provou se e quando os ficheiros em causa foram ou não abertos e visualizados pelo próprio arguido (…) sem se conseguir identificar e quantificar as vítimas, o que seria, quanto a si, relevante para a subsunção jurídica dos factos.
Refere que essas circunstâncias redundam em não se dever considerar como provados os pontos 1, 2, 5 a 10 e 12 a 18, reportando-se, ainda, a violação do disposto no art. 355.º do CPP.
Traz, pois, à colação o vício previsto na alínea a) do n.º 2 do art. 410.º do CPP, que ocorre quando a matéria de facto provada é insuficiente para fundamentar solução de direito, não se confundindo, todavia, com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida (acórdão do STJ de 13.02.1991, citado em anotação ao preceito in “”Código de Processo Penal Anotado” de Maia Gonçalves, Almedina, 1998, pág. 724).
Como salienta Germano Marques da Silva, ob. cit,, vol. III, pág. 325, é necessário que a matéria de facto se apresente como insuficiente para a decisão proferida por se verificar lacuna no apuramento da matéria de facto necessária para uma decisão de direito.
Isso acontece quando o tribunal deixou de apurar matéria de facto que lhe cabia apurar, dentro do objecto do processo, tal como este está enformado pela acusação e pela defesa, sem prejuízo do mais que a prova produzida em audiência justifique.
Ou, como se assinalou no acórdão do STJ de 20.04.2006, no proc. n.º 06P363 (www.dgsi.pt), significa que os factos apurados são insuficientes para a decisão de direito, do ponto de vista das várias soluções que se perfilem - absolvição, condenação, existência de causa de exclusão da ilicitude, da culpa ou da pena, circunstâncias relevantes para a determinação desta última, etc. - e isto porque o tribunal deixou de apurar ou de se pronunciar sobre factos relevantes alegados pela acusação ou pela defesa ou resultantes da discussão da causa, ou ainda porque não investigou factos que deviam ter sido apurados na audiência, vista à sua importância para a decisão, por exemplo, para a escolha ou determinação da pena.
À semelhança dos demais vícios decisórios, tem de decorrer do “texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”, nos termos desse n.º 2 do art. 410.º, ou seja, apenas por apelo a elementos que constem dessa decisão e de harmonia com as máximas da experiência que, em geral, o homem de formação média conhece, como critérios generalizantes e tipificados de inferência factual, índices corrigíveis, critérios que definem conexões de relevância, orientam caminhos de investigação e fornecem probabilidades conclusivas (Castanheira Neves, in “Sumários de Processo Penal”, 1967/68, págs. 42 e segs.).
Conceitualmente, não se prende com a admissibilidade ou a valoração dos meios de prova ou de obtenção desta, nem com a insuficiência de utilização desses meios ou da forma de obtenção destes.
Não obstante, o recorrente entende que a exibição/visualização dos ficheiros, sem pôr em causa que estes tenham servido como prova dos factos, teria de ser feita em audiência.
Ora, tais elementos foram implicitamente indicados na motivação do tribunal enquanto integrando os suportes informáticos em que se encontravam, a que a acusação, aliás, já se reportava (fls. 275/276) e, em conformidade, como prova equiparada a documental junta aos autos, que veio a ser objecto de perícia, reflectida no relatório de exame de fls. 261/268.
Deste modo adquirida no inquérito e alicerçando a acusação, a sua valoração em julgamento não estava dependente da sua exibição/visualização em audiência, nada impedindo que, conjugada com os depoimentos colhidos, a sua relevância para a descoberta da verdade não tivesse sido preterida.
Com efeito, resultando que essa prova não configura senão conjunto de documentos que para o recorrente sempre foi conhecido, a problemática atinente ao alegado art. 355.º do CPP, que consagra o princípio da imediação em audiência, não tem razão de ser, uma vez que se manteve nos autos até à mesma, como dado adquirido no processo, susceptível de ser contraditado pelo recorrente e, como tal, assegurando a viabilidade da defesa e o respeito pelo acusatório.
Ainda que a sua exibição/visualização pudesse ser feita em audiência, afigura-se também que foi objecto de perícia e, compreensivelmente, por efeito desta, essa faculdade tornar-se-ia tarefa sem utilidade detectável, relativamente ao que, note-se, nem mesmo recorrente, em audiência, apelou a que fosse efectuada.
Afastada, pois, essa necessidade para a valoração em causa - situação que vem sendo reafirmada pela doutrina e pela jurisprudência (Maia Gonçalves, ob. cit., pág. 624, Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica, 2008, pág. 891, acórdãos do STJ de 31.05.2006, no proc. n.º 06P1412, in www.dgsi.pt, e de 29.11.2006, in CJ Acs. STJ ano XIV, tomo III, pág. 235, e acórdão do Tribunal Constitucional n.º 87/99, de 10.02, in D.R., II Série, de 01.07.99) -, a detenção desses elementos pelo recorrente, com as características e nas circunstâncias apuradas, objecto que se discutia em julgamento, foi neste analisado, não se tornando necessário o apuramento de efectiva visualização pelo recorrente, mas tão-só a disponibilidade que tinha para fazê-lo e divulgá-lo, em face dessas mesmas condições, de acesso aos seus computadores e discos rígidos externos, funcionando com o programa informático e na rede referidos, o que foi por si procurado e ao longo do período em que a tanto se dedicou segundo os factos provados.
Por seu lado, a concreta identificação de vítimas não constitui elemento que a prática do tipo de crime em apreço exija, já que, na situação, o que se discutiu em audiência foi a detenção e a divulgação de materiais pornográficos envolvendo menores, inerente à tutela antecipada do perigo associado a essa vertente, em razão do interesse, além do mais, de proteção da autodeterminação sexual de menores de dezoito anos, sejam eles quem forem.
Já se vê, pois, que os factos indicados pelo recorrente foram relacionados com as provas elencadas na motivação decisória e não se descortina que, tendo sido dado como provados, a decisão de direito se tornasse inviável.
Inexiste o alegado vício.

B) - do erro notório na apreciação da prova:
Insurgindo-se contra a circunstância de terem sido dado como provados os pontos 1 a 3 e 5 a 22, o recorrente aponta erro notório na apreciação da prova, previsto na alínea c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP.
Fá-lo por referência a diversa prova oral produzida em julgamento - suas declarações e depoimentos vários -, manifestando discordância em diversos aspectos inerentes à valoração que mereceu por parte do tribunal.
Por isso, situa esse vício em plano que não se compagina com os parâmetros da sua análise, que, nos termos daquele mesmo n.º 2 do preceito, se tem de limitar ao “texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum”, o que não se confunde com diferente avaliação probatória de elementos nos quais o tribunal teria assentado a sua convicção.
O erro notório terá de ser interpretado como o tem sido o conceito de facto notório em processo civil, ou seja, como o facto de que todos se apercebem directamente, ou que, observado pela generalidade dos cidadãos, adquire carácter notório (acórdão do STJ de 06.04.1994, in CJ Acs. STJ, ano II, tomo II, pág. 185).
Consubstancia, como referem Simas Santos/Leal-Henriques, in “Recursos em Processo Penal”, 7.ª edição, Rei dos Livros, págs. 77/78, falha grosseira e ostensiva na análise da prova, perceptível pelo cidadão comum, denunciadora de que se deram provados factos inconciliáveis entre si, isto é, que o que se teve como provado ou não provado está em desconformidade com o que realmente se provou ou não provou, seja, que foram provados factos incompatíveis entre si ou as conclusões são ilógicas ou inaceitáveis ou que se retirou de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável. Ou, dito de outro modo, há um tal erro quando um homem médio, perante o que consta do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente se dá conta de que o tribunal violou as regras da experiência ou se baseou em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios ou se desrespeitaram regras sobre o valor da prova vinculada ou das leges artis. Erro notório, no fundo, é, pois, a desconformidade com a prova produzida em audiência ou com as regras da experiência (decidiu-se contra o que se provou ou não provou ou deu-se como provado o que não pode ter acontecido).
Deste modo, deparar-se-á quando existam e se revelem distorções de ordem lógica entre os factos provados e não provados, ou que traduza uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária, de todo insustentável, e por isso incorrecta, e que, em si mesma, não passe despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio (acórdão do STJ de 24.03.2004, no proc. n.º 03P4043, in www.dgsi.pt).
Ainda, segundo Maria João Antunes, in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, ano 4 (1994), pág.120, verifica-se «sempre que, para a generalidade das pessoas, seja evidente uma conclusão contrária à exposta pelo tribunal, nisto se concretizando a limitação ao princípio da livre apreciação da prova estipulada no art.127º do CPP, quando afirma que a prova é apreciada segundo as regras da experiência».
Constituindo, pois, uma limitação, em si mesmo, à livre apreciação probatória, não se equipara, contudo, a uma diferente valoração desta, contrariamente ao que transparece da alegação do recorrente.
Relativamente aos indicados pontos de facto provados, não se descortina que a motivação do acórdão tenha enveredado por apreciação ilógica, destituída de razoabilidade face às regras da experiência, sendo que os argumentos avançados confluem, unicamente, para pôr em dúvida a convicção extraída.
Como tal, não têm virtualidade para configurar, em concreto, o alegado vício.

C) - da contradição insanável da fundamentação:
Reportando-se ao depoimento da testemunha (...), que terá afirmado não se recordar se havia repetições de ficheiros e, segundo a motivação do tribunal, ter este concluído, com base nesse depoimento, que esses ficheiros não eram repetidos, o recorrente invoca contradição insanável da fundamentação, p. e p. pela alínea c) do n.º 2 do art. 410.º do CPP.
A contradição insanável da fundamentação, ou entre esta e a decisão, supõe posições antagónicas e inconciliáveis entre si nos factos descritos ou entre essa descrição e fundamentação.
Segundo Germano Marques da Silva, ob. cit., vol. III, pág. 325, respeita antes de mais à fundamentação da matéria de facto, mas pode respeitar também à contradição na própria matéria de facto (fundamento da decisão de direito). Assim, tanto constitui fundamento de recurso (…) a contradição entre a matéria de facto dada como provada ou como provada e não provada, pois pode existir contradição insanável não só entre os factos dados como provados, mas também entre os dados como provados e os não provados, como entre a fundamentação probatória da matéria de facto.
Tal vício verifica-se quando, segundo um raciocínio lógico, é de concluir que a fundamentação justifica precisamente a decisão contrária ou, quando, seguindo o mesmo raciocínio, se conclui que a decisão não fica suficientemente esclarecida, quer porque existe contradição entre os fundamentos e a decisão, quer porque se dá como provado e como não provado o mesmo facto.
Ainda, conforme acórdão do STJ de 13.10.1999, in CJ Acs. STJ, ano XXIV, tomo III, pág. 184, quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta ou não justifica a decisão ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre factos provados, entre factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do tribunal.
Havendo de resultar, como vício decisório, do “texto da decisão, por si só ou conjugado com as regras da experiência comum”, o que decorre da motivação do acórdão é que efectivamente a referida testemunha disse que “não recorda se havia repetições entre eles”, mas também que “através dos esclarecimentos prestados pelos inspetores da PJ (...), (...) e (...), que descreveremos “infra” o Tribunal convenceu-se que nenhuma das imagens ou filmes era repetido, pois durante a visualização do disco rígido, explicaram estas testemunhas e, Tribunal constatou, que a própria designação dos ficheiros indica que os conteúdos são distintos em cada um e que o programa forense só assimila os que são diferentes, o programa identifica os ficheiros e conteúdo pelo número que eles têm atribuídos e constam de base de dados internacional. Para um vídeo ter um novo número, tem que ser manipulado, não basta transferi-lo de pasta”, o que designadamente é mencionado quanto à testemunha (...) como “explicou que a própria designação dos ficheiros indica que os conteúdos são distintos em cada um” e “O programa forense só assimila os que são diferentes”, o que, aliado à restante prova, conduziu à conclusão reflectida, que, mormente não veio a ser infirmada pela perícia realizada.
Não se divisa onde possa residir a invocada contradição.
Aliás, ainda que implicitamente decorra dos factos provados menção ao número e ao conteúdo dos ficheiros, conforme terão resultado dessa perícia, a circunstância de serem, ou não, repetidos, não assume pertinência para infirmar a globalidade dos factos dados como provados e do modo como o foram, sendo certo que a testemunha (...), caso tivesse detectado repetições, o seu esclarecimento acerca disso teria inevitavelmente de ter constado da motivação, o que não sucede.
A prova é apreciada no seu conjunto e, por isso, não merece que o recorrente a pretenda particularizar, sem a inserir nesse mesmo conjunto, para sustentar contradição na circunstância de uma testemunha ter expressado memória incerta sobre determinado aspecto.

D) - da impugnação de matéria de facto:
A modificação da matéria de facto pode verificar-se, segundo o disposto no art. 431.º do CPP, além do mais, “se a prova tiver sido impugnada nos termos do n.º 3 do artigo 412.º”.
Tem-se, aqui, em vista, a impugnação traduzida na análise da prova, de forma alargada, não obstante dentro dos limites decorrentes do ónus de especificação imposto pelos n.ºs 3 e 4 desse art. 412.º, na medida em que, como vem sendo pacificamente entendido, o recurso é mero remédio jurídico, e não novo julgamento com repetição dos meios de prova produzidos em 1.ª instância - exceptuado o caso em que seja admissível a renovação da prova -, para despistar e corrigir erros in judicando ou in procedendo.
Já Cunha Rodrigues o salientava, in “Lugares do Direito”, Coimbra Editora, 1999, págs. 498/499, ao referir que o Código de Processo Penal assume claramente os recursos como remédios jurídicos e não como meios de refinamento jurisprudencial, não visando o único objectivo de uma «melhor justiça».
Também, segundo Damião da Cunha, in “A Estrutura dos Recursos”, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 8, Abril-Julho, 1998, págs. 259 e seg., os recursos configuram-se no Código de Processo Penal como um remédio e não como um novo julgamento sobre o objecto do processo (…) Assim, ao recorrente é exigido que apresente os pontos de facto que mereçam a censura de incorrectamente decididos (…) Não basta, porém, que no recurso manifeste a discordância e, bem assim, as provas (…) que não só demonstrem a possível incorrecção decisória, mas também permitam configurar uma alternativa decisória.
A este propósito, lê-se no acórdão do STJ de 10.03.2010, in CJ Acs. STJ ano XVIII, tomo I, pág. 219, Como o Supremo Tribunal de Justiça tem reafirmado o recurso da matéria de facto perante a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento não existisse, tratando-se de um remédio jurídico destinado a colmatar erros de julgamento (…) O objeto do 2º grau de jurisdição na apreciação da matéria de facto não é a pura e simples repetição das audiências perante a Relação, mas, mais singelamente, a deteção e correção de concretos, pontuais e claramente apontados e fundamentados erros de julgamento (…) A intromissão da Relação no domínio factual cingir-se-á a uma intervenção "cirúrgica", no sentido de delimitada, restrita à indagação, ponto por ponto, da existência ou não dos concretos erros de julgamento de facto apontados pelo recorrente, procedendo à sua correção, se for caso disso, e apenas na medida do que resultar do filtro da documentação (…) A juzante impor-se-á um último limite que tem a ver com o facto de a reapreciação só poder determinar alteração à matéria de facto assente se o Tribunal da Relação concluir que os elementos de prova impõem uma decisão diversa e não apenas permitam uma outra decisão.
Apresentando-se com uma finalidade processualmente específica e justificada, os contornos necessários à impugnação de facto nessa vertente ficaram devidamente explicitados no Acórdão de Fixação de Jurisprudência do STJ n.º 3/2012, de 08.03, in D.R. I Série, n.º 77, de 18.04.2012.
No entanto, mesmo quando se considere a impugnação efectuada de forma processualmente válida, isso não equivale necessariamente à modificação da decisão de facto recorrida.
Não se bastará, para que venha a proceder, com a pretensão de dar-se como provada determinada versão, com base nas provas produzidas e diferentemente valoradas por quem recorre, já que a censura do tribunal ad quem não incidirá sobre a decisão do tribunal a quo que assente a sua convicção sobre a credibilidade da prova produzida, ou a falta dela, em elementos que relevam dos princípios da imediação e da oralidade, aos quais o tribunal de recurso não tem acesso, sem prejuízo dos limites do princípio da livre apreciação da prova.
Em concreto, pese embora as reticências neste âmbito colocadas pelo Ministério Público ao conhecimento da impugnação do recorrente como tal, afigura-se que, apesar de a ter inserido sob a temática de erro notório na apreciação da prova, a forma como a apresenta permite admiti-la como impugnação para o efeito de reapreciação da prova.
Resulta, pois, que indicou os pontos de facto que considera incorrectamente julgados e procedeu a transcrições de excertos da prova, explicitando o âmbito a que pretende que cada uma delas seja analisado, minimamente obedecendo aos requisitos legais.
Isto, atendendo às suas garantias ao recurso em matéria de facto - art. 32.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) - dentro do possível preservando-as, não sem que, é certo, com as limitações subjacentes à própria impugnação.
Na verdade, se, por um lado, o recorrente acaba por indicar quase toda a matéria dada por provada quanto à sua culpabilidade (pontos 1 a 3 e 5 a 22), também, por outro, procede minimamente à especificação das provas (suas declarações e depoimentos de (...), de (...), de (...), de (...) e de (...)) por referência à mesma matéria, compreendendo-se o sentido das suas alegações, se bem que nos estritos limites que apresenta, uma vez que, no essencial, vem desenvolvida como crítica da convicção formada.
Vejamos, então, no que se mostra necessário, à luz da argumentação trazida pelo recorrente, mormente pela transcrição oferecida, por confronto com a motivação operada pelo tribunal.
Acerca das suas declarações, o tribunal concluiu que “todo o seu discurso está carregado de contradições”, o que esclareceu através do confronto com a restante prova, inevitavelmente, também, por apelo às regras da experiência.
O ponto de facto provado em 1 traduz afirmação genérica e conclusiva, que vem concretizada nos pontos seguintes, denotando asserção estabelecida pelo tribunal mediante as características do material que detinha, seja pela diversidade de equipamentos e suportes informáticos, seja pelas características do programa aí instalado e em condições de funcionamento, desde, designadamente, a data indicada, seja pela apreciável quantidade de conteúdos pornográficos em que figuravam menores.
Afirmando-se coleccionador de filmes, fotografias e música e ainda que isso o tivesse motivado à instalação do programa “S”, não sofre dúvida, porém, que, detectando outras funcionalidades, não se coibiu de abundantemente as utilizar e partilhar, sendo irrelevante que dispusesse de suportes informáticos de conteúdos alheios à pornografia de menores.
A propósito da referência feita à ausência de “explicação para alguns destes filmes estarem na pastas por si criadas com o título “vistos” ou “favoritos”, não é infirmada pela circunstância de ter aludido a que umas vezes guardava em pastas, outras vezes não, sendo que a sua alusão a filmes de conteúdo diverso do aqui em apreciação não contende minimamente com efectivamente se ter apurado que tinha e partilhava esses filmes pornográficos, a que não é alheia a existência de centenas de marcadores de favoritos de páginas de internet conforme provado em 14.
Aliás, quanto ao depoimento de (...), consignou-se na motivação do tribunal que, reportando-se a fls. 157, “verificou conteúdos da pasta de transferência com abuso sexual de menores e uma pasta dos “vistos”, tudo de pornografia infantil”, além de que, conforme ao depoimento de (...), “só para ver ou descarregar filmes com outro conteúdo, há outros programas disponíveis, que não este. Não recordou mais nenhum programa a correr permanentemente nos computadores do arguido. Não detectou qualquer dificuldade em apagar ficheiros”.
O sentido conferido pela testemunha (...) à designação “vistos”, como decorre do seu depoimento, é o normalmente atribuído por quem cria uma pasta e com essa designação, não sendo de desvalorizar pela circunstância de que tenha afirmado que não o viu directamente (Não estava ao lado dele, na expressão da testemunha).
Não se descortina, pois, que, existindo aquela designação, o que o recorrente não pôs em causa, outra finalidade tivesse senão o de assinalar a visualização a que procedera e do modo que entendeu, sendo certo que, se fazia o descarregamento dos conteúdos, era inevitavelmente para os ver e dar-lhes, eventualmente, destino.
No que concerne à versão por si trazida de que pretendia vir a denunciar às autoridades os conteúdos em apreço, mas, contraditoriamente, afirmar não disponibilizar os computadores para o efeito, os esclarecimentos da testemunha limitaram-se a reiterar que os conteúdos eram passados para a pasta de “vistos”, sem que, através disso, se permita, como o recorrente parece querer concluir, que, se possa inferir modo de agir, da sua parte, que o fizesse com aquele objectivo.
Nem mesmo, esse entendimento pode ser corroborado quando o recorrente dispunha de outras funcionalidades relacionadas com esses conteúdos, mormente conforme aos factos provados em 5 e 8, que não se coadunam com atitude de alguém preocupado com a comunicação às autoridades e, além do mais, com muito elevado número de conteúdos disponível e decorrente de prévia instalação de programa adequado à sua acessibilidade e partilha, ao longo de período de tempo bem relevante.
Em si mesmo revela-se contraditório que o recorrente, por um lado, suscite reservas quanto a ter visto esses conteúdos e, por outro, se sirva desse aspecto para obter uma finalidade que nunca foi por si manifestada por qualquer acto consentâneo.
Quanto ao depoimento de (...), no âmbito da existência de pastas com a designação de “vistos”, referiu que a circunstância dos conteúdos terem, ou não, sido vistos, não foi solicitada na análise a que procedeu.
Identicamente, os pontos de facto provados em 19 a 22 correspondem a ilação perfeitamente lógica, suposta pelo cidadão comum, perante a multiplicidade de conteúdos apurada e as condições em que estes se encontravam, apenas com justificação relativamente a quem, conhecendo as funcionalidades do programa informático, usufruía das respectivas possibilidades, inevitavelmente com conhecimento das características dos conteúdos e da sua específica natureza e com objectivo de aos mesmos aceder e de os partilhar, indiferente ao reconhecido significado e às consequências daí advenientes.
No que respeita aos pontos de facto provados em 2, 3, 5, 8 e 9, o recorrente preconiza que o seu objectivo principal fosse a obtenção dos ficheiros para sua satisfação pessoal, o que fundamenta em diversos depoimentos.
Quanto a estes, descortina-se, conforme excertos transcritos:
- que a testemunha (...) explicitou que os ficheiros descarregados através do programa “S” integravam a rede “Gnutela” e, a partir dessa descarga, eram partilhados, a nível mundial;
- que a testemunha (...) prestou idêntico esclarecimento, a que acrescentou que, por defeito do próprio programa, depois de instalado, os ficheiros descarregados vão para determinadas pastas, o que pode ser objecto de alteração ou de adicionamento de pastas, designadamente para partilhar, inclusive filmes de outro género;
- que a testemunha (...) se reportou a que os utilizadores desse programa têm em vista a obtenção desses conteúdos de uma forma tendencialmente mais rápida e em maior quantidade, permitindo fazer o que entendam, mormente a partilha, uma vez que está configurado para isso;
- que a testemunha (...) referiu que o programa está configurado, por defeito, para partilhar;
- que a testemunha (...) admitiu que o utilizador comum pode não ter conhecimentos de que, com esse programa, está a partilhar.
Já se vê que este conjunto de depoimentos não infirma minimamente a actuação dada por provada, sendo de assinalar que, conforme motivação do tribunal, “segundo o depoimento de (...) (especialista em informática) houve uma intervenção de instalação para outra pasta fora do sistema operativo em que instala por defeito, o que requer algum conhecimento de informática que vai para além do mero utilizador e das indicações automáticas que o programa vai dando para a instalação”, sintomático de que o recorrente sabia bem com o que lidava, sem descurar que, não só pretendesse satisfação pessoal, mas também conhecendo a susceptibilidade de partilha de ficheiros.
De modo algum se pode concluir que essa finalidade de partilha estivesse, em concreto, afastada.
Acerca da alegada repetição de quase todos os filmes a que o recorrente aludiu, os depoimentos em sentido diverso de (...), de (...) e de (...), ficaram patenteados na motivação do tribunal: “através dos esclarecimentos prestados (…) o Tribunal convenceu-se que nenhuma das imagens ou filmes era repetido, pois durante a visualização do disco rígido, explicaram estas testemunhas e, Tribunal constatou, que a própria designação dos ficheiros indica que os conteúdos são distintos em cada um e que o programa forense só assimila os que são diferentes, o programa identifica os ficheiros e conteúdo pelo número que eles têm atribuídos e constam de base de dados internacional. Para um vídeo ter um novo número, tem que ser manipulado, não basta transferi-lo de pasta.”.
Todavia, o recorrente invoca que isso não corresponde à verdade, sustentando, por um lado que nenhuma das testemunhas procedeu à visualização do disco rígido e, por outro, o tribunal não fez análise a esse material.
Ora, desde logo, assinala-se na motivação do acórdão, reportando-se ao depoimento de (...) que aqui é focado pelo recorrente, que “Cada um (dos inspetores) verificou uma máquina e viram o teor da pasta de partilha (…). Confrontado com relatório de fls. 102 e seguintes (exame preliminar a uma das máquinas feita por colega, nomeadamente Fls. 103, ponto 3, al. b) - captura do conteúdo das janelas; análise do disco rígido; registo de características do computador (último fecho, etc.)), referiu que utilizaram um dispositivo forense para que nada mais possa ser alterado no computador”, pelo que não se compreende como o recorrente estabelece aquela conclusão de que isso não foi analisado por nenhuma testemunha.
Por seu lado, também não decorre do fundamentado que o tribunal não tivesse constatado a referida existência de ficheiros distintos, identificados por códigos diferentes, sendo irrelevante que o não tivesse feito em audiência, uma vez que se tratava de elementos dados como adquiridos nos autos, equiparados a prova documental, de que o recorrente tinha conhecimento.
No que tange à circunstância da testemunha (...) se ter reportado ao relatório de exame de fls. 102 e segs., elaborado por outro colega ((...), inspector), não se concorda com a perspectiva do recorrente de que não o podia fazer uma vez que não era o próprio examinador, dado que, como aconteceu, foi confrontado em audiência com essa prova, supostamente de acordo com a probabilidade do seu conhecimento quanto à mesma, não se descurando que, segundo foi dado transparecer e a experiência consente, a realização das diligências de prova foram efectuadas pelos diversos inspectores, sendo que a testemunha (...) as terá coordenado no âmbito da intervenção delegada pelo Ministério Público.
A propósito do ponto de facto provado em 7, para cuja prova contribuiu o depoimento de (...), as mesmas observações se oferecem, no confronto do teor de fls. 112.
Por seu lado, os seus esclarecimentos acerca do relatório de fls. 147 e segs., também elaborado por outro colega ((...), inspetor), harmonizam-se com o que ficou vertido na motivação, não mais do que constituindo explicitação sua acerca do objecto do exame e das variantes no mesmo delineadas.
Neste aspecto, foi recolhido depoimento de (...), embora na parte, como conta da motivação, em que declarou que “havia ficheiros indicados como vistos e com indicação de PTHC (Preteen hard core) e com indicação de idades dos menores; era tudo o que estava na pasta e todos eram PTHC”, o recorrente suscite reserva de que isso se tenha verificado, embora sem o relacionar com qualquer ponto de facto específico, mas aparentemente com o provado em 9.
Ora, se bem que o recorrente pretenda destacar que a testemunha, como esta referiu, tenha apenas feito constar alguns ficheiros e, assim, não se podendo, na sua perspectiva, afirmar que eram todos PTHC, não se encontra relevância neste alegado pormenor, uma vez que o objecto de julgamento se prendia com conteúdos desse tipo e foram eles que, por esse padrão, efectivamente caberia analisar.
O mesmo se diga quanto a “frames extraídos dos vídeos” que, segundo a motivação, terá identificado de forma aleatória, a que se junta a circunstância de que, relativamente ao número de vídeos, se verifique alguma desconformidade com o relatório.
Relativamente ao depoimento de (...), no âmbito do que se consignou na motivação de que “A Fls. 113 e 114, descreveu ficheiros da pasta de partilha com identificação do que está a ser descarregado e parciais a partilhar; reconheceu um dos écrans do que estava a ser partilhado, tudo contendo títulos de pornografia de menores”, resulta da acta da audiência de julgamento que foi confrontado com o teor em causa (fls. 389), tendo referido que haviam sido os colegas que viram os computadores, não sem que, perante esse teor, explicitasse o que lhe foi dado observar, mormente nos aspectos focados, não se descortinando, contrariamente ao aduzido pelo recorrente, que, através do indicado excerto do mesmo e mediante a identificação dos ficheiros, não tivesse constatado num écran que estava a ser partilhado que se reportasse a conteúdos de pornografia de menores, dado que, além do mais, também, mencionou que os écrans analisados foram vários e, por isso, admitindo que outros conteúdos existissem, se bem que não propriamente em partilha.
Ainda, o recorrente insurge-se contra o motivado, respeitante a esse depoimento, de que “A Fls. 156 e seguintes, descreveu ficheiros de música e depois filmes, na sua grande maioria, de abuso sexual de menores”, não se compreendendo, pelo excerto trazido, que isso não corresponda ao referido pela testemunha.
Acerca do motivado de que “Na pág. 157, verificou conteúdos da pasta de transferência com abuso de sexual de menores e uma pasta dos “vistos”, tudo de pornografia infantil”, o recorrente pretende realçar que a testemunha tivesse admitido outros conteúdos alheios a pornografia infantil, mas sem contrariar que a mesma tivesse constatado, como referiu, pela análise do documento, abundante matéria desse tipo, o que, manifestamente, se compadece com a circunstância de que, no que era relevante, se tratava efectivamente de pornografia infantil, sendo, afinal, interpretação consentânea com o que ficou fundamentado.
Por seu lado, relativamente ao programa “S”, se bem que a testemunha, conforme excerto transcrito, não tivesse afirmado que era o mais utilizado para obter ficheiros de abuso de menores, referiu que é uma das poucas formas que existe e denotou a sua virtualidade para o efeito, impondo conjugar as suas explicações com os restantes depoimentos que versaram nesse programa, não se divisando qual o interesse útil para o recorrente em discordar disso quando a sua instalação e utilização da sua parte são aspectos que não merecem dúvida.
No que concerne ao depoimento de (...), que, segundo a motivação do acórdão, “teve intervenção técnica no inquérito, no âmbito do exame 33/2014” (cujo relatório se encontra a fls. 261/268), não decorre, tal como o recorrente alega, que tenha visualizado os ficheiros um a um, nem isso resulta do fundamentado pelo tribunal, mas sim a referência da testemunha ao procedimento de análise que foi usado nesse exame.
Quanto à menção relativa ao número atribuído a cada ficheiro, a testemunha confirmou-o, pelo que a contradição invocada pelo recorrente não existe, bem como a circunstância de ter declarado não se recordar se os ficheiros haviam sido detectados por outras congéneres policiais não assume virtualidade para infirmar o que foi motivado, no sentido de que “constam de base de dados internacional”.
Segundo o recorrente, a conjugação dos depoimentos de (...) e (...) não permite concluir pela ausência de repetição dos conteúdos encontrados.
Sendo verdade que (...) afirmou não ter memória segura de que não houvesse filmes ou fotografias repetidos, a relacionação que fez acerca do designado “hash value” (referência associada a cada um esses conteúdos em base de dados internacional) à procura selectiva através do “software” que fez a pesquisa dos conteúdos relevantes não tem mais significado do que aquele que lhe atribuiu, isto é, de que também não se recordava se foram reportados por outras congéneres policiais.
No entanto, não referiu que cada um deles não estivesse individualizado e que, mesmo quando movido o conteúdo para outra localização (ambiente de trabalho ou pasta), isso fosse alterado.
Por seu lado, (...), reportando-se à forma de contagem dos conteúdos, esclareceu que isso é fornecido pelo “software” de pesquisa, com base na assinatura digital do ficheiro, que disse corresponder ao aludido “hash”, admitindo, porém, a possibilidade de repetição decorrente de transferência do mesmo para um local (pasta) diferente, embora essa assinatura se mantenha.
Apesar de, assim, se perspectivar a viabilidade teórica de repetição de conteúdos, eventualmente influenciando nos números que foram apurados, nada foi, em concreto, trazido que induza esse sentido e, também, que os depoimentos invocados para tanto tivessem conduzido, ainda por referência aos depoimentos de (...) e (...), como se sublinhou na motivação do tribunal.
Aliás, ainda que outro fosse o entendimento, a questão acaba por não assumir pertinência, uma vez que a discussão em julgamento se debruçou na vertente de detenção e divulgação de materiais de pornografia de menores, relativamente ao que a eventual repetição não tem capacidade infirmativa das conclusões extraídas quanto ao número de conteúdos e à localização dos mesmos.
Assentes todas as considerações que se deixaram expendidas, outro resultado não é descortinável senão o de que a matéria de facto impugnada deve persistir, já que se adequa plenamente ao conjunto da prova produzida e examinada, reflectida em justificação lógica e racional do tribunal, no respeito dos limites da liberdade de julgar.
Na verdade, segundo Germano Marques da Silva, ob. cit., Editorial Verbo, 1993, vol. II, pág. 111, A livre valoração da prova não deve (…) ser entendida como uma operação puramente subjectiva pela qual se chega a uma conclusão unicamente por meio de impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita objectivar a apreciação, requisito necessário para uma efectiva motivação da decisão.
Se assim é, consubstanciando-se a liberdade de apreciação numa liberdade de acordo com um dever – o dever de perseguir a chamada «verdade material» - de tal sorte que a apreciação há-de ser, em concreto, recondutível a critérios objectivos e, portanto, em geral, susceptível de motivação e de controlo (…) capaz de impor-se aos outros (Figueiredo Dias, in “Direito Processual Penal, Coimbra editora, 194, págs. 202/205), a fundamentação respectiva revela-se perfeitamente sustentada.
Pelo contrário, os argumentos do recorrente, apresentados de forma segmentada, prendem-se mais, afinal, com outra convicção do que com reais razões para que a extraída pelo tribunal deva ser censurada, não impondo, de modo algum, outra decisão.
A tanto acresce que, quanto à restante factualidade, o acórdão não enferma de qualquer vício, pelo que a matéria de facto fixada se tem por assente.

E) - da subsunção dos factos à mera aquisição e detenção de materiais pornográficos:
O recorrente defende que a expressão “importar”, constante da alínea c) do n.º 1 do art. 176.º do CP, implica, necessariamente, introduzir no país determinado produto proveniente de outro país, no qual, subjaz, uma intenção de lucro e insere-se em previsão que visa punir todos aqueles que participam directamente no negócio, na indústria milionária que é, infelizmente, a pornografia infantil.
Invoca que não faz parte desse negócio e adquiriu os conteúdos através de programa com que obteve o “download” por acesso à internet.
Conclui que a diferenciação entre a sua actuação - que preconiza subsumível unicamente à detenção desses conteúdos nos termos do n.º 4 desse art. 176.º - e a daqueles que são intervenientes nesse negócio, foi propósito do legislador.
Apela, ainda, à posição de Paulo Pinto de Albuquerque, in “Comentário do Código Penal”, Universidade Católica, 2008, pág. 488, e ao acórdão da Relação de Coimbra de 02.04.2014, in www.dgsi.pt.
Em resposta, o Ministério Público, não obstante concordar em que não se provou, no sentido legal, importação de conteúdos, entende que a conduta do recorrente caberá na amplitude de acção prevista naquela alínea c) do n.º 1 do art. 176.º.
*

Neste âmbito, decorre do acórdão:
O arguido vem acusado da prática de:
- 50 (cinquenta) crimes de pornografia de menores agravado, p. e p. pelos arts. 176.ºn.º1 alínea c) e 177.º n.º6 do Código Penal.
- 3164 (três mil cento e sessenta e quatro) crimes de pornografia de menores
agravado, p. e p. pelos arts. 176.ºn.º1 alínea d) e 177.º n.º6 do Código Penal.
O crime de pornografia de menores é praticado por "quem distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder, a qualquer título ou por qualquer meio, fotografia, filme ou gravação pornográficos que utilizem menor (aI. c) do nº 1, do artº 176 do CP), ou por quem "adquirir ou detiver aqueles materiais com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder" (aI. d) do nº 1, do artº 176 do CP).
As Nações Unidas definem pornografia infantil como sendo qualquer representação por qualquer meio de uma criança em actividades sexuais explícitas, reais ou simuladas ou qualquer representação das partes sexuais - art.º 2 .º, c), do Protocolo Adicional à Convenção dos Direitos da Criança sobre o Tráfico de Crianças, Prostituição Infantil e Pornografia, de 2002, de onde resulta que o conceito de pornografia infantil é amplo e não deixou de servir de inspiração ao legislador de 2007- lei nº 58/07, de 4/9, ao introduzir o tipo em causa.
Não há assim qualquer distinção entre objecto pornográfico e erótico-sensual.
O conceito de pornografia surge, ainda assim, desinserido de qualquer referência à moral ou pudor públicos, em contrário do que sucedia com o definido no Dec.º Lei n.º 254/76, de 7/4, visando combater uma onda de divulgação de pornografia que se abateu sobre o país.
O limite etário dos 14 anos é normalmente entendido como a fronteira entre a
infância e a adolescência.
Citando Weinberg, Willians e Pryor, referindo que "os tipos de experiências sexuais que uma pessoa tem, especialmente durante a adolescência, são importantes na direção ou reforço do fluxo da sua preferência sexual", sendo por sobremaneira um desenvolvimento adequado da sexualidade, no sentido de proteger a liberdade do menor no futuro, para que decida, em liberdade, o seu comportamento sexual".
Segundo Teresa Beleza, na obra "O conceito legal de violação", "já não é o pudor do jovem ou da criança (...) que está em causa (...), mas a convicção legal de que abaixo de uma certa idade ou privada de uma certa dose de autodeterminação, a pessoa não é livre de se decidir em termos de relacionamento sexual".
Por sua vez, Costa Andrade ("Consentimento e acordo em Direito Penal), refere que "até atingir um certo grau de desenvolvimento, indiciado por determinados limites etários, o menor deve ser preservado dos perigos relacionados com o desenvolvimento prematuro em atividades sexuais".
O Conselheiro Santos Cabral, em Acórdão do STJ, por si relatado, em 5-9-2007, disponível em www.dgsipt.,remata do seguinte modo:
“A lei presume que a prática de atos sexuais em menor, com menor ou por menor de certa idade, prejudica o seu desenvolvimento global, e considera este interesse tão importante que coloca as condutas que o lesem ou ponham em perigo sob a tutela da pena criminal. Protege-se, pois, uma vontade individual ainda insuficientemente desenvolvida, e apenas parcialmente autónoma, dos abusos que sobre ela executa um agente, aproveitando-se da imaturidade do jovem para a realização de ações sexuais bilaterais.
O que está em causa não é somente a autodeterminação sexual mas, essencialmente, o direito do menor a um desenvolvimento físico e psíquico harmonioso, presumindo-se que este estará sempre em perigo quando a idade se situe dentro dos limites definidos pela lei.
Em jeito de conclusão, dir-se-ia que o legislador reconheceu o papel da sexualidade no desenvolvimento da personalidade humana e pretende proteger aqueles que, devido à sua imaturidade, ainda não têm capacidade para se autodeterminar nesta vertente.
No caso em apreço, apurou-se que o arguido, importou para os seus computadores, fotografias e vídeos, exibindo menores de 14 anos em atos de pornografia com adultos e, em alguns casos com animais. Todos os vídeos e fotos apreendidos foram por ele importados. Por isso, todas as situações descritas nos autos, configuram, desde logo, 3214 crimes de pornografia de menores, agravados à
luz dos artsº 176, nº 1, al. c) e 177, nº 6 do Código Penal.
Não há dúvidas que, 105 desses filmes estavam simultaneamente a ser divulgados por outros utilizadores do programa "S", aquando a busca efetuada à casa do arguido (factos nºs 5 e 9). Logo, pelo menos relativamente a estes, agiu o arguido, com intenção de os divulgar perante terceiros que partilhassem o mesmo programa, situação também prevista na al. c) do nº 1 do artº 176 do C.P..
Apenas se discorda do enquadramento da situação jurídica na al. d) do nº 1 do artº 176 do C.P., porquanto, se não há qualquer dúvida que o arguido importou tais conteúdos (o que só por si preenche a al. c) do preceito em análise), não podemos afirmar, com toda a certeza, que o arguido guardava 3164 fotos e filmes de pornografia de menores, com o propósito de os divulgar, posteriormente a terceiros, ­uma vez que não se pode excluir a hipótese de tais conteúdos estarem armazenados para sua própria "recreação".
Seja como for, o raciocínio exposto, em nada contende com a qualificação jurídica da factualidade em análise, porquanto, como já foi referido, não há qualquer dúvida que os 3164 conteúdos referidos foram pelo arguido previamente importados para os seus computadores e, tal actuação, já configura o crime mencionado no artº 176, nº 1, al. c) do CP, punido com a mesma moldura penal que a situação descrita na al. d), do nº 1 do artº 176 do CP.
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Analisando:
Tal como sublinhado por Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pág. 487, A fonte da disposição (art. 176.º do CP, introduzido pela reforma de 2007) é o Protoloco facultativo de 25.5.2000 à Convenção sobre os direitos da criança, relativo à venda de crianças, à prostituição infantil e à pornografia infantil, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 16/2003, ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 14/2003 (in D.R. I Série-A de 05.03.2003), conferindo à pornografia infantil o significado, segundo o seu art. 2.º, alínea c), de qualquer representação, por qualquer meio, de uma criança no desempenho de actividades sexuais explícitas reais ou simuladas ou qualquer representação dos órgãos sexuais de uma criança para fins predominantemente sexuais, relativamente ao que se deveria garantir abrangência pelo direito criminal ou penal de actos de produção, distribuição, difusão, importação, exportação, oferta, venda ou posse (seu art. 3.º, n.º 1, alínea c)).
Também, acolhendo o que a Decisão-Quadro 2004/68/JAI do Conselho, de 22.12.2003 (in Jornal Oficial de 20.01.2004), relativa à luta contra a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil, definiu como pornografia infantil com crianças reais, reportada, segundo o seu art. 1.º, alínea b)/i, a qualquer material que as descreva ou represente visualmente envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos ou entregando-se a tais comportamentos, incluindo a exibição lasciva dos seus órgãos genitais ou partes púbicas, o que foi reafirmado pela Directiva 2011/92/EU, de 27.10.2011 (in Jornal Oficial de 17.12.2011), que entretanto veio substituir aquela, definindo pornografia infantil, nos termos do seu art. 2.º, alínea c), como i) materiais que representem visualmente crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos, reais ou simulados, ou ii) representações dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais, iii) materiais que representem visualmente uma pessoa que aparente ser uma criança envolvida num comportamento sexualmente explícito, real ou simulado, ou representações dos órgãos sexuais de uma pessoa que aparente ser uma criança, para fins predominantemente sexuais, ou iv) imagens realistas de crianças envolvidas em comportamentos sexualmente explícitos ou imagens realistas dos órgãos sexuais de crianças para fins predominantemente sexuais.
Estando em causa nos autos a obtenção, posse e divulgação desses materiais, por via informática, a infracção surge relacionada com os conteúdos respectivos, em sintonia, ainda, com recomendação abrangente expressa na Convenção sobre o Cibercrime, adoptada em Budapeste em 23.11.2001, aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º 88/2009, ratificada por Decreto do Presidente da República n.º 91/2009 (in D.R. 1.ª série de 15.09.2009), no seu art. 9.º, designadamente protegendo, como menores, pessoas com menos de 18 anos de idade.
O tipo legal de pornografia de menores pode revestir, no que ora releva, qualquer acto que se enquadre nas quatro modalidades caracterizadoras, correspondentes às diferentes alíneas do n.º 1 do art. 176.º, em que transparece uma escala de valoração, embora punível de forma idêntica, desde a utilização de menor à detenção de materiais pornográficos com propósito legalmente definido.
Denota o objectivo do legislador de tutela antecipada do bem jurídico protegido, tratando-se de crime de perigo abstracto (quanto ao grau de lesão do bem jurídico protegido) e de mera actividade (quanto à forma de consumação do ataque ao objecto da acção), conforme Paulo Pinto de Albuquerque, ob. cit., pág. 487, sendo que a utilização de material pornográfico com representação realista de menor e a mera detenção de materiais pornográficos merecem atenção punitiva.
De modo tendencialmente rigoroso e compatível com a intervenção do direito penal, o bem jurídico reside mais directamente na protecção da personalidade em desenvolvimento dos menores, entendida tanto numa dimensão interior (psico-física ou moral) como noutra exterior (social ou relacional), embora não deixando de atentar, ainda que remotamente, na sua autodeterminação sexual, opção neocriminalizadora justificada no reforço da tutela das pessoas particularmente indefesas (sobre o assunto, Pedro Soares de Albergaria/Pedro Mendes Lima, in “O crime de detenção de pseudopornografia infantil – evolução ou involução?” e Maria João Antunes, in “Crimes contra a Liberdade e a Autodeterminação Sexual dos Menores”, na Revista Julgar, Especial, n.º 12, Set./Dez.2010).
Ora, o tribunal a quo enveredou por reconduzir a conduta do recorrente à importação e divulgação dos conteúdos, prevista na alínea c) do n.º 1 do art. 176.º, agravada por via do art. 177.º, n.º 6, do CP.
Todavia, não obstante a posição do recorrente não se apresente inteiramente sustentada à luz da matéria de facto fixada, uma vez que, desde logo, se provou actuação a que se dedicou, não só de detenção, como também de divulgação, pelo menos em parte, desses materiais, afigura-se que a subsunção operada deve ser alterada.
Na verdade, resultou provado que o recorrente se serviu do acesso à internet e através de determinado programa para os obter e, depois, os guardar nos computadores e nos discos rígidos externos, partilhando alguns deles, o que, em nosso entender, não se compadece com acção de importar esses materiais, ainda que, ao nível meramente informático, tal possa ser sinónimo de “download”.
A alínea c) do n.º 1 do art. 176.º, abarcando, desde a origem e de forma plena, todas as formas de divulgação, todo o tipo de tráfico de instrumentos – materiais pornográficos, conforme Ana Paula Rodrigues, in “Pornografia de Menores: Novos Desafios na Investigação e Recolha de Prova Digital”, em Revista do CEJ n.º 15, Dossiê Temático, Crimes Contra a Autodeterminação Sexual e Contra a Liberdade Sexual com Vítimas Menores de Idade, pág. 269, versa condutas que transcendem actos subjacentes à obtenção desses materiais, não se aceitando que a circunstância de se fazer o dito “download” dos mesmos, que é meio comum de obtenção, se configure como actividade importadora, por maioria de razão quando o legislador a coloca a par de outras como a produção, distribuição e exportação de materiais.
Aliás, a seguir-se diferente entendimento, dificilmente a conduta de qualquer agente escaparia, em termos de procedimentos de acesso e de “download” vulgarmente utilizados, à subsunção a essa vertente, o que não pode ter constituído propósito do legislador, dada a irrazoabilidade que a ausência de distinções comportaria para a diversidade de actos que a realidade oferece, inevitavelmente havendo que ponderar a sua gravidade.
E, acrescente-se, assim não deixa de ser pela circunstância de que a criminalização prevista nessa alínea possa resultar do exercício das condutas típicas “a qualquer título ou por qualquer meio”, uma vez que estará sempre dependente da análise da configuração desse mesmo exercício.
A importação aí em vista tem de associar-se a comercialização dos materiais pornográficos, situação que os factos provados não consentem.
Afastado, pois, esse enquadramento, subsistirá, em concreto, inegavelmente, a detenção desses materiais, que surge como comum a todos os conteúdos, não sem que, contudo, alguma distinção caiba fazer quanto à situação e às circunstâncias em que alguns deles se encontravam.
Deste modo, se bem que se tivesse provado que “o arguido partilhava tais conteúdos” (facto provado em 3) e sem pôr em causa que o programa que utilizava para tanto era adequado, a maioria desses conteúdos, de acordo com apurado, estava, em rigor, armazenado em discos, permitindo, como aliás, o tribunal deu conta ao consignar no acórdão que guardava (…) fotos e filmes de pornografia de menores e não se pode excluir a hipótese de tais conteúdos estarem armazenados para sua própria "recreação"”, pelo que, em rigor, comprovado o dolo do recorrente, apenas sustenta subsunção ao n.º 4 do art. 176º.
Já o mesmo não acontece com os conteúdos que o recorrente, conforme provado em 5 e 9, partilhava com utilizadores, a que o propósito de divulgação não é alheio, merecendo, por isso, nessa parte – relativa a 50+55 vídeos – qualificação por via da alínea d) do n.º 1 desse art. 176.º, para além da agravação pelo n.º 6 do art. 177.º.
Assim, só no restante – referente aos outros 3109 conteúdos -, ao recorrente assiste razão.

F) - da verificação de crime continuado:
Contrariamente à posição do tribunal, o recorrente defende, ainda que apenas a tanto aludindo em sede de medida da pena, que a sua culpa é fortemente diminuída, fundamento para que a conduta se enquadre em crime continuado.
O Ministério Público manifestou discordância, no essencial porque o bem jurídico protegido no tipo legal de pornografia de menores é de natureza eminentemente pessoal.
Ora, o tribunal a quo atribuiu, à multiplicidade de materiais detidos e divulgados pelo recorrente, correspondente pluralidade de ilícitos, em concurso real, dando, pois, revelo à vertente pessoal inerente, independentemente do número de vítimas dos mesmos, assim acatando a protecção do perigo de lesão dos interesses conexionados com o tipo de actos em apreço.
Aliás, não será, normalmente, o número de vítimas critério a atender para a situação, uma vez que, em causa, está o objecto - materiais – dessa acção, que não se confunde, propriamente, com determinada(s) pessoa(s), mas com a tutela do perigo decorrente da mesma potenciar, além do mais, estímulos para abusos de menores, postergando o adequado desenvolvimento e crescimento destes, dada a sua fragilidade, vulnerabilidade e falta de capacidade de autodeterminação.
Segundo o ensinamento, em síntese, de Eduardo Correia, in “Direito Criminal”, tomo II, Coimbra, 1971, págs. 197/220, e “A Teoria do Concurso em Direito Criminal, I – Unidade e Pluralidade de Infracções”, Almedina, 1983, págs.
160/291, a anti-juricidade de comportamentos não se reporta a mera contagem naturalística de crimes cometidos, mas antes à negativa valoração desses comportamentos, de forma que haja tantos crimes quanto o número de valores violados pelo agente em determinada actividade delitiva.
Colocando-se o acento tónico da distinção entre a unidade e a pluralidade nos juízos de censura que em determinada actividade seja possível descortinar segundo uma construção teleológica do conceito, a que Figueiredo Dias, in “Direito Penal, Parte Geral, tomo I, Questões Fundamentais, A Doutrina Geral do Crime”, Coimbra, 2007, págs. 988/989, aditou, de forma esclarecedora, o sentido de ilicitude típica relevado pelo comportamento global do agente, surge a figura do crime continuado, que é definido no art. 30.º, n.º 2, do CP, como a “realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente”.
Os seus requisitos reconduzem-se a que:
- o bem jurídico violado sucessivamente pelo agente, através de várias resoluções, tem de ser o mesmo, ainda que as infracções criminais por si cometidas se reportem a mais do que um tipo legal de crime, isto é, conforme Eduardo Correia, a denominada unidade do injusto do resultado;
- a execução criminógena tem de ser homogénea, ou seja, praticada sob o mesmo núcleo, em que a essência dos actos delitivos se enquadrem em idênticos procedimentos e com tais propósitos delituosos, ou seja, a unidade do injusto objectivo da acção e a unidade do injusto pessoal da acção;
- essa execução ter-se-á de desenrolar no quadro de uma situação exterior ao agente, de forma a poder dizer-se que lhe era cada vez menos exigível se comportar de acordo com o direito.
Este último requisito é aquele que, verdadeiramente, lhe determina os limites e lhe configura a natureza, inserindo-se na “diminuição considerável da culpa”, em virtude da persistência dessa situação exterior e exógena ao agente, que facilita a actividade e a continuação da antijuricidade implícita.
Supõe, por isso, uma menor exigibilidade de conduta diversa do agente, mas sem que, note-se, isso se verifique se a ocasião àquele favorável acontece por contribuição relevante sua, atribuída então, as mais das vezes, a factores endógenos ao próprio agente.
Revertendo ao caso concreto, para além dos crimes protegerem interesses pessoais, não se divisa considerável diminuição da culpa do recorrente.
Antes pelo contrário, o seu comportamento é revelador de uma persistência de actos ilícitos do tipo indicado, não se tendo coibido de ter instalado, por duas vezes e em locais diferentes, programa informático que facilitasse o acesso e a reiteração, esta durante período temporal prolongado, denotando objectivos de preservar e divulgar os conteúdos, através de manifesta pluralidade de resoluções por si procuradas e conotadas com factores endógenos de personalidade e vivência, sem visível influência de outros aspectos.
Tanto basta para que, sem necessidade de outras considerações, a figura do crime continuado, em concreto, deva ficar afastada.

G) - da aplicação de pena de multa:
A aplicação de pena de multa vem preconizada pelo recorrente como subjacente a modificação da matéria de facto, que não se verificou, mas, no entanto, conforme ao apreciado em E), atendendo à diferente subsunção jurídica que os factos mereceram, colocar-se-á ora no âmbito do crime de detenção de materiais pornográficos, p. e p. pelo n.º 4 do art. 176.º do CP, punível, em alternativa à prisão, com pena de multa.
Sem prejuízo das necessidades de reprovação e de prevenção geral e especial que reconhece, salienta os objetivos de ressocialização e reintegração de que diz carecer, reportando-se, mormente, à ausência de atenção, pelo tribunal, do conteúdo do relatório social, nada, neste, resultando em seu desabono ou descrédito.
As finalidades das penas - de prevenção geral positiva e de integração e de prevenção especial de socialização, que emergem do art. 40.º, n.º 1, do CP - conjugam-se na prossecução do objectivo comum de, por meio da prevenção de comportamentos danosos, proteger bens jurídicos comunitariamente valiosos cuja violação constitui crime, mas sempre tendo presente a real necessidade da aplicação da pena.
Conforme Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1993, págs. 52/53, (…) o sistema sancionatório do nosso CP assenta na concepção básica de que a pena privativa da liberdade – sendo embora um instrumento de que os ordenamentos jurídico-penais actuais não conseguem ainda infelizmente prescindir – constitui a ultima ratio da política criminal (…) bem pode afirmar-se que o CP vigente deu realização (…) aos princípios político-criminais da necessidade, da proporcionalidade e da subsidiariedade da pena de prisão, revelando ao mesmo tempo a sua oposição de princípio à execução contínua de penas curtas de prisão.
Também, segundo Anabela Miranda Rodrigues, in “Sistema Punitivo Português”, “Sub Judice”, n.º 11, Janeiro/Junho.1996, pág. 32, A principal linha de força a destacar aqui é que a prisão (…) deve ver a sua aplicação reduzida aos casos de cometimento de crimes mais graves em que uma reacção através de outras formas de pena não poderia assegurar o efeito essencial de prevenção geral desejado.
Nisto se traduz a natureza da prisão como “ultima ratio”, em sintonia com o disposto no art. 18.º, n.º 2, da CRP, designadamente, tendo em conta o subjacente princípio da proporcionalidade, traduzido, conforme Gomes Canotilho/Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada”, volume I, Coimbra Editora, 2007, págs. 392 e seg., na proibição do excesso, a qual se desdobra nos princípios da adequação, da exigibilidade e da proporcionalidade em sentido restrito, sem perder de vista, é certo, outras condicionantes ao nível da prevenção especial e que possam ser satisfeitas através de outras formas de pena.
A propósito, ainda segundo Fernanda Palma, in “As alterações reformadoras da parte geral do Código Penal na revisão de 1995: Desmantelamento, reforço e paralisia da sociedade punitiva”, em “Jornadas sobre a revisão do Código Penal” AAFDL, 1998, pág. 32, A preferência pelas penas não privativas da liberdade, quando estiverem satisfeitas as finalidades preventivas da punição, revela que o sistema se reconstrói, conformando agora duas tendências aparentemente inconciliáveis: a agravação das penas e a preferência pelas penas não privativas da liberdade. A contradição entre as duas ideias resolve-se pela ideia superadora de uma reserva da pena de prisão para situações justificadas por razões preventivas.
Essa prevalência só deverá, pois, ser afastada devido, não só a considerações de prevenção especial e de socialização, como também, a exigências de prevenção geral, no sentido de que a tanto se não oponham, na medida em que revelam o conteúdo indispensável à defesa do ordenamento jurídico e à finalidade de estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias a que a punição tem de corresponder.
Se é certo que a socialização do agente deve ser uma preocupação sempre presente na aplicação de qualquer que seja a pena, ela não é o objectivo primeiro nessa delicada tarefa de determinação da pena adequada, pois há limites inultrapassáveis que importa observar: a socialização não pode sobrelevar a prevenção, como salienta Anabela Rodrigues, in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, ano 12, n.º 2, pág. 182, embora com pressuposto e limite na culpa do agente, sendo entendimento consentâneo com as finalidades de aplicação da pena, o da tutela de bens jurídicos e, (só) na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade.
À luz destes considerandos, já se vê que as elevadas exigências de prevenção associadas ao tipo de ilícito em presença desaconselham a aplicação de pena de multa, não só ao nível da prevenção geral, dada a forte e crescente censura desses comportamentos numa sociedade que se quer protectora da vulnerabilidade própria dos menores e dissuasora da fácil acessibilidade a conteúdos pornográficos a coberto do anonimato e do silêncio, da proliferação de atitudes tendencialmente pedófilas, da deterioração de valores e de cultura que potenciam, como também da prevenção especial, atendendo à muito considerável quantidade de materiais pornográficos detida pelo recorrente, relacionada com tendência para os ir mantendo ao longo do tempo, sem excluir a sua partilha com terceiros, denotando lidar com os mesmos de forma hábil e contínua e, por tudo isso, com muito relevante perigo de lesão dos interesses que se pretendem tutelar.
Acresce que a sua postura em audiência e as suas condições pessoais não são de molde a beneficiá-lo, ao ponto de que se deva prevalecer de finalidade de reintegração, se nem esta se revela facilitada.
E, note-se, não se verificou omissão de elaboração de relatório social e este foi valorado pelo tribunal de acordo com a sua livre convicção (art. 127.º do CPP), conforme cabia fazê-lo.
A finalizar este segmento, a opção pela aplicação de pena de multa é de rejeitar, seja por via do art. 70.º do CP, seja, desde já e sem prejuízo do que adiante se dirá quanto à medida concreta da pena, por efeito do art. 43.º, n.º 1, do mesmo Código, porque a necessidade de obviar à prática de novos crimes e de idêntica tipologia é manifesta.

H) - da redução da pena de prisão:
Ao nível da medida da pena, o recorrente não estabelece diferenciação entre as medidas das penas parcelares e a da pena única fixadas, transparecendo, porém, que acentua esta última vertente, não obstante por referência a que se tivesse provado mera detenção dos materiais pornográficos.
De qualquer modo, tendo-se alterado o enquadramento dos factos, com influência na medida abstracta de grande parte dos ilícitos, analisar-se-ão os argumentos apresentados, revertendo-os, tanto quanto viável, para a apreciação, quer das penas parcelares, quer da pena conjunta.
O recorrente invoca que a pena (única) é desproporcional e excessiva, tendo o tribunal pretendido fazer de si um exemplo de punição e da pena uma expiação de todos os males associados à pornografia de menores, uma arma ao serviço exclusivo da eficácia do sistema penal, sem atentar em necessidades de ressocialização e no relatório social junto aos autos, em detrimento do aludido art. 18.º da CRP e da sua dignidade como pessoa.
Conclui, preconizando a aplicação de pena de prisão não superior a 5 anos.
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Resulta do acórdão, no que ora releva:
Atendendo ao disposto no artº 71º, a medida concreta da pena determina-se em função da culpa do agente - a censurabilidade pessoal do ato proibido realizado,
perante alternativas de condutas não proibidas - tendo ainda em conta as exigências de prevenção.
Os fundamentos da medida da pena aplicada devem constar expressamente da sentença, assim o impondo os Art.º 205º, nº 1, da Constituição da República Portuguesa, 374º, nº 2, e 375º, nº 1, do Código de Processo Penal e 71º, n 3 do Código Penal.
Para graduar em concreto a pena, cumprirá observar o critério fornecido pelo
nº 2 do artº 71º, ou seja, atender a "todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele".
A exigência de as circunstâncias referidas, favoráveis ou desfavoráveis ao agente (atenuantes ou agravantes) não integrarem o tipo legal de crime, é corolário do facto de já haverem sido contempladas pelo legislador na determinação da moldura legal, em não o sendo assim, ofender-se-ia o princípio "ne bis in idem"', A. Robalo Cordeiro, Escolha e medida da pena, in Jornadas de Direito Criminal, CEJ, pág. 272.
Assim, é pela dimensão da culpa - que a pena não pode ultrapassar - que se vai determinar o limite superior da pena, como impõe o nº 2 do artº 40º.
Há que tomar em linha de conta, também, as exigências de prevenção geral que traçam uma moldura interior, a situar no limite da culpa.
E será dentro da moldura da prevenção geral que se fixará a pena a aplicar, considerando as necessidades de prevenção especial, isto é, atendendo às exigências de ressocialização e reintegração do agente.
Concretizando:
Há que atentar no grau de ilicitude do facto e de violação dos deveres impostos ao agente, muito elevados, se considerarmos que o elevado número de conteúdos de natureza pornográfica, envolvendo menores de 14 anos, importado pelo arguido, revelando, senão uma obsessão, pelo menos, uma prática frequente e reiterada;
A intensidade do dolo bem como os sentimentos manifestados no cometimento dos crimes, revelando uma personalidade distorcida das mais elementares referências da vida em sociedade, pautando a sua conduta, pela satisfação dos seus instintos básicos, sem olhar aos sentimentos alheios;
A aparente futilidade dos motivos que o determinaram e bem assim as consequências do crime relativamente às vidas pessoais e familiares das múltiplas
vítimas, que vêm a sua imagem exposta perante o mundo, numa situação de fragilidade, desproteção, humilhação e sofrimento;
Relativamente à prevenção geral - defesa da ordem jurídica, necessidade da pena - há que ter em conta a frequência destes crimes, a dificuldade em denunciar e
provar os mesmos e a gravidade dos seus efeitos, não apenas nas vítimas, mas sobre
familiares e amigos, bem como o próprio sentimento que se gera na sociedade em
torno deste tipo de ilícitos, o que abona em seu desfavor.
A isto acresce que, se adquiriu, na punição transnacional da pornografia, a consciência de que a pornografia infantil é uma indústria milionária, das mais crescentes na internet através de câmaras digitais e da webcames, tornando-se um negócio fácil e barato, tanto pela distribuição como aquisição pelos utentes da internet.
Ao nível da prevenção especial, e face aos elementos apurados no processo, pode ser considerado como relevante o facto de o arguido, na nossa ótica, não ter
demonstrado qualquer arrependimento, nem parecer ter interiorizado a gravidade da
sua conduta, o que revela uma personalidade distorcida das mais elementares regras de convivência social e bom senso.
Militam ainda contra si, a existência de antecedentes criminais, embora pouco relevante, porquanto relacionados com a prática de crime de natureza fiscal.
Assim, considerando estes elementos e ponderando as necessidades de reprovação, de prevenção geral e especial bem como de ressocialização e reintegração de que o arguido, ainda assim, carece, deverão ser aplicadas ao arguido as seguintes penas:
Por cada um dos 3214 crimes de pornografia de menores agravado, previstos e punidos pelos arts. 176, nº 1, al. c) e 177, nº 6 do C.P. as penas parcelares de três anos de prisão.
Importa, agora aplicar ao arguido, uma pena única, atendendo aos limites mínimo de três anos de prisão e máximo de vinte e cinco anos (uma vez que o somatório das penas concretas ascende a 9642 anos de prisão).
Considerando que estamos perante a prática de 3214 crimes, envolvendo menores, o arguido não mostrou arrependimento, a sua atuação revela uma indiferença ao sofrimento alheio, este tipo de crimes é cada vez mais frequente e de
difícil combate e que, na origem da prática do mesmo, estão atuações de grande violência e sofrimento dirigidas a uma faixa etária da população que requer toda a nossa proteção, fixa-se a pena única de vinte e dois anos de prisão.
*

Vejamos.
Atenta a operada alteração de enquadramento jurídico, explicitada em E), o recorrente cometeu, em concurso real:
- 105 crimes p. e p. pelos arts. 176.º, n.º 1, alínea d), e 177.º, n.º 6, do CP, cada um deles punível com prisão de 18 meses a 7 anos e 6 meses;
- 3109 crimes p. e p pelos art. 176.º, n.º 4, do CP, cada um deles punível (afastada que foi a aplicação de pena de multa), com prisão de 1 mês a 1 ano.
As exigências de tutela dos bens jurídicos e da estabilização das expectativas comunitárias impõe que qualquer pena seja suficiente para repor os sentimentos de segurança e confiança dos cidadãos no ordenamento jurídico e nas instituições, dando resposta à finalidade de prevenção geral
A par destas, a reintegração do agente, em que sobressaem exigências de socialização, constitui desiderato de prevenção especial.
Como refere Hans Heinrich Jescheck, in “Tratado de Derecho Penal, Parte General”, II, pág. 1194, o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena.
Segundo Fernanda Palma, in “As Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva” em “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, AAFDL, 1998, pp.25-51, e emCasos e Materiais de Direito Penal”, Almedina, 2000, pp. 31-51 (32/33), a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial. Por outro lado, a reintegração do agente significa a prevenção especial na escolha da pena ou na execução da pena. E, finalmente, a retribuição não é exigida necessariamente pela protecção de bens jurídicos. A pena como censura da vontade ou da decisão contrária ao direito pode ser desnecessária, segundo critérios preventivos especiais, ou ineficaz para a realização da prevenção geral.
Por respeito à salvaguarda da dignidade humana, a medida da culpa constitui limite inultrapassável da medida da pena e, como já aludia Claus Roxin, in “Derecho Penal, Parte General”, tomo I, tradução da 2.ª edição alemã e notas por Diego-Manuel – Luzón Peña, Miguel Diaz y Garcia Conlledo e Javier de Vicente Remesal, Civitas, págs. 99/100, a pena não pode ultrapassar na sua duração a medida da culpabilidade mesmo que interesses de tratamento, de segurança ou de intimidação relevem como desenlace uma detenção mais prolongada (…) não pode ultrapassar a medida da culpabilidade, mas pode não alcançá-la sempre que isso seja permitido pelo fim preventivo. Nele radica uma diferença decisiva frente à teoria da retribuição, mas que reclama em todo o caso que a dita pena àquela corresponda, com independência de toda a necessidade preventiva.
Ainda, segundo Figueiredo Dias, in “Revista Portuguesa de Ciência Criminal”, ano 3, 2º a 4º, Abril-Dezembro de 1993, págs. 186/187, o modelo de determinação da medida da pena consagrado no CP vigente comete à culpa a função (única, mas nem por isso menos decisiva) de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena; à prevenção geral (de integração) a função de fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite máximo é dado pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos – dentro do que é consentido pela culpa – e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico; e à prevenção especial a função de encontrar o “quantum” exacto de pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares, de advertência ou de segurança) do delinquente.
Esta (a medida da pena) deve, em toda a extensão possível, evitar a quebra da inserção social do agente e servir a sua reintegração na comunidade, só deste modo e por esta via se alcançando uma eficácia óptima de protecção dos bens jurídicos, sendo que culpa e prevenção são (…) os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito ou de determinação concreta da pena) - o mesmo Autor, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime cit., págs. 231 e 214.
A culpa reconduz-se à censura dum certo facto típico à pessoa do seu agente, entendida como censura ético-jurídica dirigida a um sujeito por não ter agido de modo diverso (Eduardo Correia, in “Direito Criminal”, Almedina, 1971, vol. I, págs. 315 e seg.), como um juízo de valor e apreciação que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da sua validade lógica, ética ou do direito (acórdão do STJ de 10.04.1996, in CJ Acs. STJ ano IV, tomo II, pág. 168), constituindo o suporte axiológico-normativo da punição.
A confiança da comunidade na validade das normas, se não pode ceder em limites que lhe retirem sentido na ponderação e concordância prática das finalidades e exigências em presença, não poderá, do mesmo modo, constituir parâmetro que impeça a realização das finalidades de política criminal que justificam e conformam o regime penal.
Assim, essa validade é afirmada pela aplicação das penas adequadas, que traduza a interiorização e o respeito pelo sistema de valores fundamentais reconhecidamente aceites e, por isso, penalmente tutelados; mas, do mesmo modo, a comunidade deve sentir e compreender as opções de política criminal que se realizam através da formulação e aplicação do direito penal.
As exigências de prevenção geral ponderadas e reflectidas no acórdão revelam-se plenamente aceites perante o tipo de criminalidade em que o recorrente persistiu, não se tratando de as reportar a uma visão moral ou ética da sociedade, mas sim de as relacionar com os menores, enquanto carentes de uma protecção no seu crescimento e no seu desenvolvimento, alheia a distúrbios de vários níveis, na sua identidade, na sua intimidade, na sua imagem, na sua infância e juventude, no seu relacionamento, relativamente ao que aquele mostrou considerável indiferença.
Situando-se num plano de pura satisfação física, não olhou a meios para obter e, ainda, em parte, divulgar os muitos conteúdos que detinha, inelutavelmente afectando o desenvolvimento pessoal e humano dos menores envolvidos, sem que a comunidade possa tolerar esse tipo de conduta.
Esses actos potenciam degradação de valores assinalável e não podem justificar-se em propósitos de mera diversão.
Não obstante, haverá que cuidar de valorar adequadamente a posição que o agente ocupe dentro das modalidades típicas, sob pena de se estabelecer amálgama de situações que são bem diversas e de não ponderação equilibrada em confronto com outro tipo de actos criminosos de cariz sexual.
Neste aspecto, o recorrente reveste a posição de detentor e, nalguns casos, de detentor e divulgador, desses materiais pornográficos, embora, é certo, numa quantidade muito grande dos mesmos, mas que a forma como acedia aos conteúdos, ainda que sem o justificar, de algum modo contribui para a surpreender, como efeito tendencialmente multiplicador para quem, como o recorrente, a isso se dispunha em razão dos propósitos que perseguia.
Todavia, não que se deva descurar essa quantidade, mas que esta não seja vista, em termos simplistas, como reconduzível a um número que assusta.
Por seu lado, a prevenção especial não esquece que, em concreto, as condições apuradas não favorecem particularmente o recorrente, que não reconheceu a sua responsabilidade, denotou certa desvalorização relativamente à censura dos factos e não revela inserção social estabilizada.
A sua culpa, no sentido global de ponderação de todos os factores, não é reduzida, bem pelo contrário.
Os objectivos de socialização não sobrelevam de modo a que as penas parcelares se quedem por limites muito próximos dos mínimos legais.
Ainda assim, afigura-se não existir fundamento para situá-las em medidas correspondentes ao terço dos limites máximos, devendo, pois, ser inferiores.
Tudo ponderado, fixa-se:
- a pena parcelar de 2 anos e 4 meses de prisão por cada um dos crimes p. e p. pelos arts. 176,º, n.º 1, alínea d), e 177.º, n.º 6, do CP;
- a pena parcelar de 3 meses e meio de prisão por cada um dos crimes p. e p. pelo art. 176.º, n.º 4, do CP.
No que respeita à pena única a fixar, ao determiná-la, na esteira da doutrina e da jurisprudência, do que se trata é de avaliar unitariamente o conjunto dos factos e na sua correlação com a personalidade do arguido, como se os mesmos constituíssem um facto global e com a conexão com essa personalidade, numa apreciação de dimensão e conexão novas, ultrapassando a visão compartimentada que esteve na base da fixação das penas singulares (entre muitos, o acórdão do STJ de 14.10.2009, no proc. n.º 328/07.9GFVFX.L1.S1, in www.dgsi.pt).
Conforme Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime” cit., págs. 291/292), Tudo deve passar-se (…) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pruriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
Os crimes em concurso revelam-se lesivos de bens pessoais e de ressonância ético-valorativa, por demais, assinalável, tendo sido concretizados no período de cerca de dois anos e meio.
Mostram-se, inevitavelmente, conexionados com a personalidade de deficiente formação e sensibilização do recorrente, relativamente a importantes valores que pôs em crise.
Tem actualmente 48 anos, sem ocupação à data dos factos e beneficiando de ajuda dos pais.
Considerados os limites legais em presença - no mínimo de 2 anos e 4 meses de prisão e no máximo de 25 anos de prisão (art. 77.º, n.º 2, do CP) -, entende-se que a referida imagem global aconselha, por proporcional, a pena conjunta de 7 anos e 6 meses de prisão.

I) - da suspensão da execução da prisão:
Em conformidade com o disposto no art. 50.º, n.º 1, do CP, para que a pena de prisão pudesse ser suspensa na execução necessário seria que não fosse superior a cinco anos, reconduzindo-se a pressuposto formal, em razão de exigências de política criminal e de preservação de defesa irrenunciável do ordenamento jurídico e eficácia do próprio sistema penal.
Fixada a pena conjunta em medida superior, é, pois, insusceptível de concreta aplicação.
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3. DECISÃO

Em face do exposto, decide-se:
- conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido e, em consequência,
- revogar o acórdão na parte atinente ao enquadramento jurídico dos factos e à medida da pena e, assim,
- em substituição, condená-lo:
- pela prática, em concurso real, de:
- 105 crimes de pornografia de menores, p. e p. pelos arts. 176.º, n.º 1, alínea d), e 177.º, n.º 6, do CP, na pena de 2 anos e 4 meses de prisão, por cada um deles;
- 3109 crimes de pornografia de menores, p. e p. pelo art. 176.º, n.º 4, do CP, na pena de 3 meses e meio, por cada um deles;
- em cúmulo dessas penas, na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- no mais, manter o acórdão.

Sem custas (cfr. art. 513.º, n.º 1, do CPP).

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Processado e revisto pelo relator.
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(Carlos Jorge Berguete)
(João Gomes de Sousa)