Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
560/15.1T8PTM.E1
Relator: BAPTISTA COELHO
Descritores: RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
FALTA DE PAGAMENTO PONTUAL DA RETRIBUIÇÃO
CULPA DA ENTIDADE PATRONAL
MONTANTE DA INDEMNIZAÇÃO
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: PARCIALMENTE PROCEDENTE
Sumário: 1. A falta de pagamento pontual de retribuições presume-se sempre culposa.
2. Estando configurada a justa causa de resolução, o montante da indemnização a atribuir deve ter em conta, para além do mais, o valor das retribuições em dívida ao trabalhador, por forma a, dentro dos limites da lei, não ser demasiadamente desproporcionada daquele valor.
3. A condenação por litigância de má fé deve corresponder a situações que se traduzam numa manifestamente reprovável deturpação da verdade dos factos, e não a uma mera alegação de versões contraditórias sobre a mesma realidade das coisas.
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. nº 560/15.1T8PTM.E1

Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora:


Na 2ª Secção do Trabalho da Instância Central do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, em Portimão, BB, identificada nos autos, demandou CC, Lda., com sede em Armação de Pêra, pedindo a condenação da R. no pagamento das quantias de € 270,90, correspondente a 5/12 do subsídio de férias de 2013, € 650,15 de subsídio de férias de 2014, € 325,08 de 15 dias de férias, não gozadas, de 2013, € 650,15 de férias não gozadas de 2014, e € 13.625,21, de indemnização pela resolução do contrato, tudo acrescido de juros de mora até efetivo e integral pagamento. Para o efeito, alegou em resumo ter trabalhado como escriturária, sucessivamente e desde 1/6/1994, para ‘DD, Lda.’, para ‘EE, Lda.’, e finalmente para a R., sempre no mesmo estabelecimento e exercendo as mesmas funções; a 31/10/2014, porém, a A. operou a resolução do contrato de trabalho, com alegação de justa causa, por se encontrarem retribuições em atraso, tendo por isso direito à correspondente indemnização.
Gorada a tentativa de conciliação efetuada no âmbito da audiência de partes prevista no art.º 55º do Código de Processo do Trabalho (C.P.T.), a R. veio contestar de seguida, impugnando os pedidos deduzidos na p.i., sustentando não haver justa causa para a resolução do contrato, por inexistência de culpa, e concluindo pela improcedência da ação e consequente absolvição.
Foi proferido despacho saneador, aí sendo dispensada a seleção da matéria de facto, assente e controvertida, e procedeu-se depois a audiência de discussão e julgamento, sem gravação da prova nela produzida.
Foi finalmente proferida sentença, que julgou a ação totalmente procedente, condenando a R. a pagar à A. a quantia de € 15.521,49, acrescida de juros contados à taxa legal e até efetivo e integral pagamento sobre a quantia de € 13.625,21 desde a data da citação, e sobre o restante desde 24/2/2015; foi ainda a demandada condenada, como litigante de má fé, na multa de 4 UCs.
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Inconformada com o assim decidido, dessa sentença veio então apelar a R.. Na respetiva alegação de recurso formulou as seguintes conclusões:
I. O tribunal “a quo” deu como provado, que a antiguidade da autora ocorreu a partir de junho de 1994, quando, decorre dos documentos juntos à contestação pela Ré, quando,
II. A mesma, face à prova produzida, aos documentos juntos à contestação e aos factos provados e ao documento n.º 2, ora junto, resulta que a Escola de Condução Infante Santo, apenas teve o seu início no ano de 2001.
III. Data em que foi emitido o Alvará que permitiu o funcionamento do estabelecimento tido por escola de condução.
IV. Perfilhamos do douto entendimento do Mm. Juiz, no que concerne à transmissão de estabelecimento mas não no que aos autos concerne, mormente porque,
V. Não se verificou, in casu, a transmissão de estabelecimento, ma vez que, não se verifica a conservação da sua identidade, a prossecução da mesma actividade económica, a mesma clientela, as licenças e todos os equipamentos necessários ao desenvolvimento económico.
VI. Caso a Autora tivesse exercido funções para a sociedade DD, Lda., nunca poderia ter sido enquanto escola de condução, porquanto,
VII. Esta sociedade nunca prosseguiu esse fim económico, dado que nunca foi titular de qualquer Alvará que permitisse o funcionamento da escola de condução,
VIII. Nem tão pouco, os sócios da Ré foram sócios ou gerentes dessa sociedade.
IX. Mal andou o Tribunal “ a quo” quando motivou a sentença dando como provado que a antiguidade da Autora provinha desde Junho de 1994 e estabelecendo que a esta manteve a mesma actividade, no mesmo estabelecimento “Escola de Condução” (sublinhado nosso).
X. Efectivamente, a motivação da sentença ora recorrida enferma de nulidade na apreciação da prova produzida em sede de audiência e julgamento, senão vejamos,
XI. O Tribunal “a quo” ao dar como não provados o art.º 1º e 3º da contestação por não ter considerado que os documentos aí juntos, diga-se, cópias das certidões não certificadas, violou o princípio de tratamento de igualdade de oportunidade entre as partes, quando,
XII. Deveria ter convidado a Ré a juntar as referidas certidões, tal como convidou a a juntar um documento em falta, que não foi sequer protestado juntar aquando da apresentação da douta p.i., conforme resulta da do despacho concluso em 07/05/2015.
XIII. O Tribunal “a quo” ao considerar que a autora fez cessar o contrato validamente, e atribuindo-lhe direito a indemnização por falta culposa da ré, violou o artigo 394º do C.T. e o 639º do C.P.C.
XIV. Face à prova produzida e aos factos provados, entende a Ré, sempre com o devido respeito, uma vez que,
XV. Resultou provado que a Ré não pagou os salários motivada pela crise, diminuição de clientes, conforme resulta dos factos dados como provados na douta sentença recorrida.
XVI. Factos que levariam a uma decisão diferente, pugnando pois pela não ilicitude do despedimento.
XVII. Discorda ainda a Ré da sua condenação no pagamento da indeminização, à Autora, nos termos e na amplitude plasmados na douta sentença,
XVIII. Uma vez que, a Autora, não cuidou de usar do mesmo formalismo, ou seja, comunicar à Entidade Empregadora, através de carta registada com aviso de recepção ou,
XIX. Recolher a assinatura daquela Entidade aquando da entrega da comunicação, por mão própria, aquando da resolução do contrato que conduziria a efectivar o direito a essa indemnização.
XX. Pois que a licitude para fundamentar um pedido de indemnização da referida resolução, prossupõe a observância de determinados requisitos substanciais e formais, que a Autora não logrou cumprir, nomeadamente a comunicação escrita de resolução do contrato, ora
XXI. É entendimento da Ré que o Tribunal “a quo” não deveria ter dado tal facto provado, apenas, com o depoimento de uma testemunha, diga-se,
XXII. Colega da Autora, o qual também suspendeu o contrato de trabalho com a Ré, conforme resulta provado nos autos.
XXIII. Mesmo que assim não se entendesse, o pedido de indemnização deveria ter sido considerada improcedente pelo não cumprimento do formalismo, por parte da Autora que,
XXIV. Ao resolver o contrato com base no não pagamento do salário referente ao mês de Julho de 2014 e Agosto de 2014, o Tribunal “ a quo” não teve presente o disposto no n.º 5 do art.º 394º conjugado com o n.º 2, do art.º 395º, todos do Código do Trabalho.
XXV. Logo, deveria ter sido entendido que o prazo para resolução ainda não tinha ocorrido, pois que a retribuição do mês de julho, reclamada pela Autora, venceu-se no dia 31/07 e a retribuição do mês de Agosto venceu-se no dia 31/08/2014, razão pela qual,
XXVI. Sendo que, o prazo para resolução conta-se a partir do termo do período de 60 dias (negrito nosso), e não antes, como fez a Autora.
XXVII. Andou mal o Tribunal “a quo” quando teve entendimento diferente, ao não ter tido em consideração a conjugação dos supra mencionados preceitos legais.
XXVIII. O sentido em que, no entender da Recorrente, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deveriam ter sido interpretadas e aplicada.
XXIX. Também, salvo melhor opinião, a Recorrente entende sempre cooperou com o Tribunal “ a quo” exercendo a sua defesa de forma digna, onde alegou factos e impugnou outros, convicta de que o fazia no uso do direito à sua defesa, que não violou o preceito consignado no n.º 2, do artigo 542º do Código de Processo Civil.
XXX. Não poderemos olvidar a idade das testemunhas arroladas pela Ré e a distância no tempo dos factos.
XXXI. Razão pela qual é nosso entendimento que a condenação da Ré, como litigante de má-fé, encontra-se desprovida de razoabilidade, pelo que, o Tribunal “ a quo” ao decidir diferentemente, violou o disposto no n.º 4, do art.º 607º do C.P.C., impondo-se a revisão tomada nos termos, do art.º 662º do C.P.C.
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Notificada da interposição do recurso, a A. veio contra-alegar, aí concluindo o seguinte:
- À sociedade apelante falece em absoluto razão no presente recurso, pois o M.º Juíz ‘a quo’, que proferiu a douta sentença, fez uma correta interpretação dos factos e uma correta aplicação do Direito, não merecendo o mínimo reparo ou censura;
- Atenta toda a prova documental apresentada pelas partes, bem como toda a prova testemunhal produzida na audiência de julgamento, esteve bem o M.º Juiz ‘ a quo’ na decisão sobre os factos que considerou como provados, e melhor elencados na fundamentação de facto;
- Não houve erro na apreciação da prova, quando o M.º Juiz ‘a quo’ considera provado que a antiguidade da a. reporta-se a Julho de 1994;
- Na verdade, atenta toda a prova produzida nos autos, não pode haver quaisquer dúvidas que a A. desenvolveu a mesma atividade profissional de escriturária, no mesmo estabelecimento de Escola de Condução, sito sempre na mesma loja em Armação de Pêra, desde Junho de 1994 até Setembro de 2014;
- Apesar de terem sido 3 as ‘entidades empregadoras’ da A., as ordens dadas a esta por parte daquelas entidades patronais sempre foram feitas pelas mesmas pessoas (…e…) ao longo dos 20 anos que durou a relação laboral;
- Ainda que pudesse nõ fazer parte dos órgãos sociais dessa sociedade, o que se desconhece, o sr. … representava a primeira entidade patronal da A. na Escola de Condução em causa – ‘DD, Lda.’ – o que é evidente na Declaração de Retenção na Fonte/Nota dos Rendimentos Devidos, referente ao ano de 2001 e emitida em 14/1/2002, que foi por ele assinada, como consta no doc. nº 7 junto pela A. à sua petição inicial;
- Independentemente do nome da sociedade qie foi sendo sucessivamente no tempo a entidade patronal da A., desde Junho de 1994 até Setembro de 2014 a A. sempre exerceu as mesmas funções profissionais e no mesmo local, recendo ordens das mesmas pessoas, que foram as que a contrataram em 1994;
- Não assiste, igualmente, qualquer razão à sociedade apelante, quando põe em causa a justa causa de resolução do contrato de trabalho pela A.;
- Ao contrário do alegado pela sociedade apelante em sede de alegações no presente recurso, a A. cumpriu tudo o legalmente fixado para a resolução do seu contrato de trabalho com justa causa;
- À data da comunicação efetuada, a sociedade apelante devia à A. o salário de 2 meses seguidos, bem como as retribuições correspondentes aos subsídios de férias de 2013 (parte) e de 2014 (totalidade) e ainda por férias não gozadas em 2013 (metade) e em 2014 (um mês);
- O que é reconhecido por essa sociedade, a qual em 31/10/2014 emite e entrega à A. a Declaração de Situação de Desemprego – Modelo 5044 da Segurança social, opondo-lhe como motivo da cessação do contrato de trabalho a resolução por iniciativa do trabalhador com justa causa por retribuições em mora (nº 18, de III, Fundamentação de Facto, da douta sentença);
- Esteve, igualmente, bem o M.ª Juiz ‘a quo’ em condenar a sociedade apelante como litigante de má fé, pois esta sociedade deduziu oposição sabendo da falta de fundamento da mesma (art.º 542º, nº 2, al. a), do novo C.P.C.), além de que os seus representantes legais não pautaram a sua atuação com espírito de cooperação e de boa-fé processual;
- Assim, a douta sentença recorrida não violou qualquer disposição legal, como alega a sociedade apelante;
- Devendo ser considerada improcedente a apelação e confirmado o julgado.
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Admitido o recurso, e subidos os autos a esta Relação, a Ex.ª Procuradora-Geral adjunta emitiu douto parecer, pronunciando-se no sentido de a apelação dever ser julgada improcedente.
Dispensados que foram os vistos dos Exs.º adjuntos, cumpre decidir.
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E decidindo, recordemos antes de mais a matéria de facto dada como provada pelo tribunal recorrido, que foi a seguinte:
1. A autora começou, em Junho de 1994, a exercer as funções de escriturária nas instalações da escola de condução em Armação de Pêra (sita, à data, na …, que, actualmente, é denominado com o endereço Rua…), sendo que era a sociedade “DD, Lda.” Que processava os seus vencimentos.
2. Nesse local a autora exercia as suas funções recebendo ordens de FF e GG.
3. Em Janeiro de 2002, continuando a autora a exercer as mesmas funções e no mesmo local, a sociedade “EE, Lda.” passou a processar os seus vencimentos.
4. A autora continuou a trabalhar no mesmo local, a executar as mesmas tarefas, com a mesma categoria e vencimento e recebendo ordens das mesmas pessoas.
5. Em Maio de 2006, continuando a autora a trabalhar no mesmo local, a executar as mesmas tarefas, com a mesma categoria e vencimento e recebendo ordens de GG, a sociedade “CC” passou a processar os seus vencimentos.
6. Durante os últimos 8 meses do ano de 2006, a autora auferiu de retribuições pagas pela sociedade ré a quantia total de €6.355,10.
7. No ano de 2007 a autora recebeu da mesma sociedade, de retribuições, o montante total de €8.897,14.
8. No ano de 2008 a autora auferiu de rendimentos da sociedade ré o valor total de €9.087,46.
9. E no ano de 2009 foram auferidos rendimentos por parte da autora, pagos pela sociedade ré, no valor de €9.318,60.
10. Nos anos de 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e até ao último mês em que trabalhou para a sociedade Ré – Setembro de 2014, a Autora recebia desta sociedade a remuneração base mensal de 650,15 €, acrescida de 1 diuturnidade.
11. A Autora sempre cumpria afincada e dedicadamente com todos os seus deveres e obrigações perante a sua entidade patronal, sendo sempre boa a relação que manteve com os sócios e gerentes das sociedades que foram entidade patronal.
12. Nos últimos tempos a identificada sociedade ora Ré deixou de cumprir pontualmente com a sua obrigação de pagamento dos vencimentos da Autora.
13. Porque no início de Setembro de 2014, a Sociedade Ré já se encontrava em dívida para com a Autora quanto aos salários referentes aos meses de Julho e de Agosto de 2014.
14. Além das retribuições correspondentes aos subsídios de férias de 2013 (5/12) e de 2014 (totalidade) e ainda por férias não gozadas em 2013 (1/2) e em 2014 (1 mês), em 02 de Setembro de 2014, a Autora endereçou à sociedade Ré uma carta registada com aviso de recepção, a declarar a sua intenção de suspender o contrato de trabalho, nos termos do disposto no número 1 do artigo 325º do Código do Trabalho.
15. Tal carta/comunicação foi recebida pela sociedade Ré no dia 4 de Setembro de 2014.
16. Na sequência dessa comunicação, a Sociedade Ré emitiu e entregou à Autora em 12 de Setembro de 2014, a Declaração de Retribuições em Mora – Mod. GD 18/2010, da Segurança Social.
17. A autora entregou à legal representante da ré, GG, uma carta datada de 29 de Setembro de 2014, comunicando o seu propósito de resolver o contrato de trabalho por continuarem em falta o pagamento das retribuições de Julho e Agosto de 2014.
18. A ré, por intermédio da sua representante GG, preencheu e entregou à autora a declaração de situação de desemprego – modelo 5044 da Segurança Social, datada de 31 de Outubro de 2014, apondo-lhe como motivo da cessação do contrato de trabalho a resolução por iniciativa do trabalhador com justa causa por retribuições em mora.
19. Após a resolução do contrato de trabalho a sociedade ré liquidou à autora os vencimentos referentes aos meses de Julho e de Agosto de 2014.
20. A autora por via da actuação da ré sentiu-se receosa pelo seu futuro.
21. Em Junho de 2001 foi concedido um alvará à sociedade “EE, Lda.” para funcionamento da escola de condução…, em Armação de Pêra.
22. Era a autora quem recebia as quantias pagas pelos clientes e depositava nos bancos.
23. Era a autora que desenvolvia os procedimentos para o pagamento dos salários aos funcionários da escola de condução e pagamento dos fornecedores.
24. A autora combinava o gozo de férias com o director da escola.
25. A partir de 2012 os subsídios de férias e Natal eram pagos em duodécimos.
26. A ré viu diminuídos o número de alunos nos últimos anos.
27. Houve diminuição das receitas.
28. Essa diminuição das receitas era conhecida da autora.
29. A falta de pagamento de retribuições atingiu todos os trabalhadores da ré, como é do conhecimento da autora.
30. A escola da ré é pequena e, na altura, tinha apenas 3 empregados no seu quadro de pessoal.
31. A autora, como administrativa, um director responsável pela escola e um instrutor.
32. Os três trabalhadores da ré daquela escola de condução de Armação de Pêra suspenderam o seu contrato de trabalho.
33. Tanto o director da escola como o instrutor comunicaram as suas suspensões do exercício de funções ao Instituto da Mobilidade e dos Transportes.
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De acordo com as conclusões da respetiva alegação, que como se sabe delimitam o objeto de um recurso (cfr. arts.º 635º, nsº 3 e 4, e 639º, nº 1, ambos do Código de Processo Civil – C.P.C.), são no essencial três as questões que no caso dos autos vêm suscitadas pela apelante, na afirmação da sua discordância relativamente ao sentido condenatório da sentença recorrida. São elas:
- a antiguidade da A. ao serviço da R.;
- a resolução do contrato de trabalho, a existência de justa causa, e o direito a indemnização;
- a condenação por litigância de má-fé.
Vejamos então se assiste, ou não, razão à apelante, nos vários segmentos do recurso interposto.
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Antes porém de abordarmos cada uma das diferentes questões que se referiram, importa sublinhar que a decisão de facto proferida pelo tribunal recorrido não foi objeto de impugnação, pelo menos como a mesma deve ser deduzida, à luz das regras que a esse propósito se acham consignadas do art.º 640º, nº 1, do C.P.C..
As considerações expendidas pela recorrente sobre as provas produzidas, por exemplo no que toca à antiguidade da trabalhadora, não constituem uma impugnação de facto propriamente dita e processualmente válida, que determinem a reapreciação dos meios probatórios produzidos a esse respeito, antes configurando um mero argumento inserido na lógica da defesa, e visando sim questionar a decisão, de direito, proferida quanto ao mérito da causa.
Nessa medida, nada havendo sobre a mesma objetar, e considerando-a definitivamente assente, tal como foi decidida na 1ª instância, é nessa factualidade que assentaremos o conhecimento do objeto do recurso.
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Como se disse, a primeira das questões a decidir prende-se com o cálculo da antiguidade da A. ao serviço da recorrente, ponto que assume particular relevância na medida em que, para além do mais, será também com referência a esse tempo de serviço que deverá calcular-se a indemnização que à trabalhadora possa vir a ser reconhecida, em consequência da resolução contratual por ela operada.
Neste particular, a matéria fáctica relevante é aquela que consta dos pontos 1 a 5 dos factos provados, e que aqui relembramos:
- A autora começou, em Junho de 1994, a exercer as funções de escriturária nas instalações da escola de condução em Armação de Pêra (sita, à data, na … que, actualmente, é denominado com o endereço Rua…), sendo que era a sociedade “DD, Lda.” que processava os seus vencimentos.
- Nesse local a autora exercia as suas funções recebendo ordens de FF e GG.
- Em Janeiro de 2002, continuando a autora a exercer as mesmas funções e no mesmo local, a sociedade “EE, Lda.” passou a processar os seus vencimentos.
- A autora continuou a trabalhar no mesmo local, a executar as mesmas tarefas, com a mesma categoria e vencimento e recebendo ordens das mesmas pessoas.
- Em Maio de 2006, continuando a autora a trabalhar no mesmo local, a executar as mesmas tarefas, com a mesma categoria e vencimento e recebendo ordens de GG, a sociedade “CC” passou a processar os seus vencimentos.
Perante este panorama de facto, e tendo presente as regras acolhidas no art.º 285º do Código do Trabalho (C.T.), não temos dúvidas em concluir, como na sentença recorrida, que a antiguidade da A., ao serviço da recorrente, deve ser reportada a Junho de 1994, quando a mesma começou a trabalhar como escriturária na escola de condução de Armação de Pêra.
Vindo apurado que desde então a trabalhadora se manteve exercendo as mesmas funções, com a mesma categoria, e no mesmo local (na escola de condução de Armação de Pêra), será com efeito irrelevante apurar-se qual terá sido a entidade jurídica que, ao longo do tempo, deteve a titularidade daquela escola de condução, e bem assim qual a fórmula jurídica que terá presidido à transmissão dessa unidade económica.
O referido art.º 285º, e a sua natureza abrangente, interpretada à luz da Diretiva 2001/23/CE, que foi já devidamente tratada na sentença recorrida, em termos que agora nos escusamos a de novo retomar, confere uma especial imunidade aos contratos de trabalho existentes, cuja vigência não pode ser afetada pelo facto de ter havido uma transmissão da empresa ou do estabelecimento.
Nesta parte improcedem pois as conclusões da alegação da recorrente, cuja pretensão se mostra frontalmente contrariada pela matéria de facto que o tribunal recorrido julgou estar provada.
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Avancemos então para a temática da resolução do contrato de trabalho.
E nesse âmbito questionou desde logo a recorrente a regularidade formal da desvinculação contratual operada pela trabalhadora, sustentando não ter sido utilizada a forma escrita exigida por lei.
Sendo efetivamente esse o modo que a lei laboral prescreve para o trabalhador resolver o contrato, com alegação de justa causa – art.º 395º, nº 1, do C.T. – no caso dos autos mostra-se ter sido observada tal formalidade. Como se consignou no facto 17, ‘a autora entregou à legal representante da ré, GG, uma carta datada de 29 de Setembro de 2014, comunicando o seu propósito de resolver o contrato de trabalho por continuarem em falta o pagamento das retribuições de Julho e Agosto de 2014’.
Se assim não fosse, aliás, se não tivesse havido uma eficaz manifestação de vontade por parte da trabalhadora, no sentido de romper com o vínculo de trabalho, não se compreenderia então que a R. o tivesse declarado para efeitos de verificação da situação de desemprego.
Vindo provado, no facto 18, que ‘a ré, por intermédio da sua representante GG, preencheu e entregou à autora a declaração de situação de desemprego – modelo 5044 da Segurança Social, datada de 31 de Outubro de 2014, apondo-lhe como motivo da cessação do contrato de trabalho a resolução por iniciativa do trabalhador com justa causa por retribuições em mora’, não podem restar dúvidas quanto à receção, por parte da R., da declaração negocial da trabalhadora resolvendo a relação laboral, e ao modo como essa declaração foi entendida pela entidade empregadora, enquanto destinatária da mesma.
Não colhem portanto os argumentos aduzidos pela recorrente quanto à forma, alegadamente inválida, como foi operada a resolução do contrato.
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E que dizer quanto à justa causa invocada pela apelada, que se reconduz ao não pagamento atempado dos salários de Julho e Agosto de 2014 (cfr. facto 17)?
Como se sabe, o conceito de justa causa para resolução do contrato de trabalho, pelo trabalhador, é objeto de tratamento no art.º 394º do C.T., cujo nº 2 enumera, ainda que a título exemplificativo, diversos comportamentos do empregador suscetíveis de o integrar, o primeiro dos quais, na respetiva al. a), é precisamente a ‘falta culposa de pagamento pontual da retribuição’.
Sendo elementar dever do empregador ‘pagar pontualmente a retribuição’ – art.º 127º, nº 1, al. b), do C.T. – o incumprimento dessa obrigação reconduz-se afinal ao próprio incumprimento do contrato, naquela prestação que é contrapartida direta do dever de realizar o trabalho, e que corporiza a natureza onerosa da relação jurídica de trabalho subordinado. É essa particular relevância que, de resto, justifica que a falta culposa do pagamento pontual da retribuição, no elenco do referido art.º 394º, nº 2, seja o primeiro dos factos enumerados como justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, e que aí surja também autonomizada da violação culposa de outras garantias legais e convencionais do trabalhador (al. b) do mesmo nº 2).
Por força da regra do art.º 799º, nº 1, do Código Civil, essa falta presume-se aliás culposa, presunção essa que nem sequer admitirá prova em contrário quando estiver em causa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por mais de 60 dias – nº 5 do referido art.º 395º.
Não sendo este o caso dos autos, porque na carta de resolução, de 29/9/2014, que dirigiu à R. a trabalhadora apenas aludiu ao não pagamento atempado dos salários respeitantes a julho e agosto desse ano – facto 17 – em atraso portanto há menos de 60 dias, não parece no entanto, e ao invés do sustentado pela recorrente, que deva ter-se por afastada aqui a culpa da parte empregadora.
É certo que vem dado como provado que a R. viu diminuído o número de alunos nos últimos anos (facto 26), que houve diminuição de receitas (factos 27 e 28), e que a falta de pagamento de retribuições atingiu todos os trabalhadores da R. (facto 29).
Tais factos, porém, não justificam só por si que deva ter-se por ilidida a presunção daquele art.º 799º, nº1, na precisa medida em que não se mostra estabelecida a necessária relação causa/efeito entre os mesmos e o não pagamento dos salários aqui em causa. Não se percebe, aliás, porque não foram pagos em tempo os salários dos dois referidos meses, e todos os anteriores não terão sofrido idênticos atrasos.
Estando assim verificada a ‘falta culposa de pagamento pontual da retribuição’, daí não pode concluir-se, de imediato, estar configurada a justa causa invocada pela trabalhadora para operar a sua desvinculação contratual. Importa com efeito avaliar se, no caso concreto, o comportamento culposo da parte empregadora é de tal modo grave e danoso que tornasse imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho. É isso que resulta do nº 4 do referido art.º 394º, quando aí se determina a apreciação da justa causa, com as necessárias adaptações, à luz dos critérios definidos no art.º 351º, nº 3, também do C.T., a propósito da justa causa para despedimento, por facto imputável ao trabalhador.
No que toca à apreciação da justa causa, não pode todavia deixar de sublinhar-se, , que as ‘necessárias adaptações’, a que se refere aquele nº 4, implicam obviamente que seja de rejeitar uma transposição linear e redutora da maneira como deve fazer-se a ponderação dos factos relevantes, quando está em causa um despedimento, promovido pela empregador com alegação de justa causa. Basta atentar que este se insere num leque de sanções disciplinares à disposição da parte empregadora, a aplicar de forma proporcionada à gravidade e consequências de uma conduta culposa do trabalhador, enquanto à parte trabalhadora, em face dum comportamento culposo do empregador, e no âmbito estritamente contratual, apenas restará a possibilidade de promover a imediata rutura do vínculo laboral.
Não há portanto aqui um absoluto paralelismo de situações, que permita fazer, num e noutro caso, uma valoração semelhante dos factos pertinentes à verificação da justa causa.
Entendemos por isso que, quando está em causa a falta de pagamento atempado de retribuições, apenas em casos de muito reduzida culpa do empregador, com danos que sejam também relativamente diminutos, poderá ter-se por afastada a justa causa para a resolução do contrato.
E não é esse, manifestamente, o caso dos autos. Para a generalidade das famílias portuguesas, que vive dos rendimentos do trabalho, a falta de dois meses consecutivos do salário de um dos seus membros não é obviamente facto que seja desprezível, pois afeta significativa e negativamente o equilíbrio, tantas vezes precário, de qualquer orçamento familiar.
Daí que, tal como se entendeu na sentença recorrida, consideremos também estar configurada a justa causa invocada pela trabalhadora apelada para operar a resolução do contrato que a vinculava à R..
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Assente que está pois a verificação da justa causa, por comportamento culposo da parte empregadora, e o consequente direito da trabalhadora à indemnização prevista no art.º 396º do C.T., resta definir qual deverá ser o valor adequado desta.
O nº 1 deste normativo, como se sabe, determina que tal montante, que não poderá ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades, será fixado na base de 15 a 45 dias dessa retribuição por cada ano completo de antiguidade; e para tal efeito manda atender, por um lado, ao valor da retribuição, e por outro ao grau da ilicitude do comportamento do empregador.
Ora, a sentença recorrida considerou equilibrada a referência da indemnização a 35 dias de retribuição base, termos em que, atendendo ao limite do pedido da A, veio a fixá-la no montante peticionado de € 13.625,21.
Neste particular, no entanto, não podemos acompanhar o entendimento da 1ª instância.
Não há com efeito elementos que demonstrem ter havido um elevado grau de ilicitude da conduta culposa da recorrente, e também é certo que não excedeu os dois meses a falta de pagamento dos subsídios em causa.
E importa por outro lado considerar que, para uma antiguidade de vinte anos e três meses, a consideração duma semelhante referência indemnizatória conduziria a uma acentuada desproporção entre a retribuição em dívida e o montante a atribuir àquele título, que se afiguraria algo excessivo e por isso materialmente injusto.
Entendemos assim dever referenciar tal valor a 20 dias de retribuição, o que implica que a indemnização a atribuir corresponda a um total de € 9.968,96 ((€650,15X20/30X20anos) + (€650,15X20/30X3/12meses)).
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Cumpre finalmente abordar a questão da condenação da recorrente, como litigante de má fé, na multa de 4 UCs.
Sendo substancialmente diferentes, e nalguns pontos mesmo contraditórias, as versões de facto aduzidas por A. e R. nos respetivos articulados, a procedência da tese da trabalhadora não implica necessariamente que a parte contrária tenha incorrido na previsão das al. a) ou b) do art.º 542º, nº 2, do C.P.C..
A negação, em sede de contestação, duma determinada versão da realidade das coisas, que depois não vem a ser acolhida pelo tribunal, não significa por si só que se tenha verificado uma deliberada deturpação da verdade, um uso reprovável dos meios processuais, ou uma violação censurável do dever de cooperação.
Muito embora se reconheça ser exigível a todos os profissionais do foro, em quaisquer circunstâncias, uma lisura de procedimentos e um comprometimento processual que possa conduzir ao apuramento da verdade dos factos, que não raras vezes ficam aquém do expectável, também é certo que a litigância de má fé deve corresponder a situações particularmente reprováveis, que se não confundam com a mera existência de factos controvertidos e contraditórios. As contingências da prova com frequência inviabilizam a demonstração duma determinada versão da realidade, e essa carência de prova não pode acarretar, linearmente, que se conclua que a parte assim vencida litigou de má fé.
E esse parece-nos ser o caso dos autos. O comportamento processual da R., traduzindo uma visão necessariamente parcial do litígio dos autos, não se afigura bastante para merecer uma especial reprovação, e a condenação que àquele título vem consignada na sentença recorrida.
Concluímos pois assistir, nesta parte, razão à recorrente, devendo portanto na mesma medida ser revogada a decisão do tribunal a quo.
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Nesta conformidade, e pelos motivos expostos, acordam os juízes desta Secção Social em julgar a apelação parcialmente procedente, e em consequência:
a) Nessa medida revogando a sentença recorrida, condenam a R. CC, Lda., a pagar à A. BB, a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho, a quantia de € 9.968,96 (nove mil novecentos e sessenta e oito euros e noventa e seis cêntimos), acrescida de juros, à taxa legal, vencidos desde a citação, e vincendos até efetivo e integral pagamento.
b) Revogam também a sentença recorrida na parte em que condenou a apelante como litigante de má fé;
c) Em tudo o mais, designadamente no que respeita à condenação da R. no pagamento das demais quantias peticionadas, para além da referida indemnização, mantêm o decidido na mesma sentença.
Custas por recorrente e recorrida, na proporção de ¾ e de ¼, respetivamente.

Évora, 15-12-2016
Alexandre Ferreira Baptista Coelho (relator)
Moisés Pereira da Silva
João Luís Nunes