Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1424/15.4T8TMR.E1
Relator: CONCEIÇÃO FERREIRA
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PRESSUPOSTOS
Data do Acordão: 06/28/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: O enriquecimento será injusto quando, segundo a ordenação substancial dos bens aprovada pelo Direito, ele deve pertencer a outra pessoa.
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 1424/15.4T8TMR.E1 (2ª Secção Cível)



ACORDAM OS JUÍZES DA SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

(…) e marido, (…), instauraram contra (…), entretanto falecido, e mulher, (…), entretanto declarada herdeira habilitada do seu marido, acção de processo comum, a correr temos no Tribunal Judicial da Comarca de Santarém (Juízo Local Cível de Tomar) alegando factos que no seu entender são tendentes a peticionar a condenação dos réus no pagamento de uma indemnização por enriquecimento sem causa no montante de € 14.986,58 acrescida de juros legais a contar da citação.
Citados, os réus vieram contestar declinando qualquer pagamento aos autores a título de enriquecimento sem causa, concluindo pela improcedência da acção.
Na fase do saneador, veio a ser proferida sentença pela qual se julgou improcedente a ação e se absolveu a ré do pedido.
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Inconformados, vieram os autores interpor recurso e apresentar as respectivas alegações, terminando por formular as seguintes conclusões, que se transcrevem:
1ª- Para além dos factos elencados pelo Mmº Juiz a quo de 1. a 5., não podem deixar de ter-se igualmente em conta na decisão todos aqueles que se provaram no anterior processo nº 556/12.5TBTMR que correu entre as mesmas partes (acção de Despejo), tal como referido no artigo 47º da p.i. e não impugnado.
2ª- O único contrato de arrendamento eventualmente atendível é o celebrado em 3 de Maio de 2004 entre a R. (…) e (…), com quem a A. outorgou o contrato de trespasse.
3ª- No texto deste contrato não foi feita qualquer menção à existência de licença de utilização contrariando o disposto nos artigos 8º e 9º do RAU, o que tem como consequência a sua nulidade ou pelo menos a invalidade do clausulado em matéria de responsabilidade por obras e pelo estado físico e arquitectónico do locado por estarem em causa questões de interesse geral atinentes à saúde, segurança e salubridade públicas.
4ª- Mesmo que o contrato de arrendamento não fosse total ou parcialmente nulo tinha o inquilino o direito de requerer a notificação do senhorio para a realização das obras necessárias, aplicando-se o regime dos artigos 14º a 18º do RAU.
5ª- Efetivamente o facto o anterior inquilino ter sido autorizado a efectivar as obras de adaptação não significa que tivesse a obrigação de as fazer em substituição do senhorio.
6ª- No contrato de trespasse nada foi mencionado quanto à existência de “título bastante e suficiente” para a transmissão do estabelecimento conforme é referido no artigo 12º, nº 2, do DL nº 234/2007, e o contrato de trespasse a que falta tal menção é um contrato contrário à Lei e como tal um contrato nulo, nulidade que é de conhecimento oficioso nos termos e por força do disposto nos artigos 280º, 286ª, 289ª e 294º do Código Civil.
7ª- Sendo nulo o contrato de trespasse não estavam os AA. vinculados ao contrato de arrendamento celebrado por (…), o que não quer dizer que não existisse uma relação locatícia de facto, uma vez que havia pagamento de rendas e emissão de recibos.
8ª- Eram por isso aplicáveis à execução de obras no locado, as normas legais supletivas, designadamente as previstas no Código Civil e no DL 157/2006.
9ª- E porque se tratava de obras urgentes, tinha aplicação directa o disposto no artigo 1036º do Código Civil (Reparações Ou Outras Despesas Urgentes).
10ª- Não podia, pois, o senhorio eximir-se à responsabilidade pelas obras em causa e como os AA. tiveram que as executar devido às circunstâncias, é-lhes devida a compensação por esse facto, conforme foi demandado neste processo.
11ª- Quando menos, as obras que o inquilino ficou autorizado a efectivar eram de adaptação do local arrendado aos fins a que se destinava por forma a permitir o fornecimento de refeições (snack-bar, derivados e afins), que anteriormente não eram servidas no estabelecimento.
12ª- O demais clausulado em matéria de obras, mesmo que fosse válido, jamais poderia significar que o inquilino se substituiria ao senhorio na obrigação de proporcionar a si próprio (inquilino) o gozo da coisa arrendada, demitindo-se aquele da obrigação de fazer quaisquer obras no locado, mesmo as que consistissem na substituição de elementos construtivos que se desgastam, se avariam ou perecem, ainda que lhes seja dado um uso prudente e mesmo se lhes for sendo feita a devida conservação.
13ª- Assim, por exemplo, estando demonstrado que o sistema de esgotos não funcionava, estando as tubagens rotas, fazendo-se a descarga de fluidos directamente para debaixo do prédio não pode haver qualquer dúvida de que o remédio nunca seria a conservação das tubagens existentes mas a sua substituição por novas.
14ª- Também as obras que foram feitas pelos AA. para satisfazer exigências legais supervenientes designadamente construir uma terceira casa de banho por se ter tornado obrigatório por Lei para os estabelecimentos de restauração e bebidas e retirar da cozinha o quadro eléctrico para outra divisão e resguardá-lo em caixa própria de acordo com as normas de segurança das instalações eléctricas caiam na estrita obrigação do senhorio de proporcionar o gozo da coisa para os fins contratados.
15ª- O Regime das obras no locado, impostas por Lei, tem de ser equiparado ao das obras executadas por imposição municipal, estando a cargo do senhorio independentemente do que tiver sido estipulado pelas partes.
16ª- Pelo que seria tão abusivo deixar o inquilino totalmente desprotegido por ter realizado obras que competiam ao senhorio como abusiva tem sido considerada a situação de impor ao senhorio a execução de obras de montante desproporcionado ao valor da renda.
17ª- Como tal deverá ser reconhecido aos AA. o direito a indemnização por enriquecimento sem causa conforme peticionado, ainda que a liquidação do valor devido seja relegado para momento posterior.
18ª- A sentença recorrida ao considerar que no caso falta o requisito negativo da «ausência de causa legítima» ou seja que a deslocação patrimonial encontra-se justificada no contrato de arrendamento cometeu erro na determinação das normas aplicáveis à validade do contrato de arrendamento, não tendo declarado oficiosamente a nulidade do contrato de trespasse e consequente inaplicabilidade do contrato de arrendamento; ou pelo menos a invalidade do clausulado em matéria de obras, face à violação flagrante no contrato de arrendamento do disposto nos artigos 8º e 9º do RAU e no contrato de trespasse do disposto no artigo 12º, nº 2, do DL nº 234/2007, de 19 de Junho, normas estas que deveriam ter sido aplicadas na sentença oficiosamente.
19ª- As normas aplicáveis no caso sub judice são as referidas na conclusão anterior bem como as dos artigos 1036º e 1074º e do DL 157/2006.
20ª- Consequentemente, ao negar o direito reclamado pelos AA. foi violado na sentença o disposto no artigo 473º do Código Civil.
21ª- Pelo que a mesma deverá ser revogada e a presente acção julgada totalmente procedente, condenando-se a R. no pedido, ainda que se necessário na quantia a liquidar em fase subsequente do processo.

A recorrida apresentou alegações defendendo a manutenção do julgador.
Cumpre apreciar e decidir

O objecto do recurso é delimitado pelas suas conclusões, não podendo o tribunal superior conhecer de questões que aí não constem, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento é oficioso.

Tendo por alicerce as conclusões a questão que importa apreciar e decidir traduz-se em saber se no caso configurado na acção pelos recorrentes, ocorre ou não uma situação de enriquecimento sem causa por parte da recorrida, e, em caso afirmativo, quais as consequências jurídicas daí a extrair.
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Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
1. Encontra-se descrito na CRP de Tomar sob o n.º …/19790505-B, a fracção autónoma B correspondente ao R/c Direito do prédio sito na Rua (…), n.º 9, em Tomar, destinada ao comércio e inscrita na matriz urbana da União de Freguesias de Tomar sob o artigo…-B (com origem no artigo …-B, da extinta freguesia de Santa Maria dos Olivais);
2. Sobre o prédio mencionado em 1.º, pela apresentação n.º …, de 7 de Setembro de 1984, encontra-se inscrita a aquisição por compra a favor dos Réus;
3. Entre (…), como primeiro outorgante, a ora Autora mulher (…), como segunda outorgante e o falecido Réu marido, (…), como terceiro outorgante, por escrito particular intitulado “Contrato de trespasse”, datado de 22 de Março de 2010, constante de fls. 20 e 21, foi acordado o seguinte, além do mais que aqui se dá por reproduzido:
(…)
É celebrado o contrato de trespasse que se rege pelo disposto nas cláusulas seguintes:
1.ª – O primeiro outorgante acima indicado trespassa à segunda outorgante acima indicada, e esta, por sua vez, toma de trespasse o estabelecimento comercial de café com todos os elementos que o integram, que ocupa o rés-do-chão direito servido pelo número onze de polícia, do prédio urbano sito na Rua (…), nesta cidade, freguesia de Santa Maria dos Olivais, inscrito na matriz sob o artigo (…), por cuja ocupação vem sendo paga a renda mensal de 300,00€ (trezentos euros).
2.ª - O preço total do trespasse é de 40.000.00€ (quarenta mil euros), por conta do qual a segunda outorgante (…) entrega neste acto ao primeiro a importância de MIL EUROS por cheque, que o primeiro outorgante declara ter recebido e de que dá quitação.
3.ª – A parte restante do preço que fica em dívida, ou seja, a quantia de TRINTA E NOVE MIL EUROS, será paga nos prazos seguintes: (…)
4.ª – A segunda e o terceiro outorgantes acordam em alterar a renda mensal para a quantia de quatrocentos euros a partir de 1 de Janeiro de 2011, renunciando o senhorio ao direito de preferência neste contrato de trespasse e a qualquer pedido de avaliação fiscal destinado á actualização da renda em consequência do mesmo trespasse.
5.ª – A segunda e o terceiro outorgantes convencionam ainda que o contrato de arrendamento manterá o mesmo regime de renovações automáticas que nele foram consagradas e que o terceiro outorgante abdica de vir a exercer a denúncia do contrato com qualquer fundamento antes de decorridos pelo menos dez anos a contar da presente data, desde que a inquilina não falte ao cumprimento das suas obrigações contratuais.
(…)
4. Em escritura pública de trespasse e arrendamento outorgada em cinco de Dezembro de 1984, constante de fls. 25 a 28, em que foi primeiro outorgante (…), e segundo outorgante (…), disseram os outorgantes o seguinte, além do mais que aqui se dá por reproduzido:
(…)
E PELOS PRIMEIROS OUTORGANTES FOI DITO: Que são donos e legítimos possuidores de um estabelecimento comercial de café, instalado na fracção autónoma designada pela letra B, correspondente ao rés-do-chão direito, composto por uma loja e duas instalações sanitárias, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal situado nesta cidade (…) – trespassam ao segundo outorgante, pelo preço de (…) o referido estabelecimento de café, com todos os elementos que o compõem, incluindo alvarás e licenças (…)
(…)
- Dão de arrendamento ao segundo outorgante atrás descrita fracção autónoma, que é ocupada na sua totalidade pelo estabelecimento comercial trespassado, nos termos seguintes:
- UM: - O arrendamento destina-se ao exercício do comércio de café;
(…)
- QUATRO: - O inquilino poderá efectuar na fracção autónoma arrendada quaisquer obras ou benfeitorias, sem prejuízo da segurança do edifício, revertendo as mesmas para a fracção autónoma, sem direito a qualquer indemnização ou retenção, podendo no entanto, findo o arrendamento, ser levantadas aquelas que possam ser sem detrimento da fracção;
- Disse o segundo outorgante que aceita o trespasse e o arrendamento nos termos exarados.
(…)
5. Pelo falecido Réu (…), na qualidade de senhorio, e (…), na qualidade de inquilino, foi subscrito o acordo escrito de fls. 29 e 30, intitulado “Contrato de Arrendamento Comercial”, datado de 3 de Maio de 2004, com o seguinte teor, além do mais que aqui se dá por reproduzido:
(…)
Celebram e reciprocamente aceitam o presente contrato de arrendamento comercial, que se regerá pelas seguintes cláusulas:
Primeira: O senhorio é dono e legítimo proprietário do prédio urbano, loja de rés-do-chão direito, fracção B, composto de uma loja e duas casas de banho, sito na Rua (…), 11, freguesia de Santa Maria dos Olivais, concelho de Tomar (…)
Segunda: O senhorio dá de arrendamento ao inquilino o prédio acima indicado e este arrenda-o, o qual se destina ao exercício da actividade comercial de café, snack-bar, derivados e afins não lhe podendo ser dado outro destino ou outro fim, salvo expressa autorização do senhorio. Fica expressamente vedada qualquer sublocação, empréstimo, cessão ou trespasse e a sua verificação confere ao senhorio o direito a requerer o imediato despejo do arrendado.
(…)
Quinta: o arrendatário fica autorizado a colocar reclames, todos, prateleiras, divisórias, instalações eléctricas, de ar condicionado e outras, desde que necessárias ao exercício da actividade comercial do arrendado, pertencendo-lhe tais inovações e obrigando-se a requerer as respectivas exigidas licenças para o efeito. Pode ainda efectivar obras no local arrendado de modo a adaptá-lo aos fins a que se destina, estipulando-se que as obras efectivas ficarão a pertencer ao arrendado, não podendo o inquilino fazer retenção ou exigir indemnização por elas, mas podendo sempre retirar as móveis ou amovíveis.
Sexta: O inquilino obriga-se a conservar em bom estado de funcionamento as canalizações, instalações sanitárias, a instalação eléctrica e todos os acessórios, sendo responsável pelas suas deteriorações e comprometendo-se a fazer a entrega do arrendado em bom estado de conservação e limpeza com todos os seus pertences, sob pena de indemnizar o senhorio pelos prejuízos causados.
(…)

Conhecendo da questão
Os autores/recorrentes vieram peticionar a condenação dos réus no pagamento da quantia que alegaram ter gasto com a realização de obras no local arrendado pertencente a estes e no qual funciona o estabelecimento comercial de café trespassado à autora mulher.
Na verdade, fundando, como acima deixámos expresso, os recorrentes a sua pretensão condenatória contra os réus no enriquecimento sem causa por parte destes, através da situação que configurou na acção, o êxito da mesma passa, desde logo, por saber, se no caso em apreço, se mostram ou não preenchidos todos os requisitos do instituto do enriquecimento sem causa.
É sabido que o enriquecimento sem causa constitui, no nosso ordenamento jurídico, uma fonte autónoma de obrigações e que assenta na ideia de que pessoa alguma deve locupletar-se à custa alheia. Ou seja, na base deste instituto encontram-se situações de enriquecimento sem causa, de enriquecimento injusto ou de locupletamento à custa alheia.
Este instituto encontra a sua consagração legal no artº 473º do C. Civil, ao dispor-se que “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou” (nº 1) e que “a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objeto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou” (nº 2).
Tendo os recorrentes estruturado a sua acção com base no enriquecimento sem causa, compete-lhes alegar e provar os seus respectivos requisitos, que são cumulativos ou seja:
a) É necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento. Enriquecimento esse que consiste “na obtenção de uma vantagem de caracter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista, tanto podendo traduzir-se num aumento do activo patrimonial, como numa diminuição do passivo.” (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, vol. I, 454.
Enriquecimento (injusto) esse que tanto poderá ter a sua origem ou provir de um negócio jurídico, como de um ato jurídico não negocial ou mesmo de um simples ato material.
b) Em segundo lugar, a obrigação de restituir pressupõe que o enriquecimento, contra o qual se reage, careça de causa justificativa (quer porque nunca a tenha tido, quer porque, tendo-a inicialmente, a haja entretanto perdido).
É sabido que o conceito de causa do enriquecimento não se encontre definido e que a causa do enriquecimento varia consoante a natureza jurídica do ato que lhe deu origem.
Devendo, todavia, funcionar como directriz geral, em todos os casos, a ideia de que o enriquecimento carece de causa justificativa quando, segundo a lei, deve pertencer a outra pessoa. Ou seja, o enriquecimento carecerá de causa sempre que o direito não o aprove ou consente, dado não existir uma relação ou um facto que, de acordo com as regras ou os princípios do nosso sistema jurídico, justifique a deslocação patrimonial ocorrida (a favor do enriquecido e à custa do empobrecimento de alguém), isto é, que legitime o enriquecimento.
Numa definição mais formal, e nas palavras do prof. A. Varela (Das Obrigações em Geral, vol. I, 2ª ed., 367) o enriquecimento será injusto quando, segundo a ordenação substancial dos bens aprovada pelo Direito, ele deve pertencer a outra pessoa.
c) Por fim, e em terceiro lugar, a obrigação de restituir pressupõe que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.
A correlação exigida por lei entre a situação dos dois sujeitos traduz-se, como regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada por um deles resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo outro.
O benefício obtido pelo enriquecido deve, pois, resultar de um prejuízo ou desvantagem do empobrecido.
Daí que se postule a necessidade de existência de um nexo (causal) entre a vantagem patrimonial auferida por um e o sacrifício sofrido por outro.
Por sua vez, dispõe o artº 474º, do C. Civil que “Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outos efeitos ao enriquecimento”.
Resulta deste normativo que a acção baseada nas regras do instituto do enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, só podendo recorrer-se a ela quando a lei não faculte ao empobrecido outros meios de reacção (cfr. Ac. do TRC de 13/12/1988, C.J. 4º, 81 e Acs. do STJ de 27/01/1998, in BMJ 473º, 474; de 02/07/2009 no proc.123/07.5TJVNF.S1; de 18/12/2012, no proc.978/10.6TVLSB-A.L1S1, estes disponíveis em www.dgsi.pt).
É sobre o autor (alegadamente empobrecido), à luz do artº 342º, nº 1 do CC., que impende o ónus de alegação e prova dos correspondentes factos que integram cada um daqueles requisitos, ou seja, de todos aqueles pressupostos legais que integram o referido instituto (v. Acs do STJ de 16/10/2009, no proc. 2217/07.8TBVCDS1).
Vejamos então o caso em apreço, face à matéria que resultou provada.
Os recorrentes já haviam peticionado a condenação dos recorridos no pagamento da quantia de € 14.070,63, a título de reembolso do custo de obras e indemnização por benfeitorias realizadas no prédio arrendado, em reconvenção na acção nº 556/12.5TBTMR. No entanto, nesse processo foi decidido julgar verificada a excepção de caso julgado, pois tal pedido já havia sido formulado no anterior processo de injunção com o nº 53862/12.8YIPRT, que correu termos no extinto Tribunal de Ferreira do Zêzere.
Assim, podem os recorrentes, com diversa causa de pedir, agora a do seu empobrecimento face à indevida deslocação patrimonial para os recorridos, nessa medida e por isso, enriquecidos, se for caso disso, obter o reembolso da quantia que dizem ter despendido.
Da matéria que resultou provada, diremos que bem andou o Mº Juiz “a quo” ao decidir que não se verificavam os requisitos do enriquecimento sem causa.
Resulta dos factos dados como provados em 3, 4 e 5, que o senhorio fez constar dos respectivos contratos de trespasse e arrendamento que os arrendatários podiam fazer as obras que entendessem necessárias para a sua actividade adaptá-lo aos fins a que se destinava, estipulando no entanto que as obras efectivas ficariam a pertencer ao arrendado não podendo o inquilino fazer retenção ou exigir indemnização por elas, mas podendo sempre retirar as móveis ou amovíveis.
Ora, as obras que os recorrentes fizeram no locado, estavam autorizados a fazê-las, como bem entendessem, para o fim que pretendiam.
Também já sabiam os recorrentes que as obras realizadas ficavam a pertencer ao arrendado, não podendo o inquilino exigir qualquer indemnização por elas ao senhorio.
Além disso, ainda se previu que o inquilino obriga-se a conservar em bom estado de funcionamento as canalizações, instalações sanitárias, a instalação eléctrica e todos os acessórios, sendo responsável pelas suas deteriorações e comprometendo-se a fazer a entrega do arrendado em bom estado de conservação e limpeza com todos os seus pertences, sob pena de indemnizar o senhorio pelos prejuízos causados (cláusula 6º, do ponto 5, da matéria dada como provada).
Assim, teremos de concluir que a deslocação patrimonial invocada pelos recorrentes, encontra-se justificada no contrato de arrendamento, onde ficou escrito que a realização de obras ficaria a cargo do arrendatário, sem direito a qualquer indemnização, obras essa que os recorrentes entenderam realizar para o estabelecimento funcionar como eles pretenderam.
Os recorrentes com as obras que realizaram certamente que tiraram mais proventos do locado.
Tal cláusula é legal, atento o disposto no artº 1111º, nº 1, do C. Civil, bem como no artº 120º, nº 3, do RAU, tendo o legislador deixado ao livre arbítrio das partes a estipulação do regime aplicável no caso de realização de obras.
Assim sendo a apelação terá de improceder.
Os recorrentes nas suas conclusões 3ª a 10ª, invocam questões novas que não foram invocadas na sua petição inicial e por tal, o tribunal de recurso não tem de as apreciar.
Com efeito, é entendimento unânime na jurisprudência que o objecto do recurso é a decisão, ou seja, os recursos visam modificar decisões e não criar soluções sobre matéria nova, não sendo licito às partes invocar nos recursos questões que não tenham suscitado perante o tribunal recorrido (cfr, nesse sentido, entre outros, os Acs. Do STJ de 6/2/87, 12/6/91, 2/4/92, 3/11/92 e 7/1/93 in, respectivamente, BMJ 364º, 719, BMJ 408º, 521, BMJ 416º, 642, BMJ 421º, 400, BMJ 423º, 540 e mais recentemente, o Ac. do STJ de 16/1/2002, Rev. nº 3247/01, 4ª sec, Sumários, 57).
Na doutrina é também este o entendimento, conforme resulta da lição de Castro Mendes, in Recursos, 1980, 27 e, Armindo Ribeiro Mendes, in Recursos em Processo Civil, 1992, 140 e 175.
Os recursos visam o reestudo por um tribunal superior de questões já vistas e resolvidas pelo tribunal “a quo” e não a pronúncia pelo tribunal “ad quem” sobre questões novas.
Assim, pelas razões acima expostas, é vedado a este tribunal conhecer desta questão, uma vez que se trata de matéria que não foi suscitada pelos recorrentes no tribunal recorrido, sendo certo que estes o podiam ter feito expressamente quando da apresentação da sua petição, o que não fizeram.
Em suma, irrelevam, as conclusões dos recorrentes não se mostrando violado qualquer preceito legal, cuja violação foi invocada, nomeadamente o artº 473º, do CC, impondo-se a improcedência da apelação.

DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirma-se a sentença recorrida.
Custas pelos apelantes.
Évora, 28-06-2017
Maria da Conceição Ferreira
Rui Manuel Duarte Amorim Machado e Moura
Mário António Mendes Serrano