Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1595/15.0T8STB-A.E1
Relator: ANA MARGARIDA LEITE
Descritores: EXTINÇÃO DE SOCIEDADE
RESPONSABILIDADE
SÓCIO
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Sumário:
I - Estando em causa dívida de sociedade dissolvida, a responsabilidade dos antigos sócios, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do CSC, só existirá caso tenha sido efetuada partilha do património da sociedade e tenham os sócios recebido qualquer valor, constituindo tal recebimento um pressuposto daquela responsabilidade, cujo limite corresponderá ao valor recebido;
II - Transitada em julgado a sentença que condenou os ora embargantes, na qualidade de únicos sócios e liquidatários da sociedade dissolvida, a pagarem determinada quantia ao ora embargado, na medida e até ao montante do que tivessem recebido na partilha do património da mesma, encontra-se definitivamente decidida a questão da responsabilidade daqueles pelo pagamento de tal dívida da sociedade;
III – Quanto aos limites da responsabilidade dos embargantes, face aos termos da condenação proferida, verifica-se que a determinação do valor do recebido na partilha do património da sociedade configura matéria de exceção, a deduzir no âmbito da oposição à execução;
IV - O artigo 163.º, n.º 1, do CSC, limita a responsabilidade dos antigos sócios ao “montante que receberam na partilha”, isto é, à quantia correspondente aos bens e valores recebidos e não a estes concretos bens ou valores.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Évora:

1. Relatório

Por apenso à execução para pagamento de quantia certa que BB move contra CC, DD, EE e FF, na qual é apresentada, como título executivo, uma sentença condenatória, deduziram os executados os presentes embargos, nos quais cumulam a oposição à execução e a oposição à penhora.
Invocam os embargantes a ilegitimidade dos executados FF e EE, sustentando que estes nunca foram sócios da sociedade, dissolvida e liquidada, Construções GG, Lda. e peticionando se declare a extinção da execução quanto aos mesmos, bem como o levantamento da penhora efetuada sobre bens aos mesmos pertencentes; sustentando que os cônjuges dos executados nunca foram sócios nem liquidatários da sociedade, dissolvida e liquidada, Construções GG, Lda., pedem sejam dadas sem efeito as respetivas notificações; alegando que as penhoras efetuadas incidiram sobre bens pessoais dos executados, os quais não são proveniente da partilha da sociedade dissolvida e liquidada, pedem o levantamento de tais penhoras. Subsidiariamente, sustentando que o valor dos bens penhorados excede a quantia exequenda em mais de cinquenta mil euros, pedem se ordene a redução da penhora, no máximo até ao montante necessário para assegurar o montante da quantia exequenda, como tudo melhor consta do articulado apresentado.
Recebidos embargos de executado, o embargado contestou, pugnando pela respetiva improcedência e declarando não se opor à redução da penhora.
Por despacho de 26-10-2016, foi ordenado o levantamento da penhora do bem identificado sob a verba n.º 2 do auto de penhora de 08-01-2015, referente a depósitos bancários, cujo descritivo é o seguinte: “saldo existente na conta da executada DD no Banco HH, S.A.”.
Foi realizada tentativa de conciliação.
Dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador – no qual se julgou não verificada a exceção de ilegitimidade arguida –, após o que se identificou o objeto do litígio e se procedeu à enunciação dos temas da prova.
De seguida, a requerimento do embargado, foi realizada audiência prévia, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 593.º, n.º 3, do Código de Processo Civil.
Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou parcialmente procedentes a oposição à execução e a oposição à penhora, tendo decidido o seguinte:
Por tudo o que vem de ser exposto, decide-se:
1 - Julgar parcialmente procedentes os embargos, determinando-se a extinção parcial da execução quanto aos executados FF e EE, na parte em que contra estes é deduzido o pedido de pagamento da quantia de € 1.009,80, a título de custas de parte, e prosseguindo quanto ao mais a ação;
2- Julgar parcialmente procedente a oposição à penhora, determinando-se o levantamento da penhora dos seguintes bens:
a) fração autónoma “AM” do prédio descrito na CRP de Loulé sob o n.º … da freguesia de Quarteira, inscrito na matriz sob o artigo …;
b) veículo de matrícula …-…-AO;
c) saldo bancário no valor de € 42,87; e
mantendo-se a penhora dos saldos existentes nas contas bancárias identificadas na presente sentença.
Custas pelos embargantes e pelo exequente na proporção dos respetivos decaimentos.
Registe e notifique.
Inconformados, os embargantes interpuseram recurso desta decisão, pugnando para que seja revogada e substituída por outra que julgue procedentes os embargos, terminando as alegações com a formulação das conclusões que se transcrevem:
«A) No âmbito do processo executivo instaurado pelo exequente BB os executados apresentaram embargos, os quais foram julgados parcialmente procedentes.
B) Ficou decidido na douta sentença:
“ 1 – Julgar parcialmente procedentes os embargos, determinando-se a extinção parcial da execução quanto aos executados FF e EE, na parte em que contra estes é deduzido o pedido de pagamento da quantia de € 1.009,80, a título de custas de parte, e prosseguindo quanto ao mais a acção;
2 – Julgar parcialmente procedente a oposição à penhora, determinando-se o levantamento da penhora dos seguintes bens:
d) Fração autónoma “ AM” do prédio descrito na CRP de Loulé sob o n.º … da Freguesia da Quarteira, inscrito na matriz sob o artigo …;
e) Veiculo de matricula …-…-AO;
f) Saldo bancário no valor de € 42,87; e
Mantendo-se a penhora dos saldos existentes nas contas bancárias identificadas na presente sentença.
….”.
C) O processo executivo e posteriormente embargos tiveram origem na decisão do Tribunal que condenou os então R.R. ( embargantes, ora recorrentes), enquanto únicos sócios e liquidatários da Sociedade GG, Lda, na medida e no montante que hajam recebido na partilha daquela sociedade, a pagar ao Autor BB, a quantia de € 17.850,00 (dezassete mil oitocentos e cinquenta euros) acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento.
D) Tendo o Tribunal a quo cuja sentença ora se recorre, decidido entre outras coisas que:
“Entrando na resolução da primeira das duas enunciadas questões, e como já se decidiu em sede de matéria de facto, diremos que a razão está do lado do exequente quando este afirma que é aos embargantes, enquanto ex-sócios da sociedade liquidada, que compete provar que não receberam em partilha bens suficientes para satisfazer a dívida exequenda – cf. o citado ac. Da RL de 08.03.2017, proc 449/08.0TTCSC .1.L1-4.”
E) Os recorrentes não concordam com a douta decisão, na parte que decide, sobre quem recai o ónus de provar de saber se a sociedade extinta possuía bens e /ou valores e se os mesmos foram distribuídos/partilhados pelos sócios liquidatários.
F) Nunca foi alegado pelo exequente em sede de requerimento executivo, ou pelo embargado em sede de contestação no âmbito dos embargos que a sociedade extinta possuía bens e/ou valores e que os mesmos foram distribuídos pelos sócios demandados. V. doc 1 e 2 que se juntam
G) A prova disso é que no requerimento executivo o exequente nem se deu ao trabalho de indicar bens à penhora, ignorou a sentença da primeira instância que limitou a responsabilidade dos sócios liquidatários aquilo que tenham recebido da sociedade,
H) E ordenou a penhora de diversos bens ( com valores 4 vezes superiores ao valor da execução) e que se provou a final, já pertencerem aos sócios da sociedade muito antes da existência da sociedade, e da sua liquidação e dissolução, tendo sido ordenado o levantamento da penhora relativamente a estes.
I) A questão em causa é da maior importância e salvo melhor opinião, andou mal o Tribunal a quo ao decidir que a acção deve prosseguir contra os sócios liquidatários porque cabia a estes o ónus de provar que nada receberam em partilha,
J) Isto porque, estamos a falar de uma acção executiva, e de alguém que reclama um crédito, é ao credor que cabe a prova do seu direito,
K) Os embargantes sempre negaram ter recebido qualquer bem ou valor da sociedade dissolvida e dificilmente conseguem provar um facto negativo,
L) Cabendo, por isso, ao exequente que pretende cobrar um crédito, provar que é possível obtê-lo porque foram partilhados bens pelos sócios liquidatários, o que não alegou, nem provou.
M) Não resulta da matéria dada como provada e que acima se transcreveu na integra, que tenha existido partilha de bens, nem em que medida.
N) Aliás, curiosamente, e conforme se pode verificar do despacho saneador, esse nem sequer era um tema da prova, que era exclusivamente:
“1 – Determinar se os bens penhorados advém da liquidação da sociedade.” Doc 3
O) Após a audiência de discussão e julgamento, por despacho que motivou a arguição da nulidade por parte do embargado, ordenou o Tribunal a reabertura da audiência para verificação da existência/inexistência de ativo ou passivo social, e existência/inexistência de partilha,
P) Reforçando o Tribunal que …” sem que daí resulte qualquer tomada de posição do tribunal sobre a enunciada questão do ónus da prova….”
Q) Foi ouvida mais uma testemunha arrolada pelos embargantes e junta prova documental também pelos embargantes, e ainda que resulte da prova documental, que no ultimo exercício a sociedade possuía activo e passivo, não resultou de qualquer forma que tivesse existido partilha.
R) De salientar que o embargado, para além de não ter alegado que existiram bens partilhados, não apresentou uma única prova quer documental quer testemunhal com vista à prova da existência de partilha,
S) O Tribunal e o embargado confundem, salvo melhor opinião, o facto de existir activo e passivo e falta de provisionamento do crédito do embargado, com partilha de bens pelos sócios.
T) O Tribunal a determinada altura refere que lhe parece ter existido uma venda antecipada de bens, o que também a ter existido, o que por mero raciocínio de refere, não implica que essa venda tenha resultado em partilha de bens entre sócios,
U) A decisão do Tribunal cria um problema grave, e que obviamente preocupa os embargantes ora recorrentes….
V) O que mais poderá ser penhorado aos executados? Até que valor? Conseguiu o Tribunal descortinar algum valor em concreto que tenha sido partilhado entre os sócios?
W) É que não nos podemos esquecer que a acção executiva tem como limite o valor recebido pelos sócios em sede de partilha,
X) Não se pode inverter o raciocínio,
Y) Ou seja, parece que, para o Tribunal, como não sabe se foi distribuído qualquer bem ou valor, sabendo apenas que em tempos houve activo e passivo, a acção executiva pode prosseguir até efetivo e integral pagamento,
Z) O que manifestamente não é a ratio do legislador.
AA) Desde logo porque, constitui requisito essencial para a responsabilidade dos antigos sócios da sociedade extinta, a verificação da partilha dos bens da sociedade, sendo os antigos sócios pessoalmente responsáveis apenas até ao limite das importâncias que hajam recebido pela partilha dos bens sociais.
BB) A jurisprudência tem reiteradamente sustentado que, sendo os antigos sócios demandados em função da responsabilidade prevista no mencionado artigo 163.º do CSC, compete ao demandante especificamente alegar e provar que a sociedade extinta possuía bens e/ou valores e que os mesmos foram distribuídos pelos sócios demandados, circunstâncias que se apresentam como factos constitutivos do direito a obter, através deles, a satisfação dos créditos reclamados.
CC) Neste sentido, vejam-se a título meramente exemplificativo: Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 26/06/2008, P. 08B1184 e de 15/11/2007, P. 07B3960; da Relação do Porto, de 28/04/2009, P. 1886/06.0YYPRT-D.P1 e de 04/06/2013, P. 5475/11.0TBMTS.P1; da Relação de Lisboa, de 17/02/2011; da Relação de Coimbra, de 22/03/2011, P. 1447/08.0TBVIS-B.C1, acessíveis em www.dgsi.pt.
DD) E Ac. da Relação de Évora de 18.01.2018 P. 1462/16.0T8FAR.E1 que refere:
EE) Dispõe a alínea d) do n.º 1 do artigo 552.º do Código de Processo Civil, que, na petição inicial, o autor deve expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir (ónus de alegação), cabendo-lhe provar os factos constitutivos do direito alegado (ónus da prova), nos termos previstos pelo n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil.
FF) No concreta situação dos autos, o recorrente não alegou nem provou que a sociedade extinta possuía bens e/ou valores e que os mesmos foram distribuídos pelos sócios demandado.
GG) Nem requereu a junção de qualquer documentação que pudesse ser relevante para o efeito,
HH) Nem arrolou qualquer testemunha.
II) O ónus de alegação pressupõe a exposição de factos, o relato, a descrição ou narrativa de realidades da vida, a densificação ou concretização adequada, cabendo especificamente ao autor alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir, nos termos do n.º 1 do artigo 5.º do Código de Processo Civil.
JJ) Não satisfaz o ónus de alegação qualquer eventual pressuposição mental por parte do demandante de que existiu saldo suficiente resultante da liquidação da sociedade para a satisfação dos seus créditos, partilhado entre os sócios.
KK) Não basta pressupor, haveria que o alegar.
LL) E como o embargado não satisfez tal alegação,
MM) A falta de densificação adequada ou a insuficiência de alegação da causa de pedir e a falta de prova quanto à partilha de bens e/ou valores pertencentes à sociedade extinta, pelos sócios demandados, têm como consequência a falência da pretensão deduzida na ação. (v.g. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26/03/2015, P. 6500/07.4TBBRG.G2.S2).
NN) O exequente no requerimento executivo não faz uma única referencia a que a sociedade possuía bens e muito menos que os mesmos tenham sido partilhados ( doc1)
OO) Em sede de contestação aos embargos apresentados, o embargado mantém o seu raciocínio e alega tão só e apenas que os aqui Embargantes, enquanto membros da sociedade que participaram na assembleia-geral que dissolveu a sociedade, faltando à verdade, não podem senão ser considerados liquidatários e como tal são pessoalmente responsáveis para com o Embargado cujos direitos não foram nem satisfeitos ou acautelados.
PP) No Art. 16 DA CONTESTAÇÃO “ A única condição resulta da circunstância da partilha se ter efectivado, ora a alegação e prova desse facto cabia aos liquidatários, aqui Embargantes, e não ao Embargado (nesse sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 09/03/2010 - Proc. 4777/06.1TVLSB.L1-1, e de 15/03/2011 - Proc. 611/09.9TJLSB.L1-1, pela Doutíssima argumentação que perfilhamos em pleno).
QQ) No Art. 17 da Contestação: Assim, cabia aos Embargantes provar que nada receberam na partilha do património social e não apenas que os próprios declararam não terem partilhado quaisquer bens da Ré inicial na sequência da sua dissolução.
RR) Como é fácil perceber, o embargado nem sequer alegou que houve partilha e que os sócios receberam determinado valor, porque partiu do principio que esse ónus não lhe cabia.
SS) Contudo, sendo esses factos constitutivos do seu direito de obter o seu crédito,
TT) E, não tendo o demandante alegado que tenha existido a partilha de bens e/ou valores da sociedade extinta, entre os sócios, aproveitando as oportunidades de que beneficia para adquirir processualmente a factualidade em causa, a falta de densificação adequada ou a insuficiência de alegação da causa de pedir e a falta de prova quanto a tal partilha pelos sócios demandados, têm como consequência a improcedência da pretensão deduzida.
UU) Não tendo efectuado tal alegação, nem princípio de demonstração, não resta senão concluir que os embargos procedem na totalidade e a acção executiva terá de ser julgada extinta.
VV) Ademais, a falta de certeza do Tribunal a quo na sua decisão chega ao cumulo de manter a penhora de saldos bancários de uma conta existente desde 02.10.2002 (facto provado em 13),
WW) Porque não se provou que os saldos existentes nas contas bancárias não são provenientes da liquidação da sociedade Construções GG Lda, (ponto 2 dos factos não provados)
XX) Ou seja, na senda de que o ónus da prova cabe aos embargantes o Tribunal manda prosseguir a acção executiva mesmo sem uma única prova de que houve partilha e que os montantes existentes nas contas bancária tiveram proveniência na partilha.
YY) Julgamos não ser a Ratio do legislador, terem de ser os sócios liquidatários a explicar e provar que os valores que possuem nas suas contas bancárias abertas em 2002, NÃO decorrem da partilha da sociedade,
ZZ) Partilha essa que nem sequer se provou e valores esses que o exequente nem sequer alegou em algum momento terem proveniência na partilha,
AAA) Se o embargado tivesse em algum momento alegado que tinha havido partilha e referido que aquele valor das contas bancárias provinha da partilha, então os embargados teriam o ónus de provar o contrário,
BBB) Não havendo alegação por parte do embargado, não se fez logicamente prova sobre essa situação que nem sequer estava nos temas da prova.
CCC) E, não pode o Tribunal concluir, como concluiu nos factos não provados em 2.
“Os saldos existentes nas contas bancárias referidas em 12 e 13, não são provenientes da liquidação da Sociedade GG, Lda e depois ordenar, como ordenou a prossecução da execução e consequente penhora desses saldos bancários.
DDD) Não basta que não se prove que os saldos não são provenientes da liquidação, Terá de se provar houve partilha e que os saldos bancários são provenientes da partilha, o que não se provou.»
O embargado não apresentou contra-alegações.
Face às conclusões das alegações dos recorrentes e sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre apreciar as questões seguintes:
- em sede de oposição à execução, a responsabilidade dos embargantes pela obrigação exequenda;
- em sede de oposição à penhora, manutenção da penhora dos saldos das contas bancárias.
Corridos os vistos, cumpre decidir.

2. Fundamentos

2.1. Decisão de facto

2.1.1. Factos considerados provados em 1.ª instância:
1. A execução baseia-se em sentença proposta pelo ora exequente contra a sociedade Construções GG, Lda., já transitada em julgado, depois de confirmada por acórdão da Relação de Lisboa, de 29.05.2014, e em cujo relatório se fez constar o seguinte: “Tendo, entretanto, ocorrido o cancelamento da matrícula da ré, por força do encerramento da respectiva liquidação, foi determinada a substituição da sociedade primitiva pelos sócios liquidatários, CC, DD, EE e FF”.
2. Na fundamentação e no dispositivo da aludida sentença pode ler-se o seguinte:
a) “Aqui chegados, no entanto, importa ainda ponderar que a sociedade devedora foi já liquidada e encerrada, encontrando-se a respectiva matrícula cancelada, pelo que as quantias devidas ao autor, por se reportarem a dívidas pré-existentes à data da extinção da sociedade, deverão ser suportadas pelos antigos sócios nos termos consignados no art. 163º, n.º 1, do Cód. Soc. Comerciais, isto é, até ao montante que tiverem recebido na partilha a que tenha havido lugar.
Atento tudo o exposto, conclui-se que a acção procede na íntegra, condenando-se os sócios liquidatários da primitiva ré a restituírem ao autor o valor do sinal prestado, acrescido de juros de mora desde a citação.”;
b) “Pelo exposto, julgo a acção totalmente procedente, por provada, e, em consequência condeno os réus CC, DD, EE e FF, enquanto únicos sócios e liquidatários da sociedade Construções GG, Lda., e na medida e até ao montante que hajam recebido na partilha daquela sociedade, a pagar ao autor BB a quantia de € 17.850,00 (dezassete mil oitocentos e cinquenta euros), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento”.
3. A execução baseia-se em nota discriminativa e justificativa de custas de parte, apresentada pelo I. mandatário do exequente na ação declarativa em que foi proferida a aludida sentença, através de requerimento de 24.06.2014, notificado à I. advogada S…, constituída pelos ora executados CC e DD, no qual foi reclamado o pagamento da quantia de € 1.009,80 – provado por documento.
4. Na ata da sociedade Construções GG, Lda., que deu origem ao encerramento e liquidação da mesma, pode ler-se o seguinte: “Postos a votação foram aprovadas por unanimidade as contas e o respectivo balanço de exercício fiscal assim como a declaração de encerramento da liquidação, por inexistência de activo e passivo” – provado por documento.
5. Aquando da deliberação referida em 4., a contabilidade da sociedade registava a existência de ativos e passivos, mas o crédito em causa nestes autos não se encontrava provisionado.
6. A contabilidade da sociedade regista diversas alienações de bens, nomeadamente de mobiliário e de viaturas, feitas anteriormente à deliberação a que se alude em 4..
7. Acha-se inscrita no registo predial, desde 10.09.1992, por compra, a favor do embargante EE, a aquisição da fração autónoma “AM” do prédio descrito na CRP de Loulé sob o n.º … da freguesia de Quarteira, inscrito na matriz sob o artigo … – provado por documento.
8. A fração referida em 7. foi penhorada na execução apensa – provado por documento.
9. A propriedade do veículo com a matrícula …-…-AO acha-se registada a favor do embargante CC desde 18.08.1992 – provado por documento.
10. O veículo a que se alude no ponto anterior foi penhorado na execução apensa – provado por documento.
12. Desde 02.10.2002 que Maria Isabel … e EE (este último embargante nos presentes autos) são contitulares de uma conta aberta no Novo Banco, SA, com o IBAN PT50 … – provado por documento.
13. Desde 28.02.2011 que Maria Isabel …, Rui Filipe … e EE (este último embargante nos presentes autos) são contitulares de uma conta aberta no Banco Santander Totta, SA, com o IBAN PT50 … – provado por documento.
14. Os saldos existentes nas contas referidas em 12. e 13. foram penhorados na execução apensa – provado por documento.
15. Na execução apensa foi ainda penhorado o saldo existente em conta bancária titulada pela embargante DD, no valor de € 42,87 – provado por documento.

2.1.2. Factos considerados não provados em 1.ª instância:
1. Os embargantes não receberam em partilha bens suficientes para satisfazer a dívida exequenda.
2. Os saldos existentes nas contas bancárias supra referidas em 12. e 13. não são provenientes da liquidação da sociedade Construções GG, SA.

2.2. Apreciação do objeto do recurso

2.2.1. Oposição à execução
Os embargantes põem em causa a sentença, na parte em que julgou parcialmente procedente a oposição à execução – tendo determinado a extinção da execução quanto aos executados FF e EE, na parte relativa ao pagamento da quantia de € 1009,80 a título de custas de parte, e o prosseguimento dos autos no mais –, discordando do prosseguimento da execução.
Na ação executiva que constitui o processo principal é apresentada, como título executivo, uma sentença condenatória, transitada em julgado, na qual foram os ora embargantes condenados, enquanto únicos sócios e liquidatários da sociedade Construções GG, Lda. e na medida e até ao montante que hajam recebido na partilha daquela sociedade, a pagar ao embargado a quantia de € 17 850, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento, tendo sido igualmente condenados nas custas processuais.
Sustentam os apelantes que cabe ao exequente/embargado alegar e provar que a sociedade extinta possuía bens ou valores e que os mesmos foram partilhados pelos sócios liquidatários, ónus que não cumpriu, acrescentando que não cabe aos executados/embargantes o ónus de provar que nada receberam em tal partilha, concluindo que deve improceder a pretensão deduzida na ação executiva.
Vejamos se lhes assiste razão.
Fundando-se a execução em sentença transitada em julgado, naturalmente que cumpre respeitar o caso julgado.
Transitada em julgado, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580.º e 581.º do CPC (sem prejuízo da possibilidade, que ora não releva, de vir a ser objeto de recurso de revisão, conforme estatuído no artigo 619, n.º 1, do citado Código). O alcance do caso julgado decorre dos próprios termos da decisão, dado determinar o artigo 621.º do mesmo Código que “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga”. Daqui resulta que o caso julgado abrange apenas a parte decisória e não, em princípio, os fundamentos de facto e de direito em que se baseia, podendo os seus limites integrar a decisão de questões que constituam antecedente lógico que conduza à decisão final. O caso julgado vincula as partes da ação, não apenas no processo onde foi proferida a decisão, mas também no âmbito de outros processos, exercendo uma função negativa, ao impedir a repetição da causa decidida com trânsito em julgado (artigos 576.º, n.º 2, 577.º, al. i), 580.º e 581.º do CPC), e uma função positiva, ao fazer valer a sua autoridade, impondo a decisão tomada, numa relação de prejudicialidade relativamente a decisões a proferir em novas ações com outro objeto.[1]
A sentença exequenda considerou que a entidade responsável pelo pagamento do montante em dívida ao autor era a sociedade Construções GG, Ld.ª, tendo os ora embargantes, como seus sócios, após o encerramento da liquidação e a extinção da sociedade, ficado com a responsabilidade pelo passivo social, até ao montante que tivessem recebido em partilha. Em conformidade, condenou-os, na indicada qualidade de únicos sócios e liquidatários daquela sociedade, a pagarem ao ora embargado, na medida e até ao montante do que tivessem recebido na partilha do património da mesma, a quantia de € 17 850.
Estando em causa uma dívida existente no passivo da sociedade após a respetiva dissolução, a responsabilidade dos réus, ora embargantes, como seus antigos sócios, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais, está limitada ao montante que receberam na partilha. Daqui decorre que tal responsabilidade só existirá caso tenha sido efetuada partilha do património da sociedade dissolvida e tenham os sócios recebido qualquer valor, constituindo tal recebimento um pressuposto daquela responsabilidade, cujo limite corresponderá ao valor recebido.
Neste sentido, na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, podem indicar-se, a título exemplificativo, os acórdãos seguintes: o acórdão de 07-02-2013 (relator: Bettencourt de Faria), proferido na revista n.º 9787/03.8TVLSB.L1.S1 - 2.ª Secção (disponível em www.dgsi.pt), no qual se entendeu que, na ação posta pelo credor contra a sociedade que, posteriormente, por via da sua dissolução, seguiu contra os sócios, o autor só pode obter a condenação destes no pagamento do respetivo crédito, se alegar e provar que aqueles obtiveram bens da sociedade resultantes da partilha do seu património; com efeito, a referida partilha é um facto constitutivo do direito do autor e não matéria de exceção; o acórdão de 21-03-2013 (relator: Tavares de Paiva), proferido na revista n.º 5615/07.3TBVFR.P1.S1 - 2.ª Secção (cujo sumário se encontra publicado em www.stj.pt), no qual se considerou que “nas acções enquadráveis na previsão do art. 162.º, n.º 1, do CSC, incumbe aos autores alegar e provar que a declaração de inexistência de activo e passivo, bem como a inexistência de bens a partilhar, não correspondia à verdade”; o acórdão de 22-05-2013 (relator: Bettencourt de Faria), proferido na revista n.º 81/05.0TBMAI.P2.S1 - 2.ª Secção (cujo sumário se encontra publicado em www.stj.pt), no qual se entendeu que “na acção posta pelo credor contra a sociedade, que, posteriormente, por via da sua dissolução, seguiu contra os sócios (accionistas), o autor só pode obter a condenação destes no pagamento do respectivo crédito, se alegar e provar que aqueles obtiveram bens da sociedade resultantes da partilha do seu património”; o acórdão de 14-03-2017 (relator: Gabriel Catarino), proferido na revista n.º 5871/13.8TBMTS.P1.S1 - 1.ª Secção (cujo sumário se encontra publicado em www.stj.pt), no qual se considerou o seguinte: a responsabilização dos sócios da sociedade extinta com o encerramento da liquidação depende da alegação e prova de que receberam bens na partilha do património da sociedade; competia à autora alegar, para depois poder provar, os referidos factos que, estando legalmente definida a responsabilidade dos sócios, se apresentam como constitutivos do seu crédito «até ao montante que receberam na partilha»; não tendo cumprido com os referidos ónus de alegação e de prova, não pode obter a condenação dos réus, enquanto antigos sócios da ré, ao abrigo do disposto no art. 163.º do CSC.
Constituindo a demonstração do recebimento pelos réus de algum montante na partilha um pressuposto da respetiva responsabilidade pelo passivo da sociedade extinta, cumpre concluir que, transitada em julgado a sentença que os condenou, na qualidade de únicos sócios e liquidatários daquela sociedade, a pagarem ao ora embargado, na medida e até ao montante do que tivessem recebido na partilha do património da mesma, a aludida quantia de € 17 850, encontra-se definitivamente decidida a questão da responsabilidade dos réus pelo pagamento de tal dívida da sociedade, permanecendo pendente apenas a questão do limite de tal responsabilidade, face aos termos da parte decisória da sentença exequenda.
Verifica-se, assim, que a força do caso julgado impede se discuta, designadamente no âmbito da presente oposição à execução, a condenação dos réus, nos termos operados pela sentença exequenda. Como tal, a condenação dos embargantes ao pagamento daquele montante não pode ser questionada nos embargos, pelo que não poderá apreciar-se se foram bem ou mal condenados, isto é, se receberam ou não bens e valores da sociedade extinta, questão esta que se encontra abrangida pelo caso julgado.
No que respeita aos limites da responsabilidade dos embargantes, correspondentes ao concreto valor do que tivessem recebido na partilha do património da sociedade, verifica-se que, face aos termos da condenação proferida – condenação dos réus, enquanto únicos sócios e liquidatários da sociedade Construções GG, Lda., e na medida e até ao montante que hajam recebido na partilha daquela sociedade, a pagar ao autor a quantia de € 17 850, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento –, a determinação de tal valor configura matéria de exceção, a deduzir no âmbito da oposição à execução, considerando que se encontra assente a responsabilidade dos executados pelo pagamento da totalidade do montante em que foram condenados, salvo se demonstrarem que receberam valor inferior, prova que não lograram efetuar.
Improcede, assim, nesta parte, a apelação.

2.2.2. Oposição à penhora
Os apelantes impugnam a sentença recorrida igualmente na parte em que julgou parcialmente procedente a oposição à penhora – tendo ordenado o levantamento da penhora sobre a fração autónoma, o veículo automóvel e o saldo da conta bancária identificados, respetivamente, nos pontos 7, 9 e 15 de 2.1.1., mantendo a penhora dos saldos das demais contas bancárias –, discordando da manutenção da penhora destes valores.
Defendem os recorrentes que deve ser determinado o levantamento da penhora do saldo das aludidas contas bancárias, em virtude de o mesmo não provir da partilha do património da sociedade.
Não lhes assiste, porém, razão.
O artigo 163.º, n.º 1, do CSC, limita a responsabilidade dos antigos sócios ao “montante que receberam na partilha”, isto é, à quantia correspondente aos bens e valores recebidos e não a estes concretos bens ou valores.
Em anotação ao preceito, explica Raúl Ventura (Comentário ao Código das Sociedades Comerciais - Dissolução e Liquidação de Sociedades, Coimbra, Almedina, 1993, reimpressão, p. 484) o seguinte: “O limite da responsabilidade é um montante, fácil de determinar quando tenha sido partilhado dinheiro; quando a partilha tenha sido efectuada total ou parcialmente em espécie, o credor não tem direito algum quanto aos bens percebidos pelos sócios, embora ainda se conservem no património destes à data da demanda (…). Neste caso, o limite é constituído pelo valor dos bens percebidos”.
Como tal, sendo o limite da responsabilidade dos sócios constituído por um montante, não poderá considerar-se que apenas os bens e valores diretamente recebidos na partilha respondem pela dívida, assim se não impondo o levantamento da penhora com o fundamento invocado na oposição deduzida.
Nesta conformidade, improcede totalmente a apelação.

Em conclusão:
I - Estando em causa dívida de sociedade dissolvida, a responsabilidade dos antigos sócios, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do CSC, só existirá caso tenha sido efetuada partilha do património da sociedade e tenham os sócios recebido qualquer valor, constituindo tal recebimento um pressuposto daquela responsabilidade, cujo limite corresponderá ao valor recebido;
II - Transitada em julgado a sentença que condenou os ora embargantes, na qualidade de únicos sócios e liquidatários da sociedade dissolvida, a pagarem determinada quantia ao ora embargado, na medida e até ao montante do que tivessem recebido na partilha do património da mesma, encontra-se definitivamente decidida a questão da responsabilidade daqueles pelo pagamento de tal dívida da sociedade;
III – Quanto aos limites da responsabilidade dos embargantes, face aos termos da condenação proferida, verifica-se que a determinação do valor do recebido na partilha do património da sociedade configura matéria de exceção, a deduzir no âmbito da oposição à execução;
IV - O artigo 163.º, n.º 1, do CSC, limita a responsabilidade dos antigos sócios ao “montante que receberam na partilha”, isto é, à quantia correspondente aos bens e valores recebidos e não a estes concretos bens ou valores.

3. Decisão
Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelos recorrentes.
Notifique.

Évora, 08-11-2018
Ana Margarida Leite
Cristina Dá Mesquita
Silva Rato

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[1] Sobre o caso julgado e seus limites, cf. João de Castro Mendes, Direito Processual Civil, II Volume (revisto e atualizado), apontamentos das lições redigidas com a colaboração de um grupo de Assistentes, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1987, p. 768-792; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2.ª edição, Lisboa, Lex, 1997, p. 567-597.