Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
244/17.6T8PTM.E1
Relator: MOISÉS SILVA
Descritores: INSTRUTOR DO PROCESSO DISCIPLINAR
NOTA DE CULPA
VIDEOVIGILÂNCIA
MEIOS DE PROVA
Data do Acordão: 12/06/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: CONFIRMADA
Sumário: i) O empregador pode nomear instrutor para, em sua vez, presidir às diligências instrutórias.
ii) A omissão de diligência instrutória requerida pelo trabalhador na parte final da resposta à nota de culpa é ilícita e censurável, por violação do princípio do contraditório, mas não tem como consequência a nulidade do processo disciplinar.
iii) As imagens captadas pelo sistema de videovigilância, nos termos da autorização concedida pela CNPD, são proibidas se tiverem por finalidade controlar o trabalhador e a sua prestação, mas são admitidas se tiverem por fim proteger os bens e as pessoas dentro do estabelecimento.
iv) Estas imagens são meio de prova lícito relativamente ao apuramento da origem das discrepâncias entre as existências da loja e o valor das vendas, donde resultou a identificação da trabalhadora, uma vez que não se destinavam a controlar esta e a sua prestação, mas a proteger os bens da empresa, e o visionamento da trabalhadora foi meramente incidental e fortuito.
v) Neste contexto, as imagens obtidas são um meio de prova legítimo, não proibido, e podem ser utilizadas em processo disciplinar e judicial para provar factos ilícitos praticados pela trabalhadora com vista à aplicação de sanção disciplinar de despedimento.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Processo n.º 244/17.6T8PTM.E1

Acordam, em conferência, na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora

I - RELATÓRIO

Apelante: BB (autora).
Apelada: CC (ré).
Tribunal da Comarca de Faro, Juízo do Trabalho de Portimão, J2.

1. A A. intentou a ação declarativa de condenação, com processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento contra a R., mediante a apresentação do formulário a que aludem os artigos 98.º-C a 98.º-E do Código de Processo do Trabalho (CPT).
Procedeu-se à realização da audiência de partes, no decurso da qual não foi possível obter a conciliação das mesmas.
Regularmente notificada, a entidade empregadora apresentou articulado, no qual alegou, em síntese, que a autora exercia as funções de caixeira de 3.ª classe, desde 16 de março de 2016.
Porém, alega, em função dos factos descritos na nota de culpa, que dá como reproduzida, entendeu mover à autora processo disciplinar, no termo do qual veio a concluir estarem demonstrados os factos constantes da aludida nota de culpa e, por via disso, que o comportamento da mesma inviabilizou a manutenção do vínculo laboral, decidindo-se pelo respetivo despedimento com invocação de justa causa.
Pugna, por isso, pela improcedência da ação.
A trabalhadora respondeu, impugnando os factos e deduzindo reconvenção.
Refere, desde logo, que inexiste despacho proferido pela sua entidade empregadora a determinar a instauração de processo disciplinar e a mandatar a respetiva instrutora, pelo que conclui pela nulidade do mencionado processo disciplinar.
Aduz, ainda, que a prova produzida no processo disciplinar se baseia na análise de imagens recolhidas por câmaras de vigilância instaladas no estabelecimento da empregadora e que a utilização das mesmas configura um meio de prova proibido – pelo que é nula a prova obtida por essa via e toda a demais, que dela depende.
Além disso, alega, em síntese, que não correspondem à verdade os factos alegados pela ré empregadora e que, por isso, inexiste qualquer justa causa que possa fundamentar o seu despedimento.
Conclui, assim, que não praticou qualquer comportamento violador dos seus deveres laborais, conducente ao despedimento, peticionando a declaração de ilicitude do mesmo e a condenação da ré no pagamento das retribuições vencidas e vincendas, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão (assentando no pressuposto da nulidade do termo aposto no seu contrato de trabalho), bem como os créditos laborais vencidos e não pagos (sendo € 316,20 a título de retribuição de férias não gozadas e € 223,20 relativos a trabalho prestado em 8 dias feriados), bem como a condenação da ré no pagamento de indemnização em substituição da reintegração, que a autora entende não dever ser inferior a € 837 e, bem assim, em indemnização por danos não patrimoniais, que computa em montante não inferior a € 3 348.
A ré apresentou resposta e reiterou o já afirmado no seu articulado motivador, pugnando pela improcedência da reconvenção.
Foi proferido despacho saneador, tendo-se aferido positivamente todos os pressupostos processuais relevantes e dispensada a fixação dos temas da prova.
Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, com a resposta à matéria de facto, respetiva motivação e apreciação de direito, a qual culminou com a seguinte decisão:
Pelo exposto e nos termos das disposições legais citadas, considera-se a presente ação parcialmente procedente, porque apenas parcialmente provada e em consequência:
1. Julga-se improcedente o pedido de declaração de ilicitude do despedimento da autora BB e absolve-se a ré CC, Lda dos pedidos relacionados com o mesmo – declaração de ilicitude do despedimento e pagamento de indemnização pelo despedimento ilícito;
2. Condena-se a ré CC, Lda a pagar à autora BB os créditos laborais resultantes da falta de pagamento da retribuição de férias não gozadas, no valor de € 316,20 (trezentos e dezasseis euros e vinte cêntimos) relativamente ao trabalho prestado no ano de 2016;
3. Sobre esta quantia são devidos juros de mora, à taxa legal, desde a data do despedimento e até integral pagamento;
4. No mais, improcedem os pedidos formulados pela autora.
Custas por autora e ré, em função do respetivo decaimento, que se fixa em 93,31/100 para a autora e 6,69/100 para a ré (cf. artigo 527.º do Código de Processo Civil).
Fixa-se o valor da ação em € 4 724,40 (cf. artigo 98.º-P, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho e artigo 297.º n.º 1 do Código de Processo Civil).

2. Inconformada, veio a A. interpor recurso de apelação que motivou, com as conclusões que se seguem:
A. Os factos concretos imputados à autora, descritos na nota de culpa e na decisão de despedimento, foram dados como provados pelo tribunal a quo, (pontos 4, 19 e 20) que valorou as declarações das testemunhas cujo conhecimento dos factos resulta unicamente do visionamento das filmagens obtidas através das câmaras de vigilância instaladas no estabelecimento da ré (cfr. motivação da sentença).
B. “Não podem as câmaras incidir regularmente sobre os trabalhadores durante a atividade laboral, nem as imagens podem ser utilizadas para o controlo da atividade dos trabalhadores, seja para aferir a produtividade, seja para efeitos de responsabilização disciplinar” (teor da Autorização n.º 9392/2015 emitida a favor da ré pela Comissão Nacional de Proteção de Dados, junto ao processo disciplinar).
C. As imagens captadas por câmaras de videovigilância, envolvendo o desempenho profissional do trabalhador ou para efeitos de responsabilidade disciplinar não são admissíveis como meio de prova em processo laboral.
D. A decisão fundada em prova nula ou ilicitamente obtida é causa de nulidade da decisão, conforme ensina o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 17-12-2014 no Processo n.º 231/14.6TTVNG.P1, http://www.dgsi.pt.
E. A ré tentou justificar que a instalação de câmaras no estabelecimento tinha por fim exclusivo a segurança de bens e pessoas.
F. Que a existência das câmaras se justificava por causa de um assalto, ocorrido meses antes, durante a noite.
G. Tal facto deve ser dado como não provado, pois nenhuma prova foi junta aos autos relativa ao alegado assalto ou a data desse facto.
H. Entretanto, restou provado que das 4 câmaras instaladas no estabelecimento da ré, uma incide diretamente sobre o posto de trabalho da autora.
I. A ré não logrou provar a licitude da utilização desse meio de vigilância.
J. O empregado da ré, DD, reconheceu que a filmagem abrange o balcão, que é o posto de trabalho dos funcionários da ré, violando o direito de reserva da vida privada, conforme ensina o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º SJ200602080031394, de 08-02-2006, http://www.dgsi.pt.
K. No processo disciplinar, a ré omitiu diligência probatória requerida pela autora na resposta à nota de culpa, nomeadamente, a junção ao processo disciplinar do registo integral das imagens gravadas nos dias 15, 16 e 17 de outubro de 2016.
L. A omissão de diligência probatória é causa de nulidade do procedimento disciplinar, pois impede o trabalhador de exercer o direito ao contraditório.
M. No que respeita à regularidade do processo disciplinar, a ré não comprovou a existência de mandato conferido à instrutora, uma vez que atribuição de poderes para o processo disciplinar tem de ser feita por escrito, com referência explícita ao poder de instrução e decisão.
N. A instrutora conduziu a inquirição das testemunhas ouvidas no âmbito do processo disciplinar sem poderes para o efeito.
O. O processo disciplinar é nulo, pois foi instruído por quem não tinha
competência para o fazer (artigo 356.º n.º 1 do Código do Trabalho), consubstanciando-se na ausência do procedimento, devendo o despedimento ser declarado ilícito, nos termos do previsto na alínea c) do artigo 381.º do Código de Trabalho.
P. Na reconvenção, a autora requereu declaração de nulidade do termo aposto no contrato de trabalho.
Q. O n.º 3 do artigo 141.º do Código do Trabalho, prevê que para efeitos da alínea e) do n.º 1, a indicação do motivo justificativo do termo do contrato de trabalho deve ser feita com menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.
R. No contrato de trabalho celebrado entre a autora e a ré não se encontra cumprido o dispositivo legal supracitado, facto admitido pelo tribunal a quo.
S. A estipulação do termo é nula, devendo ser considerado um contrato de trabalho sem termo, nos termos do artigo 147.º, n.º 1, c) do Código do Trabalho.
T. Assim, andou mal o tribunal a quo ao julgar improcedente o pedido de declaração de ilicitude do despedimento da autora pois de acordo com o exposto, impunha-se uma decisão diferente.
U. Bem como errou ao não conhecer do pedido de declaração de nulidade do termo aposto no contrato de trabalho celebrado entre autora e ré.
Nestes termos, e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser concedido total provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença na parte recorrida, devendo ser substituída por outra que declare nulo o processo disciplinar e, em consequência, declare a ilicitude do despedimento da autora, promovido pela ré, e ainda, conhecendo-se do pedido de declaração da nulidade do termo aposto no contrato de trabalho da autora, devendo ser considerado um contrato de trabalho sem termo, tudo com as legais consequências.

3. A R. respondeu e concluiu que:
A) À ora Apelante falece em absoluto razão no presente recurso, no que concerne aos reparos feitos, pois a Meritíssima Juíz “a quo” fez uma correta interpretação dos factos e uma correta aplicação do Direito, não merecendo o mínimo reparo ou censura.
B) Esteve bem a Julgadora “a quo” em julgar improcedente o pedido de declaração de ilicitude do despedimento da autora e em absolver a sociedade ré dos pedidos relacionados com o mesmo.
C) Não assiste qualquer razão à ora apelante, quando alega que as imagens obtidas através das câmaras de videovigilância instaladas no local de trabalho não podem ser utlizadas para fundamentar o despedimento, por constituírem prova nula, porque obtida ilicitamente.
D) A utilização do equipamento em causa pela sociedade ora recorrida, foi lícita, uma vez que a instalação dessas câmaras no estabelecimento comercial em causa foi autorizada pela Comissão Nacional de Proteção de Dados, e era do conhecimento de todos os trabalhadores.
E) E tinham como fim exclusivo a segurança de pessoas e bens em termos genéricos, não se destinando a avaliar as capacidades profissionais da ora recorrente, nem dos outros trabalhadores da sociedade recorrida.
F) Além de que tais imagens também não foram o único meio de prova utilizado no processo disciplinar, pois neste foi arrolada e ouvida prova testemunhal, além de prova documental, suficiente.
G) Foi a própria atuação da recorrente que, além do mais, pôs em causa a segurança dos bens da entidade patronal ora recorrida, com os quais aquela lidava diariamente.
H) Nesse sentido se tem pronunciado alguma jurisprudência, nomeadamente o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2006 referido na douta sentença recorrida, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9 de novembro de 2010 (Relator Gonçalves Rocha) e o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de novembro de 2011 (Relatora Paula Sá Fernandes).
I) Não assiste igualmente razão à ora recorrente quando suscita a irregularidade do procedimento disciplinar que conduziu ao seu despedimento.
J) A sociedade ora recorrida observou e deu cumprimento a tudo aquilo que é legalmente estipulado no Código do Trabalho, na instauração e conclusão do processo disciplinar.
K) Todas as comunicações dirigidas à trabalhadora foram subscritas pela legal representante desta sociedade, a sua sócia gerente, e à mesma foi comunicada a nomeação da instrutora, conhecendo a ora recorrente a identidade da mesma.
L) Não faz, assim, qualquer sentido, a invocada nulidade do processo disciplinar, não sendo o alegado pela recorrente enquadrável no disposto nas alíneas do número 2 do artigo 382.º do Código do Trabalho.
M) Igualmente, e como consta na douta sentença recorrida, a omissão de diligências probatórias não está prevista nos artigos 381.º e 382.º do Código do Trabalho enquanto circunstância geradora da ilicitude do despedimento ou de nulidade do processo disciplinar, não sendo causa de invalidade do despedimento.
N) Não assiste razão à ora recorrente, concordando-se com o decidido pela Meritíssima Juiz “a quo” que o conhecimento do pedido de declaração de nulidade do termo aposto no contrato em causa, fica prejudicado, pois tal matéria nenhum reflexo terá na decisão a proferir, sendo tal questão irrelevante.
Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso apresentado pela autora/apelante, mantendo-se integralmente tudo o decidido na douta sentença recorrida.

4. O Ministério Público junto desta Relação deu parecer no sentido de que o recurso não merece provimento, pelo que deve ser mantida a sentença recorrida.
As partes foram notificadas e a autora veio reafirmar o alegado no recurso.

5. Após os vistos, em conferência, cumpre decidir.

6. Objeto do recurso
O objeto do recurso está delimitado pelas conclusões, e só por estas, as quais constituem a baliza dentro da qual o tribunal de recurso, neste caso a Relação, pode conhecer das questões aí contidas e não de outras, sem prejuízo do que for de conhecimento oficioso.
As questões a decidir são as seguintes:
1. Prova proibida.
2. Nulidade do procedimento disciplinar.
3. A justa causa para o despedimento e as suas consequências, nomeadamente a validade do termo aposto no contrato de trabalho.

II - FUNDAMENTAÇÃO
A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
1. A sociedade ré explora o estabelecimento comercial de Papelaria, Tabacaria e Agência de Jogos da Santa Casa, sito na Loja ... do Centro Comercial …, na cidade de Silves, e tem como representante legal EE (artigo 1º do articulado motivador e artigo 3º da contestação)
2. A sociedade ré admitiu a autora ao seu serviço por «contrato de trabalho a termo certo» outorgado em 16 de março de 2016, para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de caixeira de 3.ª, no estabelecimento comercial explorado pela ré, nos termos que constam do documento reproduzido a fls. 158-160, com o seguinte teor:
“CONTRATO DE TRABALHO (A TERMO CERTO)
Entre:
CC, com sede no Centro Comercial…, em Silves, loja…, adiante designado por PRIMEIRO OUTORGANTE OU EMPREGADOR, e
BB (…) adiante designado por SEGUNDO OUTORGANTE OU TRABALHADOR,
É celebrado e reciprocamente aceite o presente Contrato de Trabalho A Termo Certo, que se regerá pelas seguintes Cláusulas:
PRIMEIRA
(Termo)
O contrato durará por doze meses, com início a 16/03/2016 e termo em 15/02/2017.
O presente contrato é celebrado a termo certo, e a Segunda Outorgante é admitida nos termos das alíneas e) e f), do nº 2, do artigo 140º do Código do Trabalho, justificando-se a aposição de um termo pelo acréscimo excecional da atividade da Primeira Outorgante, resultante do aumento do volume de serviço sazonal, com o consequente acréscimo de atividade da Primeira Outorgante, esse que se presume ter a duração de 12 meses, uma vez que esse é o tempo que se afigura necessário para fazer face ao referido acréscimo.
SEGUNDA
(Período experimental)
O período experimental tem a duração de 30 dias nos termos do art.º 112º. n.º 1 al. A) do Código do Trabalho.
TERCEIRA
(Objecto)
1. O Trabalhador obriga-se a prestar a sua actividade profissional ao Empregador, sob as ordens, direcção e fiscalização desta ou de quem legitimamente a represente.
2. O Trabalhador encontra-se obrigado à prestação de trabalho decorrente da sua categoria profissional de 3ª Caixeira.
QUARTA
(Local de trabalho)
O Trabalhador prestará trabalho no estabelecimento sítio do … de Silves, devendo efectuar todas as deslocações necessárias ao efectivo e cabal desempenho das funções que lhe são confiadas, bem como o Trabalhador desde já manifesta sem reservas a concordância de a solicitação do Empregador, prestar o seu trabalho em qualquer outro local do pais e por transferência definitiva ou temporária e independentemente do interesse ou prejuízo do segundo outorgante.
QUINTA
(Horário de trabalho)
1. O período normal de trabalho diário será de 8 horas e o semanal de 40 horas, distribuídas posteriormente em Mapa de Horário de Trabalho.
2. Cabe à primeira outorgante a livre definição do horário de trabalho, nos termos e dentro dos limites legais, e aqui sendo o Segundo Outorgante autorização alteração/modificação do respectivo horário.
3. O Segundo Outorgante desde já manifesta sem reservas a concordância à sua inclusão num horário por turnos, num regime de trabalho nocturno e à prestação de trabalho suplementar, de acordo com as regras aplicáveis constantes da lei laboral vigente e dos Instrumentos de Regulamentação Colectiva aplicáveis.
4. O Horário de trabalho é definido nos termos do mapa de horário de trabalho em vigor na empresa.
SEXTA
(Retribuição)
1. A Primeira Outorgante pagará ao Segundo Outorgante a retribuição mensal ilíquida de 530,00 € (quinhentos e trinta euros) sujeita aos respectivos encargos legais.
2. O Segundo Outorgante terá ainda direito a receber a título de alimentação a quantia de 60,00 € e de abono para falhas de 20,00 € a serem auferidos mensalmente.
3. Para além da retribuição referida no número anterior, o Segundo Outorgante receberá ainda os subsídios de férias e de Natal, de acordo com a legislação em vigor.
SÉTIMA
(Férias)
O Segundo Outorgante gozará férias pelo período de dois dias úteis por cada mês de duração do contrato e no máximo, no presente ano, de 20 dias úteis e de acordo com as normas constantes nos artigos 239º nº 1, 2 e 3 do Código do Trabalho.
OITAVA
(Subsídio de férias e de Natal)
O Segundo Outorgante dá a sua autorização, assim que assinar este contrato de trabalho, para que o subsídio de férias e de natal lhe seja pago mensalmente de forma proporcional (1/12).
NONA
(IRCT aplicável)
Ao presente contrato de trabalho é aplicável o CCT da ACRAL publicado no BTE, 1ª série, nº 30 de 15/08/2008 e posteriores alterações.
DÉCIMA
(Seguro de acidentes de trabalho)
A Primeira Outorgante transferiu a responsabilidade civil por acidentes de trabalho para a Companhia de Seguros Crédito Agrícola.
O presente contrato é feito em duas vias, de igual valor e conteúdo, uma para cada um dos Outorgantes, as quais vão ser assinadas em 16 de Março de 2016.” (artigo 2º do articulado motivador e artigos 63º e 73º da contestação)
3. Aquando da sua admissão, a autora foi informada pela sócia gerente da sociedade ré de todas as tarefas que tinha de executar e dos procedimentos a adotar com colegas, clientes, fornecedores e entidade patronal. (artigo 3º do articulado motivador)
4. Por ter constatado que a autora, em contrário das instruções que lhe haviam sido transmitidas, deixava abertas as gavetas das máquinas registadoras depois de atender os clientes, e jogava pessoalmente em jogos promovidos pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa vendidos no estabelecimento em causa, além de não registar vendas efetuadas, nem entregar à entidade patronal os valores que recebia de clientes pela venda de tabaco, jornais e revistas, a sociedade ré decidiu instaurar procedimento disciplinar contra a autora. (artigos 4º a 6º do articulado motivador)
5. Em 21 de outubro de 2016, a ré entregou à autora, em mão própria e no local de trabalho, a carta que constitui o documento de fls. 49, com o seguinte teor:
“Exmª Senhora:
Os meus melhores cumprimentos.
Vimos pela presente comunicar que estamos a instruir um processo disciplinar contra Vª Exª, pelo que oportunamente será remetida a correspondente Nota de Culpa.
Assim, fica V. Exª a partir desta data na situação de suspensa do trabalho, por considerarmos que é inconveniente a sua presença no local de trabalho devido à quebra de confiança que deve existir entre entidade patronal e trabalhador.
Sem outro assunto de momento, subscrevemo-nos (…)”. (artigo 7º do articulado motivador, artigo 83º da contestação e artigos 4º e 5º da resposta à contestação)
6. Foi elaborado o processo disciplinar que constitui o documento de fls. 50 e seguintes dos autos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido. (artigo 8º do articulado motivador)
7. Por carta registada com aviso de receção endereçada em 04 de novembro de 2016 pela sociedade ré para a autora, e por esta rececionada em 07 desse mês, aquela sociedade enviou a comunicação que constitui do documento de fls. 52 e seguintes, que aqui se dá por integralmente reproduzida, da qual consta:
“Exmª Senhora:
Na sequência do processo disciplinar que esta Sociedade decidiu mandar instaurar-lhe, e no uso das competências que lhe são próprias, procede-se ao envio da Nota de Culpa contra si deduzida.
Informamos V. Exª que, pela gravidade dos factos constantes da mesma, é propósito desta Sociedade proceder ao seu despedimento com justa causa.
De acordo com o estabelecido na lei, dispõe V. Exª do prazo de 10 dias para, querendo, consultar o processo que se encontra depositado no escritório da Instrutora – Dr.ª …, e responder por escrito à Nota de Culpa, podendo oferecer testemunhas, indicando a matéria sobre que deverão depôr, juntar documentos e solicitar quaisquer diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.
Assim, tem por finalidade esta carta não apenas a remessa da Nota de Culpa, bem como a notificação para a defesa.
Sem mais de momento, subscrevemo-nos
(…)
NOTA DE CULPA
A gerência da Sociedade “CC, LDA.”, (…) em Processo Disciplinar que move contra a sua trabalhadora BB, com intenção de proceder ao seu despedimento com justa causa, vem deduzir a presente NOTA DE CULPA, o que faz nos termos e com os fundamentos seguintes:
1º A trabalhadora, ora arguida, presta desde 16 de Março de 2016 a sua actividade profissional no estabelecimento comercial de Papelaria, Tabacaria e Agência de Jogos da Santa Casa, pertença da Sociedade e onde se localiza a sede desta, sito na cidade de Silves, exercendo as funções inerentes à categoria profissional de Caixeira de 3ª.
2º A trabalhadora logo que foi admitida ao trabalho foi informada pela sócia gerente da Sociedade entidade patronal de todas as tarefas que tinha que prestar, bem como os procedimentos que deveria ter com fornecedores, clientes, colegas e entidade patronal.
3º Nomeadamente, e entre outras, que não podia em circunstância alguma jogar ou participar em jogos vendidos no estabelecimento (como é imposição da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa), que todas as vendas efectuadas tinham de ser registadas, que as gavetas das máquinas registadoras deveriam estar sempre fechadas apenas as abrindo para introduzir o dinheiro recebido de clientes ou retirar trocos para restituir àqueles, que em situação alguma a trabalhadora poderia retirar das caixas dinheiro recebido pelos clientes para pagar despesas próprias.
4º No estabelecimento comercial em causa, sito no Centro Comercial…em Silves, a trabalhadora ora Arguida por vezes trabalhava sozinha, conforme Mapas de Turnos elaborado pela entidade patronal e dos quais eram aquela e os seus colegas de trabalho previamente informados.
5º Ao contrário do que acontecia anteriormente, a partir de finais de Junho de 2016, a sócia gerente da Sociedade entidade patronal, devido a grande acréscimo de trabalho em outras lojas que possui em Silves, Lagos, Armação de Pêra, Albufeira e Quarteira, o que lhe motivou falta de tempo para tal,
6º Deixou da conferir o valor de caixa entregues diariamente pelos trabalhadores da loja em causa com o valor de tabaco adquirido ao fornecedor e de outros produtos vendidos, tais como jornais, revistas e brindes;
7º Apenas conferindo aqueles montantes entregues diariamente com os valores dos vários jogos e apostas da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa que eram vendidos nessa loja.
8º Cujos montantes tinham de ser apurados semanalmente para a Sociedade efectuar os pagamentos devidos à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
9º No início de Setembro de 2016, a sócia gerente da Sociedade entidade patronal começou a aperceber-se que pelas compras efectuadas de tabaco, jornais, revistas e outros artigos vendidos no estabelecimento comercial, e pelo movimento de clientes que verificava quando se deslocava ao mesmo, deveria haver mais saldo na conta bancária da empresa.
10º Porque suspeitou que certamente os trabalhadores que exerciam funções nessa loja poderiam não estar a registar e a entregar-lhe diariamente todos os valores de bens ou produtos vendidos a clientes,
11º No dia 12 de Setembro de 2016, a sócia gerente da Sociedade entidade patronal, solicitou ao gerente responsável pelas lojas, de nome FF, que conjuntamente com a Colega GG conferissem todo o tabaco adquirido ao fornecedor para aquela loja de Silves e que foi pago a este, todo o tabaco que existia em stock, e confrontassem essas quantidades com as que foram registadas como efectivamente vendidas na loja a clientes.
12º Foi então que esses trabalhadores informaram que estava em falta, a preço de custo adquirido ao fornecedor, o valor de 3.454,00 (três mil quatrocentos e cinquenta e quatro euros).
13º Incrédula com tal situação, a sócia gerente da Sociedade solicitou ao Gabinete de Contabilidade que confirmasse que se tinham sido correctamente introduzidas todas as aquisições e vendas no sistema, o que após ter sido minuciosamente conferido foi confirmado.
14º Na semana seguinte, a sócia gerente da Sociedade entidade patronal, com a colaboração da trabalhadora mais antiga da loja, a já referida GG que trabalha no estabelecimento há cerca de 20 anos, confirmaram a grande discrepância que havia entre os volumes de tabaco que foram adquiridos ao fornecedor e recebidos na loja, e aqueles que foram registados como vendas efectuadas a clientes.
15º Assim, no dia 23 de Setembro de 2016, a sócia gerente da Sociedade informou o gerente/encarregado das lojas FF que a partir desse momento passaria a ser ela a efectuar a conferência do tabaco, tanto mais que ele iria de férias desde esse dia e até ao dia 6 de Outubro de 2016.
16º No dia 29 de Setembro de 2016, a sócia gerente da Sociedade efectuou um “Inventário” de todo o tabaco adquirido ao fornecedor, todo o existente em stock e o registado como vendas, e havia um saldo negativo de 600,00 €.
17º Efectuou de imediato uma reunião com todos os trabalhadores da loja, em que estiveram presentes a trabalhadora ora Arguida e os seus colegas GG, HH e DD,
18º Aos quais informou que andava a desaparecer imenso tabaco, que deveriam estar atentos à situação e que não podiam continuar a ocorrer tais falhas de elevado valor.
19º No dia 6 de Outubro de 2016, a sócia gerente da Sociedade voltou a efectuar novo “Inventário”, com a colaboração das trabalhadoras GG e HH, e verificou que desde o dia 29 de Setembro de 2016, data da última “conferência” do existente, havia mais um saldo negativo de 1.510,00 € entre o tabaco adquirido, o existente em stock e o registado como vendido.
20º No dia 12 de Outubro de 2016, a sócia gerente da Sociedade efectuou novamente um “Inventário” do tabaco adquirido, existente em stock e vendido, com a colaboração das mesmas trabalhadoras GG e HH, e confirmaram mais uma falta de 615,00 € em tabaco.
21º No dia 18 de Outubro de 2016, no período da manhã, a sócia gerente da Sociedade introduziu no sistema contabilístico/informático da Sociedade a última factura de tabaco que havia sido adquirida e recebida na Loja.
22º Nesse mesmo dia, após o almoço, a sócia gerente e as duas trabalhadoras da Loja que a essa hora estavam de serviço, a identificada GG e a ora Arguida, foram efectuar um novo “Inventário” ao tabaco adquirido, ao existente em stock e ao vendido a clientes.
23º Foi a primeira vez que a trabalhadora, ora Arguida, participou na elaboração do Inventário de Tabaco.
24º Nessa análise às quantidades de tabaco adquirido, existente e vendido a clientes foi logo detectada a falta de 1 volume (10 maços) da marca Chesterfield Black, 1 volume (10 maços) da marca West vermelho, 1 volume (10 maços) da marca Mark 1 White, e vários maços soltos.
25º É então que a trabalhadora GG, bastante enervada, refere à sua colega BB, ora Arguida, que na véspera tinham sido entregues pelo fornecedor 2 volumes da marca Chesterfield Black e não existia nenhum volume em armazém ou stock, assim como tinha vindo 1 volume de West vermelho e não existia nenhum em stock, e que normalmente era uma cliente habitual, de nacionalidade estrangeira, que vinha comprar esse volume.
26º Nesse momento, a trabalhadora ora Arguida refere que foi ela que recebeu a encomenda do fornecedor, e que a conferiu, confirmando que tinham sido recebidos os 2 volumes da marca Chesterfield e 1 volume da marca West.
27º A sócia gerente da Sociedade entidade patronal foi então verificar os relatórios contabilísticos das vendas efectuadas ao balcão pela Arguida a clientes e verifica que desde a data de entrega da encomenda de tabaco em causa até à data em que foi conferido o tabaco existente não havia nenhum maço das marcas West e Mark 1 White vendido, e só havia 7 maços da marca Chesterfield vendidos e registados pela Arguida.
28º Pelos maços desta marca de tabaco que estavam em stock no expositor da loja, mais os dois volumes entregues na encomenda recebida, deveriam ter sido vendidos 17 maços da marca Chesterfield, pelo que assim faltavam 10 maços (1 volume).
29º Ao se aperceber que a sócia gerente da Sociedade e a Colega GG se encontravam bastante nervosas e desorientadas com tudo o ocorrido, a trabalhadora ora Arguida pergunta à sócia gerente da Sociedade se ela não consegue saber quem é que vendeu os volumes de tabaco em falta.
30º Porque a sócia gerente da Sociedade nada responde, a trabalhadora ora Arguida diz-lhe que não mexeu no volume da marca West e não o vendeu de certeza, que na tarde de 2ª feira anterior, dia 17 de Outubro de 2016, não tinha vendido volume nenhum, e que só se lembrava de ter vendido 4 maços de Chesterfield Black a um cliente habitual.
31º Poucos minutos depois, cerca das 16 horas desse dia, quando a sócia gerente da sociedade estava no Bar do Centro Comercial …, a almoçar, acompanhada pelo encarregado de loja FF, chegou junto a eles a trabalhadora GG a dizer que a Colega BB (trabalhadora, ora Arguida) lhe tinha acabado de dizer que afinal o cliente habitual do Chesterfield Black tinha levado 10 maços e ela achava que só tinha registado 2 maços, e que o cliente só lhe tinha pago 2.
32º E de seguida vai a Arguida buscar o dinheiro à sua carteira e paga ao encarregado de lojas FF o valor de 8 maços da marca Chesterfield Black.
33º Foi então que a sócia gerente da Sociedade suspeitou que era a trabalhadora Arguida quem não registava as vendas do tabaco (em falta) e pressionada por alguns colegas da trabalhadora Arguida decidiram ir verificar todas as filmagens das ocorrências da loja em causa durante os períodos em que ela estava a trabalhar sozinha, e referente aos dias anteriores.
34º Sendo certo que por motivos técnicos das gravações dessas filmagens já não poderia verificar as gravações correspondentes aos dias em que começou a detectar a falta do dinheiro relacionado com os produtos vendidos.
35º E, além das gravações dessas filmagens, a sócia gerente da Sociedade entidade patronal muniu-se de toda a documentação contabilística referente aos dias em causa, nomeadamente Mapas de Facturas Simplificadas, Detalhes de Facturas Simplificadas e Relatórios de documentos de caixa, que lhe foram fornecidos pelo Contabilista Certificado da Sociedade, Sr. …, e que se juntam à presente Nota de Culpa.
36º E foi então que na posse dessas gravações das imagens recolhidas na loja em causa, as quais são legais pois eram do conhecimento dos trabalhadores e clientes da loja e foram autorizadas pela Comissão Nacional de Protecção de Dados no Processo nº … através da Autorização nº … de 5 de Outubro de 2015, com a finalidade “Protecção de Pessoas e Bens”,
37º E de todos os suprareferidos documentos contabilísticos,
38º Que a sócia gerente da Sociedade entidade patronal, o Técnico Informático …, o Contabilista Certificado … e a trabalhadora da loja em causa GG e o encarregado FF foram analisar essas filmagens e documentos contabilísticos.
39º Assim, e como aí é visto e verificado pelos documentos contabilísticos, referidos em 35º deste articulado, no dia 15 de Outubro de 2016, sábado, dia em que a trabalhadora ora Arguida trabalhou sozinha na loja em causa, entre as 15h 30m e as 22h, a trabalhadora Arguida praticou os seguintes ilícitos disciplinares:
(…)
40º Assim, nesse dia 15 de Outubro de 2016 a trabalhadora ora Arguida causou à entidade patronal um prejuízo patrimonial de pelo menos 103,15 €, referente a bens que vendeu ao público e dos quais não entregou o dinheiro recebido à entidade patronal.
41º Como também se afere das imagens vistas pela sócia gerente da sociedade entidade patronal, contabilista desta, técnico informático e pelos colegas da trabalhadora Arguida, e pelos documentos contabilísticos que se juntam à presente Nota de Culpa,
42º No dia 16 de Outubro de 2016, Domingo, dia em que a Trabalhadora ora Arguida esteve a trabalhar sozinha na loja em causa, entre as 15h 25m e as 19horas, a trabalhadora Arguida fez o seguinte:
(…)
43º Assim, neste dia 16 de Outubro de 2016, e como se pode verificar pelos documentos contabilísticos analisados e confrontados com as imagens, e pelo supra referido, a trabalhadora Arguida causou à entidade patronal um prejuízo patrimonial de, pelo menos, 161,45 €, referente a bens e produtos vendidos e não registados.
44º Isto sem contabilizar as raspadinhas que foram inutilizadas pela trabalhadora Arguida.
45º No dia 17 de Outubro de 2016, segunda-feira, em que a trabalhadora ora Arguida trabalhou sozinha na loja em causa entre as 14h 51m e as 17h 50m, pois a Colega de trabalho saiu às 14h 42m e a sócia gerente da Sociedade entidade patronal esteve na loja até ás 14h 51m, ocorreram os seguintes factos ilícitos, praticados pela trabalhadora Arguida no seu local de trabalho:
(…)
46º Assim, nesse dia 17 de Outubro de 2016, atenta a factualidade supra enumerada, a trabalhadora Arguida causou à entidade patronal um prejuízo patrimonial de, pelo menos, 138,90 € referente a bens e produtos vendidos a clientes, de quem recebeu o dinheiro e não registou as vendas, não tendo entregue esses valores à Sociedade entidade patronal.
47º Além de não cumprir com as ordens que lhe foram transmitidas pela sócia gerente da Sociedade entidade patronal aquando da sua admissão, nomeadamente o deixar a gaveta das máquinas registadoras abertas, e jogar e participar pessoalmente em jogos promovidos pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, e vendidos no estabelecimento comercial em causa, o que era uma proibição imposta por aquela entidade junto da Sociedade, o que poderia fazer com que esta perdesse o direito a vender jogo da Santa Casa,
48º A Arguida ao não registar como venda, nem entregar à entidade patronal os valores que recebeu de clientes pela venda de tabaco, jornais e revistas, causou á Sociedade entidade patronal elevados prejuízos de ordem patrimonial, tendo assim lesado os interesses patrimoniais sérios da empresa.
49º Algumas vezes a Arguida registava vendas mas posteriormente no teclado da máquina registadora carregava nas teclas “Apagar linha” ou “Abortar Venda” pelo que essa venda era cancelada e, apesar de ter recebido esses valores dos clientes, os mesmos não eram entregues á Sociedade entidade patronal no final do dia quando era efectuado o “acerto de contas”.
50º Pelos factos supra referidos e constantes desta Nota de Culpa, e outros ocorridos em datas diferentes, a Sociedade entidade patronal irá participar criminalmente contra a trabalhadora, junto dos Serviços do Ministério Público – DIAP de Silves.
51º Tais factos, bastante graves, violam os deveres da trabalhadora, ora Arguida, consubstanciados nas alíneas c), e), f), g) e h) do artigo 128º do Código do Trabalho.
52º Igualmente com o seu gravíssimo comportamento, a Arguida cometeu ainda as infracções previstas nas alíneas a), d) e e) do número 2 do artigo 351º do Código do Trabalho, integrando cada uma delas o conceito de justa causa de despedimento.
53 Atendendo a toda a extensa factologia atrás descrita, a subsistência da relação de trabalho apresenta-se fortemente prejudicada, tornando-se a mesma imediata e praticamente impossível.
54º Face à elevada gravidade dos factos praticados pela trabalhadora, ora Arguida, justifica-se a aplicação a esta da sanção de Despedimentos com Justa Causa, nos termos do disposto no número 1 do artigo 351º e na alínea f) do número 1 do artigo 328º, ambos do Código do Trabalho.
Termos em que deve sancionar-se disciplinarmente a Trabalhadora – Arguida BB, devendo esta, querendo, apresentar a sua Defesa no prazo de 10 dias, respondendo à Nota de Culpa, oferecendo testemunhas, juntando documentos ou requerendo outras diligências probatórias pertinentes para o esclarecimento da verdade, nos termos do disposto no número 1. do artigo 355º do Código do Trabalho.
(…)” (artigos 9º e 10º do articulado motivador)
8. A autora respondeu à nota de culpa, em 21 de novembro de 2016, nos termos que constam do documento de fls. 151 e seguintes, com o seguinte teor:
“(…) Com a devida vénia, a factualidade descrita não corresponde à verdade, consubstanciando-se numa total deturpação dos acontecimentos por parte da entidade patronal, ora Instaurante, pelos motivos que a seguir se expõe, em cumprimento do preceituado no artigo 355.º, n.º 1 do Código do Trabalho:
1. A entidade patronal informa, na nota de culpa, que pretende proceder ao despedimento da trabalhadora, ora arguida, porquanto a trabalhadora teria praticado, nos dias 15, 16 e 17 de Outubro de 2016, os seguintes ilícitos disciplinares:
a) Realizar vendas sem efetuar o respetivo registo;
b) Apagar do registo a linha de venda;
c) Registar a venda e anular em seguida;
d) Registar a venda e não receber o dinheiro;
e) Registar quantidade inferior à vendida;
f) Manter a gaveta da caixa registadora aberta;
g) Raspar “Raspadinha” e realizar o jogo “Placard”;
h) Levar para o escritório da loja notas retiradas da gaveta da máquina registadora;
i) Retirar dinheiro da gaveta da máquina registadora para pagar a sua refeição.
2. A trabalhadora, ora arguida, impugna todos os factos que lhe são imputados como ilícitos disciplinares, articulados na nota de culpa.
3. No que concerne à falta do tabaco da marca Chesterfield Black, cumpre referir, que a trabalhadora arguida admitiu ter errado no registo (articulado 31.º da nota de culpa) tendo pago, à entidade patronal, o valor correspondente (articulado 32.º da nota de culpa).
4. Ora, o facto de ter cometido um erro, que reconheceu, não pode levar à presunção de que a alegada falta de tabaco seja atribuída à trabalhadora arguida.
5. De facto, pois a arguida não é a única trabalhadora da Sociedade, havendo, como referido na nota de culpa, pelo menos, mais quatro trabalhadores a prestar o seu trabalho no mesmo local, nomeadamente, o gerente/encarregado, FF, referido no articulado 15.º da nota de culpa, GG, HH e DD, referidos no articulado 17.º da nota de culpa.
6. De referir que, a cada início e fecho de turno de cada trabalhador, não é realizado qualquer inventário para se poder afirmar que a alegada falta de tabaco se dá no turno da trabalhadora arguida.
7. Ocorre ainda, que a sócia gerente da Sociedade, a Sra. EE, sendo fumadora, retira, diariamente, tabaco do expositor para o seu próprio consumo, sem os registar, o que ocorreu diversas vezes no turno da trabalhadora arguida.
8. De referir ainda, que a entidade patronal transporta tabaco entre os seus estabelecimentos, sem registar a entrada e/ou a saída.
9. Acresce que, consta da nota de culpa, que a sócia gerente da sociedade fez, no dia 29 de Setembro de 2016, ela própria, o inventário do tabaco, pois que antes, era, provavelmente, realizado pelos outros empregados da Sociedade, tendo a ora arguida, participado somente no inventário realizado no dia 18 de Outubro de 2016, conforme referido nos articulados 21.º, 22.º e 23.º da nota de culpa.
10. No que concerne à gravação de imagens, a entidade patronal, admite que não há sincronia entre o aparelho de gravação de imagens e o computador da caixa registadora, conforme referido na alínea a) do articulado 39.º, da nota de culpa.
11. De facto, os factos descritos na alínea j) do articulado 45.º da nota de culpa, não correspondem à imagem gravada.
12. Tal facto coloca em causa a fidedignidade das informações de gravações das imagens, no que respeita ao dia e à hora, e a sincronização com os detalhes dos relatórios contabilísticos da caixa registadora.
13. De referir ainda que, de acordo com o exposto na nota de culpa, foram extraídos fragmentos das gravações, dando margem à interpretação fora do contexto dos factos.
14. O que se depreende das imagens referidas na nota de culpa (dias 15, 16 e 17 de Outubro de 2016) é que a trabalhadora arguida, passa o bem/produto pelo leitor de código de barras, iniciando assim o registo.
15. Ora, a entidade patronal alega que a mesma apaga o registo ou anula a venda.
16. Se assim fosse, esse registo inicial teria que constar do relatório informático da caixa registadora (introdução/apagar ou anular), pois o bem/produto já foi lido pelo leitor de código de barras e tal informação, enviada para o computador.
17. Entretanto, dos relatórios que se encontram juntos ao processo disciplinar, nomeadamente: Mapa de Factura Simplificada, Detalhe de Factura Simplificada e Relatório de Documento de Caixa, referentes aos dias 15, 16 e 17 de Outubro de 2016, não consta qualquer informação de anulação de registo ou de linha de venda.
18. De referir que, pese embora no articulado 35.º a entidade patronal refira que os documentos supra estão juntos à nota de culpa, ocorre que nenhuma cópia foi enviada junto com a nota de culpa.
19. Ora, as presunções da entidade patronal sobre a ausência do registo do bem/produto pela trabalhadora arguida, se estribam unicamente na comparação da hora da gravação das imagens, com o relatório contabilístico, nomeadamente, o Mapa de Factura Simplificada e o Detalhe de Factura Simplificada.
20. Como antes referido, se a própria entidade patronal admite que não há sincronicidade nos horários dos dois aparelhos, não poderá afirmar existir ausência de registo de venda de determinado bem/produto, quando realizado o comparativo entre o registo da hora da gravação da imagem e o registo da hora que consta no relatório informático da venda.
21. Os programas informáticos estão sujeitos a problemas e erros, sendo certo que o programa utilizado pela entidade patronal já apresentou falhas, tendo ficado, em algumas ocasiões, fora de serviço.
22. Resulta ainda, da visualização das gravações, que a camera que gravou as imagens referidas na nota de culpa, se encontra diretamente dirigida ao posto de trabalho/campo de ação do trabalhador, consubstanciando-se numa violação do artigo 20.º do Código do Trabalho.
23. Cumpre ainda referir, que o “Relatório de Documento de Caixa” junto ao processo disciplinar, relativo aos dias 15, 16 e 17 de Outubro de 2016, não indica o nome do empregado que operou o caixa.
24. No que concerne aos jogos de Raspadinha e Placard, no contrato de trabalho celebrado entre a trabalhadora arguida e a entidade patronal, conforme cópia que junta, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos, não existe qualquer referência à proibição de realizar os referidos jogos, nem a mesma foi, expressamente, informada disso.
25. Em consequência, não há violação do contrato de trabalho e dos deveres a ele inerentes.
Ora,
26. O que se verifica é, antes, uma manifesta discriminação à trabalhadora arguida, por ser estrangeira, consubstanciando-se, esta, numa violação de direitos constitucionalmente protegidos, agindo, ainda, em violação ao princípio de igualdade, visto que os outros trabalhadores, que também mantêm a gaveta da caixa registadora aberta, efetuam “Raspadinhas” e Jogos de “Placard”, bem como realizam pagamento de despesas próprias com o dinheiro da caixa registadora, durante os seus turnos, não foram sujeitos a processo disciplinar, por isso, desde já, requer-se a visualização das imagens gravadas referentes aos outros trabalhadores da Sociedade, que prestam o seu serviço no mesmo local de trabalho que a trabalhadora arguida.
27. Relativamente à alegação de retirar notas da gaveta da caixa registadora, as imagens mostram que o dinheiro retirado foi levado para o escritório da loja, o que não constitui ilícito, uma vez que, como antes referido, o dinheiro era guardado numa gaveta, no referido escritório.
O certo é que,
28. No final do seu turno, a quantia em dinheiro da caixa registadora, correspondia ao montante indicado no relatório de vendas registado pela caixa registadora, que é colocado dentro de um envelope e guardado numa gaveta no escritório, ficando assim impugnadas as alegações de ter causado prejuízo patrimonial à entidade patronal.
29. Por isso, o dinheiro utilizado para o pagamento da refeição foi reposto pela trabalhadora arguida no fecho do caixa.
30. Bem como, não existe qualquer sentido, afirmar que a trabalhadora efetuaria o registo da venda e não receberia o dinheiro, pois tal facto seria em seu próprio prejuízo, uma vez que no fecho do caixa teria que pagar essa falta!
31. Sendo assim, não há qualquer fundamento nas alegações pois, a trabalhadora arguida não violou nenhuma das suas obrigações.
32. Diante do exposto, conclui-se que não existem quaisquer fundamentos legais que pudessem desencadear o presente processo disciplinar, visto a inexistência dos ilícitos disciplinares alegados contra a trabalhadora arguida.
Isto posto, e como resulta provado, a trabalhadora, ora arguida, não violou qualquer dos seus deveres, bem como não praticou nenhum dos factos que lhe são imputados, e, como tal, não poderá ser sancionada com o despedimento com justa causa, ou qualquer outro, devendo, assim, ser arquivado o presente Processo Disciplinar.” (artigo 11º do articulado motivador)
9. Na resposta à nota de culpa, a trabalhadora não arrolou testemunhas, tendo apenas apresentado como prova documental o contrato de trabalho, e solicitado que fosse junto ao processo o registo do tempo de trabalho, registo integral das imagens dos dias 15 a 17 de outubro e autorização para gravação de imagens emitida pela Comissão Nacional de Proteção de Dados. (artigo 12º do articulado motivador e artigos 22º e 23º da contestação)
10. O registo do tempo de trabalho relativo à autora, bem como a autorização para gravação de imagens, foram juntos ao processo disciplinar pela entidade patronal, nos termos que constam de fls. 164 a 172, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (artigo 13º do articulado motivador)
11. Não foram juntas ao processo disciplinar as imagens recolhidas pelas câmaras de vigilância relativas aos demais trabalhadores ao serviço da ré. (artigo 25º da contestação)
12. A instrutora do processo disciplinar procedeu à inquirição de 8 das 9 testemunhas indicadas pela ré, nos termos que constam de fls. 182 a 209 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (artigos 14º, 15º e 16º do articulado motivador)
13. Foi proferida decisão final no processo disciplinar, nos termos que constam de fls. 210 e seguintes dos autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, e na qual se concluiu estar provada toda a matéria constante da nota de culpa, propondo-se, em conformidade, o despedimento imediato da trabalhadora, com justa causa disciplinar. (artigos 17º e 20º a 44º do articulado motivador)
14. Tal decisão final foi enviada por carta registada com aviso de receção à trabalhadora e à sua mandatária, em 30 de novembro de 2016, a qual foi recebida pela autora em 02 de dezembro de 2016. (artigos 18º e 19º do articulado motivador e artigo 72º da contestação)
15. A utilização de equipamento de videovigilância pela sociedade ré foi autorizada pela Comissão Nacional de Proteção de Dados, nos termos que constam do documento de fls. 165-167, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (artigo 47º do articulado motivador, artigos 19º e 57º da contestação e artigo 17º da resposta à contestação)
16. O sistema de videovigilância instalado no estabelecimento da ré é composto por 4 câmaras, colocadas nos quatro cantos da loja, na zona de atendimento ao público do estabelecimento, incidindo, também, sobre o balcão que constitui o posto de trabalho da autora. (artigo 56º da contestação)
17. A existência das câmaras de vigilância era do conhecimento de todos os trabalhadores do estabelecimento da ré, incluindo a autora. (artigo 48º do articulado motivador e artigo 18º da resposta à contestação)
18. O estabelecimento comercial já havia sido alvo de assalto, meses antes, durante a noite. (artigo 50º do articulado motivador e artigo 19º da resposta à contestação)
19. Pelo menos nas datas referidas no processo disciplinar, dias 15, 16 e 17 de outubro de 2016, a autora não cumpriu as indicações que lhe foram dadas pela sócia gerente da ré, nomeadamente, nunca deixar as gavetas das máquinas registadoras abertas quando não estava a efetuar operações, não jogar nem participar pessoalmente em jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e vendidos no estabelecimento comercial, o que era uma proibição imposta por aquela entidade, e que poderia motivar que a ré perdesse o direito a vender jogos da Santa Casa. (artigos 61º e 62º do articulado motivador)
20. E também não registou como vendas, nem entregou à sociedade ré, os valores que recebeu de clientes pela venda de tabaco, jornais e revistas, nos termos referidos na Nota de Culpa, causando ao seu empregador um prejuízo de, pelo menos, € 403,50, nesses três dias. (artigos 63º e 66º do articulado motivador)
21. À data do despedimento, a autora auferia a retribuição mensal ilíquida de € 558,00, acrescida de subsídio de alimentação no valor de € 77,00 mensais. (artigo 74º da contestação)
22. Até à data do seu despedimento, a autora não gozou qualquer período de férias. (artigo 78º da contestação)

B) APRECIAÇÃO
As questões a decidir neste recurso são as que já elencamos:
1. Nulidade do procedimento disciplinar.
2. Prova proibida.
3. A justa causa para o despedimento e as suas consequências, nomeadamente a validade do termo aposto no contrato de trabalho.

B1) Nulidade do procedimento disciplinar
A apelante conclui que o processo disciplinar é nulo por não terem sido juntas as imagens gravados nos dias 15 a 17 de outubro de 2016 por si requeridas e porque a empregadora não conferiu poderes à instrutora do processo disciplinar.
O art.º 356.º n.º 1 do CT prescreve que o empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, deve realizar as diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo neste caso alegá-lo fundamentadamente por escrito.
Decorre desta norma jurídica que o empregador pode nomear instrutor para realizar as diligências instrutórias e estas devem ser realizadas quando requeridas na resposta à nota de culpa, a não ser que sejam consideradas por escrito, fundamentadamente, dilatórias ou impertinentes.
Quanto à questão dos poderes da instrutora do processo disciplinar, a autora foi notificada pela empregadora juntamente com a nota de culpa que: “de acordo com o estabelecido na lei, dispõe V. Ex.ª do prazo de 10 dias para, querendo, consultar o processo que se encontra depositado no escritório da instrutora – Dr.ª …, e responder por escrito à nota de culpa, podendo oferecer testemunhas, indicando a matéria sobre que deverão depor, juntar documentos e solicitar quaisquer diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.
Assim, tem por finalidade esta carta não apenas a remessa da nota de culpa, bem como a notificação para a defesa”.
Esta comunicação está assinada pela empregadora.
A instrutora do processo foi nomeada pela empregadora e foi comunicada à trabalhadora de forma clara e inequívoca.
Existe mandato da instrutora para o exercício destas funções. A nomeação está prevista no art.º 356.º n.º 1 do CT e não é ilegal.
Não ocorre, assim, com este fundamento, a nulidade do processo disciplinar.
No que concerne à omissão de diligência instrutória, a trabalhadora requereu no final da nota de culpa a junção ao processo disciplinar das imagens gravadas nos dias 15 a 17 de outubro de 2016. A instrutora do processo não providenciou pela junção das ditas imagens nem se pronunciou sobre o pedido da trabalhadora. Trata-se de uma falha grave da instrutora do processo, na medida em que a trabalhadora ficou impossibilitada de exercer o contraditório relativamente às mesmas.
A trabalhadora só pôde exercer o contraditório no decurso do processo judicial após a junção das mesmas pela ré.
A falha cometida pela instrutora nomeada pela empregadora constitui um comportamento violador do princípio do processo democrático.
Todavia, a lei (CT) não sanciona esta infração com a nulidade do processo disciplinar. O processo disciplinar é um procedimento privado, conduzido pelo empregador e tem em vista habilitá-lo a proferir uma decisão fundamentada, que pode ser ou não sancionatória. A bondade da decisão é sempre passível de ser sindicada pelos tribunais. A omissão da diligência requerida pela trabalhadora não inquina todo o processo disciplinar. O risco de falta ou insuficiência de prova dos factos imputados à trabalhadora, integrantes da justa causa de despedimento invocada, onera a empregadora. O não atendimento das provas oferecidas ou requeridas pela trabalhadora poderá não permitir o total esclarecimento da situação fáctica. Neste caso, como referimos, o risco está na esfera jurídica da empregadora.
Assim, concluímos que a omissão praticada pela empregadora, através da instrutora do processo que nomeou, é censurável, mas não é suscetível de tornar nulo todo o processo disciplinar.

B2) Prova proibida
A apelante conclui que “os factos concretos imputados à autora, descritos na nota de culpa e na decisão de despedimento, foram dados como provados pelo tribunal a quo, (pontos 4, 19 e 20) que valorou as declarações das testemunhas cujo conhecimento dos factos resulta unicamente do visionamento das filmagens obtidas através das câmaras de vigilância instaladas no estabelecimento da ré;
«Não podem as câmaras incidir regularmente sobre os trabalhadores durante a atividade laboral, nem as imagens podem ser utilizadas para o controlo da atividade dos trabalhadores, seja para aferir a produtividade, seja para efeitos de responsabilização disciplinar” (teor da Autorização n.º 9392/2015 emitida a favor da ré pela Comissão Nacional de Proteção de Dados, junto ao processo disciplinar)».
As imagens captadas por câmaras de videovigilância, envolvendo o desempenho profissional do trabalhador ou para efeitos de responsabilidade disciplinar não são admissíveis como meio de prova em processo laboral”.
O art.º 20.º do CT prescreve que o empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador (n.º 1).
A utilização de equipamento referido no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a proteção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem (n.º 2).
Nos casos previstos no número anterior, o empregador informa o trabalhador sobre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados, devendo nomeadamente afixar nos locais sujeitos os seguintes dizeres, consoante os casos: «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão» ou «Este local encontra-se sob vigilância de um circuito fechado de televisão, procedendo-se à gravação de imagem e som», seguido de símbolo identificativo (n.º 3).
Por sua vez, o art.º 21.º do CT prescreve que a utilização de meios de vigilância a distância no local de trabalho está sujeita a autorização da Comissão Nacional de Proteção de Dados (n.º 1).
A autorização só pode ser concedida se a utilização dos meios for necessária, adequada e proporcional aos objetivos a atingir (n.º 2).
Os dados pessoais recolhidos através dos meios de vigilância a distância são conservados durante o período necessário para a prossecução das finalidades da utilização a que se destinam, devendo ser destruídos no momento da transferência do trabalhador para outro local de trabalho ou da cessação do contrato de trabalho (n.º 3).
Resulta das normas jurídicas acabadas de citar que:
- O empregador não pode utilizar meios de videovigilância para controlar a prestação do trabalhador;
- Os meios de vigilância a distância são lícitos quando se destinem a proteger a segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem;
- A entidade competente para autorizar meios de vigilância a distância é a Comissão Nacional de Proteção de Dados; e
- Os meios de vigilância a distância devem ser instalados nos termos da autorização concedida.
Está provado que esta entidade autorizou a empregadora, aqui ré, a utilizar o equipamento de videovigilância, como resulta do documento de autorização junto aos autos e para o qual se remete na resposta à matéria de facto. A CNPD estabeleceu, além de outros não aplicáveis ao caso concreto, o limite seguinte ao tratamento de dados: “não podem as câmaras incidir regularmente sobre os trabalhadores durante a atividade laboral, nem as imagens podem ser utilizadas para o controlo da atividade dos trabalhadores, seja para aferir a produtividade seja para efeitos de responsabilização disciplinar (art.ºs 20.º e 21.º do CT)”, como resulta do documento junto aos autos a fls. 92 e 93, aceite pelas partes.
Está ainda provado que “o sistema de videovigilância instalado no estabelecimento da ré é composto por 4 câmaras, colocadas nos quatro cantos da loja, na zona de atendimento ao público do estabelecimento, incidindo, também, sobre o balcão que constitui o posto de trabalho da autora”.
Resulta dos factos provados que o sistema de vigilância foi autorizado pela CNPD e foi instalado conforme a autorização concedida.
De igual modo, resulta que as câmaras de vigilância visavam a área de atendimento ao público, incluindo o balcão que constitui o posto de trabalho da autora. A captação de imagens do posto de trabalho e o modo como a trabalhadora exercia as suas funções surgem como factos fortuitos no contexto da ação de vigilância e não como a sua ou uma das suas finalidades. O sistema de videovigilância não tinha por finalidade vigiar os trabalhadores e a autora em particular, mas sim providenciar pela segurança de pessoas e bens presentes no estabelecimento.
Constatamos, assim, que o sistema de videovigilância que a empregadora instalou no seu estabelecimento comercial obedece aos requisitos legais.
A questão que se coloca é a de saber se as imagens captadas pelo sistema em causa podem ser utilizadas como meio de prova de factos suscetíveis de integrar justa causa para a aplicação de uma sanção disciplinar, v.g., o despedimento do trabalhador.
No caso concreto, além da legalidade da instalação do sistema de videovigilância, constatamos que os trabalhadores tinham conhecimento do mesmo e da captação de imagens.
Nas conclusões, a trabalhadora apelante circunscreve a proibição das imagens para prova dos factos dados como provados nos pontos 4, 19 e 20 dos factos provados da sentença.
Os factos em questão são estes:
“4. Por ter constatado que a autora, em contrário das instruções que lhe haviam sido transmitidas, deixava abertas as gavetas das máquinas registadoras depois de atender os clientes, e jogava pessoalmente em jogos promovidos pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa vendidos no estabelecimento em causa, além de não registar vendas efetuadas, nem entregar à entidade patronal os valores que recebia de clientes pela venda de tabaco, jornais e revistas, a sociedade ré decidiu instaurar procedimento disciplinar contra a autora. (artigos 4º a 6º do articulado motivador;
“19. Pelo menos nas datas referidas no processo disciplinar, dias 15, 16 e 17 de outubro de 2016, a autora não cumpriu as indicações que lhe foram dadas pela sócia gerente da ré, nomeadamente, nunca deixar as gavetas das máquinas registadoras abertas quando não estava a efetuar operações, não jogar nem participar pessoalmente em jogos da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e vendidos no estabelecimento comercial, o que era uma proibição imposta por aquela entidade, e que poderia motivar que a ré perdesse o direito a vender jogos da Santa Casa. (artigos 61º e 62º do articulado motivador)
20. E também não registou como vendas, nem entregou à sociedade ré, os valores que recebeu de clientes pela venda de tabaco, jornais e revistas, nos termos referidos na nota de culpa, causando ao seu empregador um prejuízo de, pelo menos, € 403,50, nesses três dias. (artigos 63º e 66º do articulado motivador)”.
O art.º 20.º n.º 1 do CT proíbe a utilização de meios de vigilância a distância com a finalidade de controlar o trabalhador. O seu n.º 2 permite a vigilância a distância para proteger pessoas, bens ou nos casos em que particulares exigências inerentes à natureza da atividade o justifiquem.
Existe a regra geral contida no art.º 20.º n.º 1 do CT e existe a exceção prevista no n.º 2 do mesmo artigo, aplicável ao caso concreto.
A interpretação conjugada dos n.ºs 1 e 2 do art.º 20.º do CT permite-nos concluir que as imagens captadas pelo sistema de videovigilância são proibidas se tiverem por finalidade controlar o trabalhador e a sua prestação, mas são admitidas se tiverem por fim proteger os bens e as pessoas dentro do estabelecimento.
As imagens captadas pela empregadora, como resulta dos factos provados, destinavam-se a proteger os bens da empresa. A empregadora visionou as imagens para descobrir a razão pela qual o valor da caixa no momento do fecho não refletia o valor dos produtos comprados para a loja. Não se tratou de uma ação dirigida contra a autora ou qualquer outro trabalhador em concreto, mas sim para apurar o que estava a determinar a falta de produtos na loja sem correspondência no valor das vendas efetuadas. Trata-se de utilização de imagens para proteção de bens inscritos no âmbito da autorização concedida pela CNPD.
O visionamento das imagens permitiu apurar que era a trabalhadora, aqui autora, que praticava os factos que estavam na origem das discrepâncias entre as existências da loja e as vendas. Podemos dizer que o sistema de videovigilância cumpriu a sua missão protetora de bens, na medida em que permitiu descobrir a pessoa responsável pela falta dos bens da empregadora e prevenir a continuação da atividade ilícita.
O inusitado é que a pessoa em causa não era um terceiro estranho ao estabelecimento, mas a própria trabalhadora.
Neste contexto, as imagens obtidas são um meio de prova legítimo e não proibido e podem ser utilizadas em processo disciplinar e judicial para provar factos ilícitos praticados pela trabalhadora com vista à aplicação de sanção disciplinar, nomeadamente a de despedimento[1].
Os acórdãos citados pela apelante em sentido contrário ao ora decidido dizem respeito a casos em que a empregadora tinha o sistema de vigilância a distância instalado sem autorização da CNPD, pelo que não podem ser aplicados ao caso dos autos, em que a videovigilância foi previamente autorizada por esta entidade.
De realçar que as imagens de videovigilância não foram o único meio de prova produzido para a prova dos factos imputados à trabalhadora, o que afasta o perigo de eventual erro de interpretação.
As imagens captadas pelas câmaras de videovigilância, colocadas nos termos autorizados e definidos pela CNPD, com vista a proteger os bens da empregadora, constituem meio de prova lícito sujeito à livre apreciação do tribunal, nada obstando à sua utilização.
Na motivação da resposta à matéria de facto controvertida, o tribunal recorrido fundamentou, além do mais, que: “quanto ao fim visado com a instalação de câmaras de vigilância e ao modo como as mesmas se encontram instaladas, foram considerados os depoimentos de todas as testemunhas que são funcionários da ré (GG, FF e DD) par do responsável pela informática (…), sendo todos coincidentes no sentido de que as mesmas foram instaladas na sequência de um anterior assalto e tendo em vista a salvaguarda dos bens da ré. DD descreveu mesmo o modo como se encontram instaladas (uma em cada canto da loja, apontadas ao interior), não deixando de reconhecer que, por via disso, a filmagem abrange o balcão, que é o posto de trabalho dos funcionários da ré”.
Contrariamente ao concluído pela apelante, foi produzida prova no sentido de que o estabelecimento tinha sido assaltado em data anterior, pelo que não pode proceder a sua pretensão em dar como não provado este facto, constante do ponto 18 dos factos dados como provados na sentença.
Assim, improcede a apelação nesta parte.

B3) A justa causa para o despedimento e as suas consequências

O art.º 351.º do CT prescreve que constitui justa causa de despedimento, o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral (n.º 1).
O n.º 2 deste mesmo artigo enumera exemplificativamente comportamentos do trabalhador suscetíveis de constituir justa causa de despedimento.
Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.
O preenchimento do conceito de justa causa implica a verificação cumulativa de um elemento subjetivo, consistente em comportamento gravemente ilícito, em si mesmo ou pelas suas consequências, praticado culposamente pelo trabalhador; de um elemento objetivo consubstanciado na impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral; e na existência de um nexo de causalidade adequada entre os dois elementos enunciados de tal forma que a impossibilidade de manutenção da relação de trabalho decorra dos factos praticados ilícita e culposamente pelo trabalhador.
No caso, o comportamento da trabalhadora tem a ver com a lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa (alínea e) do n.º 2 do art.º 351.º do CT), uma vez que causou dano patrimonial à empregadora.
O art.º 126.º n.º 1 do CT prescreve que o empregador e o trabalhador devem proceder de boa-fé no exercício dos direitos e no cumprimento das respetivas obrigações e o art.º 128.º n.º 1 prescreve que o trabalhador deve realizar o trabalho com zelo e diligência (alínea c) e velar pela conservação e boa utilização de bens relacionados com o trabalho que lhe forem confiados pelo empregador (alínea g).
Os factos provados evidenciam que a trabalhadora violou os deveres de boa-fé na execução do contrato de trabalho, não realizou o seu trabalho com zelo e diligência e não velou pela conservação dos bens que lhe estavam confiados para o exercício das respetivas funções.
Os factos provados demonstram que a trabalhadora violou a regra fundamental consistente na manutenção da confiança entre o trabalhador e o empregador, dada a natureza da atividade desta e o modo de prestação da atividade por parte daquela, em que manuseia dinheiro.
A conduta da trabalhadora viola estes seus deveres e as mais elementares regras de direito, da sociedade e daquelas que a sua empregadora lhe impôs e deu a conhecer, e coloca de forma irremediável em causa a confiança que deve ter nela.
Ponderada a natureza das funções exercidas pela trabalhadora, em que está em causa dinheiro que lhe é pago pelos clientes do estabelecimento, assume especial relevo a confiança entre a trabalhadora e a empregadora, a imagem pública da empregadora e a contabilização correta dos proveitos da empresa, bem como a paz social no local de trabalho, na medida em que os factos praticados, a não se ter apurado a sua autoria, poderiam fazer recair a suspeita sobre os outros colegas de trabalho e gerar mal-estar.
Considerando os factos provados, não temos dúvidas em considerar culposo o comportamento da trabalhadora, aqui A, o qual é de tal modo grave que torna imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Nestes termos, decidimos julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida na parte impugnada.
Sumário: i) o empregador pode nomear instrutor para, em sua vez, presidir às diligências instrutórias.
ii) a omissão de diligência instrutória requerida pelo trabalhador na parte final da resposta à nota de culpa é ilícita e censurável, por violação do princípio do contraditório, mas não tem como consequência a nulidade do processo disciplinar.
iii) as imagens captadas pelo sistema de videovigilância, nos termos da autorização concedida pela CNPD, são proibidas se tiverem por finalidade controlar o trabalhador e a sua prestação, mas são admitidas se tiverem por fim proteger os bens e as pessoas dentro do estabelecimento.
iv) estas imagens são meio de prova lícito relativamente ao apuramento da origem das discrepâncias entre as existências da loja e o valor das vendas, donde resultou a identificação da trabalhadora, uma vez que não se destinavam a controlar esta e a sua prestação, mas a proteger os bens da empresa, e o visionamento da trabalhadora foi meramente incidental e fortuito.
v) Neste contexto, as imagens obtidas são um meio de prova legítimo, não proibido, e podem ser utilizadas em processo disciplinar e judicial para provar factos ilícitos praticados pela trabalhadora com vista à aplicação de sanção disciplinar de despedimento

III - DECISÃO
Pelo exposto, acordam os Juízes desta secção social do Tribunal da Relação de Évora em julgar improcedente a apelação e confirmar a sentença recorrida na parte impugnada.
Custas pela apelante.
Notifique.
(Acórdão elaborado e integralmente revisto pelo relator).
Évora, 06 de dezembro de 2017.

Moisés Silva (relator)
João Luís Nunes
Paula do Paço
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[1] Neste sentido: Ac. STJ, de 27.05.2010, processo 467/06.3TTCBR.C1.S1; Ac. STJ, de 28.09.2011, processo 22/09.6YGLSB.S2; Ac. STJ, de 08.02.2006, processo 05S3139, todos em www.dgsi.pt/jstj; Ac TRE, de 09.11.2010, processo 292/09.0TTSTB.E1, www.dgsi.pt/jtre; Acs RL de 16.11.2011, processo 17/10.7TTBRR.L1-4 e de 06.06.2012, processo 18/09.8TTALM.L1-4, ambos em www.dgsi.pt/jtrl.