Acórdão do Tribunal da Relação de
Évora
Processo:
1/18.2GABJA-B.E1
Relator: JOÃO AMARO
Descritores: PRISÃO PREVENTIVA
FORTES INDÍCIOS
PERIGO DE CONTINUAÇÃO DA ACTIVIDADE CRIMINOSA
Data do Acordão: 06/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário:
I - “Fortes indícios” significam o conjunto de elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção segura de que virá a ser condenado pelo crime que lhe é imputado.

II - Atendendo às concretas condições socioeconómicas do recorrente, que se encontra desempregado e a viver a expensas de familiares e ao facto de já ter sofrido antes uma condenação por factos da mesma natureza, é legitimamente de prever que, podendo, o arguido continue a tentar obter proventos resultantes da atividade do tráfico de estupefacientes.
Decisão Texto Integral:
Acordam os Juízes, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora:

I - RELATÓRIO

Nos autos de inquérito nº 1/18.2GABJA, dos Serviços do Ministério Público junto do Tribunal Judicial da Comarca de Beja (Juízo Local Criminal de Beja), em que é arguido EE (e outro), foi proferido, em 08-03-2018, no âmbito do primeiro interrogatório de arguido detido, despacho judicial que aplicou a tal arguido a medida de coação de prisão preventiva.

Desse despacho interpôs o arguido EE o presente recurso, terminando a respetiva motivação com as seguintes conclusões:

1. Vem o presente recurso interposto do despacho que, na sequência do primeiro interrogatório, nos autos 1/18.2GABJA da Procuradoria do Juízo Local Criminal - 1ª Secção de Inquéritos - do Tribunal Judicial de Beja, determinou que o arguido devesse aguardar os ulteriores termos processuais em prisão preventiva.

2. Os indícios, e demais elementos constantes dos autos, não justificam que seja aplicada a medida de coação de prisão preventiva, desconhecendo-se a concreta existência de indícios de perigo de verificação de algum dos receios do artigo 204º do CPP.

3. O tribunal não teve em conta que a decisão ainda não se encontrava transitada em julgado, tendo violado o princípio da presunção da inocência, valoração indiciária essa que deve ser feita exatamente ao contrário do realizado, ou seja, sempre a favor do arguido.

4. Pelo que se sabe, este processo iniciou-se, apenas, há cerca de três meses, ou seja, está numa fase em que os elementos constantes do mesmo se encontram em plena fase de investigação e esclarecimento dos indícios, porventura, encontrados.

5. O mais grave de todos eles baseou-se, como resulta das declarações do arguido, em este recusar-se a ser conhecido como "Dani", pelo que as autoridades policiais, em conjugação com o Ministério Público, devem esclarecer, de uma vez por todas, esta situação.

6. O tribunal, nesta fase tão embrionária do processo, não consegue, com o mínimo de segurança, saber se existe ou não coautoria, isto é, que tenho sido delineado um plano conjunto entre os arguidos e uma execução conjunta, ou seja, uma distribuição funcional de tarefas no cometimento de putativos crimes.

7. Os veículos com as matrículas -OL e -QE são da namorada do FF, desconhecendo-se quem é o proprietário do veículo com a matrícula -NN, sendo o veículo com a matrícula -OO da irmã do arguido.

8. Por não ter carro em seu nome, o arguido alugou o veículo com a matrícula -RO-, que utiliza, sobretudo para ver as suas filhas, depois da separação da mãe delas, com quem deixou de residir há pouco tempo, que vão ser, brevemente, batizadas.

9. O arguido desconhece a origem e a propriedade do produto estupefaciente encontrado no veículo apreendido, sendo que as duas argolas em ouro, os dois corações em ouro, a medalha e a pulseira são de sua propriedade, tendo sido trazidas de Cabo Verde.

10. Os cartões encontrados são usados pelo arguido, uma vez que não tem internet fixa e os telemóveis Nokia, Yezz (novo, oferecido por uma prima) e um Samsung são do arguido e o telemóvel Samsung preto (pequeno) é do coarguido FF, provavelmente o utilizado nas conversações e que deu azo à confusão de nomes "Dani".

11. O carro que avariou na ponte Vasco da Gama não era conduzido pelo recorrente, nem este se encontrava na viatura, sendo conduzido pelo coarguido, daí parecer cada vez mais notória a confusão de alcunhas entre os arguidos, até porque, nesta ocasião, diz o EE que o FF efetuou um telefonema para o EE, aquando da avaria; viatura com o seguro em seu nome em virtude da sua proprietária (namorada do FF - coarguido -) não ter carta de condução.

12. O ora recorrente não tem qualquer primo em Faro (mais uma confusão de "Danis", na sequência de perguntas realizadas ao arguido), sendo que quem tem esse primo é o coarguido FF.

13. Os cinco sacos plásticos de cor transparente, encontrados na habitação de Alvalade-Sado, nunca foram utilizados pelo arguido.

14. O arguido encontra-se a residir em casa da sua irmã, tem duas filhas, tias e primas em Portugal, estando inserido social e familiarmente, não existindo indícios de concretizar, em concreto, qualquer tipo de fuga.

15. Aliás, o arguido tem uma proposta de trabalho com AA, para trabalhar com a categoria profissional de caixeiro-ajudante, numa padaria (doc. 1).

16. O perigo de fuga deve ser real e avaliado em concreto, e deve resultar da ponderação de fatores vários, como sejam a factualidade conhecida no processo e a sua gravidade, bem como a inserção social e familiar do arguido - como ensina o Prof. Cavaleiro Ferreira -, sendo, também, a jurisprudência pacífica no sentido de que ele não deve ser presumido.

17. Este arguido não possui meios para se subtrair à ação da justiça e às suas responsabilidades criminais e processuais e as deslocações/despesas ao Alentejo eram suportadas pelo coarguido FF, através do pagamento de €300,00 ao recorrente, em virtude daquele não possuir título de condução.

18. As diversas moradas que o arguido possuiu explicam-se muito facilmente, pois este habitou com a mãe das suas filhas em Rio de Mouro, tendo-se separado e passando a residir na Amadora com a sua irmã.

19. O perigo de perturbação do decurso do inquérito assenta nas escutas telefónicas, ora, sendo estas apenas um meio de obtenção de prova e não uma prova em si mesmo, de que se servem as autoridades policiais para investigarem, não se considera real e sustentável a existência de tal invocado perigo.

20. O perigo de continuação da atividade criminosa não se encontra devidamente justificado no despacho, uma vez que não se conhecem ao arguido hábitos ou sinais de riqueza ou elevados rendimentos.

21. Ter-se-ia que partir do pressuposto de nos encontrarmos perante uma atividade criminosa, ora, tal pressuposto é uma violação grosseira do princípio da presunção de inocência, com consagração constitucional, tendo tais perigos de indicar que a atuação do arguido prejudica a investigação, não bastando a mera possibilidade de que tal aconteça para que se possa afirma a existência de tais perigos.

22. A VE permite controlar a ação do arguido, sendo uma forma menos gravosa da sua execução, em harmonia com os princípios de socialização e reinserção, dando uma maior eficácia, com um regulamento muitíssimo apertado que consta de lei própria e com a total impossibilidade dos a ela sujeitos poderem lograr a própria fuga.

23. Assim, a medida de OPH, prevista no artigo 201º do CPP, e verificados os pressupostos da sua adequação e podendo ser fiscalizado o seu cumprimento pela utilização dos meios técnicos de controlo à distância, regulada pela Lei 122/99, de 20/08, obvia aos efeitos criminógenos derivados da prisão.

24. O arguido tem a família, à exceção de uma filha, a morar em Portugal, nomeadamente umas primas e tias que residem na Rua----,Cidade Nova, Santo António dos Cavaleiros, habitação com todas as condições para poderem ser instalados os equipamentos de VE, compatível com a proposta de trabalho agora apresentada.

25. O tribunal devia ter aplicado ao arguido, que se presume inocente até ao trânsito em julgado da decisão, as medidas de coação de apresentações periódicas e a proibição de contactos com pessoas ligadas ao tráfico de estupefacientes, ou a OPHVE, suficiente, por proporcional e adequada, pois, efetivamente, não se indiciam verificados os receios do artigo 204º do CPP.

26. Pois, dispondo os artigos 193º, nº 2, e 202º, nº 1, ambos do CPP, que a prisão preventiva só pode ser aplicada quando se revelarem inadequadas ou insuficientes as outras medidas de coação, segue-se que, na interpretação que deles é feita no despacho recorrido, estão aqueles preceitos feridos de vício de inconstitucionalidade material, por violação do princípio da legalidade e subsidiariedade previstos no artigo 28º, nº 2, da CRP.

27. Além disso, o despacho recorrido não fundamentou solidamente a prisão preventiva do recorrente em indícios sólidos e fortes, e em receios concretos, compatíveis com a situação do arguido, ora recorrente.

28. A medida de coação de prisão preventiva, no caso concreto, revela uma total insensibilidade do tribunal, pois privou o recorrente do convívio social e familiar (com a irmã, filhas e restante família), tendo uma proposta de trabalho, não atendendo, também, à colaboração do arguido com o tribunal, pois já por duas vezes prestou declarações.

29. Considera-se que a prova resultante das declarações prestadas pelo ora recorrente não foi corretamente analisada, porquanto o despacho recorrido não fez menção a este facto, apesar do mesmo resultar claro da análise das suas declarações.

30. Assim sendo, nos termos dos factos supra descritos, demonstra-se com clareza que o despacho recorrido violou, por erro e má interpretação, os artigos 191º, nº 1, 193º, 202º, nº 1, e 204º, todos do CPP, não obedecendo aos princípios da legalidade, da necessidade, da adequação e da proporcionalidade, e ainda à excecionalidade da medida de coação de prisão preventiva.

Termos em que, deve o presente recurso merecer provimento, e, consequentemente, deve revogar-se a decisão recorrida que ordenou a medida de coação de prisão preventiva, ficando o recorrente a aguardar os ulteriores termos do processo na situação prevista no artigo 198º do CPP (obrigação de apresentação periódica) ou no artigo 201º (OPH - cumulativamente como sistema de VE, nos termos da Lei nº 122/99, de 20-08), e, eventualmente, a proibição de contactar com fornecedores e consumidores de produtos estupefacientes, nos termos do artigo 200º, nº 1, al. d), do CPP, respeitando-se, desse modo, os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade previstos no artigo 193º do CPP.
*
O Exmº Magistrado do Ministério Público junto do tribunal de primeira instância respondeu ao recurso, entendendo que deve ser negado provimento ao mesmo.

Neste Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, manifestando-se também no sentido da improcedência do recurso.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do C. P. Penal, não foi apresentada qualquer resposta.

Efetuado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foi o processo à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1 - Delimitação do objeto do recurso.
No presente caso a única questão evidenciada no recurso, segundo o âmbito das correspondentes conclusões, as quais delimitam o objeto do recurso e definem os poderes cognitivos deste tribunal ad quem, nos termos do disposto no artigo 412º, nº 1, do C. P. Penal, consiste em saber se é de manter a medida de coação de prisão preventiva imposta ao recorrente ou se a mesma deverá ser revogada.

2 - A decisão recorrida.

O despacho aplicado em sede de primeiro interrogatório judicial é do seguinte teor:

“Julgo válida a detenção dos arguidos EE e FF porque efetuada nos termos do disposto nos artigos 257°, n° 1, alínea b), do Código de Processo Penal e 27°, n° 3, alínea b), da Constituição da República Portuguesa.

Foi respeitado o prazo de apresentação a que se referem os artigos 141°, nº 1, e 254°, nº 1, alínea a), ambos do Código de Processo Penal e 28°, n° 1, da Constituição da República Portuguesa.
Indiciam fortemente os autos que:

1. Pelo menos desde o início do mês de Janeiro de 2018, os arguidos EE e FF, em comunhão de esforços e vontades e em execução de um plano previamente delineado a que ambos aderiram, dedicaram-se ao tráfico de produtos estupefacientes, designadamente de "Heroína" e "Cocaína", na modalidade de venda direta ao consumidor, tendo vendido produto estupefaciente a um número indeterminado de consumidores que se dispuseram a comprar-lhe.

2. Fizeram-no na região do Alentejo, designadamente na área dos Concelhos de Beja, Ferreira do Alentejo, Ourique e Odemira.

3. Para o efeito, os arguidos EE e FF abastecem-se de produto estupefaciente na área da grande Lisboa, e utilizando várias viaturas automóveis, designadamente o veículo de marca Ford, modelo Fiesta, de cor Branca, ostentando a matrícula -0L, veículo, marca Ford, modelo Fiesta, de cor Azul, ostentando a matrícula -QE, veículo, marca Audi, modelo A3, de cor Preta, ostentando a matrícula -OO, veículo, marca Ford, modelo Fiesta, de cor Preta, ostentando a matrícula - NN, deslocam-se para o Alentejo para proceder ao contacto com eventuais consumidores e aí, em locais ermos, com vegetação densa e longe de agregados populacionais, procederem à venda do produto estupefaciente.

4. Concretizando, os arguidos, chegados ao Alentejo, circulam e/ou deslocam-se a locais ermos com densa vegetação e difícil acesso, onde apenas se deslocam os consumidores de estupefacientes, que com eles previamente contactaram através de um número de telemóvel, no qual são informados do local de encontro e onde é desde logo, realizada a "encomenda' do produto pretendido.

5. Após, procedem a marcação do local, hora, preço e quantidade pretendida.

6. Durante o tempo que permanecem no Alentejo a escoar o produto estupefaciente, os arguidos arrendaram um anexo no primeiro andar da residência, sita na Avenida…, Alvalade do Sado, local onde pernoitam durante os dias, e permanecem no Alentejo a efetuar a venda e distribuição de produtos estupefacientes.

7. Em concretização da sua atividade delituosa, no dia 6 de março de 2018, pelas 18h00, no IC1, Km 593, os arguidos faziam-se transportar no veículo de matrícula –RO.

8. Na Bagageira do referido veículo, dentro da jante sobresselente, os arguidos transportavam um saco de plástico de cor escura, contendo no seu interior 201,45 gramas de HEROÍNA divididas em cinquenta e nove (59) "bolas" de 2,5 gramas e dez (10) "bolas de 5 gramas, e 11,65 gramas de COCAINA, divididas em 170 vulgo "pacotes" de doses individuais e mais 6,85 gramas de COCAINA em pedra de cor branca e vários sacos de plástico de tamanho médio e cor transparente para execução de recortes para acondicionar o produto estupefaciente.

9. A quantia de heroína detida pelos arguidos corresponde a 2014,5 doses individuais, as quais, vendidas a um preço de € 20,00, perfazem o montante global de € 4.020,00.

10. No interior do porta-luvas da viatura os arguidos detinham: 4 cartões SIM pré-pagos da operadora LYCAMOBILE.

11. Concomitantemente, o arguido EE guardava no bolso do casaco, produto da venda de produto estupefaciente:
- 5 notas de €10 euros;
- 3 moedas de 1 € euro;
- 1 moeda de 20 cêntimos;
- Uma caixa de cor vermelha contendo no seu interior: duas argolas em ouro, dois corações em ouro, uma medalha em ouro com a inscrição "lembrança de tios", uma pulseira em ouro com uma medalha em ouro com a inscrição "lembrança de mãe".
- Uma bola roxa da marca reebok, contendo no seu interior: 4 notas de €5 euros, 1 moeda de 20 cêntimos, 3 embalagens de cartões telefónicas vazias correspondentes aos números telefone 96403---, 92435---, 96225---, 4 embalagens de cartões SIM vazias, correspondentes aos SIM 8935--- 0000712678--, 89351--- 0000750355---- 89351--- 000074507---, 89351--- 000072929---, 1 cartão SIM com o número 000745074---, 1 cartão telefónico com cartão Sim correspondente ao número 96996---;
- Um telemóvel de marca Samsung de cor preta, com o EMEI 3528040912---;
- Um telemóvel da marca Nokia de cor preta com o EMEI 35489208886---;
- Um telemóvel da marca Yezz com o EMEI 35682707335---.

12. Por seu turno, o arguido FF guardava, numa bolsa da marca Reebok, de cor preta:
- 1 nota de €50 euros;
- 2 notas de €20 euros;
- Uma moeda de 10 cêntimos;
- Duas moedas e 5 cêntimos;
- Duas moedas de 2 cêntimos;
- 4 moedas de 1 cêntimo;
- Um canivete de cor bege com lâmina de 8,5 centímetros;
- 3 embalagens de cartões SIM vazias correspondentes ao SIM 89351—0000731690---, 89351--- 000072851---, 893510—0000729182---;
- 2 embalagens de cartões telefónicos vazias, correspondentes aos números 92771---, 967968---;
- Um telemóvel de marca Samsung, dual SIm, com o EMEI 352085--.

13. Já na residência supra citada, sita na Avenida…, em Alvalade de Sado, os arguidos guardavam 5 sacos plásticos de cor transparente, os quais eram utilizados para fazer recortes para embalamento de doses de produto estupefaciente.

14. Os arguidos tinham perfeito conhecimento que o produto que transportavam, guardavam e vendiam é considerado, pela sua composição, natureza, característica e efeitos, substâncias estupefacientes e, como tal, que toda a atividade relacionada com ele, designadamente posse, consumo, oferta ou cedência a qualquer título a terceiros, por eles levada a cabo, lhes estava vedada.

15. Os arguidos agiram deliberada, voluntária e conscientemente, por vezes em comunhão de esforços e vontades e em execução de um plano previamente delineado a que todos aderiram e que consistia na venda de heroína e cocaína a quem se dispusesse a compra-lhes.

16. Os suspeitos não têm qualquer atividade profissional remunerada.

17. Sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

18. O arguido EE tem antecedentes criminais, porquanto:

- Por factos praticados em 22.10.2012, foi condenado por sentença transitada em julgado em 06.08.2014, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 3 anos e 8 meses de prisão suspensa sujeita a regime de prova.

19. O arguido FF tem antecedentes criminais, porquanto:

- Por factos praticados em 30.01.2016, foi condenado por sentença transitada em julgado em 09.03.2016, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez e um crime de condução sem habilitação legal, na pena única de 150 dias de multa, à taxa diária de € 5,00;

- Por factos praticados em 11.07.2016, foi condenado por sentença transitada em julgado em 03.10.2016, pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez, na pena de 75 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 e ainda na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses.

20. O arguido EE encontra-se desempregado desde julho de 2017 e está inscrito no Centro de Emprego, tendo terminado um curso de formação na área da construção, não auferindo qualquer subsídio.

21. O arguido vive com a irmã, que exerce a atividade de empregada doméstica.

22. O arguido vive da ajuda económica da sua irmã e de um tio.

23. O arguido tem três filhas menores, uma que habita em Cabo Verde e as outras duas em Portugal com as respetivas mães.

24. O arguido FF é estudante.

Os indícios decorrem do teor do (a)(s):
- Autos de notícia de fls. 3 a 6,327 a 333,336 e 337, 416 a 420.
- Pesquisas de fls. 8 a 15, 52 a 57, 424 a 427,650 e 651,908 a 997.
- Autos de ocorrência de fls. 48, 204, 205.
- Relatos de Diligência Externa de fls. 49 e 50, 63 a 66, 87 e 88, 199 a 202, 305 a 309, 605 a 608, 642 e 643.
- Fotografias de fls. 16,89 a 93,310 a 325,413,414,648, 1025 a 1028.
- Autos de contraordenação de fls. 645 e 646.
- Autos de busca e apreensão de fls. 1013 a 1022, 1031 e 1032, 1049 e 1050, 1052 a 1054.
- Auto de pesagem de droga de fls. 1024 a 1030.
- Auto de teste rápido de fls. 1023, 1029.
- Autos de transcrições de escutas telefónicas - Apenso.
- Certificados de Registo Criminal de fls. 1148 a 1154.

Os factos indiciados consubstanciam a prática pelos arguidos EE e FF, em coautoria e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo disposto no artigo 21º, nº 1 do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de janeiro, por referência à Tabela I-A e B, anexa ao citado diploma legal.

No que toca à convicção do tribunal sobre a factualidade supra referida:

No que se refere à responsabilidade penal do arguido EE, atendeu o tribunal aos elementos de prova supra referidos.

A versão dos factos apresentada pelo arguido revelou-se desculpabilizante e desconforme com as regras da lógica e da experiência comum. O arguido pretendeu imputar ao coarguido FF a existência de qualquer responsabilidade penal.

Afirmou que era este último quem o contactava pedindo-lhe para este o conduzir ao Alentejo, sendo que é o coarguido FF que é conhecido como “Dani”. Certo é que, das escutas telefónicas e dos autos de ocorrência juntos aos autos resulta que é o arguido EE quem é conhecido como Dani, sendo este quem contacta com os consumidores, combinando os locais de entrega e as quantidades de produto estupefaciente. De facto, foi este quem alugou a habitação sita na Avenida…., em Alvalade de Sado (o que confirmou) e foi também este que alugou o veículo matrícula RO, onde os arguidos circulavam no dia 06.03.2018, e não o arguido FF, e era também este que trazia consigo vários telemóveis e cartões de telemóveis, usados frequentemente por quem se dedica a estas atividades ilícitas para evitar a possibilidade de escutas, tudo indiciando pois que o arguido EE é por demais conhecedor da atividade de tráfico a que os arguidos se dedicam.

Acresce que, não é crível que o arguido EE, que já foi condenado pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, desconhecesse, como afirmou, o que é que o arguido FF vinha fazer ao Alentejo, pois seria desfasado da realidade crer que sendo o FF um estudante, como tal sem fonte de rendimentos conhecida, lhe pagasse € 300,00 de cada vez que precisava de se deslocar ao Alentejo apenas para que o arguido E. conduzisse, quando, como o próprio arguido EE afirmou, o FF até tem carta de condução.

Não pode ainda deixar de se salientar que o arguido EE não conseguiu apresentar justificação plausível para o facto de transportar consigo vários itens de ouro, que disse serem de sua propriedade, mas que, pelas regras da normalidade, constituirão sim pagamentos pela venda de produto estupefaciente. Nem para o facto de, estando desempregado, ser proprietário de pelo menos três telemóveis diferentes e um total de oito cartões telefónicos, objetos que, em tal quantidade, costumam ser usados pelos traficantes para, como já acima se aludiu, obstar à realização de escutas telefónicas.

Em suma, não colhe a versão dos factos apresentada pelo arguido, por se mostrar inverosímil e desconforme com as regras da lógica e da experiência comum, mostrando-se antes os factos fortemente indiciados sustentados pelos elementos de prova supra referidos e não infirmados pelas declarações deste.

No que se refere à responsabilidade penal do arguido FF, temos que este, usando de direito que a lei lhe confere, não prestou declarações quanto aos factos a ele imputados, por conseguinte bastou-se o juízo indiciário com os meios de prova constantes dos autos.

Relativamente à situação socioeconómica do arguido EE, as declarações do mesmo reputam-se de suficiente credibilidade.

Quanto aos antecedentes criminais relevaram os certificados juntos aos autos.

O Ministério Público solicitou a aplicação da medida de coação de prisão preventiva, a ambos os arguidos, uma vez que se verifica a existência de perigo de fuga, perigo de perturbação do inquérito e perigo de continuação da atividade criminosa.

O Ilustre Defensor do arguido EE pugnou pela aplicação das medidas de coação de proibição de contactos e apresentações periódicas.

A Ilustre Defensora do arguido FF pugnou pela aplicação das medidas de coação de proibição de contactos e apresentações periódicas.

A liberdade das pessoas só pode ser limitada total ou parcialmente em função das exigências processuais de natureza cautelar, pelas medidas de coação e garantia patrimonial previstas na Lei, à exceção do termo de identidade e residência, que tem sempre lugar (artigos 191º, nºs 1 e 2, e 196º, nº 1, do Código de Processo Penal).

Presidem à aplicação das medidas de coação os princípios da adequação e proporcionalidade, devendo reservar-se a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação para as situações em que as demais medidas se revelem inadequadas ou insuficientes (artigo 193º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Penal). Entre a prisão preventiva e a obrigação de permanência na habitação deve ser dada preferência à segunda sempre que se revele suficiente para satisfazer as exigências cautelares do processo (artigo 193º, nº 3, do Código de Processo Penal).

Por fim, nenhuma medida de coação, à exceção do termo de identidade e residência, pode ser aplicada se em concreto se não verificar, no momento da aplicação, fuga ou perigo de fuga, perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo, ou perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de que este continue em atividade criminosa ou perturbe gravemente a ordem ou tranquilidade públicas (artigo 204º do Código de Processo Penal).

Vista a factualidade e o seu enquadramento, importa então ponderar da existência dos perigos a que alude o artigo 204º do Código de Processo Penal.

Quanto ao arguido EE
No presente caso, e quanto ao concreto perigo de fuga, ex ante importa atender a que este deverá tratar-se de um perigo concreto, ou seja, de um perigo não abstratamente presumido e, sim, concretamente justificado.

Os elementos objetivos do receio de fuga não poderão deixar de assentar num juízo de avaliação da realidade hipotética, que se ajuste ao senso comum sem o distorcer, nem na sobrevalorização dos perigos, nem na sua ignorância ou desvalorização.

Neste domínio, ensinava já o Prof. Cavaleiro Ferreira que não é de exagerar, ampliando-o, o perigo de fuga. É um perigo real, mas sempre "relativo", que aqui importa. Quanto ao perigo, ele deve ser real e iminente, não meramente hipotético, virtual ou longínquo, e resultar da ponderação de fatores vários, como sejam toda a factualidade conhecida no processo e a sua gravidade, bem como quaisquer outros, como a idade, saúde, situação económica, profissional e civil do arguido, bem como a sua inserção no contexto social e familiar.

É primordial averiguar-se, em face do circunstancialismo concreto do caso, se a pessoa em causa tem ou não, ao seu dispor, meios ou condições, designadamente a nível económico e social, para se subtrair à ação da justiça e às suas responsabilidades criminais, ou se existe um sério perigo que tal venha a suceder, independentemente da gravidade dos crimes indiciariamente cometidos.

Assim, a mera possibilidade de futura condenação em pena de prisão não permite concluir pela existência de um concreto perigo de fuga, na mesma medida em que nem mesmo a ocorrência dessa condenação o permite.

Neste sentido - de que a condenação em pena de prisão efetiva, mesmo elevada, não integra o "perigo de fuga" - se tem vindo a pronunciar a jurisprudência, cremos que uniformemente, na atualidade (ver, entre muitos, acórdãos do TRE de 17.09.2009 rel. Carlos Berguete e do TRL de 26.11.2009 rel. Fátima Mata-Mouros, www.dgsi.pt).

Os conceitos de fuga e de perigo de fuga traduzem “desaparecimento, debandada, desconhecimento de paradeiro, e devem estar associados ao incumprimento das obrigações de disponibilidade e comparência impostas pela lei processual penal” (acórdão do TRL de 19.09.2007 rel. Carlos Almeida www.dgsi.pt).

No caso dos autos, o facto de o arguido se encontrar desempregado e ter nacionalidade cabo-verdiana, um tio que vive em tal país, uma filha que vive também em tal país, tornam-lhe mais fácil a mobilidade, caso decida furtar-se à ação da justiça.

Acresce que, do processo consta um contrato de aluguer datado de 19.02.2018, junto a fls. 1015, em que o arguido declarou morar na Rua…., Rio de Mouro, quando o arguido declarou agora em sede de primeiro interrogatório residir na Rua …, na Amadora, sendo que tinha ainda alugado uma habitação em Alvalade do Sado, conforme factos fortemente indiciados, o que é revelador da facilidade que o arguido, embora desempregado e sendo sustentado pela sua irmã, que exerce atividade profissional parcamente remunerada (empregada doméstica), tem em se deslocar, facto a que não serão certamente alheios os elevados rendimentos advenientes da prática da atividade de tráfico de estupefacientes aqui fortemente indiciada.

Consideramos, pois, que tais factos nos permitem concluir pela verificação do perigo de fuga.

Relativamente ao perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo:

Resulta claramente das interceções telefónicas transcritas nos autos que o arguido possui uma vasta rede de contactos com consumidores de estupefacientes - alguns deles identificados nos autos -, o que evidencia a facilidade com que, em liberdade, poderá vir a contactar com os mesmos e combinar versões, pelo que consideramos palpável e real a existência de perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo.

Os factos indiciados são, ainda em nosso entender, demonstrativos de que, em razão da natureza, circunstâncias do crime e da personalidade do arguido, existe perigo de continuação da atividade criminosa.

O arguido não está profissionalmente inserido e vive a expensas da sua irmã, empregada doméstica, contudo, é evidente que não é com a ajuda da sua irmã que o arguido se sustenta.

As sucessivas deslocações do arguido ao Alentejo e o modo já bastante organizado como exerce a atividade de tráfico (com recurso a diversos veículos, inclusivamente um deles alugado, alugando uma habitação no local onde pratica a atividade, em Alvalade do Sado, sendo constantemente contactado por consumidores, como resulta das escutas telefónicas, usando diversos números de telemóvel e vários aparelhos telefónicos, e a quantidade e qualidade de produto estupefaciente apreendido, mais de 200 gramas de heroína e mais de 15 gramas de cocaína) são bem reveladores de um estilo de vida do qual muito dificilmente se apartará, até pelas avultadas quantias que esta atividade necessariamente lhe proporciona.

Acresce que não existem fundados motivos para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal.

Estão, pois, reunidas as condições legais que possibilitam a aplicação de medidas de coação, nos termos dos artigos 191º, nº 1, 192º e 204º, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal.

A aplicação das medidas de coação está sujeita aos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade (artigos 191º a 193º, nº 1, do Código de Processo Penal). Com efeito, devem as mesmas ser quantitativa e qualitativamente adequadas às exigências concretamente verificadas e proporcionais à gravidade do crime e das sanções que, previsivelmente venham a ser aplicadas (artigo 193º do Código de Processo Penal).

Presidem, portanto, à aplicação das medidas de coação os princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade.

A favor do arguido militará a sua integração familiar e nada mais, contra si temos a falta de integração profissional, os antecedentes criminais (um pela prática do mesmo tipo de crime) e a personalidade por si revelada neste primeiro interrogatório, em que não mostrou qualquer consciência ou arrependimento do ilícito praticado, tendo antes procurado assacar as culpas ao coarguido FF.

Caso o arguido seja devolvido à liberdade existe, pois, um sério e fundado perigo de fuga, perturbação do inquérito e continuação da atividade criminosa, perigos que unicamente serão erradicados, a nosso ver, se lhe for aplicada medida privativa da liberdade.

É, pois, nossa opinião que este arguido deverá aguardar os ulteriores termos do processo em prisão preventiva.

Qualquer outra medida privativa da liberdade, como o é a medida de obrigação de permanência na habitação, considera-se insuficiente para acautelar tais receios, ainda que complementada com os meios de vigilância eletrónica, uma vez que, por motivos óbvios, não tem a virtualidade de impedir ou monitorizar se o arguido continua a receber e entregar material estupefaciente a partir da sua residência, de modo a conseguir manter os seus proventos económicos, até porque não tem outras fontes de rendimentos, bastando para tanto pensar na facilidade de comunicações eletrónicas modernas (telemóvel, SMS, internet, etc.).

Os arguidos demonstraram terem capacidade organizativa e possuírem os contactos que lhes permitem possuir tão elevadas quantidades de estupefacientes, e sempre poderão, por intermédio de cúmplices, levar a cabo tal atividade. Cúmplices esses que, face aos elevados lucros da atividade em causa, não serão provavelmente difíceis de recrutar.

Além disso, a medida de obrigação de permanência na habitação cumulada com a medida de proibição de contactos não é suficiente para acautelar as exigências inerentes ao perigo de perturbação do inquérito, por serem ainda desconhecidos nos autos a identidade da maioria dos compradores de estupefacientes que se abasteciam através dos arguidos, nem ser possível o recurso a escutas para controlo da execução de tal medida.

Nessa conformidade, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 191º, 192º, nº 2, 193º, 196º, 202º, nº 1, alínea a), e 204º, alíneas a), b) e c), todos do Código de Processo Penal, determino que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo, por ora, sujeita às seguintes medidas:

- Obrigações decorrentes do termo de identidade e residência, já prestado nos autos; e,
- Prisão preventiva.

Cumpra o disposto no artigo 194º, nºs 9 e 10, do Código de Processo Penal.

Quanto ao arguido FF

No presente caso, e quanto ao concreto perigo de fuga, tendo em conta as considerações teóricas já acima expandidas, verificamos que, inexiste nos autos qualquer indício de que o arguido tenha qualquer facilidade concreta e objetiva em concretizar uma fuga à ação da justiça.

Relativamente ao perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo:

Resulta claramente das interceções telefónicas transcritas nos autos que o arguido possui uma vasta rede de contactos com consumidores de estupefacientes - alguns deles já identificados nos autos - o que evidencia a facilidade com que em liberdade poderá vir a contactar com os mesmos e combinar versões, pelo que, consideramos palpável e real a existência de perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo.

Os factos indiciados são, em nosso entender, demonstrativos de que, em razão da natureza, circunstâncias do crime e da personalidade do arguido, existe perigo de continuação da atividade criminosa.

No presente caso, entende-se que, face à forma organizada como a conduta indiciada foi praticada, a quantidade de estupefaciente apreendido, e a rentabilidade do mesmo no mercado nacional, existe uma forte possibilidade de continuação da atividade criminosa, por parte deste arguido.

De facto, os necessariamente elevados proventos que a atividade de tráfico de cocaína e heroína que o arguido tem vindo a, em conjunto com o coarguido EE, praticar, ao longo de cerca de 2 meses, e a já considerável organização no modo como levavam a cabo tal atividade, levam a crer que o arguido continuará a delinquir.

Acresce que não existem fundados motivos para crer na existência de causas de isenção da responsabilidade ou de extinção do procedimento criminal.

Estão, pois, reunidas as condições legais que possibilitam a aplicação de medidas de coação, nos termos dos artigos 191º, nº 1, 192° e 204°, alíneas b) e c), do Código de Processo Penal.

A aplicação das medidas de coação está sujeita aos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade (artigos 191° a 193°, n° 1, do Código de Processo Penal). Com efeito, devem as mesmas ser quantitativa e qualitativamente adequadas às exigências concretamente verificadas e proporcionais à gravidade do crime e das sanções que, previsivelmente venham a ser aplicadas (artigo 193° do Código de Processo Penal).

Presidem, portanto, à aplicação das medidas de coação os princípios da necessidade, da adequação e proporcionalidade.

Contra o arguido temos os antecedentes criminais, pela prática de crimes de diferente natureza é certo, e a seu favor nada foi possível apurar.

Caso o arguido seja devolvido à liberdade existe, pois, um sério e fundado perigo de perturbação do inquérito e continuação da atividade criminosa, os quais, unicamente serão erradicados, a nosso ver, se lhe for aplicada medida privativa da liberdade.

É, pois, nossa opinião que este arguido deverá aguardar os ulteriores termos do processo em prisão preventiva.

Qualquer outra medida privativa da liberdade, como o é a medida de obrigação de permanência na habitação, considera-se insuficiente para acautelar tais receios, ainda que complementada com os meios de vigilância eletrónica, uma vez que, por motivos óbvios, não tem a virtualidade de impedir ou monitorizar se o arguido continua a receber e entregar material estupefaciente a partir da sua residência, de modo a conseguir manter os seus proventos económicos, até porque não tem outras fontes de rendimento, bastando para tanto pensar na facilidade de comunicações eletrónicas modernas (telemóvel, SMS, internet, etc.).

Os arguidos demonstraram terem capacidade organizativa e possuírem os contactos que lhes permitem possuir tão elevadas quantidades de estupefaciente e sempre poderão, por intermédio de cúmplices, levar a cabo tal atividade. Cúmplices esses que, face aos elevados lucros da atividade em causa, não serão provavelmente difíceis de recrutar.

Além disso, a medida de obrigação de permanência na habitação cumulada com a medida de proibição de contactos, não é suficiente para acautelar as exigências inerentes ao perigo de perturbação do inquérito, por serem ainda desconhecidos nos autos a identidade da maioria dos compradores de estupefacientes que se abasteciam através dos arguidos, nem ser possível o recurso a escutas para controlo da execução de tal medida.

Nessa conformidade, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 191°,192°, n° 2, 193°, 196°, 202°, nº 1, alínea a), e 204°, alíneas b) e c), todos do Código de Processo Penal, determino que o arguido aguarde os ulteriores termos do processo, por ora, sujeita às seguintes medidas:

- Obrigações decorrentes do termo de identidade e residência, já prestado nos autos; e,
- Prisão preventiva.

Cumpra o disposto no artigo 194º, nºs 9 e 10, do Código de Processo Penal.
Devolvam-se os autos aos Serviços do Ministério Público junto deste tribunal para prossecução do inquérito”.

3 - Apreciação do mérito do recurso.

a) Dos indícios.

O recorrente, na motivação de recurso, e em breve síntese, considera que não existem indícios suficientes da prática do crime de tráfico de estupefacientes que lhe é imputado no despacho revidendo.

Cumpre decidir.
Para ser decretada a prisão preventiva, a lei exige a verificação de “fortes indícios” da prática pelo arguido de um crime doloso enquadrável numa das específicas alíneas do nº 1 do artigo 202º do C. P. Penal.

Deve considerar-se existirem “fortes indícios” da verificação do crime de tráfico de estupefacientes por parte do arguido/recorrente se puder concluir-se, com segurança, pela probabilidade elevada de a tal arguido, por força deles, vir a ser aplicada uma pena de prisão por esse mesmo tipo legal de crime.

Como bem se salienta no Ac. da R.L. de 08-01-2003 (Processo nº 0096353, relator Clemente Lima, in www.dgsi.pt), “a expressão fortes indícios da prática do crime (…) inculca a ideia da necessidade de que a suspeita sobre a autoria ou participação no crime tenha uma base de sustentação segura, que essa suspeita assente em factos de relevo que façam acreditar que eles são idóneos e bastantes para imputar ao arguido essa responsabilidade. O que não invalida o entendimento de que a expressão utilizada pelo legislador porventura não constituirá mais do que uma injunção psicológica ao juiz, no sentido de uma maior exigência na ponderação dos dados probatórios recolhidos acerca do crime assacado ao arguido. Assim, quando a Lei fala em fortes indícios pretende exigir uma indiciação reforçada filiada no conceito de provas sérias”.

No dizer de Paulo Pinto de Albuquerque (in “Comentário do Código de Processo Penal”, Universidade Católica Editora, 2ª edição, pág. 331, nota nº 8 ao artigo 127º), indícios fortes são “as razões que sustentam e revelam uma convicção indubitável de que, de acordo com os elementos conhecidos no momento de prolação de uma decisão interlocutória, um facto se verifica. Este grau de convicção é o mesmo que levaria à condenação se os elementos conhecidos no final do processo fossem os mesmos do momento da decisão interlocutória”.

Por sua vez, sustentam Simas Santos e Leal Henriques (in “Código de Processo Penal Anotado”, Ed. Rei dos Livros, 2ª ed., 2004, Vol. I, pág. 995) que não basta que a suspeita sobre a autoria ou participação no crime “assente num qualquer estrato factual, mas antes em factos de relevo, que façam acreditar que eles são idóneos e bastantes para imputar ao arguido essa responsabilidade, sob pena de se arriscar uma medida tão gravosa como esta em relação a alguém que pode estar inocente ou sobre o qual não haja indícios seguros de que com toda a probabilidade venha a ser condenado pelo crime imputado”.

Ou seja, e em síntese, os “fortes indícios” significam o conjunto de elementos que, relacionados e conjugados, persuadem da culpabilidade do agente, fazendo nascer a convicção segura de que virá a ser condenado pelo crime que lhe é imputado.

Revertendo ao caso destes autos, olhando à globalidade dos elementos recolhidos quanto à questão de facto, designadamente ponderando as provas citadas no despacho sub judice, é já possível formular uma convicção segura sobre a probabilidade de condenação do ora recorrente.

A nosso ver, e manifestamente, resulta das provas já constantes do inquérito, e conforme bem se acentua no despacho recorrido, a existência de fortes indícios da prática, pelo arguido/recorrente, de um crime de tráfico de produtos estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22/01 (crime este punível, em abstracto, com pena de prisão de 04 a 12 anos).

Senão vejamos.

Muito embora o arguido/recorrente negue a prática dos factos (negação essa, diga-se, feita de forma nada convincente e nada credível), afirmando, no primeiro interrogatório judicial a que foi submetido, que se limitou a “conduzir” (como motorista “contratado”) o coarguido FF ao Alentejo, desconhecendo que, no interior da viatura na qual ambos se faziam transportar, no dia 6 de março de 2018, se encontrava, na respetiva bagageira (dentro da jante sobresselente), um saco com 201,45 gramas de heroína e 11,65 gramas de cocaína, divididas em 170 “pacotes” de doses individuais, e mais 6,85 gramas de cocaína em pedra de cor branca e, ainda, vários sacos de plástico para execução de recortes para acondicionar o produto estupefaciente, tal versão não possui a mínima verosimilhança.

Em primeiro lugar, essa versão não tem qualquer apego à realidade das coisas (às regras da experiência comumente aceites), porquanto, sendo o arguido FF um jovem estudante, com 20 anos de idade (nasceu em 25-03-1998) - cfr. identificação constante do auto de primeiro interrogatório -, não é minimamente crível que tenha “contratado” um “motorista”, para, assim, se fazer transportar ao Alentejo (nas declarações prestadas no primeiro interrogatório judicial, o ora recorrente afirmou desconhecer aquilo que o coarguido FF ia fazer ao Alentejo, limitando-se este a pagar-lhe 300 euros de cada vez que precisava de se deslocar ao Alentejo).

Ou seja, não possui verosimilhança a versão, trazida aos autos pelo ora recorrente, segundo a qual se limitou a “conduzir” o coarguido FF, desconhecendo, totalmente, a atividade delitiva por este levada a cabo.

Em segundo lugar, o recorrente detinha consigo (no bolso do casaco que vestia) diversas quantias em dinheiro, vários objetos em ouro, três embalagens de cartões telefónicos vazias correspondentes aos números de telefone 9640----, 9243---- e 9622----, quatro embalagens de cartões SIM vazias, correspondentes aos SIM 8935---, 00007126---, 8935—0000752---, 8935--- 000074507---, 8935-- e 000072929---, um cartão SIM com o número 00074507---, um cartão telefónico com cartão Sim correspondente ao número 969967--, um telemóvel de marca Samsung de cor preta, com o EMEI 35280409120---, um telemóvel da marca Nokia de cor preta com o EMEI 354892088---, e um telemóvel da marca Yezz com o EMEI 3568270733---.

Ora, encontra-se o recorrente desempregado (desde julho de 2017), não auferindo qualquer subsídio, residindo com uma irmã (que exerce a atividade de empregada doméstica) e vivendo da ajuda económica dessa sua irmã e de um tio (conforme as suas declarações em sede de primeiro interrogatório judicial), qualquer Homem de média formação (e de são entendimento), perante os elementos dos autos e face à panóplia de dinheiro, ouro e instrumentos de comunicação detidos pelo recorrente, conclui, sem hesitações ou margem para dúvidas, pela existência de “fortes indícios” de o recorrente se dedicar, intensamente, à atividade do tráfico de produtos estupefacientes.

Em terceiro lugar, a versão fornecida pelo recorrente é, manifestamente, contrariada pelo teor das interceções telefónicas efetuadas no âmbito dos presentes autos.

Na verdade, nessas interceções verifica-se, claramente, que o ora recorrente não apenas conhecia a atividade delitiva (de tráfico de estupefacientes) levada a cabo pelo coarguido FF, como também participava, ativamente, no desenvolvimento de tal atividade criminosa.

Nessas conversas telefónicas (e independentemente da questão de se saber qual dos arguidos era conhecido pela alcunha de “Dani”) constata-se, pois, que ambos os arguidos se dedicavam à atividade do tráfico de estupefacientes, sendo até o ora recorrente quem, com mais frequência, contactava com os consumidores, combinando com estes os locais de entrega e, bem assim, as quantidades de produto estupefaciente a entregar.

Por último, e ao invés do que parece entender-se na motivação do recurso, as interceções telefónicas (o conteúdo das mesmas), quando validamente autorizadas e levadas a cabo com obediência aos requisitos legais (como sucedeu in casu), são meios de prova (que, por si só, podem sustentar uma condenação criminal), e não meros meios (ou simples instrumentos) para obtenção de prova.

Em resumo: por um lado, as declarações do arguido/recorrente não possuem qualquer verosimilhança (pois contrariam as elementares regras da experiência comum), e, por outro lado, existem elementos probatórios que sustentam, fortemente, o juízo de indiciação formulado no despacho revidendo.

Assim sendo, e ao contrário do alegado na motivação do recurso, existem “fortes indícios” da prática pelo arguido EE de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21º, nº 1, do D.L. nº 15/93, de 22/01, crime a que corresponde uma moldura penal abstrata de 04 a 12 anos de prisão.

b) Dos perigos previstos no artigo 204º do C. P. Penal.
Na motivação do recurso discute-se a existência dos perigos assinalados no despacho recorrido (perigo de fuga, perigo de perturbação do decurso do inquérito, nomeadamente perigo para a aquisição e conservação da prova, e perigo de continuação da atividade criminosa).

Há que decidir.
O perigo de fuga existente nos autos, relativamente ao ora recorrente, é nítido e concreto (e está devidamente fundamentado no despacho revidendo), porquanto o recorrente é cidadão estrangeiro, tem ligações ao seu país de origem (onde tem uma filha) e já foi condenado pela prática do mesmo tipo legal de crime (tráfico de estupefacientes), bem conhecendo as consequências jurídico-penais que uma segunda condenação poderá implicar (longa privação da sua liberdade).

O perigo de continuação da atividade criminosa é também evidente (com o devido respeito pela opinião contraria e pelo esforço argumentativo constante da motivação do recurso), atendendo às concretas condições socioeconómicas do recorrente, que se encontra desempregado e a viver a expensas de familiares, sendo legitimamente de prever que, podendo, o recorrente continue a tentar obter proventos resultantes da atividade do tráfico de estupefacientes.

Do mesmo modo, e a nosso ver, é clara a existência do perigo de perturbação do decurso do inquérito, que já, ao que podemos constatar, os coarguidos negam, ambos, a respetiva responsabilidade na prática dos factos delitivos em apreço, imputando tal responsabilidade ao outro, havendo, pois, o perigo de, para conseguirem uma decisão de ilibação, contactarem, pressionarem e ameaçarem os consumidores, no sentido de estes confirmarem as suas versões.

Em conclusão: está configurada, em concreto, nestes autos, a existência dos perigos a que aludem as alíneas a), b) e c) do artigo 204º do C. P. Penal.

c) Da necessidade, adequação e proporcionalidade da prisão preventiva.

O recorrente questiona a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida de coação decretada no despacho revidendo (prisão preventiva), entendendo ainda que tal medida de coação fere o princípio da legalidade (artigo 191º do C. P. Penal), bem como o princípio da excecionalidade da prisão preventiva (artigo 28º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa).

Cabe apreciar e decidir.

A gravidade do crime indiciado e a previsibilidade da condenação do ora recorrente numa pena de prisão elevada justificam, do ponto de vista da necessidade, adequação e proporcionalidade, a imposição da prisão preventiva como medida coativa.

Por outro lado, nenhuma outra medida de coação se mostra adequada para afastar os acima assinalados perigos (de fuga, de perturbação do decurso do inquérito e de continuação da atividade criminosa), sendo certo, designadamente, que a medida de obrigação de permanência na habitação (ainda que sujeita a vigilância eletrónica) não é suficiente para acautelar o perigo de continuação da atividade do tráfico de estupefacientes, sabendo-se como tal atividade poderá ser desenvolvida mesmo a partir do domicílio, mediante a contratação de terceiros para efetuar o transporte das substâncias estupefacientes.

Dito de outro modo: a medida de coação imposta ao recorrente em sede de primeiro interrogatório judicial (prisão preventiva) é a única que se mostra plenamente adequada às exigências cautelares que o caso impõe, nenhuma das demais, designadamente a obrigação de permanência na habitação, ainda que complementada com a utilização de meios técnicos de controlo à distância, se mostrando suficiente e adequada para prevenir e acautelar os perigos que aqui se verificam (de fuga, de perturbação do decurso do inquérito e de continuação da atividade criminosa).

Acresce que, e ao contrário do alegado na motivação do recurso, a aplicação, neste concreto caso, da prisão preventiva não fere o princípio da legalidade (artigo 191º do C. P. Penal) nem o princípio da excecionalidade da prisão preventiva (artigo 28º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa).

É certo que, de acordo com o nosso ordenamento processual penal e tendo em atenção os princípios constitucionais que nos regem, a medida de coação de prisão preventiva tem natureza manifestamente excecional, não obrigatória e subsidiária, e a sua aplicação deve ainda ter em conta a consagração constitucional do princípio da presunção de inocência do arguido (cfr. artigo 32º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa).

Com efeito, a prisão preventiva, tal como as restantes medidas de coação, porque restringe a liberdade das pessoas em geral e pode, assim, atentar contra a soberania da dignidade humana, só se justifica como e enquanto necessária à salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e, portanto, também essenciais à harmonia da vida coletiva (cfr. o disposto no artigo 18º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa).

Isto é, às medidas de coação - expressão máxima da restrição de direitos, liberdades e garantias, no âmbito do processo penal - cumpre assegurar, embora num plano de excecionalidade e de equilíbrio, interesses também não menos essenciais (e todos constitucionalmente protegidos), como são os que se conexionam com a boa administração e realização da justiça.

Neste quadro, que é o constitucionalmente consagrado, o carácter excecional das medidas de coação, maxime da prisão preventiva, tem implicações particularmente relevantes ao nível do objetivo que prosseguem e da natureza cautelar que lhes é própria.

Como é consabido, a razão de ser da medida de coação reside em razões/motivos de natureza cautelar. A liberdade das pessoas só pode ser limitada, excetuado o caso regra de ocorrer sentença judicial condenatória, em função de exigências processuais de natureza cautelar (cfr. o preceituado no artigo 191º do C. P. Penal e nos artigos 27º e 28º da Constituição da República Portuguesa).

Sendo esta a ratio de qualquer uma das medidas de coação taxativamente previstas nos artigos 197º a 202º do C. P. Penal, temos que a sua aplicação há de ocorrer no âmbito da natureza de cada uma delas e não com fins punitivos, isto é, quando se verifiquem algum ou alguns dos pressupostos enunciados no artigo 204º do C. P. Penal, cumulados com os requisitos estabelecidos naquelas normas (artigos 197º a 202º), sempre que cada uma das medidas seja proporcionada à gravidade do crime e às sanções que, previsivelmente, venham a ser aplicadas ao arguido (artigo 193º do mesmo diploma legal), havendo que tomar ainda em conta o princípio da adequação, estritamente correlacionado com os interesses que se pretendem acautelar, complementado com o princípio da subsidiariedade, em função do qual a prisão preventiva, como medida de ultima ratio, só será de aplicar quando se considerarem inadequadas ou insuficientes outras medidas que também contendam com a liberdade pessoal, mas menos gravosas.

À luz do que vem de dizer-se, e ponderando o caso concreto posto nos presentes autos, o despacho revidendo (além de estar devida e profusamente fundamentado) não enferma de qualquer interpretação normativa desconforme à Constituição da República Portuguesa, nem a aplicação ao ora recorrente da prisão preventiva desrespeita qualquer norma legal ou qualquer preceito ou princípio constitucional (ao contrário do invocado na motivação do recurso).

Por tudo o que se deixou dito, o presente recurso é de improceder.

III - DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes que compõem a Secção Criminal do Tribunal da Relação de Évora decidem negar provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UCs.

Texto processado e integralmente revisto pelo relator.

Évora, 26 de junho de 2018

João Manuel Monteiro Amaro

Maria Filomena de Paula Soares