Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
989/15.5T8STB-B.E1
Relator: FRANCISCO XAVIER
Descritores: PENHORA DE IMÓVEL
CASA DA MORADA DA FAMÍLIA
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I. A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução.
II. Ao estipular-se no n.º 1 do artigo 751º do Código de Processo Civil, que a penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente, pretende-se que o crédito exequendo seja satisfeito pela via mais simples e rápida, sem prejudicar desnecessariamente os interesses patrimoniais do executado, observando-se os princípios da adequação e da proporcionalidade.
III. Porém, ainda que a penhora não se adeque, por excesso, ao montante do crédito exequendo, é admissível a penhora de imóvel que seja a habitação própria do executado, desde que a penhora de outros bens presumidamente não permita a satisfação integral do credor no prazo de 12 ou de 18 meses, consoante o crédito exequendo não exceda metade do valor da alçada do tribunal de 1ª instância, ou ultrapasse este valor, como decorre das alínea a) e b) do n.º 3 do artigo 751º do Código de Processo Civil.
IV. O direito à habitação do cidadão e da família, consagrado no artigo 65.º da Constituição, não se confunde com o direito a ter casa própria, sendo que o legislador ordinário, não obstante estar ciente da sua importância, não estabeleceu, em homenagem àquele direito, a impenhorabilidade da casa de morada de família, mas apenas algumas defesas, como as consagradas nas alínea a) e b) do n.º 3 do artigo 751º do Código de Processo Civil.
Decisão Texto Integral:


Acórdão da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora
I – Relatório
1. AA deduziu oposição à penhora do imóvel identificado no auto de penhora da execução que lhe move BB – Instituição Financeira de Crédito, S.A., elaborado com data de 19/10/2015, pedindo o levantamento da penhora.
Para tanto, alega, em síntese, que não foi observado o disposto no n.º 1 do artigo 751º do Código de Processo Civil, que existem outros bens que permitem ao exequente satisfazer o seu crédito num prazo certamente inferior ao prazo de venda do imóvel penhorado, que a penhora do imóvel, que constitui a habitação permanente da executada, é excessiva, pois o imóvel tem o valor tributário de € 78.460,00 euros, sendo que a execução monta apenas a € 15.514,68 euros, e que a venda deste bem se revela inútil para a exequente, porquanto o imóvel está onerado por hipotecas que garantem o pagamento de capital no valor de € 79.224,12, pelo que, em caso de venda, a exequente nada receberá.

2. Notificada a Exequente BB – Instituição Financeira de Crédito, S.A., impugnou motivadamente a matéria alegada.

3. Entendendo-se que os autos permitiam o conhecimento imediato do mérito da oposição, sem necessidade de mais prova, foi proferida sentença na qual se decidiu julgar improcedente a oposição à penhora.

4. Inconformada recorre a executada, pedindo o levantamento da penhora do imóvel com os fundamentos seguintes:
I. A Sentença do Tribunal “a quo” padece de nulidade, pois em momento algum foi alegado ou demonstrado que as três hipotecas que oneram a fracção autónoma foram constituídas a favor do Exequente, bem pelo contrário, foi alegado e mostra-se provado por certidão do registo predial que estão inscritas relativamente àquela fracção autónoma, com datas de 18.10.2001, 25.01.2007 e 13.04.2012 respectivamente, três hipotecas a favor do CC, S.A. para garantia dos montantes máximos respectivamente de 49.880,00 euros e 37.575,00 € € euros e 11.000,00 euros, de empréstimos.
II. Uma vez que as certidões da Conservatória do Registo Predial têm força probatória plena quanto às presunções registrais juris tantum estabelecidas no artigo 7.º do Código do Registo Predial, resulta evidente que a Sentença do Tribunal “a quo” padece de nulidade, porquanto a decisão sobre a matéria de facto constante do ponto 2. da matéria dada como provada está em oposição com os respectivos fundamentos (os «elementos documentais existentes nos presentes autos »), os quais constam de documentos que constituem prova plena.
III. Ainda que assim não se entenda, o que se admite apenas para efeitos meramente académicos, constata-se que a matéria de facto dado como provada carece de alteração e assim, em conformidade com o exposto, verificamos que, no mínimo, o Ponto 2. deve ser considerado incorrectamente julgado, porquanto a certidão junta como Documento n.º 1 ao Requerimento Inicial, bem como os Documentos n.º 2, 3 e 4 impunham decisão diversa sobre esse ponto da matéria de facto, devendo este ser julgado no seguinte sentido:
“2. Estão inscritas na mesma conservatória, relativamente à mesma fracção autónoma, com datas de 18.10.2001, 25.01.2007 e 13.04.2012 respectivamente, três hipotecas a favor do CC, S.A. para garantia dos montantes máximos respectivamente de € 49.880,00 euros e € 37.575,00 euros e 11.000,00 euros, de empréstimos”.
IV. Consideramos também que em face do alegado e já demonstrado nos autos, se impunha dar como provados os seguintes factos, que não foram tidos em conta na Sentença do Tribunal “a quo”:
Ponto 4. - Perante o alegado em 3. e 4. do Requerimento Inicial e da caderneta predial do imóvel junta aos autos de acção principal, entendemos que se impunha dar como provado um Ponto 4. com o seguinte teor:
“O imóvel descrito no ponto 1. da matéria de facto tem o valor patrimonial tributário de 78.460,00, correspondendo esse montante ao seu valor comercial”.
Ponto 5. - Resulta necessário o aditamento de um ponto 5. à matéria de facto, pois em face do alegado em 8. do Requerimento Inicial, bem como dos Documentos juntos como 2, 3 e 4, que não sofreram contestação, mas sobretudo do teor da Sentença do Apenso C (Reclamação de Créditos) de 22/02/2016, já transitada em julgado, proferida pelo Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, impunha-se decisão sobre a matéria de facto que desse como provado que:
“Foi reconhecido ao CC S.A. um crédito no valor de € 78.974,51 de capital, acrescido dos juros vencidos e vincendos correspondentemente calculados, até ao limite de 3 anos, tendo o mesmo sido graduado em primeiro lugar para efeitos de pagamento pelo produto da venda do bem imóvel penhorado, tendo o crédito exequendo sido graduado em segundo”.
Ponto 6. - Em face do alegado em 11. do Requerimento Inicial e da Decisão da Exma. Senhora Agente de Execução de 08/10/2015, que não mereceu contestação, impunha-se o aditamento de um ponto 6. à matéria de facto que dê como provado que:
“O imóvel penhorado é a habitação própria permanente da executada ”.
V. O quadro fáctico propugnado pela Recorrente implica que o Direito a aplicar é diverso do que consta da Sentença do Tribunal “a quo”, retomando-se aqui a argumentação que o Tribunal “a quo” não apreciou, mais precisamente o carácter desproporcional, inútil (e perverso) da penhora sobre a habitação permanente que é propriedade da executada.
VI. Mostrando-se violado o disposto no n.º 2 do artigo 18.º, n.º 1 do artigo 62.º e n.º 1 do artigo 65.º, todos da Constituição da República Portuguesa, bem como o constante do artigo 130.º, n.º 1 e n.º 3 do artigo 735.º e a alínea a) do n.º 1 do artigo 784.º, todos do Código de Processo Civil (CPC), pois,
VII. Atento o valor do imóvel (Ponto 4.) e o valor do crédito do credor hipotecário (Ponto 2. e Ponto 5.), constata-se que:
O Exequente, em caso de venda do imóvel, constatará que o eventual montante arrecadado não chega sequer para pagar ao credor hipotecário, o que fará com que a penhora posta em crise seja reputada de acto inútil, violador do Princípio da Economia Processual (artigo 130.º do CPC), que fará com que o Exequente tenha apenas mais despesas sem qualquer benefício;
A Executada verá o seu património afectado de forma desnecessária e desproporcionada, em manifesta violação do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 784.º, articulado com o n.º 1 e n.º 3 do artigo 735.º, ambos do CPC, bem como em clara violação do n.º 2 do artigo 18.º e n.º 1 do artigo 62.º, ambos da Constituição, correndo o seriíssimo risco de ficar sem a casa onde reside com as suas duas filhas, numa óbvia violação do direito a habitação, constitucionalmente garantido no n.º 1 do artigo 65.º, também da Constituição.
O credor hipotecário resultará prejudicado, pois muito provavelmente a venda do imóvel não chegará para cobrir o valor actual do seu crédito, sendo certo que nesta altura não há quaisquer valores em dívida para com ele, uma vez que a família da Executada a tem apoiado pagando as prestações hipotecárias de modo a que possa manter a sua casa.
VIII. Constata-se assim que a interpretação a efectuar em sede da Sentença do Tribunal “a quo” no que se refere à aplicação articulada do disposto no n.º 1 e n.º 3 do artigo 735.º com a alínea a) do artigo 784.º, ambos do CPC, respeitando o princípio da proporcionalidade e da necessidade, bem como o direito à propriedade privada e direito à habitação (n.º 2 do artigo 18.º, n.º 1 do artigo 62.º e n.º 1 do artigo 65.º, todos da Constituição), implica o levantamento da penhora sobre o imóvel da Executada, devendo a mesmo ser considerada inadmissível por ilegal, inútil e desnecessária.
IX. Em abono desta posição, chamamos à liça o Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16/11/2016 (Processo n.º 1797-03.1TCSNT.L1, in dgsi.pt) e as Doutas considerações efectuadas a propósito desta matéria pelo Prof. Doutor Miguel Teixeira de Sousa, in Acção Executiva Singular, pág. 33.
Nestes termos e nos mais de Direito se requer, com os fundamentos constantes das Conclusões formuladas, seja considerado procedente o presente recurso e, consequentemente, seja a Sentença de 27/03/2017 revogada e substituída por outra que determine o levantamento a penhora registada a favor da Exequente, sobre a fracção autónoma designada pela letra “E”, a que corresponde o segundo andar direito, sito na Travessa …, n.º …, em Sesimbra, assim se fazendo sã, serena e objectiva JUSTIÇA.

5. Não se mostram juntas contra-alegações.
O recurso foi admitido como de apelação, com subida nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
Cumpre apreciar e decidir.
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II – Objecto do recurso
O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, e 639º, nº 1, do Código de Processo Civil.
Considerando o teor das conclusões apresentadas, importa decidir as seguintes questões:
(i) Da nulidade da decisão;
(ii) Alteração da matéria de facto; e
(iii) Reapreciação jurídica da causa, no sentido de saber se a penhora do imóvel deve ser levantada, por ser excessiva, desproporcionada e inútil, e, se ocorrem as inconstitucionalidades que a recorrente invoca.
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III – Fundamentação
A) - Os Factos
Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. Em 08.10.2015 foi inscrita penhora da fracção autónoma designada pela letra "E", a que corresponde ao segundo andar direito, do prédio urbano destinado a habitação, sito na Travessa …, nº. …, descrito na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Sesimbra sob o número …, freguesia de Sesimbra (…) e concelho de Sesimbra, inscrito na matriz sob o artigo … do mesmo Concelho e Freguesia, inscrito em nome da opoente/executada.
2. Estão inscritas na mesma conservatória, relativamente à mesma fracção autónoma, com datas de 18.10.2001, 25.01.2007 e 13.04.2012 respectivamente, três hipotecas a favor do exequente para garantia dos montantes máximos respectivamente de € 49.880,00 euros e € 37.575,00 euros e 11.000,00 euros, de empréstimos.
3. A execução de que os presentes autos são apenso foi instaurada em 29.01.2015 contra a executada/opoente e outro com os sinais dos autos para pagamento da quantia de € 15.514,68 euros.
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B) – O Direito
1. Começa a recorrente por alegar nas conclusões I e II a nulidade da sentença, sem contudo reconduzir tal alegação a qualquer das nulidades previstas nas alíneas do n.º 1 do artigo 615º do Código de Processo Civil.
A intitulada “nulidade” reporta-se à desconformidade entre o facto descrito no ponto 2 da matéria de facto e o teor da certidão predial referente ao imóvel penhorado, porquanto fez-se constar na matéria de facto que as hipotecas ali mencionadas estavam inscritas “a favor do exequente” e do teor do documento verifica-se que as mesmas estão inscritas, a primeira a favor do Banco DD, SA., e as outras a favor do “CC”.
Não há no caso qualquer nulidade, mas tão só manifesto “lapso de escrita”, que no caso nem relevou para a decisão, e ainda menos revelará em face do facto que se aditará sob o n.º 5, mas que se impõe corrigir.
De facto, resulta da certidão predial junta aos autos e, bem assim, do apenso da reclamação de créditos, que o imóvel penhorado está onerado com 3 hipotecas, a saber:
- Hipoteca voluntária inscrita pela AP. … de 2001/10/18, registada a favor do DD, S.A., com capital no valor de 12.500.000,00 escudos e com montante máximo assegurado no valor de 16.663.750,00 escudos;
- Hipoteca voluntária inscrita pela AP. … de 2007/01/25, registada a favor do EE, S.A, com capital no valor de 37.575,00 euros e com montante máximo assegurado no valor de 53.168,63 euros;
- Hipoteca voluntária inscrita pela AP. 124 de 2012/04/13, registada a favor do EE, S.A., com capital no valor de 11.000,00 euros e com montante máximo assegurado no valor de 15.565,00 euros”.
E também resulta da mesma certidão que estas duas últimas hipotecas estão actualmente registadas a favor do CC, através da AP. 4216 de 2015/05/19 e AP. 4131 de 2015/05/21.
Quanto à primeira também o CC se tem como beneficiário da mesma, porquanto, como resulta da reclamação de créditos, em 30/12/2005, o FF, S.A, foi incorporado, através de processo de fusão, no EE e os activos deste foram transferidos para o CC, por deliberação do Banco de Portugal.
Deste modo, é o CC o actual beneficiário das hipotecas em causa, como aliás se mostra aceite na decisão proferida na reclamação de créditos.
Assim, há que corrigir este ponto da matéria de facto, não só quanto à designação do credor hipotecário como também quanto ao valor do montante máximo garantido pela 1ª hipoteca, pois o valor de 16.663,750,00 escudos ali inscritos não corresponde aos € 49.880,00, que se mencionam no ponto 2 da matéria de facto, mas sim a € 83.118,43.
Acresce que o documento junto sob o n.º 2 (cf. fls. 13), que supostamente se referiria ao contrato a que se reporta a 1ª hipoteca, não coincide nem em data nem em valores com o subjacente ao dito mútuo hipotecário, relativamente ao qual o Novo Banco reclamou créditos.
Deste modo, determina-se a rectificação do ponto 2 da matéria de facto, que passará a constar do seguinte:
“Estão inscritas na mesma conservatória, relativamente à mesma fracção autónoma, com datas de 18.10.2001, 25.01.2007 e 13.04.2012, três hipotecas, de que é beneficiário o credor CC, S.A. para garantia de empréstimos com o valor de capital de € 62.349,74, 37.575,00 e 11.000,00, com montantes máximos assegurados de € 83.118,43, € 53.168,63 e 15.565,00, respectivamente”.

2. No que se refere ao ponto 4 da matéria de facto, que se pretende ver aditado, o valor patrimonial do imóvel é mencionado no texto da sentença e foi considerado, pelo que deve ser incluído no elenco dos factos provados.
Já o mesmo não sucede quanto à pretensão da recorrente para que se faça incluir a menção de que este valor “corresponde ao valor comercial”, menção esta que excede o que disse no corpo das alegações, onde nada refere a este respeito.
De resto, como se sabe, em regra, o valor patrimonial/fiscal dos imóveis não coincide com o seu valor de mercado, que normalmente é superior aquele, ainda mais numa altura, como a actual, em que o mercado imobiliário se encontra em alta e o imóvel se encontra num concelho urbano com grande procura, como a zona de Sesimbra.
Assim, determina-se o aditamento à matéria de facto do ponto 4., com o seguinte teor: “O imóvel descrito no ponto 1. tem o valor patrimonial tributário de € 78.460,00”.

3. Quanto ao ponto 5 da matéria de facto, cujo aditamento se pretende, assiste razão à recorrente, porquanto, consultados os autos de reclamação de créditos verifica-se que à data da sentença já havia sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos, pelo que se determina o seu aditamento com o seguinte teor:
“Pelo credor hipotecário CC, S.A. foram reclamados créditos no montante de € 78.974,51 de capital, acrescido dos juros vencidos e vincendos correspondentemente calculados, até ao limite de 3 anos, que foram reconhecidos, por sentença de 22/02/2016, e graduados em primeiro lugar para efeitos de pagamento pelo produto da venda do imóvel, tendo o crédito exequendo sido graduado em segundo, saindo as custas precípuas.”

4. Por fim, também concordamos com a recorrente no sentido de que se deve consignar no ponto 6. que “o imóvel hipotecado é a habitação própria permanente da executada”, pois foi por esta alegado e, embora este facto tenha sido genericamente impugnado na contestação apresentada pela exequente, certo é que resulta manifesto da documentação junta que o imóvel está registado em nome da executada, corresponde à morada que a exequente indica como sendo a da executada e infere-se também da decisão da AE de 08/10/2015, junta à execução, respeitante à existência de bens penhoráveis.

5. Deste modo, em função das alterações acima efectuadas a matéria de facto provada a considerar é a seguinte [transcreve-se também os pontos não alterados]:
1. Em 08.10.2015 foi inscrita penhora da fracção autónoma designada pela letra "E", a que corresponde ao segundo andar direito, do prédio urbano destinado a habitação, sito na Travessa …, nº. …, descrito na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóveis de Sesimbra sob o número 2646, freguesia de Sesimbra (…) e concelho de Sesimbra, inscrito na matriz sob o artigo … do mesmo Concelho e Freguesia, inscrito em nome da opoente/executada.
2. Estão inscritas na mesma conservatória, relativamente à mesma fracção autónoma, com datas de 18.10.2001, 25.01.2007 e 13.04.2012, três hipotecas, de que é beneficiário o credor CC, S.A. para garantia de empréstimos com o valor de capital de € 62.349,74, 37.575,00 e 11.000,00, com montantes máximos assegurados de € 83.118,43, € 53.168,63 e 15.565,00, respectivamente.
3. A execução de que os presentes autos são apenso foi instaurada em 29.01.2015 contra a executada/opoente e outro com os sinais dos autos para pagamento da quantia de € 15.514,68 euros.
4. O imóvel descrito no ponto 1. tem o valor patrimonial tributário de € 78.460,00.
5. Pelo credor hipotecário CC, S.A. foram reclamados créditos no montante total de € 78.974,51 de capital, acrescido dos juros vencidos e vincendos correspondentemente calculados, até ao limite de 3 anos, que foram reconhecidos, por sentença de 22/02/2016, e graduados em primeiro lugar para efeitos de pagamento pelo produto da venda do imóvel, tendo o crédito exequendo sido graduado em segundo, saindo as custas precípuas.
6. O imóvel hipotecado é a habitação própria permanente da executada.

6. Na sentença recorrida entendeu-se, em síntese, que, face à inexistência de outros bens que garantissem o pagamento da quantia exequenda, a penhora do imóvel que constitui a casa de habitação da executado era permitida ao abrigo da alínea b) do n.º 3 do artigo 751º do Código de Processo Civil, pelo que, não tendo a executada requerido a substituição da penhora do imóvel por outros bens, ou por caução idónea, que igualmente assegurasse os fins da execução, como lhe era permitido ao abrigo do n.º 4 do citado artigo 751º, não ocorria fundamento para levantamento da penhora.
A recorrente discorda deste entendimento reafirmando que a penhora é excessiva, desproporcionada e inútil.
Porém, contrariamente ao pretendido pela recorrente, desde já se adianta que não lhe assiste razão e que as alterações efectuadas à matéria de facto não impõem decisão diversa da tomada quanto à manutenção da penhora em causa.
Senão vejamos:

7. Nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 735º do Código de Processo Civil “[e]stão sujeitos à execução todos os bens do devedor susceptíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondam pela dívida exequenda”.
O imóvel em referência não constitui bem impenhorável, como resulta da norma do artigo 736º do Código de Processo Civil.
No entanto, a lei processual civil estabelece regras quer quanto aos valores dos bens penhoráveis, em função da dívida exequenda e das despesas prováveis da execução, quer quanto à ordem de realização da penhora, especificamente quando está em causa a penhora de habitação própria permanente do executado.
Assim, como decorre do artigo 735º n.º 3, do Código de Processo Civil, a penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução, adiantando-se no preceito o modo de cálculo destas despesas para efeitos da penhora.
Por sua vez, prescreve o artigo 751º do Código de Processo Civil que:
Artigo 751.º
Ordem de realização da penhora
1 - A penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente.
2 - O agente de execução deve respeitar as indicações do exequente sobre os bens que pretende ver prioritariamente penhorados, salvo se elas violarem norma legal imperativa, ofenderem o princípio da proporcionalidade da penhora ou infringirem manifestamente a regra estabelecida no número anterior.
3 - Ainda que não se adeqúe, por excesso, ao montante do crédito exequendo, é admissível a penhora de bens imóveis ou do estabelecimento comercial desde que:
a) A penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de 12 meses, no caso de a dívida não exceder metade do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância e o imóvel seja a habitação própria permanente do executado;
b) A penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de 18 meses, no caso de a dívida exceder metade do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância e o imóvel seja a habitação própria permanente do executado;
c) A penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses, nos restantes casos.
(…).

8. Como decorre do n.º1 do citado preceito, “[n] prática o que se pretende é que o crédito exequendo seja satisfeito pela via mais simples e rápida, sem prejudicar desnecessariamente os interesses patrimoniais do executado, exigindo-se do agente de execução, em cada momento, perante e existência de várias espécies de bens passíveis de penhora, proceda à escolha, com ponderação, observando os princípios da adequação e da proporcionalidade” (cf. Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, A Acção Executiva Anotada e Comentada, 2ª ed., pág. 315).
Acresce que, como salienta o mesmo autor (ob. cit. pág. 316), nas alíneas a) a c) do n.º 3 do citado artigo 751º são elencadas as circunstâncias em que, ainda que inadequado, por excesso, ao montante do crédito exequendo, poderá proceder à penhora de bens imóveis ou do estabelecimento comercial, com as restrições constantes das ditas alíneas.
Para o caso, atendendo a que o valor da execução excede metade da alçada da 1ª instância, interessa-nos a situação prevista na alínea b), da qual resulta que, ainda que o valor da dívida seja superior ao mencionado na alínea a) (metade do valor da alçada da 1ª Instância), também não deverá proceder-se à penhora de imóvel que seja a habitação permanente do executado, se existirem outros bens que presumivelmente satisfaçam o crédito exequendo no prazo de 18 meses.
Ou seja a penhorabilidade do imóvel que constitua habitação permanente do executado, ao abrigo deste preceito, é permitida, mesmo em caso de desproporcionalidade entre o seu valor e o montante da dívida exequenda, quando não existam outros bens que presumivelmente satisfaçam o crédito exequendo no prazo de 18 meses.
No caso em apreço, tal situação não só resulta da decisão do agente de execução de 08/10/2015, a que a recorrente alude nas alegações de recurso em prol da alteração da matéria de facto, como foi consignada na sentença, quando se concluiu, quanto ao requisito da necessidade de existência de outros bens que igualmente garantam a satisfação integral do credor, que “… incumbia à oponente a demonstração da demonstrou a existência de outros bens de valor inferior que permitissem a satisfação integral do credor, que tenham sido preteridos ou desconsiderados, e que satisfizessem os fins da execução”, e que a oponente não alegou a existência de outros bens que satisfizessem essa finalidade, o que não vem impugnado no recurso.
Deste modo, a penhora do imóvel em causa, ainda que se possa ter por desproporcionada face ao valor patrimonial do imóvel em confronto com a quantia exequenda e legais acréscimos (o imóvel tem o valor tributário de € 78.460 e a quantia exequenda é de € 15.514,68, havendo ainda que contar com as despesas prováveis com a execução de € 1.551,47 € que a AE mencionada no auto de penhora), é permitida ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 3 do artigo 751º do Código de Processo Civil.

9. Não se desconhece que o legislador tem vindo, em certas circunstâncias, a promover uma maior protecção a situações em que os devedores, por via de incumprimento de créditos hipotecários e de dívidas fiscais, estão em risco de vir a perder os imóveis de que são titulares, de que são exemplo o Decreto - Lei n.º 227/2012, de 25 de Outubro [que estabelece princípios e regras a observar pelas instituições de crédito na prevenção e na regularização das situações de incumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários, nomeadamente nos contratos de crédito para a aquisição, construção e realização de obras em habitação própria permanente, secundária ou para arrendamento, bem como para a aquisição de terrenos para construção de habitação própria e nos contratos de crédito garantidos por hipoteca sobre bem imóvel], e a Lei n.º 13/2016, de 23/05/2016 [que protege a casa de morada de família no âmbito de processos de execução fiscal], que aqui não são aplicáveis, nem impedem a realização da penhora dos imóveis.

10. Questão diferente é a de saber se a penhora em causa constitui acto inútil, por não ser idónea à prossecução dos fins da execução, pois, como vem alegado, atendendo ao valor das hipotecas registadas, previsivelmente o crédito exequendo não lograria obter pagamento.
De facto, face aos valores máximos garantidos pelas hipotecas registadas, seria de presumir que em caso de venda do imóvel, atenta a precedência dos créditos hipotecários sobre o crédito exequendo nada sobraria para o exequente.
Porém, independentemente de se considerar ou não que tal facto como impeditivo da efectivação da penhora, certo é que os factos dados como provados não permitem extrair essa conclusão.
Como se disse o valor do crédito exequendo é de € 15.514,68, ao qual há que adicionar as despesas prováveis na execução de € 1,551,47.
Por outro lado, os créditos reclamados não atingem os valores máximos garantidos pelas hipotecas, pois estavam em dívida valores inferiores, tendo sido reclamados, reconhecidos e graduados créditos hipotecários no montante total de € 78.974,51 de capital.
Ora, este valor é muito próximo do valor tributário do imóvel, que é de € 78.460,00.
Embora se possa admitir que, se o valor base da venda do imóvel vier a ser fixado em conformidade com o valor patrimonial - podendo, então, o imóvel vir a ser vendido por valor igual a 85% do valor base (cf. artigos 816º, n.º 1, e 821º, n.º 3, do Código de Processo Civil) -, tal valor não daria sequer para pagar ao credor reclamante, no entanto, em face da penhora esta conclusão é meramente hipotética, pois o valor base pode vir a ser fixado com referência ao valor de mercado, se este valor for superior ao valor patrimonial tributário, como se dispõe no n.º 3 do artigo 812º do Código de Processo Civil, que manda atender ao maior destes dois valores. Acresce que, no n.º 5 deste artigo, permite-se ao agente de execução que promova as diligências necessárias à fixação do valor do bem de acordo com o valor de mercado, quando o considere vantajoso ou algum dos interessados o pretenda.
Além do mais, num cenário pós crise, em que se assiste a um incremento do valor dos bens imóveis, como é do conhecimento público, e situando-se o imóvel na zona de Sesimbra, não é expectável que o valor patrimonial tributário corresponda ao valor de mercado do imóvel e que o mesmo venha a ser vendido por aquele valor.

11. Invoca também a executada que verá o seu património afectado desnecessária e desproporcionadamente, em manifesta violação do n.º 2 do artigo 18º e n.º 1 do artigo 62º da Constituição, correndo o risco de ficar sem a casa onde reside com as suas filhas, em violação do direito a habitação, constitucionalmente consagrado no n.º 1 do artigo 65º da Constituição.
Tal alegação surge no seguimento da invocação da inutilidade que resulta para o exequente da venda do imóvel penhorado, que, pelas razões acima referidas não seguimos.
De todo modo, a respeito da penhorabilidade da casa de morada de família e da violação da norma do n.º 1 do artigo 65º da Constituição, onde se consigna que “[t]odos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e de conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade da família”, que aqui também está em causa, aderimos à fundamentação expendida no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 05/03/2015 (proc. n.º 3762/12.9TBCSC-B.L1.S1), disponível em www.dgsi.pt:
«É certo, como defendem Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “ Constituição da República Portuguesa Anotada “, Volume I, pag. 835 que “O direito à habitação é não apenas um direito individual mas também um direito das famílias ( … ). Quanto ao seu objecto, como direito de defesa, o direito à habitação justifica medidas de protecção contra a privação da habitação ( limites à penhora da morada de família, limites mais ou menos extensos aos despejos ). Como direito social, o direito à habitação não confere um direito imediato a uma prestação efectiva dos poderes públicos, mediante a disponibilização de uma habitação ( … ). “.
No entanto, não é menos certo que tal protecção do direito à habitação do cidadão e da família esgota-se nesse apoio, sendo que o legislador ordinário não obstante estar ciente da importância desse direito não consagrou como referimos, a sua impenhorabilidade. Não se pode confundir direito à habitação com direito a ter casa própria.
Bem clara nesse sentido é a posição expressa por Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada“, Volume I, pags. 665 a 666 : “O direito à habitação não se confunde com direito de propriedade, mesmo na sua dimensão positiva enquanto direito à aquisição de propriedade. O direito à habitação, por si só, “não se esgota ou, ao menos, não aponta, ainda que de modo primordial ou a título principal, para o direito a ter uma habitação num imóvel da propriedade do cidadão“. Daí que uma norma que admite a penhora de um imóvel onde se situe a casa de habitação do executado e seu agregado familiar não viole o direito que todos têm de haver, para si e para a sua família, uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto, pois a habitação em causa, desligada da titularidade do direito real de propriedade sobre o imóvel onde essa habitação se situa, não é afectada, já que pela penhora o executado e a sua família não são privados da respectiva habitação, podendo, pois, manter-se no imóvel.“.
Neste mesmo sentido, referem Pereira Coelho e Guilherme Oliveira, in “Curso de Direito da Família“, Volume I, pags. 390 a 391 : “No direito português actual - ao contrário do que se passava nos anos vinte e trinta, em que as leis estabeleciam a impenhorabilidade do “casal de família“ - a casa de morada de família não está protegida contra uma penhora.“.
Como se salienta muito a propósito no Ac. da Relação de Guimarães proferido em 4-12-14 no processo nº 1647/11.5TBVRL-B.G1, também não constitui obstáculo à penhora o facto de os executados habitarem os imóveis. Não consta do elenco de bens impenhoráveis o imóvel “de habitação“ do executado.
A lei estabeleceu é certo algumas defesas em relação à habitação – vd. Artigo 834º nº 2 redacção da L. 60/2012 (actual 751º, nºs 3, als. a) e b)), estabelecendo só ser possível a penhora de imóvel, caso este seja a habitação permanente do executado, quando a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de doze meses, no caso de a dívida não exceder metade do valor da alçada do tribunal de primeira instância, e de dezoito meses excedendo a dívida metade do valor da alçada do tribunal de primeira instância. Mas a questão colocada no recurso não se prende com qualquer desaplicação deste normativo. No sentido da protecção da habitação vejam-se ainda e entre outros os artigos 839º, 1, a) e 930º, 6 do CPC, e no actual os artigos 704º, 4; 733º, 5; 861º, 6.
Por ultimo a admissibilidade da penhora não atenta contra o direito constitucional à habitação. “O direito à habitação não se confunde com o direito a ter uma habitação num imóvel da propriedade do cidadão, como porque a penhora, só por si, não priva de habitação quem na casa de morada de família possa habitar” – Vd. Ac. RG de 7/5/2003, www.dgsi.pt, processo nº 1267/06-1 e da mesma relação o de 25/3/2010, www.dgsi.pt, processo nº 1880/08.7TBFLG-B.G1. Vd. Ainda TC no processo nº 155/99.”
Acresce que o direito à habitação não é um direito absoluto que se sobreponha a qualquer outro, nomeadamente o direito de propriedade. O artº 824º, nº 2 do C. Civil é peremptório no sentido de que os bens são transmitidos livres dos direitos reais que não tenham registo anterior ao de qualquer arresto, penhora ou garantia, com excepção dos que, constituídos em data anterior, produzam efeitos em relação a terceiros, independentemente do registo.»
De resto, como se concluiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 649/99, de 24/11/1999, [proferido no proc. n.º 155/99, que o aresto do Supremo Tribunal de Justiça que acabámos de citar menciona], disponível em www.tribunalconstitucional.pt: «O que se afiguraria como desproporcionado era que, no balanceamento do direito do credor a ver satisfeitas coercivamente - como no caso acontece - as obrigações assumidas pelo devedor (direito esse, repete-se, ancorado no nº 1 do artigo 62º da Constituição), e de um eventual «direito» deste último a conservar a titularidade do direito de propriedade de um imóvel onde se situa a sua habitação, o primeiro fosse postergado em nome do segundo, (sendo mesmo certo, aliás, que, ainda que não ocorra uma tal postergação, o «direito a continuar a habitar» o imóvel não é retirado imediatamente ao mencionado devedor com a penhora).».

12. Deste modo, improcede a apelação, com a consequente confirmação da sentença recorrida.
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C) – Sumário [artigo 663º, n.º 7, do Código de Processo Civil]
I. A penhora limita-se aos bens necessários ao pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução.
II. Ao estipular-se no n.º 1 do artigo 751º do Código de Processo Civil, que a penhora começa pelos bens cujo valor pecuniário seja de mais fácil realização e se mostrem adequados ao montante do crédito do exequente, pretende-se que o crédito exequendo seja satisfeito pela via mais simples e rápida, sem prejudicar desnecessariamente os interesses patrimoniais do executado, observando-se os princípios da adequação e da proporcionalidade.
III. Porém, ainda que a penhora não se adeque, por excesso, ao montante do crédito exequendo, é admissível a penhora de imóvel que seja a habitação própria do executado, desde que a penhora de outros bens presumidamente não permita a satisfação integral do credor no prazo de 12 ou de 18 meses, consoante o crédito exequendo não exceda metade do valor da alçada do tribunal de 1ª instância, ou ultrapasse este valor, como decorre das alínea a) e b) do n.º 3 do artigo 751º do Código de Processo Civil.
IV. O direito à habitação do cidadão e da família, consagrado no artigo 65.º da Constituição, não se confunde com o direito a ter casa própria, sendo que o legislador ordinário, não obstante estar ciente da sua importância, não estabeleceu, em homenagem àquele direito, a impenhorabilidade da casa de morada de família, mas apenas algumas defesas, como as consagradas nas alínea a) e b) do n.º 3 do artigo 751º do Código de Processo Civil.
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IV – Decisão
Nestes termos e com tais fundamentos, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.
Custas a cargo da apelante, sem prejuízo do apoio judiciário .
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Évora, 10 de Maio de 2018

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(Francisco Xavier)

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(Maria João Sousa e Faro)

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(Florbela Moreira Lança)