Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
71/13.0TBETZ-A.E2
Relator: ALBERTINA PEDROSO
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE ABERTURA DE CRÉDITO
Data do Acordão: 10/18/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário:
I - Tendo o requerimento executivo sido apresentado em juízo antes da entrada em vigor da actual redacção do CPC, não sofre dúvidas que um documento particular assinado era então abstractamente passível de ser título executivo, não tendo a posterior entrada em vigor do citado preceito a virtualidade de afastar a força executiva que o mesmo tivesse.
II - Porém, considerando a tipicidade dos títulos executivos, para que os documentos particulares pudessem servir de base à execução, os mesmos tinham que obedecer aos requisitos mencionados no artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC.
III - O contrato de abertura de crédito em conta que o Banco Exequente juntou aos autos com o requerimento executivo, por si só, não constitui título executivo contra o embargante, porquanto, dada a sua modalidade e natureza não concretiza quais as obrigações pecuniárias que irão ser contraídas futuramente, carecendo consequentemente dessa concretização, a qual é da responsabilidade do exequente e deve ser efectuada por via de prova documental bastante que a complemente.
IV - Aceitando-se em situações como a presente, a possibilidade de formação de um título executivo complexo, mormente aceitando a exequibilidade de um título formado por um contrato de abertura de conta e de um extrato da conta que apresente um saldo devedor, o ponto é que da conjugação destes documentos resulte, por si só, suficientemente demonstrada a obrigação exequenda, de acordo com o modo de constituição da mesma prevenido nas cláusulas do contrato.
V - Não tendo o Exequente procedido à junção dos documentos complementares logo com o Requerimento inicial, podia efectuar tal junção com a contestação deduzida à oposição, ou após notificação para o efeito que, no caso, assume a natureza de um despacho de aperfeiçoamento.
VI - Se o contrato de abertura de crédito em conta corrente junto aos autos pelo Exequente, por si só, não constitui título executivo, e se os documentos complementares constituídos pelos extratos de conta juntos pelo mesmo aquando da contestação não permitem verificar se estão emitidos em conformidade com as cláusulas firmadas no contrato, nem aferir quais as quantias efectivamente disponibilizadas a pedido do titulares da conta, e quando o foram, não podemos falar na existência de título executivo.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 71/13.0TBETZ-A.E2
Tribunal Judicial da Comarca de Évora[1]
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Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora[2]:

I - Relatório
1. BB, embargante no processo em referência, notificado da sentença proferida em 16-02-2018[3], que julgou improcedentes os embargos que - com fundamento na inexistência de título executivo, e na resolução do contrato de abertura de crédito em conta que consubstancia o título executivo -, havia oportunamente deduzido à execução instaurada pelo Banco CC, S.A., apelou, finalizando as suas alegações de recurso com as seguintes conclusões[4]:
«A) Não se pronunciou a sentença no sentido de declarar se a fotocópia do contrato de abertura de crédito em conta-corrente, tal como dado à execução constitui, ou não, título executivo.(…)
B) Padecendo, assim, a sentença de que se recorre, da nulidade prevista na al. d) do n.º 1, do Art.º 615º, do CPC.
C) Ainda que se considerasse que a mera fotocópia pode substituir o original dos documentos, um contrato de abertura de crédito em conta-corrente, não constitui, de per si, um título executivo, mesmo por referência à al. c), do n.º 1, do Art.º 46º, do CPC revogado.
D) Pois não é documento de onde se possa alcançar a certeza, a liquidez e a exigibilidade de qualquer quantia. Isto para preenchimento do disposto no Art.º 802º, que corresponde ao actual Art.º 713º, do CPC. Tendo a Sentença proferida violado estas normas. (…)
E) Ao banco exequente, não basta apenas escrever no requerimento executivo que o executado deve 30 mil euros, munido apenas de uma mera fotocópia de um documento particular como é o contrato de abertura de crédito. Desacompanhado de qualquer documento de onde se pudesse alcançar se alguma quantia foi efectivamente disponibilizada, quando, a quem, em que condições e em que termos.. (…)
L) O banco, ao dar à execução, uma mera fotocópia de um documento, no qual se pode ler que ele próprio não é o título, o garante da obrigação, reportando essa condição e aptidão à livrança conforme nele vem expressa e objectivamente mencionado, age com nítida má-fé. Má-fé, esta, que se agrava com o facto de o banco bem saber que, através dos seus colaboradores e responsáveis, entregaram/devolveram ao Embargante os originais dos documentos quando, por acordo entre as partes, aceitou a cessação do contrato no ano de 2002.(…)
N) A MM.ª Senhora Juíza a quo deu como provado, no ponto 5 da matéria de facto dada como provada na Sentença, que na cláusula 2.ª do contrato de aditamento consta: “em garantia do cumprimento das obrigações assumidas neste contrato ou dele emergentes é entregue ao Banco uma livrança em branco…”. No entanto, deste facto dado como provado e que é determinante, não se retira qualquer consequência jurídica.
O) O exequente/embargado nunca fez prova de como, quando e de forma colocou a verba no montante de € 27 649,96, à disposição do executado/embargante. Limitou-se a alegar essa conclusão no requerimento executivo. Não basta alegar, é preciso fazer a correspondente prova.
P) Assim, a MM.ª Senhora Juíza a quo nunca poderia ter dado como provado o facto constante no ponto 6 da matéria de facto dada como provada. Tendo a Sentença proferida violado o disposto no Art.º 342.º, do CC e nos Arts.º 414.º, 423.º e 429.º, do CPC. (…)
R) Por outro lado, e conforme foi alegado supra, o executado/embargante fez prova da resolução do contrato com a junção aos autos da livrança e do original do contrato de aditamento.
S) Nestes temos, verifica-se que os factos ínsitos nos pontos 1, 2, 3 e 4 da matéria de facto dada como não provada encontram-se mal julgados. Pois, deveriam ter sido dados como provados. Ocorreu um erro na apreciação da prova.
Nestes termos e nos melhores de direito aplicáveis, e sempre com mui douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser recebido e julgado procedente e, em consequência, deve declarar-se a nulidade da sentença por ausência de pronúncia sobre questões que o Tribunal a quo deveria ter apreciado, nos termos do disposto no Art.º 615º, n.º 1, al. d), do CPC;
Se assim não for entendido por V. Exas. sempre deve ser declarada a inexistência, inexigibilidade e inexequibilidade do título executivo, conforme os termos expostos.
Devendo, a final, os embargos de executado ser julgados totalmente procedentes e condenando-se o embargado no pagamento de uma multa dada a evidente litigância de má-fé, assim como nas custas processuais».

3. O Embargado apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação da sentença recorrida.

4. A Senhora Juíza pronunciou-se a respeito da nulidade invocada, considerando que a mesma não se verifica.

5. Observados os vistos, cumpre decidir.
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II. O objecto do recurso.
Com base nas disposições conjugadas dos artigos 608.º, n.º 2, 609.º, 635.º, n.º 4, 639.º, e 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil[5], é pacífico que o objecto do recurso se limita pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo evidentemente daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, não estando o Tribunal obrigado a apreciar todos os argumentos produzidos nas conclusões do recurso, mas apenas as questões suscitadas, e não tendo que se pronunciar sobre as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
Assim, vistos os autos, as questões colocadas no presente recurso de apelação, são as de saber se se verifica a invocada nulidade da sentença por omissão de pronúncia a respeito da (in)existência de título executivo; se a matéria de facto deve ou não ser alterada nos termos preconizados pelo Apelante; e, em caso afirmativo, se os presentes embargos de executado devem ser julgados procedentes e a Apelada condenada como litigante de má fé.
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III – Fundamentos
III.1. – De facto:
Na sentença recorrida foram considerados provados os seguintes factos:
1. No dia 30 de Março de 2000, o Exequente celebrou com DD e BB, enquanto primeiros-contratantes e beneficiários, um acordo denominado “contrato de abertura de crédito em conta-corrente”;
2. Nesse documento ficou acordado que o Banco abria, a favor dos beneficiários, um crédito em conta-corrente até ao limite de 1.000.000$00 (um milhão de escudos), destinado a apoio de tesouraria;
3. O referido contrato era válido por um prazo de seis meses, renovando-se automática e sucessivamente por iguais períodos, se não fosse denunciado por qualquer das partes;
4. Foi alterado e outorgado em 7 de Dezembro de 2000, tendo sido o seu limite de crédito aumentado para 3.000.00$00 (três milhões de escudos);
5. Na cláusula 2.ª desse acordo consta que «em garantia do cumprimento das obrigações assumidas neste contrato ou dele emergentes é entregue ao Banco uma livrança em Branco, subscrita pelos beneficiários, com as cláusulas “Não à Ordem” e “Sem Protesto”. O Banco fica autorizado a preencher a livrança quando e como entender pelo valor de tudo quanto lhe for devido, podendo a mesma ser utilizada para regularização das responsabilidades. Fica, ainda, o Banco autorizado a apor na livrança a cláusula “Sem Despesas”»;
6. Da referida conta foi utilizado, até 28.08.2012, o montante de € 27.649,96 (vinte e sete mil, seiscentos e quarenta e nove euros e noventa e seis cêntimos), o qual não foi pago à Exequente, não obstante as diversas interpelações efetuadas no sentido da regularização desta situação;
7. O contrato referido em 1. está associado à conta DO 36271378/001;
8. Em 27 de março de 2000 a conta n.º 36271378 era solidária e titulada pelo Embargante e DD.
E foram considerados não provados os seguintes factos:
1. O Embargante, em Março de 2002, deixou de fazer parte do contrato mencionado em 1. dos Factos Provados, devido ao facto de ter começado a trabalhar em Évora;
2. Nessa data, dirigiu-se à agência de Estremoz do Banco Exequente, agência onde a conta se encontrava aberta, e resolveu o contrato em causa;
3. Na data em que resolveu o contrato, a conta encontrava-se saldada, nada sendo devido;
4. Nesse momento, o Exequente devolveu a livrança em branco referida em 5. dos Factos Provados ao aqui Embargante;
5. O Embargante nunca emitiu ou assinou qualquer cheque ou ordenou qualquer transferência ou movimento nessa conta;
6. Foi o Executado DD quem sempre titulou, esteve e movimentou essa conta DO com o n.º 36.271.378/001.
Os desenvolvimentos processuais constantes do processo executivo e dos presentes embargos pertinentes para a decisão do presente recurso são os seguintes[6]:
1. Em 08-02-2013, foi instaurada a execução comum de que os presentes autos constituem apenso, tendo sido apresentado como título executivo apenas o contrato 702580029703220, correspondente ao contrato de abertura de crédito em conta corrente, a que aludem os pontos 1. a 5. da matéria de facto considerada provada em primeira instância.
2. Nas cláusulas terceira e quarta do contrato dado à execução consta que o mesmo «é válido até ao termo do prazo de seis meses, renovando-se automática e sucessivamente por iguais períodos, se não for denunciado pelas partes, por escrito e com a antecedência de, pelo menos, quinze dias relativamente à data do termo do prazo ou das suas renovações», e que «as utilizações serão concretizadas por meio de ordens de transferência de e para a conta D.O nº 36271378/001, em tranches não inferiores a Esc.: 250.000,00, solicitadas por escrito, com uma antecedência mínima de cinco dias, que ficarão a constituir os documentos comprovativos dos respectivos levantamentos, obrigando-se o Banco a fornecer as quantias necessárias até ao limite do capital fixado.
Parágrafo único: - Poderá eventualmente ser acordada a movimentação do crédito aberto por este contrato por forma diversa da indicada no corpo desta cláusula».
3. Nas cláusulas quinta a oitava consta a taxa de juros a cobrar pelo capital em dívida e forma de contagem, as despesas, e a forma de cobrança para recolocar o saldo dentro do limite autorizado, regendo as cláusulas décima primeira a décima quarta sobre o incumprimento e suas consequências, constando na cláusula décima quinta que «os beneficiários desde já se confessam devedores perante o Banco da totalidade das quantias utilizadas, dos respectivos juros e demais encargos emergentes do presente contrato».
4. No requerimento executivo não foi indicada a data de início do incumprimento, tendo sido efectuada a seguinte liquidação:
«- Capital: € 27.649,96.
- Juros de mora contabilizados desde a data de 28/08/2012 e a data presente (08/02/2013)
contabilizados à taxa moratória de 4%: € 499,97».
5. No requerimento inicial destes Embargos o Executado afirmou que «celebrou em 30 de Março de 2000 o contrato de abertura de crédito para a conta nele mencionada e que é dado à execução, bem como o aditamento ao mesmo que outorgou em 07 de Dezembro desse mesmo ano», aduzindo ainda que «o Banco, ao dar à execução o contrato que de há muito havia sido resolvido pelo Oponente, sempre terá que fazer a competente prova da relação material subjacente, devendo, por isso, apresentar: - A ficha da conta, na qual constem as assinaturas dos titulares; - Cópia dos cheques emitidos pelo ora Oponente sacados sobre essa conta; - Extractos da conta corrente, a fim de que se possa verificar as datas da constituição da dívida exequenda».
6. Com a contestação, apresentada em 05.05.2014, o Banco Exequente juntou os extractos de conta endereçados para DD, com saldo negativo crescente, desde 31.01.2008 a 31.08.2012, sendo o valor em dívida identificado pelo valor do saldo diário inicial de 13.588,91€, acrescido sucessivamente de juros, impostos e comissões, nos demais extractos juntos; e a carta de interpelação que alegou ter remetido registada e com aviso de recepção, ao Embargante com a data de 04.09.2012, tendo indicado o «Assunto: Regularização de débito em Contencioso – Contrato de Abertura Crédito Conta Corrente n.º 0000.36271378175 outorgado em 30.03.2000 e alterado por aditamento outorgado em 07.12.2000, com o seguinte teor: «na sequência da carta enviada a V. Exas. Em 12.01.2011, vimos pelo presente informar que o valor em dívida é de € 27.649,96 (Vinte e Sete Mil Seiscentos e Quarenta e Nove Euro e Noventa e Seis Cêntimos). Assim, agradecemos que procedam ao pagamento da referida dívida e respectivos juros de mora, dentro do prazo de 10 dias, sob pena do processo seguir de imediato e sem qualquer outro aviso a via judicial».
7. Os extractos referidos e a missiva alegadamente remetida ao ora Embargante foram endereçados para moradas diferentes.
8. Na audiência prévia o Banco Exequente foi notificado para proceder à junção dos extractos bancários da conta desde 2002, tendo, depois de ter pedido prorrogação de prazo para proceder à determinada junção, vindo justificar a não apresentação dessa documentação com requerimento para a «junção aos autos de email, no qual consta a informação emitida pela Divisão de Gestão Processual do Exequente, que já não é possível o envio dos extratos relativos ao ano de 2002/2008».
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III.2. - O mérito do recurso
III.2.1. - Da nulidade da sentença
Invoca o Recorrente a nulidade da sentença, por violação da alínea d) n.º 1 do artigo 615.º do CPC, com o fundamento de que a julgadora não conheceu da (in)existência de título executivo.
Conforme é sabido, a respeito do vício da nulidade da sentença por omissão ou excesso de pronúncia rege actualmente o artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC na redacção introduzida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o qual tem integral correspondência com a previsão anteriormente constante no artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do CPC, mantendo-se consequentemente válidas todas as considerações que já se encontravam sedimentadas a respeito da respectiva interpretação.
Apreciando.
Decorre da invocada alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que a sentença é nula quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.
Esta causa de nulidade da sentença consiste, portanto, na omissão de pronúncia, sobre as questões que o tribunal devia conhecer; ou na pronúncia indevida, quanto a questões de que não podia tomar conhecimento[7].
É entendimento pacífico que esta nulidade está em correspondência directa com o anteriormente preceituado no artigo 660.º, n.º 2, do CPC, e agora vertido no artigo 608.º, n.º 2, do CPC, que impõe ao juiz a resolução de todas as questões que as partes submeteram à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras, não podendo, porém ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo as que sejam de conhecimento oficioso, constituindo, portanto, a sanção prevista na lei processual para a violação pelo juiz do dever estabelecido no referido artigo[8].
Conforme lembra o Conselheiro FERREIRA DE ALMEIDA[9] «[i]ntegra esta causa de nulidade a omissão do conhecimento (total ou parcial) do pedido, causa de pedir ou exceção cujo conhecimento não esteja prejudicado pelo anterior conhecimento de outra questão (não a fundamentação jurídica adrede invocada por qualquer das partes).
Não confundir, porém, questões com razões, argumentos ou motivos invocados pelas partes para sustentarem e fazerem vingar as suas posições (jurídico-processuais ou jurídico-substantivas); só a omissão de abordagem de uma qualquer questão temática central integra o vício invalidante da sentença, que não a falta de consideração de um qualquer elemento da retórica argumentativa produzida pelas partes».
Conforme tem sido considerado pelo Supremo Tribunal de Justiça, tais questões - a que se reporta a alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC -, «são os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções»[10].
Vistos estes ensinamentos e volvendo ao caso dos autos, é linear concluir pela não verificação da arguida nulidade por omissão de pronúncia a que aludem os indicados preceitos legais.
De facto, percorrido o requerimento inicial vemos que em momento algum o ora Recorrente invocou que o contrato dado à execução não era título executivo por ser uma fotocópia ou, noutra perspectiva, porque um contrato de abertura de crédito não é, só por si, título executivo.
Na verdade, não só o Embargante confessou ter celebrado o contrato e seu aditamento, como o que invocou foi que tinha procedido à resolução deste contrato, momento em que lhe entregaram a livrança que o garantia, e, nesta perspectiva, o contrato não podia ter sido dado à execução.
Foi deste modo que a sua oposição foi sempre interpretada, conforme se verifica logo dos temas de prova assim enunciados:
“1. Saber se o Executado BB, em março de 2002, resolveu, na agência de Estremoz do Banco Exequente, o contrato de abertura de crédito que constitui o título executivo dos autos de execução a que estes estão apensos;
2. Saber se foi o Executado DD quem sempre titulou e movimentou a conta associada a esse contrato, com o n.º 36271378/001;
3. Saber se, na data referida em 1., essa conta se encontrava saldada.”
Ora, mesmo numa leitura pouco atenta da decisão recorrida, não pode deixar de se compreender que tais questões colocadas pelo Embargante foram devidamente identificadas na sentença, já que a julgadora ali afirmou em parágrafo que separou dos demais, portanto, claramente identificável, que «As questões suscitadas nos presentes autos, e que cumpre decidir, consistem em saber se o Embargante resolveu o contrato que consubstancia o título executivo e se não é o responsável pelo pagamento dos montantes constantes do Requerimento Executivo», questões que seguidamente enfrentou, portanto, só por esta razão não se verificaria a invocada nulidade por omissão de pronúncia.
Mais, se aprofundarmos a leitura da sentença recorrida, logo vemos que a julgadora pronunciou-se concretamente sobre a questão afirmando que «o título executivo apresentado é um contrato de abertura de crédito em conta-corrente, título válido ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 1, alínea c) do anterior Código de Processo Civil».
O Recorrente dissente desta conclusão.
Porém, tal divergência não se confunde com o vício da nulidade da sentença, cumprindo aquilatar na oportunidade se a este respeito existiu ou não erro de julgamento, de facto e/ou de direito[11], o que faremos infra.
Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, conclui-se pela improcedência da invocada nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia, não tendo sido violado o conjugadamente disposto nos artigos 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
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III.2.2. - Da Inexistência de título executivo
Invoca o Recorrente que o ponto 6 da matéria de facto considerada provada pela julgadora não podia tê-lo sido, em suma, porque o contrato dado à execução é uma mera fotocópia, mas mesmo que fosse admissível a simples fotocópia como título executivo, o certo é que o contrato de crédito de abertura de conta desacompanhado de qualquer documento de onde se pudesse alcançar se alguma quantia foi efectivamente disponibilizada, quando, a quem, em que condições e em que termos, não é título executivo.
Assim, na perspectiva do Apelante, «o exequente/embargado nunca fez prova de como, quando e de que forma colocou a verba no montante de € 27 649,96, à disposição do executado/embargante. Limitou-se a alegar essa conclusão no requerimento executivo. Não basta alegar, é preciso fazer a correspondente prova».
No polo inverso, a julgadora entendeu que «os factos constantes dos artigos 1.° a 7.° dos Factos Provados encontram-se assentes por acordo, uma vez que não foram expressamente impugnados pelas partes».
Concordando com a possibilidade de serem considerados assentes por acordo os pontos 1 a 5 e 7 da matéria de facto provada, é uma evidência que tal não pode ser entendido quanto ao ponto 6, pelo menos na interpretação de que o valor em causa é da responsabilidade do embargante, desde logo e sem necessidade de maiores considerações, porque o facto em apreço se encontra em oposição com a defesa apresentada no seu conjunto, conforme expressamente previsto no segundo segmento do artigo 574.º, n.º 2, do CPC, a respeito do ónus de impugnação. Assim, tendo o Embargante alegado que resolveu e deixou de fazer parte do contrato que assumiu ter celebrado, e seu aditamento, em Março de 2002, e que nessa data, “a conta encontrava-se saldada, nada sendo devido” (artigo 6.º do requerimento inicial), não pode retirar-se daquele ponto 6., por si só, que aquele valor é devido por este executado à exequente.
Na verdade, conforme se sumariou a respeito do ónus da prova, por exemplo, no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.02.2011[12], «o ónus da prova dos factos invocados como fundamento da oposição à execução rege-se inteiramente pelas regras gerais estabelecidas, desde logo, no artigo 342º do CC, cabendo ao executado que deduz oposição a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos que, mediante defesa por exceção, opõe à pretensão do exequente e a este a prova dos factos constitutivos do direito exequendo, impugnados pelo executado, em termos de abalar a força probatória de primeira aparência que dimanava do título executivo».
Assim sendo, e tendo presentes as considerações que tecemos no Acórdão proferido nestes autos em 22.09.2016, a respeito do título, relembramos que a acção executiva tem na sua base a existência de um título executivo pelo qual se determinam o seu fim e os respectivos limites subjectivos e objectivos, não podendo as partes constituir títulos executivos para além dos legalmente previstos. Por isso se afirma que o título executivo é “a peça necessária e suficiente à instauração da acção executiva ou, dito de outra forma, pressuposto ou condição geral de qualquer execução. Nulla exsecutio sine titulo”[13]. Por isso, o mesmo tem que ser documento de acto constitutivo ou certificativo de obrigações, a que a lei reconhece a eficácia para servir de base ao processo executivo. (sublinhado nosso)
Ora, a eficácia que a lei reconhece aos documentos que podem servir de base ao processo executivo tem sofrido modificações mercê das sucessivas alterações legislativas, relevando para o caso dos autos a que ocorreu com a entrada em vigor em 1 de Setembro de 2013 do novo Código de Processo Civil cujo artigo 703.º eliminou os documentos particulares do elenco dos títulos executivos, mormente quando conjugado com o artigo 6.º, n.º 3 da Lei nº 41/2013, se interpretado no sentido de se aplicar o novo regime aos documentos particulares anteriormente dotados de exequibilidade pela al. c), do n.º 1 do artigo 46.º, do anterior CPC.
Efectivamente, a doutrina e a jurisprudência dividiram-se na questão relativa à aplicação no tempo do novo CPC considerando uns que «a norma que elimina os documentos particulares, constitutivos de obrigações, assinados pelo devedor do elenco de títulos executivos (artigo 703.º do novo CPC), quando conjugada com o artigo 6.º, n.º 3, da Lei n.º 41/2013, e interpretada no sentido de se aplicar a documentos particulares dotados anteriormente da característica da exequibilidade, conferida pela alínea c) do n.º 1 do artigo 46.º do anterior Código de Processo Civil, é manifestamente inconstitucional por violação do princípio da segurança e proteção da confiança integrador do princípio do Estado de Direito Democrático»[15], ao passo que outros entenderam que «A aplicação do art. 703º do Novo CPC a todas as execuções interpostas posteriormente a 1 de Setembro de 2013, recusando a exequibilidade aos documentos particulares ainda que constituídos validamente em data anterior, não implica uma aplicação retroactiva da lei nova. O art. 703º do Novo CPC, na parte em que elimina os documentos particulares do elenco dos títulos executivos, quando conjugado com o art. 6º, nº3 da Lei nº 41/2013, e interpretado no sentido de se aplicar aos documentos particulares anteriormente dotados de exequibilidade pela al. c), do nº1 do art. 46º, do anterior CPC, não é de considerar inconstitucional por violação do princípio da segurança e da protecção da confiança. Em consequência, as execuções instauradas posteriormente a 1 de Setembro de 2013, não poderão basear-se em documento particular constituído em data anterior e a que fosse atribuída exequibilidade pelo regime vigente à data da sua constituição»[16].
Acontece que, a discussão desta questão perdeu entretanto utilidade porquanto o Tribunal Constitucional, chamado a pronunciar-se sobre a mesma, veio no Acórdão n.º 408/2015, proferido no processo n.º 340/2015[17], declarar, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que aplica o artigo 703.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à Lei 41/2013, de 26 de junho, a documentos particulares emitidos em data anterior à sua entrada em vigor, então exequíveis por força do artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Civil de 1961, constante dos artigos 703.º do Código de Processo Civil, e 6.º, n.º 3, da Lei 41/2013, de 26 de junho, por violação do princípio da proteção da confiança (artigo 2.º da Constituição).
Revertendo o que vem de dizer-se à situação em presença, tendo o requerimento executivo sido apresentado em juízo antes da entrada em vigor da actual redacção do CPC, não sofre dúvidas que um documento particular assinado era então abstractamente passível de ser título executivo, não tendo a posterior entrada em vigor do citado preceito a virtualidade de afastar a força executiva que o mesmo tivesse.
Porém, os documentos aos quais a lei então vigente reconhecia tal eficácia executiva encontravam-se taxativamente elencados no artigo 46.º do CPC, do qual constavam as espécies de títulos executivos que podiam servir de base à execução, designadamente, para o que ora importa, e de acordo com o disposto no n.º 1, alínea c), do citado preceito, “os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes”.
Portanto, considerando a tipicidade dos títulos executivos, para que os documentos particulares pudessem servir de base à execução, os mesmos tinham que obedecer aos requisitos mencionados no indicado preceito legal, a saber:
a) têm que conter a assinatura do devedor;
b) deles deve resultar a constituição ou o reconhecimento de obrigações pecuniárias;
c) o montante destas obrigações deve ser determinado ou determinável por simples cálculo aritmético, de acordo com as cláusulas constantes do documento[18].
No caso dos autos, o título apresentado com o requerimento executivo é um denominado “contrato de abertura de crédito em conta-corrente”, não sofrendo contestação o facto de estarmos perante um documento particular que se mostra assinado pelo devedor.
Consequentemente cabe apreciar - como questão logicamente prévia à análise das demais colocadas -, se o contrato dado à execução, que constitui um documento particular, é ou não, por si só, título executivo, tendo presente que à data em que o requerimento executivo foi apresentado - 08.02.2013 -, se encontrava vigente o CPC na redacção anterior à actual, que, como visto, permitia a execução fundada em documentos particulares.
Este é o cerne da questão que nos ocupa e a resposta não pode deixar de ser negativa, em face da modalidade de contrato em presença.
Vejamos.
Afirma MENEZES CORDEIRO[19] que «a abertura de crédito é simples ou em conta-corrente: no primeiro caso, o crédito disponibilizado pode ser usado uma vez; no segundo, o cliente pode sacar diversas vezes sobre o crédito, solvendo as parcelas de que não necessite, numa conta-corrente com o banqueiro. Nesta última hipótese há, ainda, que lidar com as regras da conta-corrente».
Também na síntese efectuada no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 19.12.2012[20] é realçada a variedade de modalidades que o acordo em causa pode assumir, afirmando-se que «o contrato de abertura de crédito pode assumir diversas modalidades.
De harmonia com o critério das suas garantias, a abertura de crédito pode ser caucionada ou a descoberto, conforme o cumprimento da obrigação do creditado seja ou não assegurado por garantias reais, v.g., hipoteca, ou pessoais, v.g., livranças; de acordo com o critério da sua realização, a abertura de conta pode ser simples ou em conta corrente, consoante o crédito é utilizado de uma só vez ou em tranches. (…)
Do lado do banco creditante, destaca-se, naturalmente, a obrigação de disponibilização da soma pecuniária convencionada, obrigação que pode ser cumprida de múltiplas formas e através de prestações de tipo diverso, como, por exemplo, a entrega directa de dinheiro ou pagamento de cheques sacados pelo creditado, sendo lícito às partes estipular os pressupostos ou limites da sua realização.
Do lado do creditado, avulta, evidentemente, a obrigação do pagamento de comissões e juros, sendo corrente a prestação, por este, de garantias de reembolso do crédito, v.g., através de livranças. (…)
Dado que vale, neste domínio, em toda a sua plenitude, o princípio da autonomia privada, tudo dependerá daquilo que for convencionado: o cliente poderá movimentar as importâncias através de pedido escrito dirigido ao banqueiro ou através da celebração sucessiva de verdadeiros e próprios contratos de mútuos bancários, ou mesmo automaticamente, sacando a descoberta sobre uma conta de depósitos à ordem acoplada ou anexa à abertura de crédito».
No caso vertente, estamos perante um contrato de abertura de crédito, na modalidade de conta corrente, sendo o crédito a disponibilizar por tranches, cujo reembolso foi garantido através de livrança subscrita por ambos os beneficiários.
Em suma, o acordo para abertura de crédito em presença tem como efeito fundamental a disponibilização futura de dinheiro, através de actos subsequentes, que carecem de concretização, daí que o mesmo não seja, por si só, título executivo, já que do seu texto consta expressamente que «as utilizações serão concretizadas por meio de ordens de transferência de e para a conta D.O nº 36271378/001, em tranches não inferiores a Esc.: 250.000,00, solicitadas por escrito, com uma antecedência mínima de cinco dias, que ficarão a constituir os documentos comprovativos dos respectivos levantamentos, obrigando-se o Banco a fornecer as quantias necessárias até ao limite do capital fixado».
É certo que as partes podiam convencionar formas diversas de concretização da utilização do crédito, como logo se anunciava no parágrafo único da mesma cláusula. Acontece, porém, que o Banco exequente em momento algum do requerimento executivo alegou que algo diverso do que constava do texto do documento por si apresentado como título executivo havia sido acordado entre o ora Apelado e o ora Apelante. Como assim, temos que nos ater ao que no contrato consta a este respeito, não restando quaisquer dúvidas que o mesmo, por si só, não constitui título executivo, porquanto, dada a sua modalidade e natureza não concretiza quais as obrigações pecuniárias que irão ser contraídas futuramente, carecendo consequentemente dessa concretização, a qual é da responsabilidade do exequente e deve ser efectuada por via de prova documental bastante que a complemente. Ou seja, o contrato de abertura de crédito em conta que o Banco Exequente juntou aos autos com o requerimento executivo, por si só, não constitui título executivo contra o embargante.
De igual modo se considerou no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 13.11.2015[21], onde se afirmou que «um contrato de abertura de conta de depósito não constituirá nunca, só por si, título executivo contra o depositante. A obrigação deste só surgirá, mais tarde, e na eventualidade de o depositante vir a fazer algum levantamento ou a movimentar determinada quantia para além do saldo existente, o banco venha a autorizar o pagamento a “descoberto”; só, então, e nesse caso, ocorrerá um adiantamento de quantias por parte do banco e a constituição de uma dívida por parte do titular da conta».
Como decorria da própria formulação da referida alínea c) do n.º 1 do artigo 46.º do CPC, e era até evidenciado pelo preceituado no artigo 50.º relativamente à exequibilidade dos documentos autênticos ou autenticados, os títulos executivos particulares tinham a sua exequibilidade condicionada à verificação de pressupostos quer de natureza formal, porquanto devem estar assinados pelo devedor; quer de natureza substantiva, já que tinham que referir-se a obrigações pecuniárias líquidas ou liquidáveis através de simples cálculo aritmético.
Assim, o Banco exequente pareceu entender que munido do contrato em que os outorgantes se confessavam desde logo devedores de quaisquer quantias dispunha de título executivo que lhe bastaria proceder à liquidação em abstracto da obrigação do executado, sem proceder à junção de qualquer documento complementar, nomeadamente dos denominados extractos de conta, dos quais constassem os dados relevantes para ser possível efectuar tal cálculo.
Mas não é assim.
Efectivamente, o título executivo não se confunde com a causa de pedir na acção executiva, pois esta é um facto e o título executivo é o documento ou a obrigação documentada[22].
Na verdade, os “títulos executivos são os documentos (escritos) constitutivos ou certificativos de obrigações que, mercê da força probatória especial de que estão munidos, tornam dispensável o processo declaratório (ou novo processo declaratório) para certificar a existência do direito do portador”, sendo “constitutivo da relação obrigacional quando a obrigação tem no acto documentado a sua fonte” e “certificativo da obrigação quando, procedendo a constituição da dívida de um outro acto, o título apenas confirma a existência dela”. Concluindo, “o título executivo reside no documento e não no acto documentado, por ser na força probatória do escrito, atentas as formalidades para ele exigidas, que radica a eficácia executiva do título (quer o acto documentado subsista, quer não”[23].
Ou, por outras palavras, o título executivo é “o invólucro sem o qual não é possível executar a pretensão ou o direito que está dentro. Sem invólucro não há execução, embora aquilo que vai realizar-se coactivamente não seja o invólucro mas o que está dentro dele”[24].
Significa o que vem de afirmar-se que, do documento particular assinado pelo executado - posto que só este é título executivo -, tem de constar a obrigação pelo mesmo assumida por forma a que possa ser dispensável o processo declaratório, isto ainda que quando a obrigação exequenda seja complexa, o título executivo também o possa ser.
De facto, em várias situações o legislador veio admitir existência jurídica de títulos executivos complexos a par dos títulos simples.
Conforme é sabido, estamos perante títulos executivos simples quando a obrigação esteja incorporada num só documento ou num conjunto de documentos de idêntica natureza (de que constitui exemplo ilustrativo a execução fundada em várias letras de câmbio ou cheques, situação em que cada um dos títulos incorpora uma das prestações exequendas e todos eles juntos titulam a globalidade do crédito reclamado pelo exequente); e perante títulos executivos complexos quando a obrigação exequenda exija cumulativamente vários documentos para a sua demonstração, podendo tais documentos ter natureza diversa, complementando-se entre si e nos seus conteúdos para demonstração da existência do crédito exequendo (a título meramente exemplificativo deste tipo de título complexos, veja-se o título executivo previsto pelo artigo 15.º n.ºs 1 e 2 do Novo Regime do Arrendamento Urbano).
Nestas últimas situações, em que o exequente tem que fazer a prova complementar do título, mormente relativamente aos factos que integram o não cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação assumida, tem-se entendido que, não tendo o exequente efectuado tal prova no requerimento executivo, e sendo deduzida oposição pelo executado, pode o Exequente na contestação suprir o que ali faltou[25], considerando-se igualmente que, nestes casos quando tal junção não for efectuada pelo exequente, ao invés de ser liminarmente indeferido o requerimento executivo, deve a parte ser convidada a aperfeiçoá-lo[26].
Neste preciso sentido se pronunciou novamente o Supremo Tribunal de Justiça, no recente Acórdão de 10.04.2018, proferido no processo n.º 18853/12.8YYLSB-A.L1.S2, com alguma similitude com a situação presente, afirmando que «o contrato de abertura de crédito é, com referência ao anterior art. 46º, nº 1, al. c), do CPC, um documento particular assinado pelos executados e importa a constituição de obrigações pecuniárias a contrair no futuro, determináveis por simples cálculo aritmético, a partir dos saques – cheques, transferências – sobre a conta de depósitos à ordem associada à conta corrente.
Essa determinação deve ser feita pela exequente, juntando a documentação pertinente, demonstrativa dos meios concretamente utilizados pelos executados para movimentação dos fundos disponibilizados pela exequente e com discriminação dos respectivos montantes.
Não sendo apresentada documentação complementar suficiente, deve ser formulado convite para aperfeiçoamento do requerimento executivo; só no caso de a exequente não aceder a tal convite e não suprir o vício é que deverá ser decretada a extinção da execução».
Aplicando estes ensinamentos ao caso dos autos, temos então que, não tendo o Exequente procedido à junção dos documentos complementares logo com o Requerimento inicial, podia efectuar tal junção com a contestação deduzida à oposição, o que fez parcialmente por referência àquela documentação cuja junção o Embargante havia identificado como necessária.
Portanto, saber se o Exequente dispõe ou não título executivo, depende neste momento processual da apreciação conjunta dessa documentação complementar com o documento inicialmente apresentado como sendo título executivo, no caso, o contrato de abertura de crédito em conta.
Conforme se sublinhou no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 03.05.2016, «a jurisprudência largamente maioritária considera que um contrato de abertura de crédito, exarado em documento particular, não autenticado, mas assinado pelo devedor, na medida em que apoiado por um outro instrumento documental (um extracto de conta, por exemplo), elaborado de acordo com as cláusulas do contrato, e que mostre terem sido disponibilizados os recursos pecuniários naquele previstos, constitui título executivo bastante para poder sustentar uma acção executiva que o creditante proponha contra o devedor».
Assim, aceitando-se em situações como a presente, a possibilidade de formação de um título executivo complexo, mormente aceitando a exequibilidade de um título formado por um contrato de abertura de conta e de um extrato da conta que apresente um saldo devedor, o ponto é que da conjugação destes documentos resulte, por si só e sem necessidade de recurso à acção declarativa, suficientemente demonstrada a obrigação exequenda[27], de acordo com o modo de constituição da mesma prevenido nas cláusulas do contrato.
Neste mesmo sentido de que o documento complementar deve ser emitido em conformidade com o clausulado contratual, afirmou-se no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 10.12.2012[28] que «o instrumento particular constitutivo de um contrato de abertura de crédito bancário, desde que contenha as assinaturas dos devedores e seja apoiado por prova complementar, emitida em conformidade com as cláusulas nele firmadas e ateste as quantias efetivamente disponibilizadas, constitui título executivo de natureza compósita ou complexa; e viabiliza ao creditante, no caso do seu incumprimento, a instauração imediata da ação executiva».
Significa isto que quando está em causa a formação de um título executivo complexo não basta a junção de qualquer documento complementar do contrato em que as obrigações foram assumidas, sendo necessário que esse documento seja emitido em conformidade com as cláusulas neste firmadas entre as partes.
Revertendo ao caso em apreço, verificamos que os extractos de conta juntos pelo Banco Exequente aos autos não assumem a necessária concretização da obrigação exequenda, sendo que o mesmo, apesar de notificado para proceder à junção dos extractos de conta desde 2002, não o fez, escudando-se no facto de terem passado mais de 10 anos e, por isso, não ter a obrigação legal de os possuir. Por isso, não pode haver na espécie lugar a qualquer decisão que passe por uma espécie de novo convite ao aperfeiçoamento.
De facto, não entrando em desnecessárias considerações quanto às obrigações do Banco Exequente a respeito da conservação de documentos, não podemos deixar de referir que, se naturalmente compreendemos que em situações não litigiosas, mormente quando existiu cumprimento dos contratos os documentos não sejam conservados para além do período de 10 anos, tal é difícil de compreender em casos como o vertente, tanto mais se ponderarmos que a presente execução deu entrada no início do ano de 2013, e no texto da carta de interpelação junta pelo Exequente é feita referência a missiva de 12.01.2011, ou seja, quando tal período temporal ainda não havia decorrido e o Exequente tinha todos os meios necessários à sua disposição para acautelar os meios probatórios que confirmassem as datas em que os titulares da conta efectuaram os pedidos de provisão e as tranches de montantes superiores a Esc.: 250.000,00 que disponibilizou.
Isto posto, o certo é que, apesar de notificado para o efeito, não foram juntos pelo Banco Exequente os documentos que o mesmo fez constar no contrato como sendo os que «ficarão a constituir os documentos comprovativos dos respectivos levantamentos, obrigando-se o Banco a fornecer as quantias necessárias até ao limite do capital fixado». Ou seja, não existe forma de liquidar a obrigação exequenda com os extratos de conta juntos pelo Banco Exequente nos quais apenas consta o saldo negativo que a conta apresenta nas datas respectivas.
Acresce que, nem o Exequente alegou no requerimento executivo nem os extractos de conta juntos permitem sequer concluir em que momento houve incumprimento, não podendo deixar de notar-se que o primeiro extracto respeita a quantia negativa que se encontrava ainda dentro do valor negociado entre as partes.
Termina-se, pois, como no Acórdão deste Tribunal da Relação de 12.10.2017[29] onde se afirmou que «para que a documentação apresentada fosse dotada de características de exequibilidade, tornava-se necessário que através da análise e interpretação da declaração negocial ou de qualquer instrumento complementar fosse patente a constituição ou o reconhecimento da existência de uma obrigação de natureza pecuniária, cujo montante fosse determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes. (…) [A]ssim sendo, ao não demonstrar que o documento particular apresentado comportava as características de exequibilidade necessárias a constituir título executivo, o agora exequente para fazer valer a sua pretensão terá de se socorrer dos meios declarativos que a jurisdição comum lhe disponibiliza.», salvo se afinal tiver ainda em seu poder a livrança que garantiu o contrato em apreço e a exequente não logrou apresentar nestes autos, pese embora também para esse efeito lhe tivesse sido concedido prazo.
Em suma, se o contrato de abertura de crédito em conta corrente junto aos autos pelo Exequente, por si só, não constitui título executivo, e se os documentos complementares constituídos pelos extratos de conta juntos pelo mesmo aquando da contestação não permitem verificar se estão emitidos em conformidade com as cláusulas firmadas no contrato, nem aferir quais as quantias efectivamente disponibilizadas a pedido do titulares da conta, e quando o foram, não podemos falar na existência de título executivo.
Pelo exposto, e sem necessidade de maiores considerações, o presente recurso deve proceder, sendo de revogar o segmento constante da alínea a) da sentença recorrida e determinar a extinção da execução, por falta de título executivo.
Em consequência, fica prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas, com excepção do pedido de condenação do Exequente como litigante de má fé.
De facto, tendo sucumbido, o Banco Apelado suporta as custas devidas em primeira instância e nesta Relação, de harmonia com o princípio da causalidade vertido no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
Pretende, porém, o Recorrente que o Recorrido seja condenado como litigante de má fé, em multa e indemnização.
Mas não tem razão.
Efectivamente, para que a actuação do Banco Exequente se enquadrasse no disposto no artigo 542.º do CPC mister seria que o Embargado tivesse demonstrado a factualidade que alegara e que não provou, não bastando que o documento dado à execução, mesmo apreciado juntamente com os documentos complementares, não possa ser considerado título executivo.
Na verdade, ao contrário do que o Apelante vem sustentando, nada impunha ao Banco Exequente que executasse a livrança que garantia o contrato dado à execução. O facto de esse ser o comportamento mais comum, não significa que o adoptado seja censurável. Só assim seria se o Executado tivesse provado que a livrança original que tinha na sua posse correspondia à referida no ponto 5. da matéria de facto provada, e não logrou fazê-lo.
*****
III.3. Síntese conclusiva:
I - Tendo o requerimento executivo sido apresentado em juízo antes da entrada em vigor da actual redacção do CPC, não sofre dúvidas que um documento particular assinado era então abstractamente passível de ser título executivo, não tendo a posterior entrada em vigor do citado preceito a virtualidade de afastar a força executiva que o mesmo tivesse.
II - Porém, considerando a tipicidade dos títulos executivos, para que os documentos particulares pudessem servir de base à execução, os mesmos tinham que obedecer aos requisitos mencionados no artigo 46.º, n.º 1, alínea c), do CPC.
III - O contrato de abertura de crédito em conta que o Banco Exequente juntou aos autos com o requerimento executivo, por si só, não constitui título executivo contra o embargante, porquanto, dada a sua modalidade e natureza não concretiza quais as obrigações pecuniárias que irão ser contraídas futuramente, carecendo consequentemente dessa concretização, a qual é da responsabilidade do exequente e deve ser efectuada por via de prova documental bastante que a complemente.
IV - Aceitando-se em situações como a presente, a possibilidade de formação de um título executivo complexo, mormente aceitando a exequibilidade de um título formado por um contrato de abertura de conta e de um extrato da conta que apresente um saldo devedor, o ponto é que da conjugação destes documentos resulte, por si só, suficientemente demonstrada a obrigação exequenda, de acordo com o modo de constituição da mesma prevenido nas cláusulas do contrato.
V - Não tendo o Exequente procedido à junção dos documentos complementares logo com o Requerimento inicial, podia efectuar tal junção com a contestação deduzida à oposição, ou após notificação para o efeito que, no caso, assume a natureza de um despacho de aperfeiçoamento.
VI - Se o contrato de abertura de crédito em conta corrente junto aos autos pelo Exequente, por si só, não constitui título executivo, e se os documentos complementares constituídos pelos extratos de conta juntos pelo mesmo aquando da contestação não permitem verificar se estão emitidos em conformidade com as cláusulas firmadas no contrato, nem aferir quais as quantias efectivamente disponibilizadas a pedido do titulares da conta, e quando o foram, não podemos falar na existência de título executivo.
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IV - Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação parcialmente procedente, e, em conformidade:
a) revoga-se o segmento decisório constante da alínea a) da sentença recorrida, e, na procedência dos embargos, determina-se a extinção da execução;
b) confirma-se o segmento decisório constante da alínea b) da sentença recorrida.
Custas pela Apelada - artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC.
*****
Évora, 18 de Outubro de 2018
Albertina Pedroso [30]
Tomé Ramião
Francisco Xavier


__________________________________________________
[1] Juízo de Execução de Montemor-o-Novo.
[2] Relatora: Albertina Pedroso;
1.º Adjunto: Tomé Ramião;
2.º Adjunto: Francisco Xavier.
[3] Na sequência do Acórdão deste TRE proferido em 22.09.2016, que revogou o despacho que havia declarado a extinção da instância dos embargos por inutilidade superveniente da lide, e determinou o prosseguimento dos autos, disponível em www.dgsi.pt.
[4] Que pela sua extensão restringiremos às necessárias para a compreensão do objecto do recurso.
[5] Doravante abreviadamente designado CPC, na redacção introduzida pela Lei n.º 41/2013 de 26 de Junho, aplicável aos presentes autos. Sem embargo, considerando que a acção executiva foi instaurada antes daquela entrada em vigor, reportar-nos-emos ainda, quando for o caso, à redacção anterior, fazendo a correspondente menção.
[6] Com base também no requerimento inicial e nos documentos constantes do processo executivo, cujo seguimento electrónico foi solicitado pela ora Relatora, ao abrigo do disposto no artigo 652.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
[7] Cfr. JOSÉ ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, págs. 142 e ss; e Ac. STJ de 19-04-2012, processo n.º 9870/05.5TBBRG.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[8] Cfr. neste sentido, exemplificativamente, Ac. STJ de 12-01-2010, processo n.º 630/09.5YFLSB; Ac. TRL de 20-12-2010, processo n.º 1650/10.2TBOER-A.L1-1; e Ac. TRC de 29-02-2012, processo n.º 144732/10.9YIPRT.C1, todos disponíveis em www.dgsi.pt. Este entendimento jurisprudencial pacífico estriba-se na doutrina já defendida por JOSÉ ALBERTO DOS REIS que a propósito do correspondente normativo afirmava que se impõe ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, resultando a nulidade, precisamente, da infracção pelo juiz desse dever que lhe está legalmente cometido. Cfr. ainda, no mesmo sentido, JORGE AUGUSTO PAIS DO AMARAL, in Direito Processual Civil, 7.ª edição, Almedina 2008, pág. 391.
[9] In Direito Processual Civil, vol. II, Almedina 2015, pág. 371.
[10] Cfr. Ac. STJ de 22-10-2015, Revista n.º 2844/09.9T2SNT.L2.S1 - 7.ª Secção.
[11] Pois como se refere inter alia no Acórdão do STJ de 21.05.2009, acessível em www.dgsi.pt “Se a questão é abordada, mas existe uma divergência entre o afirmado e a verdade jurídica ou fáctica, há erro de julgamento, não “error in procedendo”.
[12] Proferido no processo n.º 2971/07.7TBAGD-A.C1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[13] Cfr. AMÂNCIO FERREIRA, in Curso de Processo de Execução, 13.ª Edição, Almedina, 2010, pág. 23, citando CHIOVENDA.
[14] Cfr. MANUEL DE ANDRADE, in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora 1979, pág. 58.
[15] Cfr. a título exemplificativo, o Acórdão deste Tribunal de 27 de Fevereiro de 2014, proferido no processo n.º 374/13.3TUEVR.E1, e disponível em www.dgsi.pt, comentado pelo Professor MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, no Blog do IPPC, em Paper intitulado Aplicação no tempo do nCPC: títulos executivos forever?, publicado em 25.03.2014.
[16] Cfr. também a título exemplificativo, o Acórdão do TRC de 7 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 61/14.5TBSBG.C1
[17] O pedido de declaração da inconstitucionalidade da norma foi formulado pelo Ministério Público pela circunstância de a mesma já ter sido julgada inconstitucional, pelo Tribunal Constitucional, em pelo menos três casos concretos: Acórdãos n.ºs 847/2014 (1.ª secção) e 161/2015 (3.ª secção), e ainda pela Decisão Sumária n.º 130/2015 (1.ª secção). O primeiro Acórdão indicado foi igualmente objecto de comentário por MIGUEL TEIXEIRA DE SOUSA, no Blog do IPPC, em Paper intitulado Aplicação no tempo do nCPC: títulos executivos forever? (5), publicado em 15.12.2014, no qual este Ilustre Professor assume não acompanhar esta orientação do TC, designadamente porque « parece difícil sustentar a inconstitucionalidade da aplicação imediata do novo elenco dos títulos executivos, dado que, até pelo princípio da igualdade (cf. art. 13.º CRP), a “sobrevigência” do título executivo não pode sobrepor-se à libertação do devedor da sujeição a uma execução».
[18] Cfr. AMÂNCIO FERREIRA, ob. e loc. citado, pág. 39.
[19] In Manual de Direito Bancário, 3ª edição, Almedina, 2006, pág. 542.
[20] Proferido no processo n.º 132/12.2TBCVL-A.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[21] Proferido no processo n.º 5705/14.6T8CBR.C1, disponível em www.dgsi.pt.
[22] Cfr. Ac. STJ de 05.05.2011, proferido no processo n.º 5652/9.3TBBRG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt.
[23] Cfr. ANTUNES VARELA et Alii, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora 1985, págs. 78 e 79.
[24] Cfr. Ac. STJ de 19-02-2009, proferido no processo n.º 07B4427, e disponível em www.dgsi.pt.
[25] Cfr. Ac. STJ de 04-02-2010, proferido no processo n.º 5943/07.8YYPRT-A.P1.S1 - 2ª SECÇÃO, disponível em www.dgsi.pt.
[26] Cfr. citado Ac. STJ de 05-05-2011, proferido no processo n.º 5652/9.3TBBRG.P1.S1, proferido no processo n.º disponível em www.dgsi.pt.
[27] Proferido no processo nº 427/13.8TBPTS-B.L-1, disponível em www.dgsi.pt.
[28] Proferido no processo n.º 6586/11.7TBMTS-B.P, disponível em www.dgsi.pt.
[29] Proferido no processo n.º 6865/12.6TBSTB.E1, disponível em www.dgsi.pt.
[30] Texto elaborado e revisto pela Relatora.