Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
308/12.2TTTMR.E1
Relator: JOÃO NUNES
Descritores: REVISÃO DA INCAPACIDADE
REVISÃO DE PENSÃO
Data do Acordão: 12/21/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Decisão: REVOGADA
Sumário: I – Se o sinistrado recebeu, por virtude da remição da pensão, um determinado capital, na fixação da pensão por virtude da revisão operada não poderá deixar de ter-se em conta o montante da pensão já paga, correspondente a essa anterior incapacidade.
II – Assim, à pensão calculada por virtude da revisão deverá deduzir-se o valor da anterior pensão fixada, ainda que já remida, assim se obtendo o valor da pensão que passa a ser devida ao sinistrado por virtude da revisão remida (e não deduzir-se à incapacidade fixada na revisão a anterior incapacidade fixada para, a partir daí, se calcular a pensão que passa a ser devida por virtude da revisão).
(Sumário do relator)
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 308/12.2TTTMR.E1
Secção Social do Tribunal da Relação de Évora[1]


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. Relatório
Por decisão judicial de 07 de Maio de 2014 foi a seguradora, ora recorrente, Companhia de Seguros CC, S.A., condenada a pagar ao sinistrado BB, o capital de remição correspondente à pensão anual de €662,06, desde 04 de Junho de 2013.
Em 11 de Julho de 2014 a seguradora procedeu à entrega ao sinistrado do capital de remição, no montante de € 9.447,60.
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Entretanto, em 09 de Maio de 2016, veio o sinistrado requerer que se procedesse à revisão da sua incapacidade, por se ter verificado alteração da sua situação clínica.
Em 16 de Abril de 2017 em exame médico de revisão, foi atribuída ao sinistrado a incapacidade permanente parcial (IPP) de 18,9189%, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual (IPATH).
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Notificada para o efeito, a seguradora não se conformou com o resultado do exame médico de revisão, tendo requerido a realização de novo exame, agora por junta médica.
E realizado este em 07 de Julho de 2017, os exmos. peritos médicos concluíram que o sinistrado se encontra afectado de IPP de 14,58% de IPP, desde 09-05-2016, com IPATH.
No seguimento, em 14 de Julho de 2017 foi proferida sentença, que considerou o sinistrado afectado da referida IPP de 14,58%, desde 09-05-2016, com IPATH.
Todavia, afirmou-se, além do mais, na mesma sentença: «Também há que atender à circunstância da seguradora ter já remido a pensão correspondente a uma IPP de 5,8212% – cfr. fls. 143. Logo, em termos de cálculos, a IPP a considerar será apenas de 8,7588% (14,58% - 5,8212%)».
E nesta conformidade, calculou-se o montante da pensão devida tendo em conta a referida IPP de 8,7588%, com IPATH desde 09-05-2016 e, consequentemente, condenou-se a seguradora, aqui recorrente, a pagar ao sinistrado, no que ora releva, «[u]ma pensão anual e vitalícia de € 8.408,43, devida desde o dia 9/5/2016, a pagar adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 da pensão anual devendo os subsídios de férias e de Natal, naquele mesmo valor (1/14 da pensão anual), ser pagos nos meses de Junho e de Novembro, correspondente a uma IPP de 18,9189%, com IPATH para a sua profissão de manobrador de equipamento industrial de nível II»;
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Inconformada com o assim decidido, a seguradora interpôs recurso para este tribunal, tendo nas alegações apresentadas formulado as conclusões que se transcrevem:
«1. Na sequência de acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado em 01/05//2011, foi instaurado o presente processo emergente de acidente de trabalho, em cuja sentença – proferida em 07/05/2014 – e para o que aqui interessa, foi decidido fixar em 5,8212% a desvalorização funcional do sinistrado BB, desde 04 de Junho de 2013 e condenar a ora apelante a pagar ao referido sinistrado o capital de remição correspondente à pensão anual de €662,06 (seiscentos e sessenta e dois euros e seis cêntimos) desde 04 de Junho de 2013;
2. Essa pensão foi remida, com a entrega ao sinistrado do respectivo capital de remição no montante de 9.447,60 €, em 11/07/2014.
3. A douta sentença de fls. , de que se recorre, na sequência de pedido de revisão, considerou haver agravamento das sequelas das lesões sofridas pelo sinistrado no acidente dos autos, pelo que o julgou afectado de uma incapacidade permanente parcial de 14,58%, desde 09/05/2016, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual de manobrador de equipamento industrial de nível II;
4. Para calcular a pensão devida ao sinistrado em consequência desse agravamento, e tendo em consideração que havia sido já remida a pensão correspondente à incapacidade parcial permanente de 5,8212% que lhe fora inicialmente atribuída, essa sentença condenou a apelante a pagar ao sinistrado uma pensão anual e vitalícia no montante de 8.408,43 €,
5. Calculada com base numa incapacidade parcial permanente de 8,7588% (14,58% – 5,8212%), devida desde 09/05/2016.
6. Mas mal andou a douta sentença recorrida ao calcular dessa forma a pensão a pagar ao sinistrado, uma vez que este não é portador de uma incapacidade de 8,7588%.
7. Com efeito, tendo sido fixada ao sinistrado uma incapacidade permanente parcial de 14,58%, desde 09/05/2016, com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual de manobrador de equipamento industrial de nível II – o que se aceita – a pensão, anual e vitalícia, correspondente a essa incapacidade é, nos termos legais no montante de 8.597,59 € (assim calculada: 16.247,62 € x 70% = 11.373,33 €; 16.247,62 € x 50% = 8.123,81 €; 11.373,33 € – 8.123,81 € = 3.249,52 €; 3.249,52 € x 14,58% = 473,78 €; 8.123,81 € + 473,78 € = 8.597,59 €).
8. Ora, por lhe ter sido já entregue o capital de remição da pensão anual de 662,06 €, correspondente à incapacidade permanente parcial de 5,8212% que lhe fora anteriormente fixada, o sinistrado tem apenas direito ao pagamento da pensão anual e vitalícia de montante correspondente à diferença entre o montante da pensão devida pela incapacidade de que sofre actualmente (8.597,59 €) e o montante da pensão que serviu de base de cálculo ao capital de remição que já recebeu (662,06 €),
9. Ou seja, a pensão anual e vitalícia de 7.935,53 € (e não de 8.408,43 € como fixado na sentença recorrida).
10. Assim, ao decidir que a pensão devida ao sinistrado devia ser calculada com base numa incapacidade de 8,7588%, determinada pela subtracção do valor da incapacidade inicialmente atribuída (5,8212%) ao valor da incapacidade que actualmente afecta o sinistrado (14,58%, com IPATH), a douta sentença recorrida violou, por erro de interpretação e aplicação, o disposto nos arts. 2º, 48º e 70º da Lei 98/2009, de 4 de Setembro,
11. Pelo que essa decisão deve ser revogada e substituída por outra que julgue que o sinistrado tem apenas direito ao pagamento da pensão anual e vitalícia no montante de 7.935,53 €, correspondente à diferença entre o montante da pensão devida pela incapacidade de que sofre actualmente (8.597,59 €) e o montante da pensão que serviu de base de cálculo ao capital de remição que já recebeu (662,06 €)».
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Não tendo sido apresentadas contra-alegações, foi o recurso admitido na 1.ª instância, como de apelação, a subir de imediato, sendo o efeito meramente devolutivo.
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Neste tribunal, a Exma. Procuradora-Geral adjunta emitiu douto parecer, que não foi objecto de resposta, no qual se pronunciou pela procedência do recurso.
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Preparando a deliberação, foi elaborado projecto de acórdão.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II. Objecto do recurso e factos
Sabido como é que o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 3 e artigo 639.º, n.º 1, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, ex vi dos artigos 1.º, n.º 2, alínea a) e 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho), no caso a única questão trazida à apreciação deste tribunal consiste em determinar como calcular a pensão revista.
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Embora a sentença recorrida não tenha deixado consignada, ao menos de forma expressa, a matéria de facto provada, face ao que resulta dos autos é de considerar assente, com eventual relevância para a decisão a proferir, a seguinte factualidade:
a) em 01-05-2011 o sinistrado sofreu um acidente de trabalho;
b) à data auferia a remuneração anual de € 16.247,62 e a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho encontrava-se transferida para a seguradora recorrente;
c) em 07 de Maio de 2014 foi a seguradora/aqui recorrente condenada a pagar ao sinistrado o capital de remição correspondente à pensão anual de € 662,06, desde 04 de Junho de 2013, decorrente de uma IPP de 5,8212%;
d) em 11 de Julho de 2014 a seguradora procedeu à entrega ao sinistrado do capital de remição, no montante de € 9.447,60;
e) em 09 de Maio de 2016 o sinistrado requereu a revisão da incapacidade;
f) por sentença de 14 de Julho de 2017, proferida nos autos, foi decidido que o sinistrado se encontra afectado da IPP de 14,58%, desde 09-05-2016, com IPATH;
g) todavia, na mesma sentença concluiu-.se que uma vez já tinha havido lugar à remição da pensão com base na IPP anterior, de 5,8212%, na pensão a calcular por virtude da revisão apenas haveria que atender à IPP de 8,7588% (14,58% - 5,8212%.
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III. Fundamentação de direito
Caberá, antes de mais, deixar assinalado que na resolução do caso em apreço se irá acompanhar, a par e passo, o que se escreveu nos acórdãos deste tribunal de 05-07-2012 e de 02-03-2017, Procs. n.º 585/08.3TTSTB.E1 e 809/09.0TTSTB.E1, respectivamente, ambos relatados pelo ora relator e disponíveis em www.dgsi.pt, sendo que, de resto, o primeiro já se mostra convocado nos autos, pela recorrente e pela exma. Procuradora-Geral Adjunta.
De acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 70.º da LAT (Lei n.º 98/2009, de 04-09), quando se verifique modificação na capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria da lesão ou doença que deu origem à reparação, a prestação pode ser alterada ou extinta, de harmonia com a modificação verificada.
Isto não obstante a pensão já poder estar remida, como resulta claramente do artigo 77.º, alínea b), da referida lei.
Importa ter presente que “revisão da prestação”, expressão constante da mencionada alínea, o que se revê é a incapacidade do sinistrado, embora esta, reflexamente, venha a afectar a pensão anteriormente fixada.
Estando sempre em causa o acidente de trabalho ocorrido em determinada data, e nada mais sendo a “revisão das prestação” que revisão da incapacidade sofrida, deverão observar-se as mesmas regras substantivas que vigoravam à data do acidente (se bem que no caso as regras substantivas à data do acidente – as previstas na referida lei n.º 98/2009, de 14-09 –, se mantenham à data da revisão).
Ou seja, e dito de outro modo: a revisão da pensão reveste a natureza jurídica de acto modificativo da pensão anteriormente fixada e ao se atender ao agravamento, recidiva, etc., está-se de igual modo a tratar da incapacidade resultante do acidente de trabalho, embora agora em grau diferente.
E, mantendo-se a incapacidade, embora em grau diferente, também a pensão a estabelecer após a revisão não é uma pensão nova, mas antes uma pensão actualizada no seu quantum, tendo em conta a alteração da incapacidade sofrida pelo sinistrado.
Em função da referida conclusão, resulta já à evidência que não se pode sufragar o modo de cálculo da pensão seguido na 1.ª instância.
Vejamos porquê.
Recorde-se que tendo em conta a anterior incapacidade, a pensão já havia sido remida.
Por isso, pergunta-se: como calcular então a pensão devida ao sinistrado, face à alteração de incapacidade?
A remição da pensão visa, ao fim e ao resto, que a pensão fixada ao trabalhador vítima de acidente de trabalho ou de doença profissional possa converter-se em capital e, assim, ser aplicada porventura de modo mais rentável do que a permitida pela mera percepção de uma renda anual (cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 379/2002, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, 54.º Volume, pág. 313 a 321).
Operada a remição da pensão e entregue o capital ao sinistrado, tal não afecta seja o direito às prestações em espécie, seja o direito do sinistrado requerer a revisão da pensão, seja a actualização da pensão remanescente no caso de remição parcial ou resultante da revisão de pensão, nos termos da lei [artigo 77.º, alíneas a), b) e d), da LAT].
A remição da pensão corresponde – através da entrega do respectivo capital, calculado em função da base técnica aplicável fixada – à entrega do capital que o sinistrado receberia até ao termo da vida.
E, como é bom de ver, a pensão já remida, ainda que se verifique qualquer um das circunstâncias referidas que conduzam à alteração da incapacidade, e da respectiva pensão, não pode deixar de ser tomada em conta na fixação desta.
Ora, se o sinistrado já recebeu, por virtude da remição da pensão um determinado capital, na fixação da pensão por virtude da revisão operada não poderá deixar de ter-se em conta o montante da pensão já paga, correspondente a essa anterior incapacidade.
E isto quer a pensão fixada por virtude da revisão seja ou não passível de remição, quer até de uma IPP do sinistrado se passe para uma IPATH, pois não se vislumbra que se justifique qualquer diferença de tratamento.
Se, como se afirmou, o sinistrado recebeu o capital correspondente a um grau de incapacidade até ao termo da vida, capital esse de que passou a dispor como bem entendeu, na alteração da pensão por virtude da sua revisão não poderá deixar de se abater anualmente o montante da pensão já paga e que serviu de base ao cálculo da remição.
Aliás, esta mesma interpretação parece ser a que se mostra mais conforme com o que dispõe a alínea d) do artigo 77.º do LAT, ao estabelecer que a remição não prejudica a actualização da pensão remanescente no caso de remição parcial ou a que resulta da revisão da pensão: se o legislador pretendesse que a actualização fosse pela totalidade da pensão, independentemente da pensão já remida, não estabeleceria que a actualização seria do remanescente no caso de remição parcial, ou do que resultar da revisão da pensão.
Assim, o que haverá é que deduzir-se à pensão calculada por virtude da revisão o valor da anterior pensão fixada, ainda que já remida, e não deduzir-se à incapacidade fixada na revisão a anterior incapacidade, para, a partir daí, se calcular a pensão que passa a ser devida por virtude da revisão), assim se obtendo o valor da pensão que passa a ser devida ao sinistrado por virtude da revisão.
Deste modo, tendo em conta que a pensão devida ao sinistrado em virtude da revisão da incapacidade seria de € 8.597,59 (tal como consta da conclusão 7. das alegações de recurso da recorrente, que, por isso, nos abstemos de repetir), tendo já havido lugar à remição da pensão anual anteriormente fixada no montante de € 662,06, pela seguradora/recorrente apenas é devida a diferença entre a pensão que resulta da incapacidade actual e a pensão (remida) que resulta da incapacidade anteriormente fixada, ou seja, € 7.935,53 (€ 8.597,59 - € 662,06).
Procedem, por isso, as conclusões das alegações de recurso.
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IV. Decisão
Em face do exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar procedente o recurso interposto por Companhia de Seguros CC, S.A., e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida, na parte em que condenou a recorrente/seguradora a pagar ao recorrido/sinistrado a pensão anual e vitalícia de € 8.408,43, que se substitui pela decisão no sentido de que o montante da pensão anual revista seria de € 8.597,59, ao que é deduzido o montante da pensão anual anteriormente fixada, já remida, de € 662,06, pelo que o valor da pensão anual devida pela seguradora é de € 7.935,53.
Quanto ao mais mantém-se a decisão recorrida que, de resto, não era objecto de recurso.
Sem custas, atenta a isenção de que goza o recorrido [fls. 297 dos autos e artigo 527.º do CPC e artigo 4.º, n.º 1, alínea h) do RCP].
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Évora, 21 de Dezembro de 2017
João Luís Nunes (relator)
Paula do Paço
Moisés Pereira da Silva


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[1] Relator: João Nunes; Adjuntos: (1) Paula do Paço, (2) Moisés Silva.