Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
543/19.2PALGS-C.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES
PRISÃO PREVENTIVA
Data do Acordão: 09/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Sumário: A gravidade do crime indiciado e a previsibilidade da condenação do ora recorrente numa pena de prisão elevada (e efetiva) justificam, do ponto de vista da necessidade, adequação e proporcionalidade, a imposição da prisão preventiva como medida coativa.

O perigo de fuga e o perigo de continuação da atividade criminosa, olhando aos elementos dos autos (e conforme já acima deixámos assinalado), ocorrem de forma tão intensa e em grau tão elevado, que, em nosso entender, para prevenir esses perigos não apenas se mostra aconselhável ou justificável a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, como, isso sim, tal aplicação se revela imperiosa.

Por outras palavras: ponderando as circunstâncias concretas do presente caso, só a aplicação da medida de coação de prisão preventiva é suficiente e adequada para evitar que o arguido se continue a dedicar à atividade do tráfico de estupefacientes, ou, numa outra perspetiva, para evitar que o arguido fuja à ação da justiça.

Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:
I - RELATÓRIO

Nos autos de inquérito nº 543/19.2PALGS, dos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Faro, foi proferido, no Juízo de Instrução Criminal de Portimão (Juiz 2), e no âmbito do primeiro interrogatório de arguido detido, despacho judicial que aplicou ao arguido ELMB a medida de coação de prisão preventiva.

Desse despacho interpôs o arguido o presente recurso, terminando a respetiva motivação com as seguintes (transcritas) conclusões:

“1. Vem o presente recurso interposto do, aliás douto, despacho proferido pelo Tribunal “a quo” que, na sequência de 1º interrogatório judicial de arguido detido, aplicou ao aqui Recorrente a medida de coação de prisão preventiva, ao abrigo do disposto nos artigos 202.º, nº 1, al. a), e 204.º, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal.

2. Sufraga o tribunal “a quo” que surgem fortemente indiciados nos autos a prática pelo arguido/Recorrente de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do D.L. nº 15/93, de 22 de janeiro, bem como os perigos a que aludem as alíneas a) e c) do artigo 204.º do C.P.P., como sejam, o perigo de fuga e o de continuação da atividade criminosa.

3. Com tal decisão não se conforma o Recorrente, por entender que no caso vertente a medida de coação de prisão preventiva é excessiva.

4. Um dos princípios basilares de um Estado de Direito é o princípio da liberdade do cidadão, consagrado no artigo. 27.º, n.º 1, da CRP, pelo que só em situações de maior gravidade e por imperativo social relevante tal princípio poderá ser limitado.

5. Da conjugação do direito à liberdade com o princípio da proporcionalidade (com sede constitucional no artigo 18º/2, 2ª parte, da CRP), que se desdobra em quatro subprincípios, todos eles corolários do princípio da presunção de inocência - (i) a necessidade (indispensabilidade das medidas restritivas para obter os fins visados, com proibição do excesso - a medida só será legítima se a que se segue na escala decrescente da gravidade não assegurar o fim cautelar visado e for proporcional à gravidade do crime e às sanções que previsivelmente venham a ser aplicadas); (ii) a adequação (idoneidade das medidas para a prossecução dos respetivos fins); (iii) a subsidiariedade; e (iv) a precariedade -, resulta que a aplicação da prisão preventiva está sujeita às condições gerais contidas nos arts. 191º a 195º, do CPP e aos requisitos gerais previstos no art. 204º, e ainda aos específicos consagrados no art. 202º do CPP.

6. A aplicação de tal medida deve respeitar sempre os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade.

7. A prisão preventiva, enquanto medida de coação de natureza excecional e de aplicação subsidiária, só pode ser determinada quando as outras medidas se revelem inadequadas ou insuficientes, devendo ser dada prioridade a outras menos gravosas por ordem crescente (cfr., conjugadamente, o artigo 28.º nº 2, da CRP e o artigo 193º, nºs 2 e 3, do CPP).

8. No caso concreto, e no que tange à matéria indiciada comunicada ao arguido em sede de 1º Interrogatório Judicial, resulta que a mesma se reportará (indiciariamente) a um crime de tráfico de estupefacientes, esporádico, de rua, ou de fim de linha.

9. Resulta ainda que o arguido não possui antecedentes criminais.

10. Destarte, conjugando a factualidade indiciária com a inexistência de antecedentes criminais, é expectável que ao arguido venha a ser aplicada uma pena de prisão não superior a 5 (cinco) anos, suspensa na sua execução, ainda que subordinada a regime de prova.

11. Ora, “a aplicação da medida mais gravosa do elenco coativo não pode ser encarada como uma pena (por antecipação), nem como uma medida de segurança, porquanto se trata de uma simples medida cautelar, e só pode ser fundamentada em factos concretos que possam preencher os respetivos pressupostos, incluindo os previstos nos artigos 193º e 204º do CPP (princípios e requisitos), não bastando, pois, o mero apelo, em abstrato, a tais pressupostos” - cfr. douto acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13-01-2020, visitável em www.dgsi.pt.

12. Assim, no caso dos autos, a aplicação da medida de coação de prisão preventiva mostra-se atentatória dessas disposições legais e da jurisprudência acabada de citar.

13. Além disso, exige a lei que, para aplicação de uma medida de coação, além da do Termo de Identidade e Residência, se verifique um dos perigos a que alude o art.º 204º do CPP.

14. O tribunal «a quo», no despacho recorrido, defende que se verificam os perigos de fuga e de continuação da atividade criminosa aludidos nas alíneas a) e c) do artigo 204.º do CPP.

15. Quanto ao perigo de fuga enunciado na al. a) do aludido preceito legal, que tem por base o risco do arguido se subtrair ao exercício da ação penal, o mesmo deve ser real, objetivo e não meramente hipotético.

16. Esse perigo deve surgir de elementos concretos dos autos.

17. Ora, da prova indiciária dos autos, não se verificam indícios do aludido perigo.

18. O que resulta dos autos relativamente à situação social, familiar e laboral do Recorrente é que:

a) Tem nacionalidade portuguesa;

b) Tem suporte familiar, é casado e desse casamento há uma filha menor de idade sobre a qual exerce as responsabilidades parentais.

c) Não tem antecedentes criminais;

d) Tem hábitos de trabalho.

19. Destarte, salvo o devido respeito, tal perigo não se verifica no caso do Recorrente.

20. No que concerne ao invocado perigo de continuação de atividade criminosa, este deve ser “aferido em função de um juízo de prognose a partir dos factos indicados e personalidade do arguido por eles revelada - em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido -”, nos termos da alínea c) do artigo 204º, do CPP - Ac. da RC, de 19.01.2011 in www.dgsi.pt (Proc. n.º 2221/10.9PBAVR-A.C1).

21. A lei impõe que o perigo de continuação da atividade criminosa seja concreto.

22. Daqui decorre que o perigo (relevante) de continuação da atividade criminosa, em ordem à aplicação, reforço ou manutenção das medidas de coação legalmente previstas, designadamente a prisão preventiva, terá de ser aferido a partir de elementos factuais que o revelem ou o indiciem, e não de mera presunção (abstrata ou genérica), a significar que o perigo de continuação da atividade criminosa terá de ser apreciado caso a caso em função da contextualidade da cada caso ou situação, pelo que não cabem aqui juízos de mera possibilidade, no sentido de que só o risco real (efetivo) de continuação da atividade criminosa pode justificar a aplicação das medidas de coação, máxime da prisão preventiva.

23. “Assim sendo, a mera possibilidade de continuação da atividade criminosa não constitui motivo suficiente para caracterizar uma qualquer situação como consubstanciadora de perigo de continuação da atividade criminosa” - Acórdão da Relação de Coimbra de 99.06.02 (Recurso nº 1668/99).

24. In casu, não foram mencionados factos suscetíveis de permitir a aplicação de medida de coação tão gravosa ao recorrente, tendo a mesma assentado apenas em meros juízos abstratos, ecuménicos, não concretizados em factos, como exige o artigo 204.º do CPP.

25. O comportamento, colaborante e humilde, do recorrente, revela uma faceta da personalidade que, conjugada com a ausência de antecedentes criminais, a sua inserção social, familiar e profissional, permite, indesmentivelmente, afirmar que estamos perante uma atenuação das exigências cautelares que determinaram a sua prisão preventiva.

26. Sem prescindir, e admitindo-se por mera hipótese académica e dever de patrocínio que se verifica algum dos perigos plasmados no artigo 204º do CPP, mormente o de continuação da atividade criminosa como resulta do douto despacho «sub judice», o mesmo, no caso em análise, nunca teria a carga atribuída pelo tribunal «a quo» e que justificou a prisão preventiva.

27. De facto, atendendo à personalidade do recorrente, à ausência de antecedentes criminais pelo tipo de crime em causa nos presentes autos e à sua integração social, familiar e profissional, as necessidades cautelares que eventualmente existissem podiam ser igualmente satisfeitas através de outras medidas de coação menos gravosas, nomeadamente e por ordem crescente, as constantes dos arts. 198.º (obrigação de apresentação periódica), 200º (proibição e imposição de condutas) e 201º (obrigação de permanência na habitação) do CPP (quanto a esta última medida, a aplicabilidade resulta do nº 3 do art. 193º do CPP).

28. Podemos assim concluir que, na aplicação da prisão preventiva ora em causa, não foram observados os princípios e regras que lhe estão subjacentes, designadamente os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade, o que torna a mesma ilegal, por violação, entre outros, dos arts. 18º, nº 2, 28º, nº 2, e 32º, nº 2, da CRP, e dos arts. 191º nº 1, 192º, nº 2, 193º, 202º e 204º do CPP.

29. Os referidos preceitos deviam ter sido interpretados no sentido de ser suficiente, face à personalidade do recorrente, à ausência de antecedentes criminais por este tipo de crime, às necessidades cautelares em causa e à gravidade da conduta criminal indiciada, a aplicação de outra medida de coação menos gravosa.

30. No caso dos autos, a prisão preventiva é desproporcional e excessiva, impondo-se a sua revogação, considerando-se adequado e suficiente à salvaguarda de tais exigências sujeitar o arguido, designadamente e por ordem crescente de gravidade, a obrigação de apresentações periódicas, ou a obrigação de permanência na habitação, ainda que conjugadas com a proibição e imposição de condutas.

Nestes termos, e pelo mais que for doutamente suprido, deve conceder-se provimento ao presente recurso e, em consequência, ser revogada a douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que aplique ao Recorrente outra medida de coação, mormente a de obrigação de apresentações periódicas, ou a obrigação de permanência na habitação, ainda que conjugadas com a proibição e imposição de condutas, fazendo-se assim a costumada Justiça”.

*

O Exmº Magistrado do Ministério Público junto do tribunal de primeira instância respondeu ao recurso, entendendo que deve ser negado provimento ao mesmo, e concluindo a sua resposta nos seguintes termos (em transcrição):

“1. O arguido EB interpôs recurso do despacho judicial que, em sede de primeiro interrogatório judicial, lhe aplicou, nos presentes autos de inquérito, a medida de coação de prisão preventiva, alegando, em síntese, por um lado, que estava em causa um «tráfico de rua», razão porque, o mesmo, a ser condenado, seria numa pena de prisão suspensa na sua execução e, por outro lado, in casu não se verificam os perigos de fuga e de continuação da atividade criminosa, sendo certo que, ainda que assim não fosse, os mesmos poderiam ser acautelados com um regime coativo menos gravoso.

2. Resulta da factualidade e meios de prova que foram comunicados ao arguido no âmbito do primeiro interrogatório judicial, em particular dos depoimentos testemunhais e das apreensões em ocasiões distintas na posse daquele de heroína e cocaína, que o arguido EB se encontra fortemente indiciado da prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido no artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro.

3. Com efeito, resulta dessa mesma factualidade e meios de prova, que o arguido EB, desde o ano de 2015, se vem dedicando a ceder, a troco de dinheiro, cocaína e heroína a indivíduos consumidores que para esse efeito o contactavam.

4. Mais resulta dessa factualidade e meios de prova que o arguido EB desde abril de 2018 não exerce qualquer atividade profissional declarada.

5. Razões por que se conclui que a conduta do arguido EB não revelou (bem pelo contrário) uma ilicitude consideravelmente diminuída e, por conseguinte, mostrou-se certeira a integração que a decisão sob censura efetuou dos factos, nomeadamente ao considerar, sem margem para dúvida, que os mesmos integravam a prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido no artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro (vd. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20-02-2018 - relator: Desembargador João Amaro - disponível em www.dgsi.pt).

6. De resto, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem sido particularmente exigente quanto à possibilidade de suspensão de execução de penas de prisão aplicadas ao crime de tráfico de estupefacientes. A suspensão só pode ser decidida em casos muito particulares ou excecionais, em que a ilicitude do facto se mostre diminuída e o sentimento de reprovação social do crime se mostre esbatido, face à elevada necessidade de prevenção geral deste tipo de crime, de reconhecidas devastadoras consequências para os bens jurídicos protegidos, sob pena de serem postos em causa a crença da comunidade na validade das normas e,

por essa via, os sentimentos de confiança e segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais.

7. Analisando os requisitos a que se alude no artigo 204º, alíneas a) e c), do Código de Processo Penal, verifica-se que, in casu, o perigo de continuação da atividade criminosa ocorre num grau tão elevado que justificava, por si só e sem mais, a aplicação da medida de coação de prisão preventiva.

8. De facto, socorrendo-nos, a este propósito, da fundamentação do despacho que em sede de primeiro interrogatório judicial aplicou ao arguido EB a medida de coação de prisão preventiva, transcrevemos o seguinte excerto: “estamos de acordo que se verifica intenso perigo de continuação da atividade criminosa. Tanto se sustenta nos seguintes fatores: - ausência de trabalho lícito e regular que garanta uma fonte de rendimentos certos e periódicos por parte do arguido já ocorre há muito tempo (como o próprio arguido declarou) e tanto assim se mantém; - a prolongada linha temporal relativa à prática dos factos; - os avultados proventos decorrentes da prática do crime de tráfico, o lucro fácil e relevante que tal atividade propicia (atente-se na quantidade apreendida), constitui forte motivação para a renovação de atitudes do mesmo jaez; - a evidente desconsideração pela advertência decorrente da sua anterior detenção, da sua constituição como arguido e subsequente interrogatório, desconsideração documentada pelo retomar da mesmíssima atividade, tudo a revelar características desvaliosas da sua personalidade; - não constituíram o laço do casamento e a filha pequena circunstâncias relevantes para o arguido arrepiar caminho”.

9. In casu, para acautelar o perigo de continuação da atividade criminosa, a única medida que se mostra adequada e proporcional é a prisão preventiva, pois que as demais (vg. obrigação de apresentação periódica ou obrigação de permanência na habitação, ainda que fiscalizada mediante meios técnicos de controlo à distância) não se mostram aptas para prevenir aquele (vd. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 13-07-2017: relator: Gilberto Cunha; disponível em www.dgsi.pt//; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24-02-2015; relator:

Sérgio Corvacho; disponível em www.dgsi.pt; e Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-06-2019; relator: José Adriano; disponível em www.dgsi.pt).

10. No que tange ao receio de fuga, in casu, mostra-se em concreto bem patenteado, na fundamentação do despacho que aplicou ao arguido EB a medida de coação a que o mesmo se encontra sujeito, razão pela qual aqui se volta a transcrever um excerto daquele: “relativamente à fuga, sustentamos que ocorre o receio de fuga, porquanto: - o arguido dispõe de retaguardas de apoio, seja no nosso país, seja no seu país natal [Cabo Verde], ao qual, aliás, se deslocou em Janeiro do corrente ano, onde permaneceu durante um mês, país onde se encontram vários familiares; - a casa ocupada pelo arguido não lhe pertence; - o arguido, caso se ausente, não perde qualquer trabalho lícito, pois tanto não tem vindo a exercer; - a moldura penal vai de 4 a 12 de prisão (tráfico do artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01)”.

11. De resto, qualquer outra medida de coação menos gravosa, mesmo a medida de coação de obrigação de permanência na habitação, ainda que mediante fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, não se mostraria adequada a acautelar o perigo de fuga (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 24-05-2018; relator: António João Latas, disponível em www.dgsi.pt).

12. Em face do exposto, a medida de coação de prisão preventiva aplicada ao arguido EB é a única que se mostra adequada, necessária e proporcional à gravidade do crime que lhe é imputado, assim como para acautelar os perigos acima indicados, que se verificam na situação em apreço, e, por conseguinte, a decisão sob censura não violou o disposto nos artigos 18º, nº 2, 28º, nº 2, e 32º, nº 2, todos da Constituição da República Portuguesa, e artigos 191º, nº 1, 192º, nº 2, 193º, 202º e 204º, todos do Código de Processo Penal.

13. Termos pelos quais, o Ministério Público conclui que deverá ser negado provimento ao recurso e, por conseguinte, deverá ser mantida a medida de coação de prisão preventiva aplicada ao arguido e ora recorrente EB”.

*

Neste Tribunal da Relação, a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer, manifestando-se também no sentido da improcedência do recurso.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Foram colhidos os vistos legais e foi realizada a conferência.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto do recurso.

No presente caso a única questão evidenciada no recurso, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, consiste em saber se é de manter a medida de coação de prisão preventiva imposta ao recorrente ou se a mesma deverá ser revogada.

Contudo, essa questão, e olhando (sempre) às conclusões extraídas da motivação do recurso, possui duas vertentes (em muito breve resumo):

1ª - Aferição da existência, neste concreto caso, do perigo de fuga e do perigo de continuação da atividade criminosa (perigos aludidos no artigo 204º, als. a) e c), do C. P. Penal).

2ª - Ponderação relativamente ao respeito, in casu, pelos princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade.

2 - A decisão recorrida.

O despacho proferido em sede de primeiro interrogatório judicial é do seguinte teor:

“1. Da detenção.

Nada a determinar quanto à detenção do arguido, pois a mesma foi decorrência da execução de mandados de detenção emitidos pelo Ministério Público, autoridade judiciária competente para o efeito, in casu.

Ainda que assim se não entendesse, sempre seria de validar a detenção nos termos do artigo 256.º, n.º 1, e em ordem ao disposto no artigo 254.º, n.º 1, al. a), ambos do Código de Processo Penal, porquanto a detenção ocorreu na sequência de o arguido ter sido encontrado a levar consigo produto estupefaciente que acabara de retirar do esconderijo, tudo sob direta perceção dos OPC’s, o que convocaria o flagrante delito pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01.

O arguido foi apresentado dentro do prazo previsto no artigo 141.º, n.º 1, do Código de Processo Penal.

Após comunicação ao arguido dos factos e dos elementos do processo, uns e outros neste auto acima especificados, tendo-lhe sido dado também conhecimento do conteúdo dos elementos do processo indicados pelo Ministério Público, o arguido prestou declarações, quer quanto aos factos imputados, quer quanto às suas condições sociais, familiares e profissionais.

É momento de ponderar e decidir sobre o requerimento do Ministério Público (pedido de aplicação da medida de coação de prisão preventiva) tendo em atenção a posição da defesa (contrapôs a aplicação da medida de proibições de se ausentar do concelho de … e de contactar com consumidores ou traficantes).

2. Da factualidade comunicada.

Os factos comunicados ao arguido estão fortemente indiciados.

Esse grau de indicação decorre dos elementos de prova comunicados, que não sofreram qualquer perda de valor em razão do contraditório oferecido, pois este caracterizou-se, justamente, pela admissão dos factos comunicados por parte do arguido.

O arguido, com efeito, admitiu os factos, disse estar arrependido, que tinha sido um erro, que ficou sem trabalho, que tinha uma dívida para pagar ao banco, etc.

Repare-se, de um lado, existem os elementos comunicados, ou seja, os autos de notícia, os relatórios das diligências externas, os autos de apreensão, os autos de busca e apreensão, o relatório pericial de toxicologia, os testes rápidos, os depoimentos testemunhais, as vigilâncias e respetivos relatórios, que apontam sem margem de dúvida para o arguido e suportam os factos comunicados;

De outro, existem as declarações hoje prestadas pelo arguido, que se traduziram, como já referimos, pela admissão desses mesmos factos, isto é, dos factos que lhe foram comunicados.

Assim, a conjugação dos elementos de prova com as declarações do arguido permite-nos, sem margem de dúvida, considerar, neste momento, como antecipámos, como fortemente indiciados os factos comunicados ao arguido, que supra deste auto constam e para onde remetemos.

3. Enquadramento jurídico penal.

3.1. Os factos fortemente indiciados integram, para já, a prática do crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL. 15/93, de 22/01, tendo em atenção:

- A natureza das substâncias comercializadas e detidas, no caso, heroína e cocaína (substâncias de elevado poder de adição o que possui inerentes reflexos em sede de danosidade e perigosidade para a saúde);

- As quantidades em causa: 64,5g de heroína (repartida por 68 embalagens) e 21,2g de cocaína (repartida em 57 embalagens);

- A permanência no tempo da atividade de tráfico já indiciada (atente-se no depoimento das testemunhas indicadas a fls. 130-131 e 185-186), atividade até retomada após a realização do interrogatório do arguido no dia 30/08/2019;

- A ausência de uma atividade laboral que garanta rendimentos certos e periódicos (o que também é firmado pelas várias diligências externas, relativas a momentos temporais distintos onde nunca se verifica o arguido a trabalhar);

- A apreensão de quantia monetária relevante na sua residência (1.190,00€);

- O cuidado empregue no desenvolvimento da atividade, com o arguido a não guardar o estupefaciente na sua residência, mas a escondê-lo bem longe desta, com o arguido a deslocar-se de … (…) para … (…) com o fito único de aqui disseminar os produtos estupefacientes;

Tudo a suportar que seja o tráfico a atividade a que se dedica o arguido (o seu modo de estar), tudo a inculcar um grau de ilicitude elevado, tudo, em suma, a convocar o crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, com referência às Tabelas I-A e I-B.

3.2. Poder-se-á, inclusive, na esteira de alguma jurisprudência, cf. por ex. o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 20/01/2021, Relatora Alcina da Costa Ribeiro (acessível em www.dgsi.pt), sustentar que não está em causa, no grupo factual, apenas um crime de tráfico, mas antes dois crimes de tráfico tendo sob horizonte que, após a detenção do arguido em flagrante delito no dia 30/08/2019, com a sua constituição como arguido e respetivo interrogatório, o arguido decidiu voltar a praticar factos da mesma natureza.

Não tomamos, para já, posição expressa a este respeito.

Certa sempre será a imputação ao arguido da prática, em autoria material e sob a forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01, com referência às Tabelas I-A e I-B.

4. Regime coativo.

Sustenta o Ministério Público que ocorrem as exigências cautelares a que aulem as alíneas a) e c) do artigo 204.º do Código de Processo Penal, a última com maior intensidade, e requer a aplicação da medida de coação de prisão preventiva.

A defesa contrapôs a aplicação da medida prevista no artigo 200.º, n.º 1, als. c) e d), do Código de Processo Penal, negando a existência do perigo de fuga e aduzindo que poderá ocorrer algum perigo de continuação da atividade criminosa, mas não com a intensidade referida pelo Ministério Público.

Ponderando.

Estamos de acordo que se verifica intenso de perigo de continuação da atividade criminosa.

Tanto sustenta-se nos seguintes fatores:

- Ausência de trabalho lícito e regular que garanta uma fonte de rendimentos certos e periódicos por parte do arguido já ocorre há muito tempo (como o próprio arguido declarou) e tanto ainda se mantém;

- A prolongada linha temporal relativa à prática dos factos;

- Os avultados proventos decorrentes da prática do crime de tráfico e o lucro fácil e relevante que tal atividade propicia (atente-se na quantia apreendida), o constitui forte motivação para a renovação de atitudes do mesmo jaez;

- A evidente desconsideração pela advertência decorrente da sua anterior detenção, da sua constituição como arguido e subsequente interrogatório, desconsideração documentada pelo retomar da mesmíssima atividade, tudo a revelar características desvaliosas da sua personalidade;

- Não constituíram o laço do casamento e a filha pequena circunstâncias relevantes para o arguido arrepiar caminho.

Destes fatores, entre si conjugados, resulta que, a nada ser feito, será francamente expectável que o arguido possa repetir factos da mesma natureza (voltar às vendas/cedências) para, por via deles, obter os rendimentos que carece tanto para a satisfação das suas mais elementares necessidades, como para o seu “pé de meia”, o pagamento da dívida ao banco, etc., como aliás o fez.

Logo, enquanto se mantiver este quadro de facto, a nada ser feito, é a franca possibilidade de o arguido repetir factos da mesma natureza.

E tais factos, por sua natureza, tanto podem ser levados a cabo em…, como em qualquer outro local do Algarve ou do País.

Cremos ser intenso e premente o perigo de continuação da atividade criminosa a que alude o artigo 204.º, al. c), do Código de Processo Penal.

Relativamente à fuga, sustentamos que ocorre o receio de fuga, porquanto:

- O arguido dispõe de retaguardas de apoio, seja no nosso país, seja no seu país natal, ao qual, aliás, se deslocou em janeiro do corrente ano, onde permaneceu durante um mês, país onde se encontram vários familiares;

- A casa ocupada pelo arguido não lhe pertence;

- O arguido, caso se ausente, não perde qualquer trabalho lícito, pois tanto não tem vindo a exercer;

- A moldura penal vai de 4 a 12 anos de prisão (tráfico do artigo 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22/01) e pode agravar-se caso se sustente o concurso efetivo;

Apesar de o arguido residir com a esposa e uma filha pequena, certo é que ele está cônscio do cenário carregado que sobre si pesa.

Aliás, veio até ventilar um problema de saúde, mas o certo é que até á presente data nada fez efetivamente para o debelar.

Todas estas circunstâncias, entre si conjugadas e apreciadas à luz das regras de experiência comum, inculcam a verificação do receio de fuga, previsto no artigo 204º, al. a), do Código de Processo Penal, como exigência cautelar também a salvaguardar.

Para obstar à concretização de qualquer uma das exigências cautelares que temos por verificadas em concreto, à luz dos elementos de que dispomos neste momento, são insuficientes e inadequadas as medidas propostas pela defesa, ps. no artigo 200.º, n.º 1, als. c) e d), do Código de Processo Penal.

A proibição de se ausentar para fora do concelho de … é inadequada, por natureza, a solver o perigo de continuação da atividade criminosa, p. no artigo 204.º, al. c), do Código de Processo Penal, pois o arguido poderá vender produto estupefaciente justamente nesse concelho.

É também insuficiente para prevenir o receio de fuga caso o arguido se desloque para qualquer outro local, ou que possa sumir na grande área metropolitana de … (onde também têm familiares) e beneficiar dos laços de apoio e solidariedade que caracterizam as pessoas naturais de Cabo Verde.

Logo, as medidas de coação previstas nos artigos 196.º a 200.º, do Código de Processo Penal, não chegam para prevenir a concretização das duas exigências cautelares em causa - cf. artigo 193.º, n.º 2, do referido Código.

É insuficiente a medida p. no artigo 201.º, pois à residência ocupada pelo arguido podem os consumidores acudir, a partir desta pode o arguido continuar a desenvolver a mesma atividade, logo nada impediria a continuação da atividade criminosa a partir da residência, aliás vai neste sentido muita da jurisprudência dos Tribunais Superiores - cf. por ex. da RG de 08/09/2008, Relator Fernando Monterroso; da RP de 09/06/2010, Relator Jorge Raposo, da RL de 24/11/2020, Relator Luís Gominho, da RE de 31/01/2012, Relatora Ana Barata Brito, de 19/11/2013, Relatora Maria Leonor Esteves, de 20/02/2018, Relator João Gomes de Sousa, entre muitos outros.

Como também não impediria a fuga, mesmo se houvesse lugar à fiscalização do cumprimento por meios técnicos de controlo à distância, pois é fácil romper o mecanismo e apanhar uma boleia previamente combinada com pessoa de confiança, enfim, o que se consigna para os termos do artigo 194.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

Tudo visto e ponderado, resta a aplicação da medida requerida pelo Ministério Público, medida que se nos afigura não violar o princípio da proporcionalidade na vertente da proibição do excesso, pois afigura-se-nos ser francamente previsível que ao arguido venha a ser apicada uma pena de prisão efetiva, considerando o grau de ilicitude, que é elevado (cocaína e heroína; respetivas quantidades; permanência no tempo da atividade e ausência de trabalho certo e regular), e a gravidade do crime (logo punido em abstrato com pena de prisão a partir de 4 anos) - cf. artigo 193.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, e artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

5. Decisão.

Assim, nos termos dos artigos 191.º, n.º 1, 192.º, n.º 1, 193.º, n.ºs 1 a 3, 202.º, nº. 1, al. a), e 204.º, als. a) e c), todos do Código de Processo Penal, em conjugação com o artigo 21.º, n.º 1, do DL. 15/93, de 22/01, ficará o arguido sujeito à medida de coação de prisão preventiva.

Notifique.

Passe mandados.

Comunique ao TEP.

Determina-se a sujeição do arguido à identificação judiciária nos termos do artigo 3.º, n.º 1, al. a), ponto ii), da Lei 67/2017, de 9/08.

Dê cumprimento ao disposto no artigo 194.º, n.º 10, do Código de Processo Penal”.

3 - Os factos indiciados.

Foram tidos como fortemente indiciados os seguintes factos (factos comunicados ao arguido, constantes do auto de interrogatório do mesmo, e factos para os quais o despacho acabado de transcrever remete):

“1. No dia 30 de agosto de 2019, pelas 10h40, na Rua …, em …, o arguido ELMB [doravante EB] tinha em sua posse o seguinte (Indicação dos Meios de Prova: - Auto de notícia por detenção de fls. 23 a 26; - Auto de apreensão de fls. 33-34; - Relatório fotográfico de fls. 35-36; - Relatório da perícia de toxicologia de fls. 201):

- 16 «muchas» de heroína, com o peso líquido de 15,063gramas e um grau de pureza de 7,2%, correspondente a 10 doses;

-10 «muchas» de cocaína (ÉSTER MET.), com o peso líquido de 3,431gramas e um grau de pureza de 41,3%, correspondente a 47 doses;

- 2 «muchas» de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 1,296gramas e um grau de pureza de 50,5%, correspondente a 3 doses;

- Um telemóvel da marca «Huawei»;

- Um cartão «Micro SIM»;

- A quantia monetária de €98,20 (composta por 4 notas de €20,00; 2 moedas de €2,00; 11 moedas de €1,00; 5 moedas de €0,50; 3 moedas de €0,20 e 1 moeda de €0,10).

2. Na sequência do supra referido, o arguido EB foi detido, constituído arguido e, nesse mesmo dia 30 de agosto de 2019, pelas 16h21, interrogado na Secção de Lagos do DIAP da comarca de Faro (Cfr. fls. 37-38).

3. A cocaína e heroína que o arguido EB tinha em sua posse nas circunstâncias acima indicadas, destinava-se à cedência por aquele, a troco de dinheiro, a indivíduos consumidores que para tanto o contactavam telefonicamente, sendo certo também que, os encontros para esse efeito ocorriam em diversas artérias da cidade de ….

4. Com efeito, no período temporal compreendido entre data não apurada do ano de 2015 e até ao dia 1 de maio de 2021, o arguido EB, também conhecido pela alcunha de «…», dedicou-se a tal atividade, ou seja, à cedência, a troco de dinheiro, de heroína e cocaína, a indivíduos consumidores.

5. Alguns desses indivíduos foram:

- O indivíduo inquirido a fls. 130-131 (cuja identificação se requer não seja indicada ao arguido): que adquiriu ao arguido EB, no período temporal compreendido entre final do verão do ano de 2018 e março de 2020, em pelo menos vinte ocasiões distintas, heroína, pagando em cada uma dessas vezes a quantia de €25,00 por uma saqueta contendo cerca de um grama daquela substância. Igualmente, no mencionado período temporal, adquiriu ao arguido EB, em cinco ocasiões distintas, cocaína, pagando em cada uma dessas vezes a quantia de €30,00 por uma saqueta contendo cerca de meio grama daquela substância;

- O indivíduo inquirido a fls. 185-186 (cuja identificação se requer não seja indicada ao arguido): que adquiriu ao arguido EB, no período temporal compreendido entre os anos de 2015 a 2019, em pelo menos 100 ocasiões distintas, cocaína e ou heroína, pagando em cada uma dessas vezes, a quantia de €25,00 por uma saqueta contendo cerca de um grama de heroína e a quantia de €30,00 por uma saqueta contendo cerca de meio grama de cocaína.

6. Para além do acima referido, o arguido EB efetuou as seguintes vendas de heroína ou cocaína:

6.1. No dia 12 de novembro de 2020, pelas 17h32 (cfr. relatório de vigilância de fls. 172-173)), nas imediações exteriores do Clube …., sito no …, em …, o arguido EB encontrou-se com um indivíduo consumidor, cuja identidade se requer não seja revelada, e recebeu das mãos deste quantia monetária não exatamente apurada, sendo que, em troca entregou-lhe uma saqueta contendo cocaína ou heroína;

6.2. Ainda nesse mesmo dia e local, pelas 17h41, o arguido EB encontrou-se com um indivíduo, cuja identidade se desconhece, e recebeu das mãos deste quantia monetária não exatamente apurada, sendo que, em troca entregou-lhe uma saqueta contendo cocaína ou heroína;

6.3. No dia 13 de novembro de 2020, pelas 16h46 (cfr. relatório de vigilância de fls. 175-176), nas imediações exteriores do Clube …, sito no …, em …, o arguido EB encontrou-se com um indivíduo consumidor, cuja identidade se requer não seja revelada, e entregou-lhe uma saqueta contendo cocaína ou heroína, recebendo em troca quantia monetária não exatamente apurada;

6.4. Ainda nesse mesmo dia e local, pelas 17h06, o arguido EB encontrou-se com um indivíduo consumidor, cuja identidade se requer não seja revelada, e entregou-lhe uma saqueta contendo cocaína ou heroína, recebendo em troca quantia monetária não exatamente apurada;

6.5. Uma vez mais nesse mesmo dia e local, pelas 17h10, o arguido EB encontrou-se com um indivíduo, cuja identidade se desconhece, e entregou-lhe duas saquetas contendo cocaína, recebendo em troca quantia monetária não exatamente apurada;

6.6. Na mesma data e local, pelas 17h20, o arguido EB encontrou-se um indivíduo consumidor, cuja identidade se requer não seja revelada, e entregou-lhe uma saqueta contendo cocaína, recebendo em troca quantia monetária não exatamente apurada;

6.7. Pelas 17h25 do referido dia 13 de novembro de 2020, no interior do mencionado Clube …, o arguido EB encontrou-se um indivíduo consumidor, cuja identidade se requer não seja revelada, e entregou-lhe uma saqueta contendo heroína, recebendo em troca quantia monetária não exatamente apurada;

6.8. No dia 27 de abril de 2021, pelas 15h45 (cfr. relatório de vigilância de fls. 218-219), na Rua …, em …, o arguido EB encontrou-se com um indivíduo consumidor, cuja identidade se requer não seja revelada, e recebeu das mãos deste quantia monetária não exatamente apurada, sendo que, em troca entregou-lhe uma saqueta contendo cocaína ou heroína;

6.9. No dia 29 de abril de 2021, pelas 16h35 (cfr. relatório de vigilância de fls. 220-221), nas imediações exteriores do Clube …, sito no Largo de …., em …, o arguido EB encontrou-se com um indivíduo consumidor, cuja identidade se requer não seja revelada, e recebeu das mãos deste quantia monetária não exatamente apurada, sendo que, em troca entregou-lhe uma saqueta contendo cocaína ou heroína;

6.10. Ainda nesse mesmo dia e local, pelas 17h28, o arguido EB encontrou-se com um indivíduo consumidor, cuja identidade se requer não seja revelada, e recebeu das mãos deste quantia monetária não exatamente apurada, sendo que, em troca entregou-lhe uma saqueta contendo cocaína ou heroína;

6.11. Uma vez mais nesse dia e local, pelas 17h52, o arguido EB encontrou-se com um indivíduo, cuja identidade se desconhece, e recebeu das mãos deste quantia monetária não exatamente apurada, sendo que, em troca entregou-lhe uma saqueta contendo cocaína ou heroína;

6.12. Pelas 19h48 do aludido dia e no mesmo local, o arguido EB encontrou-se com um indivíduo consumidor, cuja identidade se requer não seja revelada, e entregou-lhe uma saqueta contendo heroína, recebendo em troca quantia monetária não exatamente apurada;

6.13. No dia 30 de abril de 2021, pelas 16h33 (cfr. relatório de vigilância de fls. 222 a 224), nas imediações exteriores do Clube …, sito no Largo …, em …, o arguido EB encontrou-se com um indivíduo consumidor, cuja identidade se requer não seja revelada, e recebeu das mãos deste quantia monetária não exatamente apurada, sendo que, em troca entregou-lhe uma saqueta contendo heroína;

6.14. Também nesse dia e local, pelas 17h02, o arguido EB encontrou-se com um indivíduo consumidor, cuja identidade se requer não seja revelada, e recebeu das mãos deste quantia monetária não exatamente apurada, sendo que, em troca entregou-lhe uma saqueta contendo cocaína ou heroína;

6.15. Ainda nessa mesma data e local, pelas 17h21, o arguido EB encontrou-se com um indivíduo consumidor, cuja identidade se requer não seja revelada, e recebeu das mãos deste quantia monetária não exatamente apurada, sendo que, em troca entregou-lhe uma saqueta contendo heroína;

6.16. Pelas 18h03 do mencionado dia 30 de abril de 2021, nas traseiras do mercado de …, sito em …, o arguido EB encontrou-se com um indivíduo consumidor, cuja identidade se requer não seja revelada, e recebeu das mãos deste quantia monetária não exatamente apurada, sendo que, em troca entregou-lhe uma saqueta contendo heroína;

6.17. Ato contínuo, no mesmo dia, hora e local, o arguido EB encontrou-se com um indivíduo do sexo feminino, cuja identidade se desconhece, e recebeu das mãos deste quantia monetária não exatamente apurada, sendo que, em troca entregou-lhe uma saqueta contendo heroína ou cocaína;

6.18. Ainda nesse mesmo dia, pelas 18h14, nas traseiras do mercado de …, em …, o arguido EB encontrou-se com um indivíduo consumidor, cuja identidade se requer não seja revelada, e recebeu das mãos deste quantia monetária não exatamente apurada, sendo que, em troca entregou-lhe uma saqueta contendo heroína;

6.19. Pelas 18h24 do aludido dia, nas traseiras do mercado de …, em …, o arguido EB encontrou-se com um indivíduo consumidor, cuja identidade se desconhece, e recebeu das mãos deste quantia monetária não exatamente apurada, sendo que, em troca entregou-lhe uma saqueta contendo heroína.

7. No dia 1 de maio de 2021, pelas 09h20 (Indicação dos meios de prova: - Relatório de diligência externa de fls. 228-229; - Auto de apreensão de fls. 230; - Reportagem fotográfica de fls. 233 a 235; e - Resultado do teste rápido de fls. 236.), numa zona de mato localizada na …, …, em …, o arguido EB tinha em sua posse, no interior da ramagem ali existente, uma «mucha» de cocaína, com o peso bruto de 0,30gramas.

8. Desde abril de 2018 que o arguido EB não exerce qualquer atividade profissional declarada, assim como não é beneficiário de pensões e/ou outras prestações de cariz social (cfr. informações da Segurança Social de fls. 83 e 260).

9. Agiu o arguido EB de forma livre e deliberada, conhecendo muito bem a natureza estupefaciente da cocaína e da heroína que revendeu a terceiros e da que tinha em sua posse e que destinava à cedência, a troco de dinheiro, a indivíduos consumidores daquelas substâncias, tendo sempre o propósito concretizado de, com as suas condutas, auferir vantagem económica, o que representou.

10. Mais sabia que não tinha autorização para deter, vender, ceder e transportar cocaína e heroína e, bem assim, estava perfeitamente ciente que a sua conduta era proibida e punida por lei.

A estes factos acrescem os seguintes:

1. No dia 10 de junho de 2021, pelas 11h15, num terreno agrícola localizado na estrada de acesso à …, em …, arguido ELMB, doravante EB, tinha em sua posse (no interior das boxers que trajava na ocasião) o seguinte (cfr. auto de notícia por detenção de fls. 293 a 295; auto de apreensão de fls. 297-298; resultados dos testes rápidos de fls. 299-300 e reportagem fotográfica de fls. 301-302):

- No interior de um saco plástico de cor preta: 18 (dezoito) saquetas contendo, no seu interior, heroína, com o peso bruto de 16,60 gramas, e, bem ainda, 24 (vinte e quatro) saquetas contendo, no seu interior, cocaína, com o peso bruto de 8,60gramas.

2. Nessa mesma ocasião e local, o arguido EB tinha deixado escondido, enterrado junto ao tronco de uma oliveira o seguinte (cfr. auto de busca e apreensão de fls. 313-314; resultado do teste rápido de fls. 316 e reportagem fotográfica de fls. 317-318):

- Acondicionadas em fita adesiva cinzenta: 33 (trinta e três) saquetas contendo no seu interior cocaína, com o peso bruto de 12,60gramas.

3. Igualmente nessa mesma ocasião e local, o arguido EB tinha deixado escondido, enterrado junto a uma outra oliveira ali existente, o seguinte (cfr. auto de busca e apreensão de fls. 313-314; resultado do teste rápido de fls. 315 e reportagem fotográfica de fls. 317-318):

- Acondicionadas em fita adesiva cinzenta: 50 (cinquenta) saquetas contendo no seu interior heroína, com o peso bruto de 47,90gramas.

4. No já referido dia 10 de junho de 2021, pelas 12h30, o arguido EB tinha em sua posse, no interior da sua residência, localizada na …, em …, o seguinte (cfr. auto de busca e apreensão de fls. 304 a 306 e reportagem fotográfica de fls. 307 a 309):

- No interior de uma gaveta de uma cómoda existente no quarto do arguido: a quantia monetária de €1.190,00 composta do seguinte modo: 33 (trinta e três) notas de €20,00; 48 (quarenta e oito) notas de €10,00 e 10 (dez) notas de €5,00;

- Em cima da referida cómoda existente no quarto do arguido: um telemóvel da marca e modelo «Huawei, SLA-L122» e um telemóvel da marca e modelo «Samsung, SM – A 705FNDSPO».

5. Ainda nesse mesmo dia 10 de junho de 2021, pelas 18h20, o arguido EB tinha em sua posse, no interior da viatura automóvel da marca e modelo … de matrícula …, estacionada na estrada de acesso à …, em …, o seguinte: um telemóvel da marca e modelo «Huawei, JAT-L41 (cfr. auto de busca e apreensão de fls. 320 e reportagem fotográfica de fls. 321-322).

6. Agiu o arguido EB de forma livre e deliberada, conhecendo muito bem a natureza estupefaciente da cocaína e da heroína que revendeu a terceiros e da que tinha em sua posse e que destinava à cedência, a troco de dinheiro, a indivíduos consumidores daquelas substâncias, tendo sempre o propósito concretizado de, com as suas condutas, auferir vantagem económica, o que representou.

7. Mais sabia que não tinha autorização para deter, vender, ceder e transportar cocaína e heroína e, bem assim, estava perfeitamente ciente que a sua conduta era proibida e punida por lei”.

4 - Apreciação do mérito do recurso.

a) Dos perigos de fuga e de continuação da atividade criminosa.

Alega o recorrente que, ao contrário do decidido no despacho recorrido, não ocorrem, na situação dos autos, o perigo de fuga e o perigo de continuação da atividade criminosa.

Há que decidir.

O perigo de fuga existente nos autos, relativamente ao ora recorrente, é nítido e concreto (e está devidamente fundamentado no despacho revidendo), porquanto o recorrente é natural de Cabo Verde e tem ligações ao seu país de origem (aliás, o recorrente deslocou-se, em janeiro deste ano de 2021, a Cabo Verde, onde permaneceu durante cerca de um mês, sendo certo que nesse país residem vários familiares seus), está indiciado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes que é punido, no ordenamento jurídico português, e em abstrato, com uma pena de prisão de 4 a 12 anos (ou seja, o recorrente sabe, certamente, que a sua condenação poderá implicar uma longa privação da respetiva liberdade), não possui em Portugal casa própria e não tem neste país qualquer trabalho lícito.

Assim sendo, e com o devido respeito por diferente opinião, verifica-se a existência, de forma clara e manifesta, de perigo de fuga do arguido.

Mais: a prisão preventiva do ora recorrente é a única medida de coação adequada a acautelar, neste caso concreto, o referido perigo de fuga. Com efeito, a aplicação de qualquer outra medida de coação, mesmo a medida de coação de obrigação de permanência na habitação (ainda que mediante fiscalização por meios técnicos de controlo à distância), não previne suficientemente o perigo de fuga agora em análise, uma vez que não representa um obstáculo físico à efetivação da fuga do arguido, só permitindo detetar a fuga depois de esta se ter verificado.

O perigo de continuação da atividade criminosa é também evidente (como bem se assinala no despacho sub judice), atendendo às concretas condições socioeconómicas do recorrente, que não usufrui de qualquer trabalho lícito e regular, que tem subsistido, desde há longos meses (e até anos) da atividade do tráfico de estupefacientes, e que, apesar de já ter sido anteriormente detido, constituído como arguido e interrogado nessa qualidade, por exercício da mesma atividade, persistiu nesse exercício, continuando a viver dos lucros advenientes da prática do crime de tráfico de estupefacientes.

Como bem se escreve no despacho revidendo, “a nada ser feito, será francamente expectável que o arguido possa repetir factos da mesma natureza (voltar às vendas/cedências) para, por via deles, obter os rendimentos que carece tanto para a satisfação das suas mais elementares necessidades, como para o seu “pé de meia”, o pagamento da dívida ao banco, etc., como aliás o fez”.

Em conclusão: está configurada, em concreto, nestes autos, a existência dos perigos a que aludem as alíneas a) e c) do artigo 204º do C. P. Penal (perigo de fuga e perigo de continuação da atividade criminosa).

b) Dos princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade e subsidiariedade.

Alega o recorrente que a aplicação da prisão preventiva, neste caso concreto, não respeita os princípios da necessidade, adequação, proporcionalidade, subsidiariedade e “precariedade”, e, em consequência, a aplicação de tal medida de coação, na opinião do recorrente, viola vários preceitos legais e diversos princípios, inscritos quer no Código de Processo Penal quer na Constituição da República Portuguesa.

Cumpre decidir.

A gravidade do crime indiciado e a previsibilidade da condenação do ora recorrente numa pena de prisão elevada (e efetiva) justificam, do ponto de vista da necessidade, adequação e proporcionalidade, a imposição da prisão preventiva como medida coativa.

Por outro lado, nenhuma outra medida de coação se mostra adequada para afastar os acima assinalados perigos (de fuga e de continuação da atividade criminosa), sendo certo, designadamente, que a medida de obrigação de permanência na habitação (ainda que sujeita a vigilância eletrónica) não é suficiente quer para acautelar o perigo de fuga (conforme acima já explanámos), quer também para acautelar o perigo de continuação da atividade do tráfico de estupefacientes (na medida em que essa atividade poderá ser desenvolvida no próprio domicílio do arguido, ou a partir de tal domicílio).

Dito de outro modo: a medida de coação imposta ao recorrente em sede de primeiro interrogatório judicial (prisão preventiva) é a única que se mostra plenamente adequada às exigências cautelares que o caso impõe, nenhuma das demais, designadamente a obrigação de permanência na habitação, ainda que complementada com a utilização de meios técnicos de controlo à distância, se mostrando suficiente e adequada para prevenir e acautelar os perigos que aqui se verificam (de fuga e de continuação da atividade criminosa).

Acresce que, e ao contrário do alegado na motivação do recurso, a aplicação, neste concreto caso, da prisão preventiva, não fere quaisquer regras ou princípios, quer consagrados no Código de Processo Penal, quer estabelecidos na Constituição da República Portuguesa.

Senão vejamos (mais em pormenor, e seguindo de perto as alegações vertidas na motivação do recurso):

1º - Ao contrário do alegado na motivação do recurso, o arguido não está indiciado apenas da prática de um crime de “tráfico de rua” (ou de “fim de linha”), nem nenhum elemento permite concluir ser expectável que lhe venha a ser aplicada “uma pena de prisão não superior a 5 anos, suspensa na sua execução”.

Com efeito, considerando ambas as detenções que sofreu e em apreço nos autos, verifica-se que o arguido tinha na sua posse cocaína (com o peso global bruto de 25,927 gramas) e heroína (com o peso global bruto de 79,56 gramas) - integrando tais produtos o elenco das denominadas drogas duras, potenciadoras de graves lesões para a saúde dos potenciais consumidores -, constata-se que é relativamente alargado o período de tempo em que o arguido procedeu à venda a terceiros desses mesmos produtos (tal ocorreu, pelo menos, desde 2015 até ao corrente ano de 2021), indicia-se que o arguido utilizava dois telemóveis visando a concretização do “negócio” da venda de produtos estupefacientes, e, por último, verifica-se que o arguido não trabalha regularmente, desde há vários anos, não possuindo modo de sustento lícito e visível (ou seja, é de presumir, legitimamente, que era da atividade do tráfico de estupefacientes que o arguido, no essencial, subsistia).

Sopesados todos estes elementos, vista a sua globalidade complexiva, não podemos considerar que o crime indiciado seja apenas um crime de “tráfico de rua” (ou de “fim de linha”), nem que esteja aqui evidenciada uma ilicitude de pouco relevo, ou que seja reduzido o grau de culpa, por forma a poder concluir, fundadamente, que ao arguido virá a ser aplicada “uma pena de prisão não superior a 5 anos, suspensa na sua execução” (note-se, repetindo o já acima dito, que a moldura penal abstrata prevista para o crime em causa é de 4 a 12 anos de prisão).

Por conseguinte, a medida de coação de prisão preventiva mostra-se proporcional à sanção que, previsivelmente, virá a ser aplicada ao arguido (pena de prisão efetiva).

2º - O perigo de fuga e o perigo de continuação da atividade criminosa, olhando aos elementos dos autos (e conforme já acima deixámos assinalado), ocorrem de forma tão intensa e em grau tão elevado, que, em nosso entender, para prevenir esses perigos não apenas se mostra aconselhável ou justificável a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, como, isso sim, tal aplicação se revela imperiosa.

Por outras palavras: ponderando as circunstâncias concretas do presente caso, só a aplicação da medida de coação de prisão preventiva é suficiente e adequada para evitar que o arguido se continue a dedicar à atividade do tráfico de estupefacientes, ou, numa outra perspetiva, para evitar que o arguido fuja à ação da justiça.

3º - Ao contrário do que se alega na motivação do recurso, a medida de coação de obrigação de permanência na habitação (ou qualquer outra medida de coação, de entre as várias sugeridas pelo recorrente) não é suficiente e adequada à satisfação das exigências cautelares aqui presentes (quer à prevenção do perigo de continuação da atividade criminosa, quer à prevenção do perigo de fuga), porquanto com a aplicação dessa medida subiste a possibilidade séria de se levar a efeito uma atividade de venda de estupefacientes a terceiros sem o arguido sair de sua casa, bem como subiste a possibilidade, séria e concreta, de o arguido, de forma rápida e incontrolável, fugir (por exemplo para Cabo Verde, onde possui retaguarda familiar).

4º - Ao contrário do alegado na motivação do recurso, no despacho revidendo não foram violados quaisquer preceitos ou princípios constitucionais, como, por exemplo, o princípio da excecionalidade da prisão preventiva (cfr. artigo 28º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa).

É certo, como bem assinala o recorrente, que, de acordo com o nosso ordenamento processual penal e tendo em atenção os princípios constitucionais que nos regem, a medida de coação de prisão preventiva tem natureza manifestamente excecional, não obrigatória e subsidiária, e a sua aplicação deve ainda ter em conta a consagração constitucional do princípio da presunção de inocência do arguido (cfr. artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa).

Com efeito, a prisão preventiva, tal como as restantes medidas de coação, porque restringe a liberdade das pessoas em geral e pode, assim, atentar contra a soberania da dignidade humana, só se justifica como e enquanto necessária à salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e, portanto, também essenciais à harmonia da vida coletiva (cfr. o disposto no artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa).

Isto é, às medidas de coação - expressão máxima da restrição de direitos, liberdades e garantias, no âmbito do processo penal - cumpre assegurar, embora num plano de excecionalidade e de equilíbrio, interesses também não menos essenciais (e todos constitucionalmente protegidos), como são os que se conexionam com a boa administração e realização da justiça.

Neste quadro, que é o constitucionalmente consagrado, o carácter excecional das medidas de coação, maxime da prisão preventiva, tem implicações particularmente relevantes ao nível do objetivo que prosseguem e da natureza cautelar que lhes é própria.

Como é consabido, a razão de ser da medida de coação reside em razões/motivos de natureza cautelar. A liberdade das pessoas só pode ser limitada, excetuado o caso regra de ocorrer sentença judicial condenatória, em função de exigências processuais de natureza cautelar (cfr. o preceituado no artigo 191º do C. P. Penal e nos artigos 27º e 28º da Constituição da República Portuguesa).

Sendo esta a ratio de qualquer uma das medidas de coação taxativamente previstas nos artigos 197º a 202º do C. P. Penal, temos que a sua aplicação há de ocorrer no âmbito da natureza de cada uma delas e não com fins punitivos, isto é, quando se verifiquem algum ou alguns dos pressupostos enunciados no artigo 204º do C. P. Penal, cumulados com os requisitos estabelecidos naquelas normas (artigos 197º a 202º), sempre que cada uma das medidas seja proporcionada à gravidade do crime e às sanções que, previsivelmente, venham a ser aplicadas ao arguido (artigo 193º do mesmo diploma legal), havendo que tomar ainda em conta o princípio da adequação, estritamente correlacionado com os interesses que se pretendem acautelar, complementado com o princípio da subsidiariedade, em função do qual a prisão preventiva, como medida de ultima ratio, só será de aplicar quando se considerarem inadequadas ou insuficientes outras medidas que também contendam com a liberdade pessoal, mas menos gravosas.

Ora, a nosso ver, a aplicação da medida de coação em causa nos presentes autos (prisão preventiva), e inequivocamente, obedeceu a todos os pressupostos acabados de enunciar.

Dito de outro modo: ao contrário do alegado na motivação do recurso, entendemos, sem margem para dúvidas, que o despacho revidendo não enferma de qualquer interpretação normativa desconforme à Constituição da República Portuguesa, nem a aplicação ao ora recorrente da prisão preventiva desrespeita qualquer norma legal ou qualquer preceito ou princípio constitucional.

Por conseguinte, o presente recurso é totalmente de improceder.

III - DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora decidem negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

*

Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 21 de setembro de 2021

João Manuel Monteiro Amaro

Nuno Maria Rosa da Silva Garcia