Acórdão do Tribunal da Relação de Évora | |||
Processo: |
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Relator: | ISABEL DE MATOS PEIXOTO IMAGINÁRIO | ||
Descritores: | ADMINISTRADOR DA INSOLVÊNCIA REMUNERAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 03/30/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Sumário: | - o EAJ mantém a atribuição da remuneração variável visando incentivar a diligência desenvolvida e premiar os resultados obtidos com a gestão e liquidação do património para satisfação dos interesses dos credores; - importa considerar o facto de persistir, na letra da lei, a menção de que a majoração dessa remuneração se apura em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos; - logo, não pode o cálculo assentar apenas numa percentagem fixa a aplicar ao saldo da liquidação, sem atender à medida de satisfação desses mesmos créditos. (sumário da Relatora) | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Évora I – As Partes e o Litígio Recorrente / Administradora da Insolvência: (…) Recorrido: Ministério Público No âmbito do processo de insolvência de (…) – Construções, S.A., veio a AI, em 16/03/2022, apresentar a Proposta de Distribuição e Rateio, na qual calculou o valor a receber a título de remuneração variável em € 34.364,95, conforme o disposto no artigo 23.º, n.ºs 2, 4 e 5, da Lei n.º 22/2013, na redação dada pelo DL n.º 52/2019, de 17/04 e Portaria n.º 51/05, de 20.01. O Ministério Público promoveu a apresentação do cálculo da remuneração variável à luz da Lei n.º 9/2022, de 11/01, que entrou em vigor em 11 de abril de 2022 com aplicação imediata aos processos pendentes. Em 17/05/2022, a AI apresentou novo cálculo da remuneração variável, indicando o valor de € 131.428,88, a que acresce o respetivo IVA. O Ministério Público veio indicar existir manifesto lapso no cálculo apresentado, na medida em que não atende ao grau/percentagem do pagamento dos créditos reconhecidos, concluindo que a remuneração variável da AI se deve fixar no valor total de € 109.170,37. Notificada a AI, a mesma declarou manter o cálculo apresentado. II – O Objeto do Recurso Foi proferido despacho do qual consta, designadamente, o seguinte: «Com estes pressupostos em mente, vejamos então a remuneração variável a fixar. O resultado da liquidação é de € 1.355.985,34. Sobre este incidirá a aplicação da taxa de 5%, obtendo o valor de € 67.799,27, a que acresce IVA no valor de € 15.593,83 (total da 1.ª parte da RV= € 83.396,10). Este valor é majorado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos. Para obter o grau de satisfação dos créditos, haverá que deduzir ao resultado da liquidação a primeira parcela da remuneração acrescida de IVA e a remuneração fixa acrescida de IVA, ou seja, € 1.355.985,34 - € 83.396,10 - € 2.000,00 x 23% = € 1.270.129,24. Cifrando-se os créditos admitidos no valor total de € 3.805.168,73, conforme conta da lista definitiva de credores, o grau dos créditos satisfeitos é de 0,33%. Aplicando de seguida a taxa de 5% obtém-se a majoração no valor de € 20.957,13 (€ 1.270.129,24 x 0,33% x 5%). Termos em se apura uma remuneração variável no valor de € 88.756,40 (€ 67.799,27 + € 20.957,13), a que acresce IVA à taxa legal no valor de € 20.413,97, ou seja, o valor total de € 109.170,37.» Inconformada, a Administradora da Insolvência apresentou-se a recorrer, pugnando pela revogação da decisão recorrida, a substituir por outra que fixe o montante a receber pela Recorrente a título de remuneração variável no montante global de € 161.657,52. Concluiu a alegação de recurso nos seguintes termos: «1. No âmbito do apenso G do processo de insolvência n.º 695/14.8TBTMR, que corre os seus termos no Juízo de Comercio de Santarém – Juiz 1, a Recorrente em 25.05.2021 veio prestar contas nos termos do artigo 62.º do CIRE (Petição com a Ref.ª 7742262). 2. Contas essas validadas por douta Sentença proferida naquele apenso em 07.10.2021 (Ref.ª 87879400) 3. A Recorrente em 16.03.2022 (Ref.ª 8534079) submeteu à sua Proposta de Distribuição e Rateio. 4. Na referida proposta de rateio, a Recorrente calculou o montante da remuneração variável em € 34.364,95, nos termos do disposto no artigo 23.º, n.ºs 2, 4 e 5, da Lei 22/2013, na redação dada pelo DL n.º 52/2019, de 17.04 e Portaria n.º 51/05, de 20.01. 5. Em 08.06.2022 (Ref.ª 90272394) a Digníssima Procuradora do Ministério Público promoveu a apresentação do cálculo da Remuneração Variável à luz da nova Lei n.º 9/2022, de 11.01 – aplicável desde 11.04.2022 a todos os processos pendentes. 6. A Recorrente em 17.05.2022 (Ref.ª 8710912), veio apresentar o cálculo da sua remuneração variável nos termos previstos pela Lei n.º 9/2022 de 11 de janeiro, e respetivas alterações ao artigo 23º do EAJ. 7. Do cálculo efetuado resultou um valor de remuneração variável de € 161.657,52. 8. Por douta Promoção de 07.11.2022 (Ref.ª 91508656), a Digníssima Procuradora da República opôs-se ao cálculo da remuneração variável efetuado pela Recorrente. 9. Através de Requerimento de 01.12.2022 (Ref.ª 9229092) a Recorrente veio fundamentar legal e doutrinariamente o cálculo da remuneração nos termos em que o fez, juntando parecer solicitado pela APAJ – Associação Portuguesa dos Administradores Judiciais ao Ilustre Professor Dr. Alexandre de Soveral Martins. 10. A proposta de remuneração não mereceu oposição por parte de nenhum credor. 11. No dia 16.12.2022, é proferido douto Despacho (Ref.ª 91957583) que decidiu fixar a remuneração variável em € 109.170,37. 12. Menos € 52.487,15 do que o peticionado pela Recorrente. 13. Para o efeito, entendeu a Mm.ª Juiz a quo que o cálculo de majoração da remuneração variável efetuado pela Recorrente não se encontrava devidamente formulado, por desconsiderar o grau de satisfação dos créditos. 14. Considerou a Mm.ª Juiz a quo que para o cálculo da majoração é necessário não só incluir o valor disponível para pagamento após operações previstas no artigo 23.º, n.ºs 4, alínea b), 6 e 7. 15. Mas também a percentagem dos créditos satisfeitos e admitidos. 16. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, a Recorrente entende que esta decisão incorre num erro de interpretação da norma substantiva prevista no n.º 7 do artigo 23.º da Lei n.º 9/2022, de 11/01. 17. Esta artigo nada refere quanto ao método, nem ao modo de cálculo adotado pelo julgador. 18. Ora, nada referindo, deve-se procurar o sentido literal da norma que é de aplicar 5% ao montante disponível para distribuição dos senhores credores. 19. Na antiga redação do n.º 1 do artigo 23.º do EAJ (redação da Lei n.º 79/2021, de 24/11): “ 1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, de acordo com o montante estabelecido em portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças, da justiça e da economia.” 20. Como forma de cálculo, estabeleciam os n.º 2 a 5 do mesmo artigo que “2 – Os administradores judiciais referidos no número anterior auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é o fixado na portaria referida no número anterior. 3 - Para os efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano, conforme o regime previsto na portaria referida no n.º 1. 4 - Para efeitos do n.º 2, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência. 5 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 3 e 4 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1. 6 - Se, por aplicação do disposto nos números anteriores relativamente a processos em que haja liquidação da massa insolvente, a remuneração exceder o montante de (euro) 50.000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções. 7 - À remuneração devida ao administrador judicial comum para os devedores que se encontrem em situação de relação de domínio ou de grupo, nomeado nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 52.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplica-se o limite referido no número anterior acrescido de (euro) 10.000 por cada um dos devedores do mesmo grupo.” 21. Ou seja, na anterior legislação, para a fixação da remuneração variável do Administrador Judicial teria de socorrer-se ao referido artigo 23.º, majorado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, 22. Este grau de satisfação era interpretado em conjugação com a Portaria n.º 51/2005, de 20 de Janeiro. 23. E assim era porquanto a norma continha a seguinte expressão: "(…) em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, pela aplicação dos fatores constantes da portaria referida no n.º 1". 24. Portaria que fazia menção expressa ao método de aplicação aos coeficientes percentuais a aplicar a cada montante. 25. Com a recente alteração legislativa operada pela entrada em vigor da Lei n.º 55/2021, de 13/08, o referido artigo 23.º do EAJ passou a ter a seguinte redação: “1 - O administrador judicial provisório em processo especial de revitalização ou em processo especial para acordo de pagamento ou o administrador da insolvência em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz tem direito a ser remunerado pelos atos praticados, sendo o valor da remuneração fixa de 2.000 (euro). 2 - Caso o processo seja tramitado ao abrigo do disposto no artigo 39.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, a remuneração referida no número anterior é reduzida para um quarto. 3 - Sem prejuízo do direito à remuneração variável, calculada nos termos dos números seguintes, no caso de o administrador judicial exercer as suas funções por menos de seis meses devido à sua substituição por outro administrador judicial, aquele apenas aufere a primeira das prestações mencionadas no n.º 2 do artigo 29.º. 4 – Os administradores judiciais referidos no n.º 1 auferem ainda uma remuneração variável em função do resultado da recuperação do devedor ou da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado nos termos seguintes: a) 10% da situação líquida, calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5; b) 5% do resultado da liquidação da massa insolvente, nos termos do n.º 6. 5 - Para os efeitos do disposto no número anterior, em processo especial de revitalização, em processo especial para acordo de pagamento ou em processo de insolvência em que seja aprovado um plano de recuperação, considera-se resultado da recuperação o valor determinado com base no montante dos créditos a satisfazer aos credores integrados no plano. 6 - Para efeitos do n.º 4, considera-se resultado da liquidação o montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência. 7 - O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles. 8 - Se, por aplicação do disposto nos números anteriores relativamente a processos em que haja liquidação da massa insolvente, a remuneração exceder o montante de (euro) 50 000 por processo, o juiz pode determinar que a remuneração devida para além desse montante seja inferior à resultante da aplicação dos critérios legais, tendo em conta, designadamente, os serviços prestados, os resultados obtidos, a complexidade do processo e a diligência empregue pelo administrador judicial no exercício das suas funções. 9 - À remuneração devida ao administrador judicial comum para os devedores que se encontrem em situação de relação de domínio ou de grupo, nomeado nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 52.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, aplica-se o limite referido no número anterior acrescido de (euro) 10.000 por cada um dos devedores do mesmo grupo. 10 - A remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 4 não pode ser superior a 100.000 (euro). 11 - No caso de o administrador judicial cessar funções antes do encerramento do processo, a remuneração variável é calculada proporcionalmente ao resultado da liquidação naquela data.” 26. Esta constitui a principal novidade da Lei n.º 9/2022: a consagração de uma forma diversa de calcular a remuneração variável em função do resultado da liquidação – quando os autos assim o prossigam. 27. In casu, para a determinação do Resultado da Liquidação, a Recorrente deduziu às Receitas de Liquidação (€ 1.408 597,45) os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, nomeadamente, as despesas (totais) da liquidação € 36.171,11 e as custas do processo de insolvência € 18.901,00. 28. O n.º 6 do referido artigo exclui desta operação a remuneração fixa referida no nº 1. 29. Nos presentes autos temos um Resultado da Liquidação de € 1.355 985,34. 30. Ao Resultado (liquido) da Liquidação é aplicado o quoeficiente de 5%, para alcançar o quantum da Remuneração Variável de € 67.799,27 acrescido de IVA, à taxa legal de 23% (€ 15.593,83). 31. O que corresponde a uma remuneração variável de € 83.393,10. 32. O n.º 7 do artigo 23.º do EAJ estabelece que “O valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.os 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles." 33. A lei prevê assim a majoração da remuneração variável em caso de liquidação, através da aplicação de novo factor de 5% sobre o valor pronto para distribuição sobre os credores. 34. Desta forma a lei equipara o Administrador Judicial a um verdadeiro credor da Massa Insolvente. 35. Para o cálculo da majoração deduz-se ao Resultado (liquido) da Liquidação (€ 1.355.985,34), o montante global a pagar à Recorrente a título de Remuneração Variável (€ 83.393,10). 36. Assim se obtém o montante disponível para a satisfação dos créditos reclamados e satisfeitos que é de € 1.272 592,24. 37. A majoração prevista no n.º 7 do artigo 23.º do EAJ será calculada aplicando o quoeficiente de 5% sobre este valor, in casu de € 63.629,61. 38. A este valor acresce IVA à taxa legal de 23% (€ 14.634,81). 39. Assim o valor (global) da majoração é de € 78.264,42. 40. E o valor global da Remuneração Variável (com majoração incluída) é de € 161.657,52. 41. Este é o valor que consta na proposta de remuneração submetida nos autos principais a 17.05.2022 (Ref.ª 8710912). 42. O despacho ora em crise considera que para efeitos de cálculo da majoração, se deve aplicar um quoeficiente percentil que a lei não indica, nem prevê. 43. Pelo que se trata de uma interpretação que não deve ser acolhida por não ser a que resulta expressa da letra da lei, 44. Nem tão pouco encontra fundamento no percurso histórico que foi feito até à sua aprovação. 45. De acordo com a posição adotada pelo Sr. Dr. Nuno Marcelo da Nóbrega dos Santos de Freitas Araújo em artigo cientifico denominado “A renumeração do Administrador Judicial e a sua apreciação jurisdicional depois de abril de 2022”: "(…) a nova fórmula de cálculo da remuneração variável em caso de liquidação, e ao contrário do que a letra do n.º 7 parece sugerir, implica a total irrelevância que o grau (ou percentagem) de satisfação dos credores assume agora, face ao universo da totalidade dos créditos." 46. Este Autor entende que os "(…) 5% da majoração vão incidir sobre o produto da liquidação já deduzido de todas as despesas da massa, incluindo a remuneração fixa e variável (esta, naturalmente ainda sem a majoração)." 47. Ademais, no douto Parecer do Ilustre Professor Doutor Alexandre de Soveral Martins, junto aos autos no Requerimento de 01.12.2022 (Ref.ª 9229092) considera que "(…) a referência a um «grau» de satisfação feita no n.º 7 do artigo 23.º do EAJ não significa que se tenha de efetuar uma primeira operação para reduzir o valor sobre o qual incidirá a percentagem de 5% ou uma primeira operação para reduzir o valor da percentagem a aplicar ao montante dos créditos satisfeitos. E muito menos há que aplicar a tabela que surgia no Anexo II da Portaria 51/2005.". 48. Para este Autor "(…) a expressão «em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos» pretende tornar claro, desde logo, que os créditos satisfeitos que contam para a majoração são os que se incluam nos créditos reclamados e admitidos;" nomeadamente para salvaguardar os créditos que, embora não reclamados, sejam por outro via do conhecimento, reconhecidos pelo Administradora Judicial (v. g. créditos constantes da contabilidade de uma sociedade devedor ou que, por qualquer outra via sejam do conhecimento do Administrador de Insolvência). 49. Ora, ao fazer assentar a operação de majoração da Remuneração Variável com base na aplicação de um quoeficiente (5%) em função de um grau de satisfação dos créditos admitidos percentualmente calculado e não legalmente previsto, o despacho em crise incorre na violação da norma substantiva prevista no artigo 23.º, por adoção de entendimento diverso ao expressamente previsto na referida norma. 50. Razão pela qual se impõe a sua correção de acordo com o legalmente previsto.» O Ministério Público apresentou contra-alegações sustentando que o recurso deve ser julgado improcedente, por falta de fundamento. Cumpre apreciar se, na decisão recorrida, se incorreu em erro na interpretação e aplicação do regime atinente à fixação da remuneração variável devida à AI. III – Fundamentos A – Dados a considerar 1 - O resultado da liquidação é de € 1.355.985,34. 2 - Os créditos admitidos ascendem ao valor total de € 3.805.168,73. B – O Direito Está em causa a interpretação e aplicação do regime inserto no artigo 23.º/7, do EAJ, nos termos do qual o valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 é majorado, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles. Ora vejamos. Tendo o administrador insolvência, em processo de insolvência nomeado por iniciativa do juiz, direito a ser remunerado pelos atos praticados, cabe-lhe, desde logo, a remuneração fixa de € 2.000,00 – cfr. artigo 23.º/1, do EAJ. Mais tem direito a remuneração variável em função do resultado da liquidação da massa insolvente, cujo valor é calculado em 5% do resultado da liquidação da massa insolvente; o resultado da liquidação corresponde ao montante apurado para a massa insolvente, depois de deduzidos os montantes necessários ao pagamento das dívidas dessa mesma massa, com exceção da remuneração referida no n.º 1 e das custas de processos judiciais pendentes na data de declaração da insolvência – cfr. artigo 23.º, n.ºs 4 e 6, do EAJ. A remuneração calculada nos termos da alínea b) do n.º 4 não pode ser superior a 100.000 (euro) – cfr. artigo 23.º, n.º 10, do EAJ. Uma vez que o resultado da liquidação ascende a € 1.355.985,34, a aplicação da taxa de 5% implica na verba de € 67.799,27. Por conseguinte, a remuneração variável devida à AI a coberto do disposto nos n.ºs 4 e 6 do artigo 23.º do EAJ, a acrescer à remuneração fixa de € 2.000,00 decorrente do n.º 1 da mesma disposição legal, ascende a € 83.393,10, incluindo IVA à taxa legal. Tal montante está sujeito à majoração prevista no n.º 7 da citada norma legal. A decisão recorrida, para apurar a majoração ali prevista, procedeu da seguinte forma: - deduziu ao resultado da liquidação (€ 1.355.985,34) a remuneração variável já apurada acrescida de IVA (€ 83.393,10) e a remuneração fixa acrescida de IVA (€ 2.460), o que implica no montante de € 1.270.129,24; corresponde ao saldo da liquidação, o montante disponível para satisfação dos créditos reclamados e admitidos; - dividiu o saldo da liquidação (€ 1.270.129,24) pelo valor dos créditos admitidos (€ 3.805.168,73), alcançando o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos na cifra de 0,33%; - ao saldo da liquidação aplicou a percentagem de satisfação dos créditos (0,33%) e, de seguida, a percentagem de 5%, o que implica na verba de € 20.957,13. Corresponde à majoração prevista no n.º 7 do artigo 23.º do EAJ, verba que se adicionará ao montante previamente apurado de € 67.799,27 e que, aplicando a taxa legal de IVA, conforma a remuneração variável devida à AI no montante global de € 109.170,37. A Recorrente, por seu turno, sustenta que o cálculo da referida majoração deve fazer-se da seguinte forma: - deduzindo ao resultado da liquidação (€ 1.355.985,34) a remuneração variável já apurada acrescida de IVA (€ 83.393,10), o que implica no saldo da liquidação de € 1.272.592,24; - aplicando a taxa de 5% ao saldo da liquidação, o que implica na verba de € 63.629,61, a que se acrescenta o IVA, somando-se à remuneração calculada nos termos dos n.ºs 4 e 6, perfazendo a remuneração variável de € 161.657,52. Na ótica da Recorrente, nem a letra da lei nem a evolução normativa consentem a aplicação da taxa de 0,33%, não sendo de reduzir o valor a que se aplicará a taxa de 5% fazendo apelo ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos. Os membros do presente coletivo subscreveram já acórdãos no sentido acolhido na decisão recorrida. Assim: Ac. TRE de 29/09/2022 (Tomé de Carvalho), cujo sumário consigna o seguinte: «1 – Em sede de remuneração variável, ao editar a norma do n.º 7 do artigo 23.º do Estatutos dos Administradores Judiciais, o legislador não teve intenção de abandonar o princípio já vigente na legislação anterior em que a majoração da remuneração variável dependia igualmente do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos. 2 – No cálculo da majoração importa equacionar o valor disponível para pagamento após operações previstas no artigo 23.º, nºs 4, alínea b), 6 e 7 e, bem assim, a interligação entre créditos admitidos e satisfeitos.» Ac. TRE de 02/03/2023 (Maria Domingas Simões), secundando a posição exarada no Ac. TRE de 15/12/2022, do mesmo coletivo, cujo sumário consigna o seguinte: «I. Mantendo o legislador a parte variável da remuneração do Administrador Judicial como incentivo à diligência e prémio pelos resultados obtidos com a gestão e venda do património do insolvente, o n.º 7 do artigo 23.º do EAJ deve ser interpretado no sentido de que um dos fatores a considerar no cálculo é a percentagem de créditos satisfeitos para efeitos de apuramento do montante sobre o qual irá depois incidir a percentagem de 5% relativa à majoração. II. O cálculo da majoração implica assim duas operações sucessivas: a primeira, tendo em vista apurar o “grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, obtém-se dividindo o valor da liquidação disponível para distribuição, calculado nos termos prescritos no n.º 6, pelo montante dos créditos reconhecidos; de seguida, a percentagem obtida, correspondente ao grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, é aplicada ao mesmo valor da liquidação, sendo sobre o resultado desta segunda operação que vai incidir a percentagem de 5%.» Subscrevemos a jurisprudência aqui assinalada, não se alcançando, da fundamentação do presente recurso, argumento que a possa colocar em crise. Assim, reiteramos os termos do último acórdão citado, designadamente ao referir que «se a lei atualmente em vigor, designadamente o n.º 7 do preceito que agora nos ocupa, tem, é uma evidência, uma redação pouco clara, ainda assim não pode, conforme pretende a apelante, ignorar-se o segmento em que, na linha da solução até aqui vigente, apela ao critério do grau de satisfação dos credores, como não podia deixar de ser, porque é esse o objetivo último da liquidação. Deste modo, e tendo em atenção que o n.º 7 do artigo 23.º relaciona a majoração com o “grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos”, elemento literal que apoia a interpretação feita na decisão recorrida, também o elemento histórico a favorece, por nada indicar que o legislador tenha querido descontinuar a solução antes vigente. A este propósito, conforme justamente se acentua no acórdão do TRC de 25 de Outubro de 2022 (processo 318/12.0TBCNT-V.C1, igualmente disponível em www.dgsi.pt), no qual se faz cuidada análise dos antecedentes legislativos, na sua literalidade, o citado n.º 7 “(…) tanto relaciona a majoração da remuneração variável com o grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos como a associa ao montante dos créditos satisfeitos. Ao dizer que “o valor alcançado … é majorado em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitido” relaciona a majoração com o grau de satisfação dos créditos reclamados. Ao afirmar que o “valor alcançado é majorado em 5% do montante dos créditos satisfeitos” associa a majoração com o montante dos créditos satisfeitos”, sendo que a interpretação proposta é aquela que, dando expressão a cada um dos segmentos que se analisam, confere sentido útil a toda a redação do preceito (cfr. neste preciso sentido, o acórdão do TRC de 11/10/2022, no processo 3947/08.2 TJCBR-AY.C1, e deste mesmo TRE de 29/9/2022, processo 260/14.0TBTVR.E1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt). A questão havia sido já abordada no acórdão do TRC de 28 de setembro de 2022, ao que cremos inédito mas de que se faz extensa citação no aresto do mesmo TRC proferido no processo 3947/08.2 acima identificado, e que, pela sua clareza, se afigura pertinente citar. A propósito, nele se refere que “Mandam as regras de interpretação da lei – estabelecidas no artigo 9.º do CC – que, apesar de não poder ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso, a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada, ali se determinando ainda que na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados. Sendo certo – conforme referimos – que uma interpretação estritamente literal não é viável, importa tentar apurar e reconstituir o pensamento legislativo. Ora, dizendo-se ali expressamente que a remuneração em questão é calculada em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, parece que a intenção do legislador terá sido a de considerar que a remuneração em questão tomasse em conta essa variável. Tal pretensão/intenção está, aliás, em perfeita sintonia com aquilo que já constava da Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 112/IX – que veio a dar origem ao anterior Estatuto do Administrador da Insolvência (aprovado pela Lei n.º 32/2004) – e que também se colhe na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 107/XII – que veio a dar origem ao atual Estatuto do Administrador Judicial (aprovado pela Lei n.º 22/2013) – de onde resulta que a remuneração em questão visa também incentivar os administradores a desenvolver esforços no sentido de alcançar o melhor resultado possível e premiá-los pelo resultado efetivamente obtido e que se presume resultar, pelo menos em parte, do seu empenho e do seu esforço. Nessa perspetiva, surge como natural que o grau de satisfação de créditos surja como variável relevante na fixação da indemnização.» Veja-se que, na sua redação inicial, o atual Estatuto já previa (no seu n.º 5) a remuneração em causa a calcular “em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos” (o mesmo acontecia, aliás, com o anterior Estatuto que previa e regulava essa remuneração nos mesmos termos – cfr. respetivo artigo 20.º, n.º 4) e, à data, essa remuneração era fixada por aplicação de fatores constantes de uma portaria (a Portaria n.º 51/2005, de 20/01) e que estavam estabelecidos com referência e em função da “percentagem de créditos admitida que foi satisfeita” (quanto maior fosse essa percentagem – ou seja, o grau de satisfação dos créditos admitidos – maior seria o fator aplicável com vista à fixação da remuneração). Ora, apesar de – por força da alteração introduzida pela Lei n.º 9/2022, de 11/01 – o Estatuto ter passado a conter as regras de cálculo da remuneração (deixando, portanto, de o fazer com referência a qualquer portaria), a redação da primeira parte do n.º 7 do artigo 23.º (anteriormente n.º 5) manteve-se inalterada, continuando a fazer referência ao facto de a remuneração ser majorada em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos. Parece claro, portanto, que o legislador não teve o propósito de alterar o que anteriormente constava da lei – ou seja, que a remuneração em questão era calculada em função do grau de satisfação dos créditos ou percentagem de créditos admitidos que foi satisfeita – sucedendo apenas que a expressão escolhida para estabelecer o valor dessa remuneração não foi feliz, na medida em que parece apontar para uma remuneração que não leva em conta o grau de satisfação dos créditos. Se o legislador tivesse pretendido alterar o regime até aí vigente (que, como se referiu, atendia expressamente à percentagem de créditos admitidos que havia sido satisfeita ou grau de satisfação), certamente que o teria deixado claro e, ao invés de reproduzir o que já constava da lei, não deixaria de eliminar a referência que ali era feita ao facto de a remuneração ser majorada, em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, dizendo apenas – como seria mais lógico – que o valor alcançado por aplicação das regras referidas nos n.ºs 5 e 6 seria majorado em 5% do montante dos créditos satisfeitos. Não foi essa a opção do legislador. E não foi – pensamos nós – porque não foi sua intenção que aquela remuneração fosse calculada com referência exclusiva ao valor dos créditos satisfeitos sem considerar a percentagem que esses créditos representavam no valor global dos créditos que haviam sido admitidos, ou seja, o grau de satisfação destes créditos. A intenção do legislador – quando alterou a redação da norma com a Lei n.º 9/2022 – terá sido apenas a de afastar a remissão que, anteriormente, era feita para uma portaria, passando a regular diretamente essa matéria; e, tendo mantido o critério base que estava estabelecido (o grau de satisfação dos créditos), a sua intenção terá sido a de estabelecer a remuneração em 5% da percentagem de créditos satisfeitos em relação aos que haviam sido reclamados e admitidos, ainda que isso não tenha ficado expresso com clareza no texto legal. A norma em questão deve, portanto – na nossa perspetiva – ser lida e interpretada com o sentido que lhe foi atribuído pela decisão recorrida, ou seja: a remuneração corresponderá a 5% do montante dos créditos satisfeitos, quando estes créditos (satisfeitos) correspondam à totalidade dos créditos admitidos, configurando-se, portanto, um grau de satisfação destes créditos de 100%; quando os créditos satisfeitos não correspondam à totalidade dos créditos admitidos, aqueles 5% terão que ser calculados com referência ao grau de satisfação dos créditos, ou seja, à percentagem dos créditos admitidos que foram satisfeitos. Se o valor da remuneração correspondesse sempre a 5% dos créditos satisfeitos (como sustenta o Apelante), tal significaria que a remuneração seria idêntica quer esses créditos correspondessem à globalidade dos créditos admitidos, quer correspondessem a uma parte ínfima deles; o grau de satisfação dos créditos seria, portanto, totalmente desconsiderado ao contrário do que expressamente se dispõe na norma em causa e contrariando aquele que – pelas razões apontadas – pensamos ter sido o pensamento do legislador.”» Uma vez que o EAJ mantém a atribuição da remuneração variável visando incentivar a diligência desenvolvida e premiar os resultados obtidos com a gestão e liquidação do património para satisfação dos interesses dos credores, há que relevar o facto de persistir a menção de que a majoração dessa remuneração se apura em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos. Logo, não pode o cálculo assentar apenas numa percentagem fixa a aplicar ao saldo da liquidação, sem atender à medida de satisfação desses mesmos créditos.[1] Improcedem as conclusões da alegação do presente recurso, inexistindo fundamento para revogação da decisão recorrida. As custas recaem sobre a Recorrente – artigo 527.º, n.º 1, do CPC. Sumário: (…) IV – DECISÃO Nestes termos, decide-se pela total improcedência do recurso, em consequência do que se confirma a decisão recorrida. Custas pela Recorrente. * Évora, 30 de março de 2023 Isabel de Matos Peixoto Imaginário Maria Domingas Simões Ana Margarida Leite __________________________________________________ [1] Cfr. ainda Acórdãos do TRP de 11/10/2022 (João Diogo Rodrigues) e TRL de 24/01/2023 (Manuela Espanadeira Lopes). |